Desabafos de Mourão revelam divórcio de Bolsonaro em 2022


Vice-presidente chama Salles de mal-educado, pede punição a Pazuello e é excluído de viagens e reuniões ministeriais

Por Vera Rosa

Caro leitor,

O desabafo do vice-presidente Hamilton Mourão no fim de uma reunião do Conselho da Amazônia Legal e a defesa pública feita por ele de punição ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello incomodaram o presidente Jair Bolsonaro. Mas Mourão não se importa mais com isso. Há tempos ele tenta saber, sem sucesso, por que Bolsonaro o deixa apartado das discussões no Palácio do Planalto, não o chama para reuniões ministeriais ou conversas reservadas e muito menos para viagens, como a desta quinta-feira, 27.

Em visita a São Gabriel da Cachoeira (AM) para inauguração de uma ponte, Bolsonaro estava acompanhado de cinco generais, entre os quais o ministro da Defesa, Braga Netto; o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o comandante militar da Amazônia, Estevam Cals Gaspar de Oliveira. Mourão preside o Conselho da Amazônia Legal e não foi convidado.

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O vice-presidente Hamilton Mourão Foto: Adriano Machado/Reuters

São vários os episódios que revelam o isolamento e a solidão do vice-presidente. Ao passar uma descompostura no ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a quem chamou de mal-educado por não ter comparecido, nesta quarta-feira, 26, à reunião do Conselho da Amazônia nem mandado representante, Mourão escancarou seu mal-estar no governo. A portas fechadas, o vice avalia estar sendo sabotado pelo ministro, que tem o apoio de Bolsonaro. Salles é alvo de uma operação da Polícia Federal que investiga um esquema de exportação de madeira ilegal.

“Nós precisamos de cooperação”, afirmou Mourão, ao admitir a piora nos índices de desmatamento. “Lamento profundamente a ausência do ministério mais importante, que não compareceu à reunião de hoje (26 de maio) nem mandou representante, muito menos deu qualquer tipo de desculpa, que é o Ministério do Meio Ambiente. Na forma como eu fui formado, considero isso falta de educação”.

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A difícil situação do vice ao tentar se equilibrar em um governo que faz “bullying” com as Forças Armadas tem ficado cada vez mais nítida. Na noite de 27 de abril, por exemplo, Bolsonaro promoveu um jantar no Palácio da Alvorada com a cúpula do PRTB, partido que tem Mourão como seu mais importante filiado, mas não convidou o vice para o encontro.

A advogada Karina Rodrigues Fidelix da Cruz, filha de Levy Fidelix, que presidia o PRBT e morreu há um mês, participou do jantar naquela terça-feira, no Alvorada. Karina defende o vice-presidente em processos que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, sob o argumento de que a dupla se beneficiou, na disputa de 2018, de disparos em massa de fake news pelo WhatsApp, entre outros motivos. Em mais um sintoma do distanciamento, Bolsonaro tem uma advogada e Mourão, outra. O mesmo ocorreu com Dilma Rousseff e Michel Temer quando enfrentaram ações no TSE.

Com pressa em recuperar a popularidade perdida e em campanha pela reeleição, o presidente está em busca de um partido, mas as negociações com o PRTB não prosperaram. “Ninguém quer entregar o osso aí para a gente. Querem entregar só o casco do boi”, disse ele, recentemente, em conversa com apoiadores. Pelo PRTB, Mourão pretende se candidatar ao Senado, em 2022, pois tem certeza de que não será novamente chamado para compor chapa com Bolsonaro. E, mesmo que fosse, provavelmente não aceitaria.

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O divórcio entre Bolsonaro e Mourão já está em curso, mas longe dos holofotes. Nos últimos dias, o presidente demonstrou extrema irritação com o vice por ele ter dito que Eduardo Pazuello havia posto “a cabeça no cutelo” e entendido seu erro ao participar de ato político no domingo, no Rio. Detalhe: quem passou o microfone para Pazuello falar foi o próprio Bolsonaro, que quer ver o ex-ministro como candidato a deputado federal e faz com ele uma espécie de treinamento intensivo de palanque.

“Quem está incentivando a indisciplina é justamente o comandante em chefe das Forças Armadas”, observou o ex-ministro da Defesa e Segurança Pública Raul Jungmann, numa referência a Bolsonaro. “Ao presidente interessa a não punição de Pazuello como incentivo à anarquia nos quartéis.”

Para Jungmann, Bolsonaro quer o aval das Forças Armadas para uma “guinada autoritária” no momento em que sua aprovação está em queda e se torna evidente a desastrosa condução da pandemia de covid-19, aliada ao agravamento do desemprego.

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“O exemplo definitivo das intenções do presidente foi a demissão do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que não concordaram em endossar a ameaça ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso e aos governadores”, insistiu Jungmann. “Bolsonaro conseguiu impor às Forças Armadas a sua concepção de hierarquia, aquela que o absolveu dos crimes militares que cometeu”, destacou o sociólogo Paulo Delgado, ex-presidente da Comissão de Defesa da Câmara.

Mesmo sem ser consultado, Mourão sugeriu a Pazuello, mais de uma vez, que passasse para a reserva. Seria uma forma de escapar de uma pena mais severa, já que o Regulamento Disciplinar do Exército proíbe a participação de militares da ativa em manifestações político-eleitorais. O vice fala por experiência própria: ele mesmo já perdeu o Comando Militar do Sul por criticar Dilma, em palestra proferida em 2015, quando disse ser necessário um “despertar para a luta patriótica”. Dois anos depois, em 2017, afirmou que Temer mantinha um “balcão de negócios” para se manter no poder.

Pazuello tem reiterado que não quer pedir “aposentadoria”, ao menos enquanto durar a CPI da Covid. Argumenta que ficará fragilizado se chegar para novo depoimento à CPI tendo pendurado as chuteiras antes da hora.

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“Você está se arrebentando e arrebentando a nossa imagem”, disse Mourão a Pazuello, quando ele ainda era ministro da Saúde, segundo relato de dois interlocutores do vice. Não adiantou. Mourão, no entanto, é conhecido pela insistência e por ser adepto do ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Só não chama Pazuello de “meu gordinho”.

Caro leitor,

O desabafo do vice-presidente Hamilton Mourão no fim de uma reunião do Conselho da Amazônia Legal e a defesa pública feita por ele de punição ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello incomodaram o presidente Jair Bolsonaro. Mas Mourão não se importa mais com isso. Há tempos ele tenta saber, sem sucesso, por que Bolsonaro o deixa apartado das discussões no Palácio do Planalto, não o chama para reuniões ministeriais ou conversas reservadas e muito menos para viagens, como a desta quinta-feira, 27.

Em visita a São Gabriel da Cachoeira (AM) para inauguração de uma ponte, Bolsonaro estava acompanhado de cinco generais, entre os quais o ministro da Defesa, Braga Netto; o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o comandante militar da Amazônia, Estevam Cals Gaspar de Oliveira. Mourão preside o Conselho da Amazônia Legal e não foi convidado.

O vice-presidente Hamilton Mourão Foto: Adriano Machado/Reuters

São vários os episódios que revelam o isolamento e a solidão do vice-presidente. Ao passar uma descompostura no ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a quem chamou de mal-educado por não ter comparecido, nesta quarta-feira, 26, à reunião do Conselho da Amazônia nem mandado representante, Mourão escancarou seu mal-estar no governo. A portas fechadas, o vice avalia estar sendo sabotado pelo ministro, que tem o apoio de Bolsonaro. Salles é alvo de uma operação da Polícia Federal que investiga um esquema de exportação de madeira ilegal.

“Nós precisamos de cooperação”, afirmou Mourão, ao admitir a piora nos índices de desmatamento. “Lamento profundamente a ausência do ministério mais importante, que não compareceu à reunião de hoje (26 de maio) nem mandou representante, muito menos deu qualquer tipo de desculpa, que é o Ministério do Meio Ambiente. Na forma como eu fui formado, considero isso falta de educação”.

A difícil situação do vice ao tentar se equilibrar em um governo que faz “bullying” com as Forças Armadas tem ficado cada vez mais nítida. Na noite de 27 de abril, por exemplo, Bolsonaro promoveu um jantar no Palácio da Alvorada com a cúpula do PRTB, partido que tem Mourão como seu mais importante filiado, mas não convidou o vice para o encontro.

A advogada Karina Rodrigues Fidelix da Cruz, filha de Levy Fidelix, que presidia o PRBT e morreu há um mês, participou do jantar naquela terça-feira, no Alvorada. Karina defende o vice-presidente em processos que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, sob o argumento de que a dupla se beneficiou, na disputa de 2018, de disparos em massa de fake news pelo WhatsApp, entre outros motivos. Em mais um sintoma do distanciamento, Bolsonaro tem uma advogada e Mourão, outra. O mesmo ocorreu com Dilma Rousseff e Michel Temer quando enfrentaram ações no TSE.

Com pressa em recuperar a popularidade perdida e em campanha pela reeleição, o presidente está em busca de um partido, mas as negociações com o PRTB não prosperaram. “Ninguém quer entregar o osso aí para a gente. Querem entregar só o casco do boi”, disse ele, recentemente, em conversa com apoiadores. Pelo PRTB, Mourão pretende se candidatar ao Senado, em 2022, pois tem certeza de que não será novamente chamado para compor chapa com Bolsonaro. E, mesmo que fosse, provavelmente não aceitaria.

O divórcio entre Bolsonaro e Mourão já está em curso, mas longe dos holofotes. Nos últimos dias, o presidente demonstrou extrema irritação com o vice por ele ter dito que Eduardo Pazuello havia posto “a cabeça no cutelo” e entendido seu erro ao participar de ato político no domingo, no Rio. Detalhe: quem passou o microfone para Pazuello falar foi o próprio Bolsonaro, que quer ver o ex-ministro como candidato a deputado federal e faz com ele uma espécie de treinamento intensivo de palanque.

“Quem está incentivando a indisciplina é justamente o comandante em chefe das Forças Armadas”, observou o ex-ministro da Defesa e Segurança Pública Raul Jungmann, numa referência a Bolsonaro. “Ao presidente interessa a não punição de Pazuello como incentivo à anarquia nos quartéis.”

Para Jungmann, Bolsonaro quer o aval das Forças Armadas para uma “guinada autoritária” no momento em que sua aprovação está em queda e se torna evidente a desastrosa condução da pandemia de covid-19, aliada ao agravamento do desemprego.

“O exemplo definitivo das intenções do presidente foi a demissão do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que não concordaram em endossar a ameaça ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso e aos governadores”, insistiu Jungmann. “Bolsonaro conseguiu impor às Forças Armadas a sua concepção de hierarquia, aquela que o absolveu dos crimes militares que cometeu”, destacou o sociólogo Paulo Delgado, ex-presidente da Comissão de Defesa da Câmara.

Mesmo sem ser consultado, Mourão sugeriu a Pazuello, mais de uma vez, que passasse para a reserva. Seria uma forma de escapar de uma pena mais severa, já que o Regulamento Disciplinar do Exército proíbe a participação de militares da ativa em manifestações político-eleitorais. O vice fala por experiência própria: ele mesmo já perdeu o Comando Militar do Sul por criticar Dilma, em palestra proferida em 2015, quando disse ser necessário um “despertar para a luta patriótica”. Dois anos depois, em 2017, afirmou que Temer mantinha um “balcão de negócios” para se manter no poder.

Pazuello tem reiterado que não quer pedir “aposentadoria”, ao menos enquanto durar a CPI da Covid. Argumenta que ficará fragilizado se chegar para novo depoimento à CPI tendo pendurado as chuteiras antes da hora.

“Você está se arrebentando e arrebentando a nossa imagem”, disse Mourão a Pazuello, quando ele ainda era ministro da Saúde, segundo relato de dois interlocutores do vice. Não adiantou. Mourão, no entanto, é conhecido pela insistência e por ser adepto do ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Só não chama Pazuello de “meu gordinho”.

Caro leitor,

O desabafo do vice-presidente Hamilton Mourão no fim de uma reunião do Conselho da Amazônia Legal e a defesa pública feita por ele de punição ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello incomodaram o presidente Jair Bolsonaro. Mas Mourão não se importa mais com isso. Há tempos ele tenta saber, sem sucesso, por que Bolsonaro o deixa apartado das discussões no Palácio do Planalto, não o chama para reuniões ministeriais ou conversas reservadas e muito menos para viagens, como a desta quinta-feira, 27.

Em visita a São Gabriel da Cachoeira (AM) para inauguração de uma ponte, Bolsonaro estava acompanhado de cinco generais, entre os quais o ministro da Defesa, Braga Netto; o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o comandante militar da Amazônia, Estevam Cals Gaspar de Oliveira. Mourão preside o Conselho da Amazônia Legal e não foi convidado.

O vice-presidente Hamilton Mourão Foto: Adriano Machado/Reuters

São vários os episódios que revelam o isolamento e a solidão do vice-presidente. Ao passar uma descompostura no ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a quem chamou de mal-educado por não ter comparecido, nesta quarta-feira, 26, à reunião do Conselho da Amazônia nem mandado representante, Mourão escancarou seu mal-estar no governo. A portas fechadas, o vice avalia estar sendo sabotado pelo ministro, que tem o apoio de Bolsonaro. Salles é alvo de uma operação da Polícia Federal que investiga um esquema de exportação de madeira ilegal.

“Nós precisamos de cooperação”, afirmou Mourão, ao admitir a piora nos índices de desmatamento. “Lamento profundamente a ausência do ministério mais importante, que não compareceu à reunião de hoje (26 de maio) nem mandou representante, muito menos deu qualquer tipo de desculpa, que é o Ministério do Meio Ambiente. Na forma como eu fui formado, considero isso falta de educação”.

A difícil situação do vice ao tentar se equilibrar em um governo que faz “bullying” com as Forças Armadas tem ficado cada vez mais nítida. Na noite de 27 de abril, por exemplo, Bolsonaro promoveu um jantar no Palácio da Alvorada com a cúpula do PRTB, partido que tem Mourão como seu mais importante filiado, mas não convidou o vice para o encontro.

A advogada Karina Rodrigues Fidelix da Cruz, filha de Levy Fidelix, que presidia o PRBT e morreu há um mês, participou do jantar naquela terça-feira, no Alvorada. Karina defende o vice-presidente em processos que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, sob o argumento de que a dupla se beneficiou, na disputa de 2018, de disparos em massa de fake news pelo WhatsApp, entre outros motivos. Em mais um sintoma do distanciamento, Bolsonaro tem uma advogada e Mourão, outra. O mesmo ocorreu com Dilma Rousseff e Michel Temer quando enfrentaram ações no TSE.

Com pressa em recuperar a popularidade perdida e em campanha pela reeleição, o presidente está em busca de um partido, mas as negociações com o PRTB não prosperaram. “Ninguém quer entregar o osso aí para a gente. Querem entregar só o casco do boi”, disse ele, recentemente, em conversa com apoiadores. Pelo PRTB, Mourão pretende se candidatar ao Senado, em 2022, pois tem certeza de que não será novamente chamado para compor chapa com Bolsonaro. E, mesmo que fosse, provavelmente não aceitaria.

O divórcio entre Bolsonaro e Mourão já está em curso, mas longe dos holofotes. Nos últimos dias, o presidente demonstrou extrema irritação com o vice por ele ter dito que Eduardo Pazuello havia posto “a cabeça no cutelo” e entendido seu erro ao participar de ato político no domingo, no Rio. Detalhe: quem passou o microfone para Pazuello falar foi o próprio Bolsonaro, que quer ver o ex-ministro como candidato a deputado federal e faz com ele uma espécie de treinamento intensivo de palanque.

“Quem está incentivando a indisciplina é justamente o comandante em chefe das Forças Armadas”, observou o ex-ministro da Defesa e Segurança Pública Raul Jungmann, numa referência a Bolsonaro. “Ao presidente interessa a não punição de Pazuello como incentivo à anarquia nos quartéis.”

Para Jungmann, Bolsonaro quer o aval das Forças Armadas para uma “guinada autoritária” no momento em que sua aprovação está em queda e se torna evidente a desastrosa condução da pandemia de covid-19, aliada ao agravamento do desemprego.

“O exemplo definitivo das intenções do presidente foi a demissão do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que não concordaram em endossar a ameaça ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso e aos governadores”, insistiu Jungmann. “Bolsonaro conseguiu impor às Forças Armadas a sua concepção de hierarquia, aquela que o absolveu dos crimes militares que cometeu”, destacou o sociólogo Paulo Delgado, ex-presidente da Comissão de Defesa da Câmara.

Mesmo sem ser consultado, Mourão sugeriu a Pazuello, mais de uma vez, que passasse para a reserva. Seria uma forma de escapar de uma pena mais severa, já que o Regulamento Disciplinar do Exército proíbe a participação de militares da ativa em manifestações político-eleitorais. O vice fala por experiência própria: ele mesmo já perdeu o Comando Militar do Sul por criticar Dilma, em palestra proferida em 2015, quando disse ser necessário um “despertar para a luta patriótica”. Dois anos depois, em 2017, afirmou que Temer mantinha um “balcão de negócios” para se manter no poder.

Pazuello tem reiterado que não quer pedir “aposentadoria”, ao menos enquanto durar a CPI da Covid. Argumenta que ficará fragilizado se chegar para novo depoimento à CPI tendo pendurado as chuteiras antes da hora.

“Você está se arrebentando e arrebentando a nossa imagem”, disse Mourão a Pazuello, quando ele ainda era ministro da Saúde, segundo relato de dois interlocutores do vice. Não adiantou. Mourão, no entanto, é conhecido pela insistência e por ser adepto do ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Só não chama Pazuello de “meu gordinho”.

Caro leitor,

O desabafo do vice-presidente Hamilton Mourão no fim de uma reunião do Conselho da Amazônia Legal e a defesa pública feita por ele de punição ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello incomodaram o presidente Jair Bolsonaro. Mas Mourão não se importa mais com isso. Há tempos ele tenta saber, sem sucesso, por que Bolsonaro o deixa apartado das discussões no Palácio do Planalto, não o chama para reuniões ministeriais ou conversas reservadas e muito menos para viagens, como a desta quinta-feira, 27.

Em visita a São Gabriel da Cachoeira (AM) para inauguração de uma ponte, Bolsonaro estava acompanhado de cinco generais, entre os quais o ministro da Defesa, Braga Netto; o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, e o comandante militar da Amazônia, Estevam Cals Gaspar de Oliveira. Mourão preside o Conselho da Amazônia Legal e não foi convidado.

O vice-presidente Hamilton Mourão Foto: Adriano Machado/Reuters

São vários os episódios que revelam o isolamento e a solidão do vice-presidente. Ao passar uma descompostura no ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a quem chamou de mal-educado por não ter comparecido, nesta quarta-feira, 26, à reunião do Conselho da Amazônia nem mandado representante, Mourão escancarou seu mal-estar no governo. A portas fechadas, o vice avalia estar sendo sabotado pelo ministro, que tem o apoio de Bolsonaro. Salles é alvo de uma operação da Polícia Federal que investiga um esquema de exportação de madeira ilegal.

“Nós precisamos de cooperação”, afirmou Mourão, ao admitir a piora nos índices de desmatamento. “Lamento profundamente a ausência do ministério mais importante, que não compareceu à reunião de hoje (26 de maio) nem mandou representante, muito menos deu qualquer tipo de desculpa, que é o Ministério do Meio Ambiente. Na forma como eu fui formado, considero isso falta de educação”.

A difícil situação do vice ao tentar se equilibrar em um governo que faz “bullying” com as Forças Armadas tem ficado cada vez mais nítida. Na noite de 27 de abril, por exemplo, Bolsonaro promoveu um jantar no Palácio da Alvorada com a cúpula do PRTB, partido que tem Mourão como seu mais importante filiado, mas não convidou o vice para o encontro.

A advogada Karina Rodrigues Fidelix da Cruz, filha de Levy Fidelix, que presidia o PRBT e morreu há um mês, participou do jantar naquela terça-feira, no Alvorada. Karina defende o vice-presidente em processos que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pedem a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, sob o argumento de que a dupla se beneficiou, na disputa de 2018, de disparos em massa de fake news pelo WhatsApp, entre outros motivos. Em mais um sintoma do distanciamento, Bolsonaro tem uma advogada e Mourão, outra. O mesmo ocorreu com Dilma Rousseff e Michel Temer quando enfrentaram ações no TSE.

Com pressa em recuperar a popularidade perdida e em campanha pela reeleição, o presidente está em busca de um partido, mas as negociações com o PRTB não prosperaram. “Ninguém quer entregar o osso aí para a gente. Querem entregar só o casco do boi”, disse ele, recentemente, em conversa com apoiadores. Pelo PRTB, Mourão pretende se candidatar ao Senado, em 2022, pois tem certeza de que não será novamente chamado para compor chapa com Bolsonaro. E, mesmo que fosse, provavelmente não aceitaria.

O divórcio entre Bolsonaro e Mourão já está em curso, mas longe dos holofotes. Nos últimos dias, o presidente demonstrou extrema irritação com o vice por ele ter dito que Eduardo Pazuello havia posto “a cabeça no cutelo” e entendido seu erro ao participar de ato político no domingo, no Rio. Detalhe: quem passou o microfone para Pazuello falar foi o próprio Bolsonaro, que quer ver o ex-ministro como candidato a deputado federal e faz com ele uma espécie de treinamento intensivo de palanque.

“Quem está incentivando a indisciplina é justamente o comandante em chefe das Forças Armadas”, observou o ex-ministro da Defesa e Segurança Pública Raul Jungmann, numa referência a Bolsonaro. “Ao presidente interessa a não punição de Pazuello como incentivo à anarquia nos quartéis.”

Para Jungmann, Bolsonaro quer o aval das Forças Armadas para uma “guinada autoritária” no momento em que sua aprovação está em queda e se torna evidente a desastrosa condução da pandemia de covid-19, aliada ao agravamento do desemprego.

“O exemplo definitivo das intenções do presidente foi a demissão do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, que não concordaram em endossar a ameaça ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso e aos governadores”, insistiu Jungmann. “Bolsonaro conseguiu impor às Forças Armadas a sua concepção de hierarquia, aquela que o absolveu dos crimes militares que cometeu”, destacou o sociólogo Paulo Delgado, ex-presidente da Comissão de Defesa da Câmara.

Mesmo sem ser consultado, Mourão sugeriu a Pazuello, mais de uma vez, que passasse para a reserva. Seria uma forma de escapar de uma pena mais severa, já que o Regulamento Disciplinar do Exército proíbe a participação de militares da ativa em manifestações político-eleitorais. O vice fala por experiência própria: ele mesmo já perdeu o Comando Militar do Sul por criticar Dilma, em palestra proferida em 2015, quando disse ser necessário um “despertar para a luta patriótica”. Dois anos depois, em 2017, afirmou que Temer mantinha um “balcão de negócios” para se manter no poder.

Pazuello tem reiterado que não quer pedir “aposentadoria”, ao menos enquanto durar a CPI da Covid. Argumenta que ficará fragilizado se chegar para novo depoimento à CPI tendo pendurado as chuteiras antes da hora.

“Você está se arrebentando e arrebentando a nossa imagem”, disse Mourão a Pazuello, quando ele ainda era ministro da Saúde, segundo relato de dois interlocutores do vice. Não adiantou. Mourão, no entanto, é conhecido pela insistência e por ser adepto do ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Só não chama Pazuello de “meu gordinho”.

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