Caro leitor,
Depois das duas primeiras semanas do governo de Jair Bolsonaro, há uma sensação de que é necessária uma freada de arrumação para organizar prioridades, afinar discursos e melhorar algumas equipes. Se nos primeiros dias da nova administração houve uma sequência de bateção de cabeça entre seus principais integrantes, como contamos no capítulo anterior, agora a sensação é outra. Este editorial do Estadão cita com perfeição o clima de desassossego, que não é causado pela oposição, mas sim pelas próprias “ações e inações” vindas do coração do governo, que passam a impressão de ser um time que joga na base do improviso.
Na verdade, se o novo governo tem pressa em dizer a que veio para o seu eleitorado, essa atitude talvez traga mais problemas do que vantagens e acabe gastando muito mais cedo do que se pensava o capital político conquistado com a vitória nas urnas. Eliane Cantanhêde analisa nessa coluna os problemas de se “queimar a largada” antes da hora.
É importante lembrar que não poucos os desafios que Bolsonaro terá pela frente, especialmente na relação que precisará manter com o Congresso. Ao mesmo tempo em que pretende votar a reforma da Previdência, o governo enfrentará já em fevereiro pelo menos mais uma agenda muito forte dentro do Congresso, que é o pacote de medidas de combate à criminalidade e corrupção, proposto pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Por mais que haja consenso que algo profundo precisa ser feito nesse campo, as propostas de Moro serão muito debatidas pelos parlamentares e podem ter dificuldades para avançar como prevê Fernando Gabeira nesse artigo.
Não é novidade para ninguém que discutir simultaneamente assuntos polêmicos pode acabar contaminando negativamente as duas discussões. Ou seja, em vez de precisar superar apenas uma resistência, os adversários podem se juntar para se opor ao governo. E essa é a hora em que o presidente precisa mais do que nunca mostrar a que veio. No caso da reforma da Previdência, terá seu grande teste mostrando se as mudanças serão profundas e para todos ou se algumas categorias serão poupadas. E são justamente os militares, a categoria de Bolsonaro, que já começam a gritar que não podem ser incluídos na reforma pelas peculiaridades de sua atividade.
Veja aqui como o novo comandante do Exército, Edson Pujol, se manifestou contrariamente à proposta.
E aqui você pode ler como o general Santos Cruz, ministro da Secretaria-geral de governo, também falou contra essa ideia.
Mas o dado é que a Previdência dos militares hoje tem peso na distorção das contas públicas, como mostra essa reportagem.
Por isso, será importante ver se Bolsonaro vai agir como uma espécie de representante da classe, como fazia nos tempos de parlamentar, ou se entenderá que tem um papel diferente agora. A editora do BR18 Vera Magalhães trata muito bem desse assunto nesta coluna.
Dessa forma, o que inquieta é perceber que o presidente gasta mais energia com assuntos que encantam seu eleitorado apaixonado, como a prisão na Bolívia do italiano Cesare Battisti, do que participando das negociações para eleger os próximos presidentes da Câmara e do Senado. Os eleitos serão justamente os condutores no Congresso das propostas de reformas, como a da Previdência. Mas o presidente sequer definiu quem serão os seus líderes na Câmara e no Senado.
Como o ministro Dias Toffoli definiu que a escolha dos presidentes será feita de forma secreta, tudo indica que Rodrigo Maia e Renan Calheiros são os favoritos para se elegerem. Maia quer a reforma, o que ajuda Bolsonaro. Mas Renan ainda não deixou clara sua posição. O que se torna mais uma razão para o presidente conter a ansiedade de todos no governo, botar a bola no chão e fazer essa freada para ajeitar o time.
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