Caro Leitor,
A ida de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos não é uma viagem presidencial comum. O brasileiro quebra uma tradição diplomática ao escolher Washington como primeiro destino para visita bilateral e isso tem motivo. Selar um bom relacionamento com os americanos agrada a dois dos pilares que o fizeram chegar ao Planalto: sua base ideológica e seu time econômico. O primeiro grupo vê uma afinidade de valores morais e cristãos entre os dois países e admira Donald Trump. Já o segundo vê no respaldo da maior economia do mundo uma chance de mais comércio, investimentos e parcerias.
Mas a forma de fazer a aproximação e a intensidade desse movimento opõe os dois setores do governo. Os Estados Unidos veem no Brasil um aliado na crise da Venezuela, para forçar a saída de Nicolás Maduro do poder, mas também esperam que um alinhamento com o País ajude a diminuir no longo prazo a influência econômica da China na América Latina. O próprio Bolsonaro reconhece que os chineses são os principais parceiros comerciais do Brasil, mas já adotou falas inflamadas sobre a China, assim como o chanceler, Ernesto Araújo, e seu filho e agora presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro – ambos parte da comitiva presidencial nos EUA.
Ao caminhar para a aproximação com países de ideologia semelhante na tentativa de vencer o que chama de "antiamericanismo", estará o governo Bolsonaro adotando a política externa a qual critica, mas com os sinais trocados? Ou seja, a “desideologização” dos trabalhos do Itamaraty implicará em uma simbiose com os EUA em detrimento dos demais parceiros comerciais do País? Essa é a crítica deste editorial do Estadão e tema de colunas e artigos relacionados na última Supercoluna. É também o que fará do ministro da Economia, Paulo Guedes, um equilibrista na visita a Washington, para se aproximar dos americanos sem fazer mau negócio com os chineses. Guedes e Bolsonaro terão de convencer a plateia de que as reformas prometidas, como a da Previdência, serão entregues.
Quem está por trás da organização da agenda de valores de Bolsonaro nos EUA são o chanceler, Ernesto Araújo, e o ministro Nestor Forster. O diplomata é cotado para assumir o lugar do embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, mas seu nome enfrenta a resistência do vice-presidente Hamilton Mourão. Amaral, por sua vez, foi anfitrião do jantar oferecido aos conservadores e à comitiva presidencial, mesmo depois de ter entrado no alvo de críticas de Bolsonaro na última quarta-feira. O presidente se queixou do trabalho de diplomatas brasileiros, a quem culpa por sua má imagem no exterior, e indicou quais postos seriam trocados. A embaixada dos EUA está no topo da lista.
Uma série de memorandos de entendimento serão assinados entre os dois países, mas parte substantiva da agenda brasileira deve ficar frustrada, como o comprometimento formal do apoio americano para ingresso do Brasil na OCDE e pleitos do agronegócio. O acordo para uso da base de Alcântara, o maior anúncio concreto, já vinha sendo negociado antes de Bolsonaro. Já a prevista sinalização de caminho para o livre-comércio carrega um simbolismo, mas na prática os dois países sabem que o mais fácil é continuar a trabalhar por acordos setoriais na economia.
Restará a Bolsonaro e Trump reforçar a afinidade política e de valores, especialmente quando falarem sobre a Venezuela na declaração à imprensa nos jardins da Casa Branca, o Rose Garden. O presidente do Brasil terá pouco mais de 48 horas na capital americana para mostrar como vai equilibrar a linha ideológica, a base econômica e os interesses de Trump. E o que isso significará para o Brasil. Esse será o tema da próxima Supercoluna.