Caro leitor,
A saída do olavismo de parte do primeiro escalão criou um novo desafio para os militares do governo. Após a demissão de Abraham Weintraub na Educação e com os insucessos do gabinete do ódio para emplacar novos ministros, a responsabilidade pelas ações polêmicas do governo passou a ser de coronéis e generais. São eles que coordenam os trabalhos na Amazônia – o vice-presidente Hamilton Mourão – e o combate à pandemia de covid-19 – Eduardo Pazuello. Na semana passada, surgiu um novo nome de militar enredado nos imbróglios do bolsonarismo: o coronel Gilson Libório de Oliveira Mendes.
Ele é o chefe da Diretoria de Inteligência (Dint) da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), no Ministério da Justiça, no momento em que a gestão do ministro André Mendonça é acusada de transformar a Seopi em órgão de vigilância e controle de opositores políticos. Um dos relatórios do órgão lista 579 policiais civis e federais que se declararam antifascistas. Sob a desculpa de acompanhar "potenciais ou reais ameaças" para "neutralizar e reprimir atos criminosos contra a ordem pública", o documento afirma que o órgão identificou "alguns dos formadores de opinião e professores defensores desse movimento".
Um dos professores citados é Paulo Sérgio Pinheiro. Para quem não o conhece, Pinheiro era secretário nacional de Direitos Humanos do governo de Fernando Henrique Cardoso quando a Organização das Nações Unidas (ONU) o nomeou relator para os direitos humanos no Burundi, em 1995, logo após o genocídio de Ruanda. Mais tarde, ele exerceria o mesmo cargo em Mianmar e, em seguida, presidiria a Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Síria, entregando ao Conselho de Segurança da ONU seu relatório sobre os delitos contra a população cometidos na guerra civil.
Respeitado pela atuação contra violações dos direitos humanos em todo o mundo, Pinheiro foi vítima em seu próprio País. Acabou exposto em relatório policialesco, como se fosse apoiador de criminosos, por gente que usa a função pública para atender a interesses do governo de plantão. O relatório, revelado pelo repórter Rubens Valente, do Uol, atinge Pinheiro, que integrou no País a Comissão Nacional da Verdade e a Comissão Arns de Direitos Humanos. "O que não se poderia imaginar era que o próprio ministro da Justiça, sem nenhum pudor, patrocinasse ação de vigilância e de intimidação, com dossiês, fotografias e tudo mais, com dinheiro público, contra servidores do Estado e professores como Paulo Sérgio Pinheiro", afirmou a Comissão Arns.
A diretoria controlada por Libório é oficialmente "responsável por elaborar estudos e pesquisas para o aprimoramento das atividades de inteligência de segurança pública e de enfrentamento ao crime organizado" para a Seopi, que é dirigida pelo delegado Jeferson Lisbôa Gimenes. Oficial da Arma de Infantaria da turma de 1982 da Academia Militar das Agulhas Negras, Libório era major quando foi trabalhar na Casa Militar em 1998, que tinha então as funções do Gabinete de Segurança Institucional. Como tenente-coronel, foi designado para o gabinete do comandante do Exército, onde ficam o Centro de Informações e o de Comunicação Social (no chamado "gabinetão") e as assessorias de pessoal, jurídica, parlamentar e de finanças do comandante (no "gabinetinho").
Autorizado pelo general Francisco Albuquerque, então comandante do Exército, a exercer, ainda na ativa, uma função civil no Ministério da Justiça, Libório foi trabalhar em 2004 no Departamento de Recuperação de Ativos e de Cooperação Internacional (DRCI), um dos mais importantes órgãos de combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado. Permaneceu ali até 2007, quando rumou para a Controladoria Geral da União. O coronel só se tornaria conhecido fora dessa comunidade quando se tornou secretário-executivo do Ministério da Justiça, em 2018, na gestão de Torquato Jardim.
Com Bolsonaro no poder, Libório foi parar na Advocacia-Geral da União (AGU). De lá voltou para a Justiça, acompanhando o chefe terrivelmente evangélico. Foi quando a Seopi mudou. E virou – segundo os críticos – uma "Abin paralela". Na época de Moro, a secretaria não produzia relatórios sobre inimigos do presidente ou anexava fotos de professores a papeluchos policiais. Seu trabalho era "integrar operações policiais contra crime organizado, pedofilia, homicidas e crimes cibernéticos". "Foi ela a responsável por coordenar a transferência dos líderes do PCC para presídios federais", afirmou um integrante da equipe do ex-ministro.
Para a Comissão Arns, a Seopi pratica "ações insidiosas contra o Estado de Direito e os que o defendem". É preciso lembrar aqui por que o antecessor de André Mendonça deixou a Pasta. Sérgio Moro afirmou ter pedido demissão porque se recusara a intervir politicamente na Polícia Federal para nomear, a pedido do presidente, um chefe para a PF do Rio que não f... os filhos e amigos de Bolsonaro. Moro entregou o cargo para não entregar a cabeça de Maurício Valeixo, diretor da PF. Vieram depois as polêmicas sobre a gravação da reunião presidencial e as decisões do STF. Bolsonaro parecia repetir o presidente americano Richard Nixon.
Em 20 de outubro de 1973, Nixon ordenou ao secretário de Justiça, Elliot Richardson, que demitisse o procurador especial do caso Watergate, Archibald Cox, que intimara o presidente a entregar gravações feitas na Casa Branca. Richardson se negou e se demitiu. Seu vice, William Ruckelshaus, fez o mesmo. Nixon teve de buscar um funcionário de terceiro escalão para demitir Cox. O Saturday Night Massacre – como o episódio ficou conhecido – abriu o caminho para o impeachment do presidente americano. Em poucos dias, o Congresso de maioria democrata instauraria o processo e a Justiça reconduziria Cox ao cargo.
Fazia três meses da demissão de Moro quando o caso Seopi veio à tona. O governo parece não ter aprendido nada com a saída de seu mais popular ministro. Nem se detém diante das investigações do STF e do Ministério Público Federal. Seria esperar demais que aprendesse algo com a história. Mas quem é que precisa estudá-la, quando se tem o Centrão? A gestão continuará da mesma forma, assim como Bolsonaro. Em silêncio ou não. Até o fim do governo. Não importa quem assessora o presidente, quem o representa ou quem faz o serviço para o chefe.