Caro leitor, Desde 2 de abril, uma conta de Twitter se emudeceu. Trata-se da que é mantida pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. "Vou parar", disse o novo comandante do Exército em uma das primeiras decisões no cargo. A presença de militares nas redes sociais está no centro das discussões sobre a volta deles à política. Só recentemente essa situação foi regulamentada pelos comandantes, apesar de manifestações político-partidárias da ativa serem proibidas pelos regulamentos disciplinares e pelo Estatuto dos Militares.
A própria conta de Paulo Sérgio fazia parte desse fenômeno. Ela foi aberta em abril de 2018, depois de seu antigo chefe, o general Eduardo Villas Bôas, recordar Brasília sobre o papel do Exército brasileiro na história da República por meio de dois tuítes postados às 20h39 do dia 3 daquele mês, véspera do julgamento de recurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo STF. "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais", escreveu Villas Bôas.
Iniciou-se então um aumento da atividade dos soldados influenciadores. Após o comandante se manifestar, outros 31 generais e coronéis próximos a Villas Bôas entraram na rede social. Se o exemplo do comandante era este, o que se poderia esperar dos subordinados?O tenente-coronel Leonardo Franklin, então comandante do 1.º Regimento de Cavalaria Mecanizado, com sede em Itaqui (RS), abriu sua conta em abril de 2018. No dia 6 de setembro de 2018, ele retuitou propaganda eleitoral de Jair Bolsonaro com as hashtags #ForçaBolsonaro e #BolsonaroPresidente17. E isso em plena campanha eleitoral.
Foi assim que o Brasil, uma nação que se desacostumara a pôr os olhos nas ordens do dia dos comandantes militares, passou a acompanhar os tuítes dos generais e coronéis, muitos dos quais transformados em guerreiros ideológicos. Nenhum militar da ativa que fez declarações de caráter político-partidário a favor do então candidato do PSL foi punido pelos superiores. Nem poderia, pois a tropa seguia o caminho aberto pelo seu comandante.
Em análise feita em julho de 2019 pelo Estadão de 30 contas mantidas por militares no Twitter, foram encontradas 220 publicações políticas nas contas de oito generais, oito coronéis, um segundo-tenente e um subtenente do Exército e dois brigadeiros da Força Aérea. Paulo Sérgio foi um dos únicos generais que se mantinha no ambiente digital distante da política partidária, seguindo as normas de uso das redes sociais instituídas naquele mês pelo então comandante do Exército, general Edson Leal Pujol.
Leal Pujol pôde ficar distante das redes sociais. É que o governo que se inaugurava era largamente controlado pelos militares, muitos dos quais seus ex-colegas de Alto Comando do Exército. Nas poucas vezes que decidiu se manifestar diante de audiências externas ou em público despertou a antipatia de Jair Bolsonaro, em um processo de fritura que culminou com a sua demissão. Enquanto Pujol se mantinha longe do Twitter, o novo comandante publicava 1.969 vezes na rede. A conta de Paulo Sérgio tem 99,8 mil seguidores. Ele segue 24 contas, algumas das quais são de políticos. Entre eles só existem bolsonaristas, como os deputados Carlos Jordy e Bia Kicis.
O que justifica a decisão de Paulo Sérgio silenciar sua conta não é apenas a cautela que se deve ter diante de Bolsonaro, um político que exige lealdade inconteste e não admite que nenhum subordinado lhe faça sombra. O comando do Exército diz tratar-se de uma política de comunicação, que pretende privilegiar seu canal no YouTube, com mais de 855 mil inscritos – o Exército americano tem 184 mil. Ou seja, o distanciamento do comandante do Twitter se faria em nome do reforço da imagem institucional da Força. Foi no YouTube que Paulo Sérgio publicou seu primeiro vídeo. Assim como Pujol. O Exército procurou ainda demonstrar continuidade, em vez de ruptura. Quer indicar ao público interno que as coisas estão como antes, que nada mudou nos quartéis.
O vídeo de Paulo Sérgio teve 270 mil acessos. Sua postura é diversa do novo comandante da Força Aérea, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior. Já no levantamento de 2019, Baptista Júnior era o recordista entre os oficiais generais da ativa com publicações de caráter político-partidário. Tinha feito 42 delas. Em julho de 2020, já havia alcançado a marca de 80 tuítes políticos em defesa do bolsonarismo, de suas políticas e de suas ideias. São casos como o texto de 14 de maio de 2019. Era dia de manifestações de professores e de estudantes contra o contingenciamento de verbas do Ministério da Educação. O brigadeiro publicou: “Onde estavam estes jovens no sucessivos contingenciamentos dos governos anteriores?”.
No dia 2 de julho do mesmo ano, compartilhou crítica ao deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ): "O que assistimos foi deprimente: um brasileiro decente sendo ofendido pelos soldadinhos da Orcrim (organização criminosa)". A publicação se referia às críticas ao pacote anticrime de Sérgio Moro e trazia o endereço da conta no Twitter de Freixo (@Marcelo Freixo).Seria interessante perguntar ao brigadeiro qual seria sua reação se um subordinado postar uma foto ao lado do deputado? Eis o risco do tenentismo digital.
Enquanto Paulo Sérgio emudece sua conta, o brigadeiro continua ativo, ao ritmo de pelo menos uma manifestação diária – ele coleciona 28 desde 2 de abril. Um dia antes, republicara crítica da deputada bolsonarista Carla Zambelli aos governadores em razão da vacinação contra covid-19. No dia 12 de abril, ele abriu em sua conta o maior símbolo da diferença entre os dois comandantes. Baptista Júnior republicou então um post em que Zambelli se dizia honrada ao seu lado. A parlamentar marcou no tuíte as contas do brigadeiro e do general, mas só o aviador reproduziu o texto.
Baptista Júnior não parece muito alinhado aos comandantes das outras Forças. Devia estudar o comportamento do Exército. Diante da perspectiva de uma reeleição difícil de Bolsonaro, a Força Terrestre avalia o desafio de buscar uma alternativa que não signifique o afastamento dos militares do poder. Os generais sabem que todo governo – de um Estado ou de uma instituição – é constituído por um número restrito de pessoas, que, por sua vez, deve organizar-se em torno de alguém com maior capacidade e clarividência. Tucídides via essas características em Péricles e em Temístocles. Ambos pareciam intuir, entre as várias coisas iminentes, aquela que verdadeiramente aconteceria. Tudo tão diferente de Bolsonaro e de seu seguidores.
O filósofo Luciano Canfora lembra que Pisístrato, o tirano Atenas, e Clístenes, o fundador da democracia, tinham a mesma base social. "É somente um ilusionismo histórico fingir que a democracia tenha expulsado de Atenas os tiranos; o mérito foi da aristocracia espartana, convocada pelos Alcmeônidas, isto é, pela família de Clístenes, a qual, sob Pisístrato, ocupou cargos relevantes." O fenômeno se repetiu muitas vezes no mundo e em grande estilo, como na Itália de Canfora, em 1945. No Brasil, essa ilusão histórica sempre cobrou um preço. O mais recente foi a volta dos militares da ativa à política. Uma descoberta que muitos fizeram pelo Twitter.