O general Leônidas está de novo no caminho de Bolsonaro


Se o presidente quer saber a verdade sobre Santa Cruz, não faltam opções nas Forças Armadas

Por Marcelo Godoy

Caro leitor,

Jair Bolsonaro não pensou no tamanho da encrenca quando resolveu contar uma história sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, militante da Ação Popular (AP) e pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. Como não leu os documentos do Exército sobre a luta armada, o presidente tem agora em seu caminho mais uma vez o general Leônidas Pires Gonçalves. 

Mais do que ministro do Exército de José Sarney, Leônidas foi o fiador, desde a primeira noite, do nascimento da Nova República. Ele submeteu Bolsonaro ao Conselho de Justificação que considerou o comportamento do capitão "aético e incompatível com o pundonor militar" por “mentir durante todo o processo” sobre o plano de pôr bombas nos quartéis em protesto contra os baixos salários. Era 1988. Bolsonaro – é verdade – reverteu o veredicto no Superior Tribunal Militar (STM), como o leitor viu aqui.

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O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia na Vila Militar, no Rio de Janeiro. Foto: Marcos Corrêa/PR

Naquele tempo, Leônidas conduzia em segredo o Projeto Orvil. Tudo começou em 27 de março de 1984, quando o tenente-coronel Romeu Antônio Ferreira, então analista do Centro de Informações do Exército (CIE), escreveu uma apreciação confidencial para os chefes: “As novas gerações de militares, atoladas na avalanche de propaganda ideológica marxista, desconhecem as lutas enfrentadas contra a guerrilha urbana e rural”. E concluía: “Há que se escrever a história verdadeira, a história dos vencedores, a nossa história. Sabemos que há muita coisa que não pode ser contada. Sabemos, entretanto, que há muita coisa que pode e deve ser contada. Temos os dados e os fatos. Falta-nos a vontade e a decisão.”

A decisão viria dois anos depois. Leônidas, então ministro, concordou com a ideia do CIE e mandou escrever a história oficial do Exército sobre a luta contra a esquerda. Em 1988, o  Orvil estava pronto. Tinha 953 páginas. Durante dois anos, dezenas de oficiais vasculharam os arquivos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Mas Leônidas decidiu guardar tudo. Não queria problemas com o mundo civil. Oficiais fizeram cópias do material.

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Do projeto nasceram livros como A Verdade Sufocadado coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e A Grande Mentira, do general Agnaldo Del Nero. Hoje, o Exército diz não mais guardar os documentos que lhe serviram de fonte.

No Orvil há mais de uma dezena de casos de militantes de organizações de esquerda “mortos por seus companheiros nos chamados “justiçamentos”. A lista inclui vítimas da ALN, do PCBR, da DVP, do PCR, do PCdoB e da AP (Antônio Lourenço, no Maranhão). Tudo o que o Exército sabia e podia ser contado – na definição de Romeu – está na obra. E eis que o trabalho de Leônidas mais uma vez cruza o caminho de Bolsonaro: é que entre os “justiçados” do Orvil não está Santa Cruz. A versão que Bolsonaro deu para o caso nunca existiu nos arquivos militares.

E isso não é tudo. Os pesquisadores do Orvil omitiram o que foi feito do pai do hoje presidente da OAB. Talvez porque o destino do militante estivesse entre as coisas que, nas palavras de Romeu, não podiam ser contadas. Mas alguém contou. A Marinha, a Aeronáutica e o Dops de São Paulo o fizeram por escrito. Seus arquivos registram que Santa Cruz foi preso em 1974. O almirante Ivan da Silveira Serpa, então ministro da Marinha, consignou isso em 1993.

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Bolsonaro pode não acreditar em documentos. Talvez prefira ouvir de viva voz. Se esse for o caso, pode perguntar ao sargento Massayuki Gushiken, do Destacamento de Operações de Informações (DOI), de São Paulo, quem prendeu os integrantes da Ação Popular. Massayuki viu um deles encapuzado desembarcar de um avião em Brasília. Quem era?

Pode questionar ainda o ex-sargento Marival Chaves, do CIE. Marival contou em 2004 que Santa Cruz foi apanhado em uma operação do CIE comandada pelo Doutor César. O presidente pode não conhecer quem é o tal doutor. Mas pode se informar em Brasília, onde o militar vive recluso. O doutor é da turma de 1958 da Academia Militar das Agulhas Negras. É artilheiro como Ustra. E paraquedista como Bolsonaro. Trabalhou no CIE e é coronel. Reformado.

Pode também indagar o Ministério Público Federal sobre o militar. A procuradoria o ouviu por 39 minutos. Queria saber sobre a Casa da Morte (Petrópolis) e o Araguaia. Ele se negou a dar informações. Disse que no centro cuidava de “materiais eletrônicos”. E elogiou o procurador Sérgio Suyama: “O senhor é um bom interrogador”. Em 29 de maio deste ano, o MPF o acusou de decapitar Arildo Valadão, militante do PCdoB. Valadão foi morto em 1973, no Araguaia. Por fim, Bolsonaro pode bater na porta do doutor. E perguntar ao coronel também sobre Santa Cruz. Se tiver sorte, o doutor lhe conta tudo o que sabe.

Caro leitor,

Jair Bolsonaro não pensou no tamanho da encrenca quando resolveu contar uma história sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, militante da Ação Popular (AP) e pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. Como não leu os documentos do Exército sobre a luta armada, o presidente tem agora em seu caminho mais uma vez o general Leônidas Pires Gonçalves. 

Mais do que ministro do Exército de José Sarney, Leônidas foi o fiador, desde a primeira noite, do nascimento da Nova República. Ele submeteu Bolsonaro ao Conselho de Justificação que considerou o comportamento do capitão "aético e incompatível com o pundonor militar" por “mentir durante todo o processo” sobre o plano de pôr bombas nos quartéis em protesto contra os baixos salários. Era 1988. Bolsonaro – é verdade – reverteu o veredicto no Superior Tribunal Militar (STM), como o leitor viu aqui.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia na Vila Militar, no Rio de Janeiro. Foto: Marcos Corrêa/PR

Naquele tempo, Leônidas conduzia em segredo o Projeto Orvil. Tudo começou em 27 de março de 1984, quando o tenente-coronel Romeu Antônio Ferreira, então analista do Centro de Informações do Exército (CIE), escreveu uma apreciação confidencial para os chefes: “As novas gerações de militares, atoladas na avalanche de propaganda ideológica marxista, desconhecem as lutas enfrentadas contra a guerrilha urbana e rural”. E concluía: “Há que se escrever a história verdadeira, a história dos vencedores, a nossa história. Sabemos que há muita coisa que não pode ser contada. Sabemos, entretanto, que há muita coisa que pode e deve ser contada. Temos os dados e os fatos. Falta-nos a vontade e a decisão.”

A decisão viria dois anos depois. Leônidas, então ministro, concordou com a ideia do CIE e mandou escrever a história oficial do Exército sobre a luta contra a esquerda. Em 1988, o  Orvil estava pronto. Tinha 953 páginas. Durante dois anos, dezenas de oficiais vasculharam os arquivos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Mas Leônidas decidiu guardar tudo. Não queria problemas com o mundo civil. Oficiais fizeram cópias do material.

Do projeto nasceram livros como A Verdade Sufocadado coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e A Grande Mentira, do general Agnaldo Del Nero. Hoje, o Exército diz não mais guardar os documentos que lhe serviram de fonte.

No Orvil há mais de uma dezena de casos de militantes de organizações de esquerda “mortos por seus companheiros nos chamados “justiçamentos”. A lista inclui vítimas da ALN, do PCBR, da DVP, do PCR, do PCdoB e da AP (Antônio Lourenço, no Maranhão). Tudo o que o Exército sabia e podia ser contado – na definição de Romeu – está na obra. E eis que o trabalho de Leônidas mais uma vez cruza o caminho de Bolsonaro: é que entre os “justiçados” do Orvil não está Santa Cruz. A versão que Bolsonaro deu para o caso nunca existiu nos arquivos militares.

E isso não é tudo. Os pesquisadores do Orvil omitiram o que foi feito do pai do hoje presidente da OAB. Talvez porque o destino do militante estivesse entre as coisas que, nas palavras de Romeu, não podiam ser contadas. Mas alguém contou. A Marinha, a Aeronáutica e o Dops de São Paulo o fizeram por escrito. Seus arquivos registram que Santa Cruz foi preso em 1974. O almirante Ivan da Silveira Serpa, então ministro da Marinha, consignou isso em 1993.

Bolsonaro pode não acreditar em documentos. Talvez prefira ouvir de viva voz. Se esse for o caso, pode perguntar ao sargento Massayuki Gushiken, do Destacamento de Operações de Informações (DOI), de São Paulo, quem prendeu os integrantes da Ação Popular. Massayuki viu um deles encapuzado desembarcar de um avião em Brasília. Quem era?

Pode questionar ainda o ex-sargento Marival Chaves, do CIE. Marival contou em 2004 que Santa Cruz foi apanhado em uma operação do CIE comandada pelo Doutor César. O presidente pode não conhecer quem é o tal doutor. Mas pode se informar em Brasília, onde o militar vive recluso. O doutor é da turma de 1958 da Academia Militar das Agulhas Negras. É artilheiro como Ustra. E paraquedista como Bolsonaro. Trabalhou no CIE e é coronel. Reformado.

Pode também indagar o Ministério Público Federal sobre o militar. A procuradoria o ouviu por 39 minutos. Queria saber sobre a Casa da Morte (Petrópolis) e o Araguaia. Ele se negou a dar informações. Disse que no centro cuidava de “materiais eletrônicos”. E elogiou o procurador Sérgio Suyama: “O senhor é um bom interrogador”. Em 29 de maio deste ano, o MPF o acusou de decapitar Arildo Valadão, militante do PCdoB. Valadão foi morto em 1973, no Araguaia. Por fim, Bolsonaro pode bater na porta do doutor. E perguntar ao coronel também sobre Santa Cruz. Se tiver sorte, o doutor lhe conta tudo o que sabe.

Caro leitor,

Jair Bolsonaro não pensou no tamanho da encrenca quando resolveu contar uma história sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, militante da Ação Popular (AP) e pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. Como não leu os documentos do Exército sobre a luta armada, o presidente tem agora em seu caminho mais uma vez o general Leônidas Pires Gonçalves. 

Mais do que ministro do Exército de José Sarney, Leônidas foi o fiador, desde a primeira noite, do nascimento da Nova República. Ele submeteu Bolsonaro ao Conselho de Justificação que considerou o comportamento do capitão "aético e incompatível com o pundonor militar" por “mentir durante todo o processo” sobre o plano de pôr bombas nos quartéis em protesto contra os baixos salários. Era 1988. Bolsonaro – é verdade – reverteu o veredicto no Superior Tribunal Militar (STM), como o leitor viu aqui.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia na Vila Militar, no Rio de Janeiro. Foto: Marcos Corrêa/PR

Naquele tempo, Leônidas conduzia em segredo o Projeto Orvil. Tudo começou em 27 de março de 1984, quando o tenente-coronel Romeu Antônio Ferreira, então analista do Centro de Informações do Exército (CIE), escreveu uma apreciação confidencial para os chefes: “As novas gerações de militares, atoladas na avalanche de propaganda ideológica marxista, desconhecem as lutas enfrentadas contra a guerrilha urbana e rural”. E concluía: “Há que se escrever a história verdadeira, a história dos vencedores, a nossa história. Sabemos que há muita coisa que não pode ser contada. Sabemos, entretanto, que há muita coisa que pode e deve ser contada. Temos os dados e os fatos. Falta-nos a vontade e a decisão.”

A decisão viria dois anos depois. Leônidas, então ministro, concordou com a ideia do CIE e mandou escrever a história oficial do Exército sobre a luta contra a esquerda. Em 1988, o  Orvil estava pronto. Tinha 953 páginas. Durante dois anos, dezenas de oficiais vasculharam os arquivos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Mas Leônidas decidiu guardar tudo. Não queria problemas com o mundo civil. Oficiais fizeram cópias do material.

Do projeto nasceram livros como A Verdade Sufocadado coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e A Grande Mentira, do general Agnaldo Del Nero. Hoje, o Exército diz não mais guardar os documentos que lhe serviram de fonte.

No Orvil há mais de uma dezena de casos de militantes de organizações de esquerda “mortos por seus companheiros nos chamados “justiçamentos”. A lista inclui vítimas da ALN, do PCBR, da DVP, do PCR, do PCdoB e da AP (Antônio Lourenço, no Maranhão). Tudo o que o Exército sabia e podia ser contado – na definição de Romeu – está na obra. E eis que o trabalho de Leônidas mais uma vez cruza o caminho de Bolsonaro: é que entre os “justiçados” do Orvil não está Santa Cruz. A versão que Bolsonaro deu para o caso nunca existiu nos arquivos militares.

E isso não é tudo. Os pesquisadores do Orvil omitiram o que foi feito do pai do hoje presidente da OAB. Talvez porque o destino do militante estivesse entre as coisas que, nas palavras de Romeu, não podiam ser contadas. Mas alguém contou. A Marinha, a Aeronáutica e o Dops de São Paulo o fizeram por escrito. Seus arquivos registram que Santa Cruz foi preso em 1974. O almirante Ivan da Silveira Serpa, então ministro da Marinha, consignou isso em 1993.

Bolsonaro pode não acreditar em documentos. Talvez prefira ouvir de viva voz. Se esse for o caso, pode perguntar ao sargento Massayuki Gushiken, do Destacamento de Operações de Informações (DOI), de São Paulo, quem prendeu os integrantes da Ação Popular. Massayuki viu um deles encapuzado desembarcar de um avião em Brasília. Quem era?

Pode questionar ainda o ex-sargento Marival Chaves, do CIE. Marival contou em 2004 que Santa Cruz foi apanhado em uma operação do CIE comandada pelo Doutor César. O presidente pode não conhecer quem é o tal doutor. Mas pode se informar em Brasília, onde o militar vive recluso. O doutor é da turma de 1958 da Academia Militar das Agulhas Negras. É artilheiro como Ustra. E paraquedista como Bolsonaro. Trabalhou no CIE e é coronel. Reformado.

Pode também indagar o Ministério Público Federal sobre o militar. A procuradoria o ouviu por 39 minutos. Queria saber sobre a Casa da Morte (Petrópolis) e o Araguaia. Ele se negou a dar informações. Disse que no centro cuidava de “materiais eletrônicos”. E elogiou o procurador Sérgio Suyama: “O senhor é um bom interrogador”. Em 29 de maio deste ano, o MPF o acusou de decapitar Arildo Valadão, militante do PCdoB. Valadão foi morto em 1973, no Araguaia. Por fim, Bolsonaro pode bater na porta do doutor. E perguntar ao coronel também sobre Santa Cruz. Se tiver sorte, o doutor lhe conta tudo o que sabe.

Caro leitor,

Jair Bolsonaro não pensou no tamanho da encrenca quando resolveu contar uma história sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, militante da Ação Popular (AP) e pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. Como não leu os documentos do Exército sobre a luta armada, o presidente tem agora em seu caminho mais uma vez o general Leônidas Pires Gonçalves. 

Mais do que ministro do Exército de José Sarney, Leônidas foi o fiador, desde a primeira noite, do nascimento da Nova República. Ele submeteu Bolsonaro ao Conselho de Justificação que considerou o comportamento do capitão "aético e incompatível com o pundonor militar" por “mentir durante todo o processo” sobre o plano de pôr bombas nos quartéis em protesto contra os baixos salários. Era 1988. Bolsonaro – é verdade – reverteu o veredicto no Superior Tribunal Militar (STM), como o leitor viu aqui.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia na Vila Militar, no Rio de Janeiro. Foto: Marcos Corrêa/PR

Naquele tempo, Leônidas conduzia em segredo o Projeto Orvil. Tudo começou em 27 de março de 1984, quando o tenente-coronel Romeu Antônio Ferreira, então analista do Centro de Informações do Exército (CIE), escreveu uma apreciação confidencial para os chefes: “As novas gerações de militares, atoladas na avalanche de propaganda ideológica marxista, desconhecem as lutas enfrentadas contra a guerrilha urbana e rural”. E concluía: “Há que se escrever a história verdadeira, a história dos vencedores, a nossa história. Sabemos que há muita coisa que não pode ser contada. Sabemos, entretanto, que há muita coisa que pode e deve ser contada. Temos os dados e os fatos. Falta-nos a vontade e a decisão.”

A decisão viria dois anos depois. Leônidas, então ministro, concordou com a ideia do CIE e mandou escrever a história oficial do Exército sobre a luta contra a esquerda. Em 1988, o  Orvil estava pronto. Tinha 953 páginas. Durante dois anos, dezenas de oficiais vasculharam os arquivos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Mas Leônidas decidiu guardar tudo. Não queria problemas com o mundo civil. Oficiais fizeram cópias do material.

Do projeto nasceram livros como A Verdade Sufocadado coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e A Grande Mentira, do general Agnaldo Del Nero. Hoje, o Exército diz não mais guardar os documentos que lhe serviram de fonte.

No Orvil há mais de uma dezena de casos de militantes de organizações de esquerda “mortos por seus companheiros nos chamados “justiçamentos”. A lista inclui vítimas da ALN, do PCBR, da DVP, do PCR, do PCdoB e da AP (Antônio Lourenço, no Maranhão). Tudo o que o Exército sabia e podia ser contado – na definição de Romeu – está na obra. E eis que o trabalho de Leônidas mais uma vez cruza o caminho de Bolsonaro: é que entre os “justiçados” do Orvil não está Santa Cruz. A versão que Bolsonaro deu para o caso nunca existiu nos arquivos militares.

E isso não é tudo. Os pesquisadores do Orvil omitiram o que foi feito do pai do hoje presidente da OAB. Talvez porque o destino do militante estivesse entre as coisas que, nas palavras de Romeu, não podiam ser contadas. Mas alguém contou. A Marinha, a Aeronáutica e o Dops de São Paulo o fizeram por escrito. Seus arquivos registram que Santa Cruz foi preso em 1974. O almirante Ivan da Silveira Serpa, então ministro da Marinha, consignou isso em 1993.

Bolsonaro pode não acreditar em documentos. Talvez prefira ouvir de viva voz. Se esse for o caso, pode perguntar ao sargento Massayuki Gushiken, do Destacamento de Operações de Informações (DOI), de São Paulo, quem prendeu os integrantes da Ação Popular. Massayuki viu um deles encapuzado desembarcar de um avião em Brasília. Quem era?

Pode questionar ainda o ex-sargento Marival Chaves, do CIE. Marival contou em 2004 que Santa Cruz foi apanhado em uma operação do CIE comandada pelo Doutor César. O presidente pode não conhecer quem é o tal doutor. Mas pode se informar em Brasília, onde o militar vive recluso. O doutor é da turma de 1958 da Academia Militar das Agulhas Negras. É artilheiro como Ustra. E paraquedista como Bolsonaro. Trabalhou no CIE e é coronel. Reformado.

Pode também indagar o Ministério Público Federal sobre o militar. A procuradoria o ouviu por 39 minutos. Queria saber sobre a Casa da Morte (Petrópolis) e o Araguaia. Ele se negou a dar informações. Disse que no centro cuidava de “materiais eletrônicos”. E elogiou o procurador Sérgio Suyama: “O senhor é um bom interrogador”. Em 29 de maio deste ano, o MPF o acusou de decapitar Arildo Valadão, militante do PCdoB. Valadão foi morto em 1973, no Araguaia. Por fim, Bolsonaro pode bater na porta do doutor. E perguntar ao coronel também sobre Santa Cruz. Se tiver sorte, o doutor lhe conta tudo o que sabe.

Caro leitor,

Jair Bolsonaro não pensou no tamanho da encrenca quando resolveu contar uma história sobre o desaparecimento de Fernando Santa Cruz, militante da Ação Popular (AP) e pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. Como não leu os documentos do Exército sobre a luta armada, o presidente tem agora em seu caminho mais uma vez o general Leônidas Pires Gonçalves. 

Mais do que ministro do Exército de José Sarney, Leônidas foi o fiador, desde a primeira noite, do nascimento da Nova República. Ele submeteu Bolsonaro ao Conselho de Justificação que considerou o comportamento do capitão "aético e incompatível com o pundonor militar" por “mentir durante todo o processo” sobre o plano de pôr bombas nos quartéis em protesto contra os baixos salários. Era 1988. Bolsonaro – é verdade – reverteu o veredicto no Superior Tribunal Militar (STM), como o leitor viu aqui.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia na Vila Militar, no Rio de Janeiro. Foto: Marcos Corrêa/PR

Naquele tempo, Leônidas conduzia em segredo o Projeto Orvil. Tudo começou em 27 de março de 1984, quando o tenente-coronel Romeu Antônio Ferreira, então analista do Centro de Informações do Exército (CIE), escreveu uma apreciação confidencial para os chefes: “As novas gerações de militares, atoladas na avalanche de propaganda ideológica marxista, desconhecem as lutas enfrentadas contra a guerrilha urbana e rural”. E concluía: “Há que se escrever a história verdadeira, a história dos vencedores, a nossa história. Sabemos que há muita coisa que não pode ser contada. Sabemos, entretanto, que há muita coisa que pode e deve ser contada. Temos os dados e os fatos. Falta-nos a vontade e a decisão.”

A decisão viria dois anos depois. Leônidas, então ministro, concordou com a ideia do CIE e mandou escrever a história oficial do Exército sobre a luta contra a esquerda. Em 1988, o  Orvil estava pronto. Tinha 953 páginas. Durante dois anos, dezenas de oficiais vasculharam os arquivos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Mas Leônidas decidiu guardar tudo. Não queria problemas com o mundo civil. Oficiais fizeram cópias do material.

Do projeto nasceram livros como A Verdade Sufocadado coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e A Grande Mentira, do general Agnaldo Del Nero. Hoje, o Exército diz não mais guardar os documentos que lhe serviram de fonte.

No Orvil há mais de uma dezena de casos de militantes de organizações de esquerda “mortos por seus companheiros nos chamados “justiçamentos”. A lista inclui vítimas da ALN, do PCBR, da DVP, do PCR, do PCdoB e da AP (Antônio Lourenço, no Maranhão). Tudo o que o Exército sabia e podia ser contado – na definição de Romeu – está na obra. E eis que o trabalho de Leônidas mais uma vez cruza o caminho de Bolsonaro: é que entre os “justiçados” do Orvil não está Santa Cruz. A versão que Bolsonaro deu para o caso nunca existiu nos arquivos militares.

E isso não é tudo. Os pesquisadores do Orvil omitiram o que foi feito do pai do hoje presidente da OAB. Talvez porque o destino do militante estivesse entre as coisas que, nas palavras de Romeu, não podiam ser contadas. Mas alguém contou. A Marinha, a Aeronáutica e o Dops de São Paulo o fizeram por escrito. Seus arquivos registram que Santa Cruz foi preso em 1974. O almirante Ivan da Silveira Serpa, então ministro da Marinha, consignou isso em 1993.

Bolsonaro pode não acreditar em documentos. Talvez prefira ouvir de viva voz. Se esse for o caso, pode perguntar ao sargento Massayuki Gushiken, do Destacamento de Operações de Informações (DOI), de São Paulo, quem prendeu os integrantes da Ação Popular. Massayuki viu um deles encapuzado desembarcar de um avião em Brasília. Quem era?

Pode questionar ainda o ex-sargento Marival Chaves, do CIE. Marival contou em 2004 que Santa Cruz foi apanhado em uma operação do CIE comandada pelo Doutor César. O presidente pode não conhecer quem é o tal doutor. Mas pode se informar em Brasília, onde o militar vive recluso. O doutor é da turma de 1958 da Academia Militar das Agulhas Negras. É artilheiro como Ustra. E paraquedista como Bolsonaro. Trabalhou no CIE e é coronel. Reformado.

Pode também indagar o Ministério Público Federal sobre o militar. A procuradoria o ouviu por 39 minutos. Queria saber sobre a Casa da Morte (Petrópolis) e o Araguaia. Ele se negou a dar informações. Disse que no centro cuidava de “materiais eletrônicos”. E elogiou o procurador Sérgio Suyama: “O senhor é um bom interrogador”. Em 29 de maio deste ano, o MPF o acusou de decapitar Arildo Valadão, militante do PCdoB. Valadão foi morto em 1973, no Araguaia. Por fim, Bolsonaro pode bater na porta do doutor. E perguntar ao coronel também sobre Santa Cruz. Se tiver sorte, o doutor lhe conta tudo o que sabe.

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