''Bota quem tem culpa na cadeia''


Empresário de opiniões fortes, Marcelo fala sobre sua relação com o pai e o avô, corrupção e ligações com o governo

A Odebrecht, com seus R$ 38 bilhões de faturamento e mais de 100 mil empregados, é uma grande família. Entre eles, indicações de amigos valem mais do que recomendações de headhunters, e lealdade vem antes de qualquer outra coisa. Por dentro, está tudo bem resolvido. Olhando para fora, no entanto, aparece uma preocupação: o clima de desconfiança que cerca a relação da empresa com o governo. É assim que Marcelo Odebrecht, presidente do grupo, afirma enxergar sua empresa, sua família e o mundo que os rodeia."Bota na cadeia quem tem culpa. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Por isso, vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?", questiona. Empresário de opiniões fortes, 41 anos, casado, três filhas, Marcelo assumiu há um ano o grupo fundado por seu avô, Norberto. Obcecado por trabalho, Marcelo é um sujeito de hábitos simples, cultiva poucos amigos fora do ambiente de trabalho e procura ficar mais tempo com a família do que seu pai ficava. Na semana passada, estava de férias com a família na Europa.Na visão de pessoas que conhecem a família, Marcelo não é extrovertido como o pai, Emílio, "que é um vendedor, uma pessoa envolvente, emocional". Também não tem o carisma do avô, "que se sentar numa mesa redonda faz do lugar a cabeceira. Mas uma coisa é certa: se ele não fosse bom, não teria emplacado como CEO do grupo", diz um ex-executivo da Odebrecht.Em sua primeira entrevista desde que assumiu o grupo, Marcelo falou sem rodeios sobre temas delicados como corrupção, relacionamento com o governo e sucessão familiar. A seguir, os principais trechos da entrevista:Aqui dentro dizem que o sr. tem mais afinidade com seu avô do que com seu pai.A relação de neto com avô é sempre mais afetuosa porque é diferente. Mas tem uma coisa que eu admiro muito em meu pai e que hoje contribui para a gente ter uma relação muito boa. Ele foi muito esperto na sucessão. A sucessão do meu avô para o meu pai foi um processo atribulado. Meu pai aprendeu com isso e fez algo mais tranquilo comigo. Em 2000, cogitou-se fazer a sucessão da organização e, se ela tivesse sido feita, seria um desastre. Por quê?Nem eu estava preparado para ser liderado por meu pai, nem ele estava preparado para ser meu líder. Então meu pai colocou o Pedro Novis como presidente, e isso deu tempo para ele começar a me respeitar como filho e executivo, e para eu respeitá-lo como pai e como líder. Tenho a convicção de que, para preservar as relações familiares e acima de tudo preservar a empresa, é muito importante evitar a relação direta entre pai e filho, pelo menos entre os 20 e os 40 anos. Antes disso, o filho não está preparado para respeitar o pai, nem o pai para respeitar o filho.Com quantos anos você está? Tenho 41. Então, ao longo de minha vida acabei interagindo muito mais com meu avô, até porque meu pai viajava muito. Boa parte da minha cultura, da minha formação, vem de meu avô e de minha mãe. Meu pai sabiamente criou um distanciamento e agora eu tenho uma relação excelente com ele.Na época o sr. entendeu isso?Não, eu não entendi. Mas hoje admiro a sabedoria de meu pai. Desde a época de seu avô, a Odebrecht sempre esteve muito perto do poder. O grupo é sócio da Petrobrás na petroquímica, é um dos maiores clientes do BNDES. O grupo teria chegado tão longe sem o apoio do governo?Vamos qualificar isso aí. Devemos ser a construtora com o menor porcentual de obras do governo federal. Se você tira a Petrobrás, que tem uma gestão própria de contratação, hoje eu tenho menos de 1% do meu faturamento vindo do governo federal. Somos a maior construtora do Brasil, mas, como empreiteira de obras públicas, somos muito pequenos.Mas, incluindo a Petrobrás, que é controlada pelo governo federal, o quadro é outro.Espera aí, a Petrobrás tem uma gestão própria. E nós trabalhamos com a Petrobrás desde a década de 50. Se somos a maior empresa de engenharia do Brasil, é natural que sejamos seu maior fornecedor. Aliás, no passado, a gente teve uma presença mais forte do que hoje. Além de grandes fornecedores da Petrobrás, vocês são sócios da estatal na Braskem... Somos um grande grupo empresarial brasileiro e acho que, sim, todo governo deve apoiar suas empresas. Honestamente, não consigo enxergar nenhum ponto específico de favorecimento de governo. Pelo contrário. Para construir a petroquímica tivemos grandes embates com a Petrobrás e também com o BNDES, dez anos atrás. Na hora que a Petrobrás foi comprar a Suzano, fomos contra a estatização do setor. O que ninguém fala é que somos a maior construtora da Flórida e lá todas as nossas obras são do governo. Isso ninguém fala.Está falado agora.Ninguém fala, por exemplo, que a gente ganhou uma obra de US$ 2 bilhões no Aeroporto de Miami, sem concorrência. Foi contratação do condado de Miami. Nos Estados Unidos, a contratação não se dá pelo regime do menor preço como no Brasil. Aqui prevalece o espírito da desconfiança. Para mim, hoje não é vantagem fazer obra para o governo. O TCU (Tribunal de Contas da União) dá tanto trabalho... Por que vou fazer ferrovia para o governo se a gente ganha uma licitação, assina um contrato e aí aparecem uns malucos dizendo que o nosso preço tem que ser reduzido, se eu ganhei a licitação com esse preço? Quem são os malucos? O TCU? O Ministério Público?O que estou dizendo é o seguinte: chega um cara e diz "você tem um lucro na obra de 8%, o lucro tem que ser 6%"! Isso no meio da obra e com contrato assinado. Não é culpa do governo. Pelo contrário. Esse governo tem se esforçado muito para fazer as coisas caminharem. Mas existe uma cultura da desconfiança tão grande hoje no Brasil, que é complicado você ter relação com o governo.Essa desconfiança é injusta? Bota na cadeia quem tem culpa. Se achar alguma coisa, puna os culpados. Agora, gerando uma cultura de desconfiança geral na sociedade você afasta as empresas.Isso não é consequência de uma história de desvios, de corrupção em obras públicas?O que gera esses desvios é justamente essa cultura de desconfiança. A lei das licitações obriga o governo a contratar pelo menor preço. Sabe o que acontece? O cara entra com o menor preço, depois ele paga o fiscal para não fazer a base, para usar menos material. É por isso que a gente não consegue mais fazer. Como a gente não faz esse tipo de coisa, a gente não consegue mais fazer. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Mas por isso vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?O sr. diz que a Odebrecht é uma organização que prioriza as pessoas, não os processos. Dá para administrar um negócio que está ficando tão grande sem processo?O tempo que as outras empresas passam pensando em processos, a gente gasta pensando em pessoas. Gostamos de pegar os jovens e formar. Por causa do nosso crescimento reconheço que, pela primeira vez na nossa história, estamos tendo de contratar pessoas mais maduras. A quase totalidade dos principais executivos entrou na organização depois da universidade.É a grande família Odebrecht.É. São filhos e netos de pessoas que trabalharam com meu avô e meu pai. A família Odebrecht é muito mais expandida do que aqueles que carregam o sobrenome Odebrecht.É verdade que aqui dentro prevalece o método QI (quem indicou)? A gente não usa headhunter, buscamos pessoas por meio de recomendação. Para mim, o mais importante é a recomendação. Aqui eu não olho o currículo, não interessa que tenha um currículo bonito vendido por um headhunter. Para mim é muito mais importante a recomendação de alguém em quem confio. Talvez essa pessoa não seja a mais competente do mundo, mas todos têm defeitos e qualidades. O que é um bom executivo?Em primeiro lugar, vem a questão da confiança. Disso não abro mão. Lá em casa sempre digo para minhas meninas que "papai perdoa tudo, menos mentira". Porque você mente sabendo o que está fazendo. Outra coisa fundamental é a humildade. Enquanto outras empresas consideram as competências técnicas, eu dou mais ênfase a esses aspectos. Por isso é muito difícil a gente pegar os melhores alunos das melhores escolas. Eles não têm o perfil que a gente precisa. Já chegam querendo ser chefes.Fora da Odebrecht, quais são os executivos que o sr. mais respeita?Se tem um executivo que eu admiro é meu avô.Quais são as apostas do grupo para os próximos anos?Nossa força está, principalmente, em tudo que se refere a infraestrutura. Provavelmente a gente vai investir cada vez mais nas áreas de transporte e logística, na área de energia, água e saneamento. Só aí tem um potencial gigantesco, uma demanda de capital absurda.Quanto?Quase R$ 25 bilhões nos próximos três anos. Grande parte disso vai para a área de infraestrutura. Isso é só da Odebrecht?Essa parcela é apenas da Odebrechet.Como vão financiar isso? A parte do capital próprio, vamos levantar de duas maneiras. Primeiro, a geração de caixa da própria organização, principal fonte de financiamento. Segundo, em alguns negócios, que são mais de capital intensivo, nós já estamos buscando alguns sócios estratégicos. É o caso da Sojitz na ETH. Com exceção da engenharia e construção, todos os outros negócios tendem a ter sócios estratégicos. O pacote também tem coisas em outros países e, nesses casos, vamos buscar financiamento em bancos internacionais.O grupo planeja abrir o capital na bolsa de valores?A holding não vai ser aberta e a engenharia também não, mas todas as demais empresas podem um dia vir a abrir o capital. Já tem alguma coisa madura?Não tem nenhuma prioridade. Nem a Óleo e Gás?Se for alguma coisa de abertura de capital em 2010 é a Óleo e Gás. Mas vai depender muito de como vier o programa do pré-sal. O crescimento da Óleo e Gás, no ritmo de hoje, a gente consegue sustentar sem abrir o capital.A Odebrecht aposta muito no crescimento no exterior e, nesse projeto, a África é uma prioridade para vocês. O movimento das construtoras chinesas, que estão entrando fortemente no continente, preocupa o sr.?Preocupa, mas por enquanto acho que ocupamos dois mercados distintos. Eles chegam e ocupam tudo com mão de obra chinesa. Nós, ao contrário, temos 99% de trabalhadores angolanos. Formamos operadores, engenheiros, técnicos em geral, e isso é importante para o governo de Angola. Na Líbia, ganhamos grandes contratos porque, ao contrário de empresas anteriores, que não transferiram tecnologia, nós mostramos ao governo que iríamos ensinar os líbios e transferir tecnologia. Isso é o que a gente está fazendo na Libéria, em Moçambique. É lógico que os chineses vão tomar alguns clientes, mas nós sempre vamos ter espaço porque fazemos uma coisa que eles não fazem, que é formar gente e se tornar uma empresa local. Então a gente é peruano no Peru, é Venezuelano na Venezuela, é panamenho no Panamá.A Odebrecht também é muito forte na América Latina. A instabilidade política da região não o assusta?Em 30 anos de exterior a gente teve um único problema, no Equador (responsabilizada pela falha na construção de uma usina, a empresa foi expulsa do país). Foi um caso isolado. Nesses 30 anos, a gente aprendeu algumas coisas: não atendemos governos, atendemos o país, evitamos entrar em obras políticas, preferimos obras que sejam prioritárias em qualquer governo. Além disso, a gente acredita no país em momentos difíceis, quando outras empresas se afastam. Hoje a Líbia está se abrindo, mas temos uma diferenciação lá porque fomos uma das primeiras empresas que confiaram na Líbia. Fomos para Angola em época de guerra. Quando entramos no Peru, havia a guerrilha com o (grupo guerrilheiro) Sendero Luminoso. Acho que foi exatamente a nossa capacidade de administrar o que os outros acham que é risco que nos diferencia.Vocês estão entre as maiores empresas da Venezuela. Como é a relação com o presidente Hugo Chávez?O Chávez tem vários méritos que o pessoal precisa reconhecer. Antes dele, a Venezuela estava de costas para América do Sul e de frente para os Estados Unidos. Vocês podem questionar o que quiserem, mas é inequívoca a contribuição que Chávez deu à integração do continente americano. É inequívoco, também, que os objetivos são nobres. As pessoas podem questionar a maneira de fazer isso ou aquilo, mas o Chávez tem méritos. E se ele não tivesse méritos, ele não estaria onde está.Como é que vocês fazem para se adaptar a tantas mudanças políticas?Um dos meus grandes clientes é o Exército americano, outro é o governo da Venezuela. Outro dia, numa conversa informal, um diplomata americano me perguntou como faço para atuar na Venezuela de Hugo Chávez. Respondi a ele que meu benchmark (referência) é a Chevron. A Chevron, que é uma empresa americana, tem hoje enorme sucesso na Venezuela. E ela botou, como presidente da Chevron na Venezuela, um iraniano. É jeito, entendeu?

A Odebrecht, com seus R$ 38 bilhões de faturamento e mais de 100 mil empregados, é uma grande família. Entre eles, indicações de amigos valem mais do que recomendações de headhunters, e lealdade vem antes de qualquer outra coisa. Por dentro, está tudo bem resolvido. Olhando para fora, no entanto, aparece uma preocupação: o clima de desconfiança que cerca a relação da empresa com o governo. É assim que Marcelo Odebrecht, presidente do grupo, afirma enxergar sua empresa, sua família e o mundo que os rodeia."Bota na cadeia quem tem culpa. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Por isso, vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?", questiona. Empresário de opiniões fortes, 41 anos, casado, três filhas, Marcelo assumiu há um ano o grupo fundado por seu avô, Norberto. Obcecado por trabalho, Marcelo é um sujeito de hábitos simples, cultiva poucos amigos fora do ambiente de trabalho e procura ficar mais tempo com a família do que seu pai ficava. Na semana passada, estava de férias com a família na Europa.Na visão de pessoas que conhecem a família, Marcelo não é extrovertido como o pai, Emílio, "que é um vendedor, uma pessoa envolvente, emocional". Também não tem o carisma do avô, "que se sentar numa mesa redonda faz do lugar a cabeceira. Mas uma coisa é certa: se ele não fosse bom, não teria emplacado como CEO do grupo", diz um ex-executivo da Odebrecht.Em sua primeira entrevista desde que assumiu o grupo, Marcelo falou sem rodeios sobre temas delicados como corrupção, relacionamento com o governo e sucessão familiar. A seguir, os principais trechos da entrevista:Aqui dentro dizem que o sr. tem mais afinidade com seu avô do que com seu pai.A relação de neto com avô é sempre mais afetuosa porque é diferente. Mas tem uma coisa que eu admiro muito em meu pai e que hoje contribui para a gente ter uma relação muito boa. Ele foi muito esperto na sucessão. A sucessão do meu avô para o meu pai foi um processo atribulado. Meu pai aprendeu com isso e fez algo mais tranquilo comigo. Em 2000, cogitou-se fazer a sucessão da organização e, se ela tivesse sido feita, seria um desastre. Por quê?Nem eu estava preparado para ser liderado por meu pai, nem ele estava preparado para ser meu líder. Então meu pai colocou o Pedro Novis como presidente, e isso deu tempo para ele começar a me respeitar como filho e executivo, e para eu respeitá-lo como pai e como líder. Tenho a convicção de que, para preservar as relações familiares e acima de tudo preservar a empresa, é muito importante evitar a relação direta entre pai e filho, pelo menos entre os 20 e os 40 anos. Antes disso, o filho não está preparado para respeitar o pai, nem o pai para respeitar o filho.Com quantos anos você está? Tenho 41. Então, ao longo de minha vida acabei interagindo muito mais com meu avô, até porque meu pai viajava muito. Boa parte da minha cultura, da minha formação, vem de meu avô e de minha mãe. Meu pai sabiamente criou um distanciamento e agora eu tenho uma relação excelente com ele.Na época o sr. entendeu isso?Não, eu não entendi. Mas hoje admiro a sabedoria de meu pai. Desde a época de seu avô, a Odebrecht sempre esteve muito perto do poder. O grupo é sócio da Petrobrás na petroquímica, é um dos maiores clientes do BNDES. O grupo teria chegado tão longe sem o apoio do governo?Vamos qualificar isso aí. Devemos ser a construtora com o menor porcentual de obras do governo federal. Se você tira a Petrobrás, que tem uma gestão própria de contratação, hoje eu tenho menos de 1% do meu faturamento vindo do governo federal. Somos a maior construtora do Brasil, mas, como empreiteira de obras públicas, somos muito pequenos.Mas, incluindo a Petrobrás, que é controlada pelo governo federal, o quadro é outro.Espera aí, a Petrobrás tem uma gestão própria. E nós trabalhamos com a Petrobrás desde a década de 50. Se somos a maior empresa de engenharia do Brasil, é natural que sejamos seu maior fornecedor. Aliás, no passado, a gente teve uma presença mais forte do que hoje. Além de grandes fornecedores da Petrobrás, vocês são sócios da estatal na Braskem... Somos um grande grupo empresarial brasileiro e acho que, sim, todo governo deve apoiar suas empresas. Honestamente, não consigo enxergar nenhum ponto específico de favorecimento de governo. Pelo contrário. Para construir a petroquímica tivemos grandes embates com a Petrobrás e também com o BNDES, dez anos atrás. Na hora que a Petrobrás foi comprar a Suzano, fomos contra a estatização do setor. O que ninguém fala é que somos a maior construtora da Flórida e lá todas as nossas obras são do governo. Isso ninguém fala.Está falado agora.Ninguém fala, por exemplo, que a gente ganhou uma obra de US$ 2 bilhões no Aeroporto de Miami, sem concorrência. Foi contratação do condado de Miami. Nos Estados Unidos, a contratação não se dá pelo regime do menor preço como no Brasil. Aqui prevalece o espírito da desconfiança. Para mim, hoje não é vantagem fazer obra para o governo. O TCU (Tribunal de Contas da União) dá tanto trabalho... Por que vou fazer ferrovia para o governo se a gente ganha uma licitação, assina um contrato e aí aparecem uns malucos dizendo que o nosso preço tem que ser reduzido, se eu ganhei a licitação com esse preço? Quem são os malucos? O TCU? O Ministério Público?O que estou dizendo é o seguinte: chega um cara e diz "você tem um lucro na obra de 8%, o lucro tem que ser 6%"! Isso no meio da obra e com contrato assinado. Não é culpa do governo. Pelo contrário. Esse governo tem se esforçado muito para fazer as coisas caminharem. Mas existe uma cultura da desconfiança tão grande hoje no Brasil, que é complicado você ter relação com o governo.Essa desconfiança é injusta? Bota na cadeia quem tem culpa. Se achar alguma coisa, puna os culpados. Agora, gerando uma cultura de desconfiança geral na sociedade você afasta as empresas.Isso não é consequência de uma história de desvios, de corrupção em obras públicas?O que gera esses desvios é justamente essa cultura de desconfiança. A lei das licitações obriga o governo a contratar pelo menor preço. Sabe o que acontece? O cara entra com o menor preço, depois ele paga o fiscal para não fazer a base, para usar menos material. É por isso que a gente não consegue mais fazer. Como a gente não faz esse tipo de coisa, a gente não consegue mais fazer. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Mas por isso vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?O sr. diz que a Odebrecht é uma organização que prioriza as pessoas, não os processos. Dá para administrar um negócio que está ficando tão grande sem processo?O tempo que as outras empresas passam pensando em processos, a gente gasta pensando em pessoas. Gostamos de pegar os jovens e formar. Por causa do nosso crescimento reconheço que, pela primeira vez na nossa história, estamos tendo de contratar pessoas mais maduras. A quase totalidade dos principais executivos entrou na organização depois da universidade.É a grande família Odebrecht.É. São filhos e netos de pessoas que trabalharam com meu avô e meu pai. A família Odebrecht é muito mais expandida do que aqueles que carregam o sobrenome Odebrecht.É verdade que aqui dentro prevalece o método QI (quem indicou)? A gente não usa headhunter, buscamos pessoas por meio de recomendação. Para mim, o mais importante é a recomendação. Aqui eu não olho o currículo, não interessa que tenha um currículo bonito vendido por um headhunter. Para mim é muito mais importante a recomendação de alguém em quem confio. Talvez essa pessoa não seja a mais competente do mundo, mas todos têm defeitos e qualidades. O que é um bom executivo?Em primeiro lugar, vem a questão da confiança. Disso não abro mão. Lá em casa sempre digo para minhas meninas que "papai perdoa tudo, menos mentira". Porque você mente sabendo o que está fazendo. Outra coisa fundamental é a humildade. Enquanto outras empresas consideram as competências técnicas, eu dou mais ênfase a esses aspectos. Por isso é muito difícil a gente pegar os melhores alunos das melhores escolas. Eles não têm o perfil que a gente precisa. Já chegam querendo ser chefes.Fora da Odebrecht, quais são os executivos que o sr. mais respeita?Se tem um executivo que eu admiro é meu avô.Quais são as apostas do grupo para os próximos anos?Nossa força está, principalmente, em tudo que se refere a infraestrutura. Provavelmente a gente vai investir cada vez mais nas áreas de transporte e logística, na área de energia, água e saneamento. Só aí tem um potencial gigantesco, uma demanda de capital absurda.Quanto?Quase R$ 25 bilhões nos próximos três anos. Grande parte disso vai para a área de infraestrutura. Isso é só da Odebrecht?Essa parcela é apenas da Odebrechet.Como vão financiar isso? A parte do capital próprio, vamos levantar de duas maneiras. Primeiro, a geração de caixa da própria organização, principal fonte de financiamento. Segundo, em alguns negócios, que são mais de capital intensivo, nós já estamos buscando alguns sócios estratégicos. É o caso da Sojitz na ETH. Com exceção da engenharia e construção, todos os outros negócios tendem a ter sócios estratégicos. O pacote também tem coisas em outros países e, nesses casos, vamos buscar financiamento em bancos internacionais.O grupo planeja abrir o capital na bolsa de valores?A holding não vai ser aberta e a engenharia também não, mas todas as demais empresas podem um dia vir a abrir o capital. Já tem alguma coisa madura?Não tem nenhuma prioridade. Nem a Óleo e Gás?Se for alguma coisa de abertura de capital em 2010 é a Óleo e Gás. Mas vai depender muito de como vier o programa do pré-sal. O crescimento da Óleo e Gás, no ritmo de hoje, a gente consegue sustentar sem abrir o capital.A Odebrecht aposta muito no crescimento no exterior e, nesse projeto, a África é uma prioridade para vocês. O movimento das construtoras chinesas, que estão entrando fortemente no continente, preocupa o sr.?Preocupa, mas por enquanto acho que ocupamos dois mercados distintos. Eles chegam e ocupam tudo com mão de obra chinesa. Nós, ao contrário, temos 99% de trabalhadores angolanos. Formamos operadores, engenheiros, técnicos em geral, e isso é importante para o governo de Angola. Na Líbia, ganhamos grandes contratos porque, ao contrário de empresas anteriores, que não transferiram tecnologia, nós mostramos ao governo que iríamos ensinar os líbios e transferir tecnologia. Isso é o que a gente está fazendo na Libéria, em Moçambique. É lógico que os chineses vão tomar alguns clientes, mas nós sempre vamos ter espaço porque fazemos uma coisa que eles não fazem, que é formar gente e se tornar uma empresa local. Então a gente é peruano no Peru, é Venezuelano na Venezuela, é panamenho no Panamá.A Odebrecht também é muito forte na América Latina. A instabilidade política da região não o assusta?Em 30 anos de exterior a gente teve um único problema, no Equador (responsabilizada pela falha na construção de uma usina, a empresa foi expulsa do país). Foi um caso isolado. Nesses 30 anos, a gente aprendeu algumas coisas: não atendemos governos, atendemos o país, evitamos entrar em obras políticas, preferimos obras que sejam prioritárias em qualquer governo. Além disso, a gente acredita no país em momentos difíceis, quando outras empresas se afastam. Hoje a Líbia está se abrindo, mas temos uma diferenciação lá porque fomos uma das primeiras empresas que confiaram na Líbia. Fomos para Angola em época de guerra. Quando entramos no Peru, havia a guerrilha com o (grupo guerrilheiro) Sendero Luminoso. Acho que foi exatamente a nossa capacidade de administrar o que os outros acham que é risco que nos diferencia.Vocês estão entre as maiores empresas da Venezuela. Como é a relação com o presidente Hugo Chávez?O Chávez tem vários méritos que o pessoal precisa reconhecer. Antes dele, a Venezuela estava de costas para América do Sul e de frente para os Estados Unidos. Vocês podem questionar o que quiserem, mas é inequívoca a contribuição que Chávez deu à integração do continente americano. É inequívoco, também, que os objetivos são nobres. As pessoas podem questionar a maneira de fazer isso ou aquilo, mas o Chávez tem méritos. E se ele não tivesse méritos, ele não estaria onde está.Como é que vocês fazem para se adaptar a tantas mudanças políticas?Um dos meus grandes clientes é o Exército americano, outro é o governo da Venezuela. Outro dia, numa conversa informal, um diplomata americano me perguntou como faço para atuar na Venezuela de Hugo Chávez. Respondi a ele que meu benchmark (referência) é a Chevron. A Chevron, que é uma empresa americana, tem hoje enorme sucesso na Venezuela. E ela botou, como presidente da Chevron na Venezuela, um iraniano. É jeito, entendeu?

A Odebrecht, com seus R$ 38 bilhões de faturamento e mais de 100 mil empregados, é uma grande família. Entre eles, indicações de amigos valem mais do que recomendações de headhunters, e lealdade vem antes de qualquer outra coisa. Por dentro, está tudo bem resolvido. Olhando para fora, no entanto, aparece uma preocupação: o clima de desconfiança que cerca a relação da empresa com o governo. É assim que Marcelo Odebrecht, presidente do grupo, afirma enxergar sua empresa, sua família e o mundo que os rodeia."Bota na cadeia quem tem culpa. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Por isso, vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?", questiona. Empresário de opiniões fortes, 41 anos, casado, três filhas, Marcelo assumiu há um ano o grupo fundado por seu avô, Norberto. Obcecado por trabalho, Marcelo é um sujeito de hábitos simples, cultiva poucos amigos fora do ambiente de trabalho e procura ficar mais tempo com a família do que seu pai ficava. Na semana passada, estava de férias com a família na Europa.Na visão de pessoas que conhecem a família, Marcelo não é extrovertido como o pai, Emílio, "que é um vendedor, uma pessoa envolvente, emocional". Também não tem o carisma do avô, "que se sentar numa mesa redonda faz do lugar a cabeceira. Mas uma coisa é certa: se ele não fosse bom, não teria emplacado como CEO do grupo", diz um ex-executivo da Odebrecht.Em sua primeira entrevista desde que assumiu o grupo, Marcelo falou sem rodeios sobre temas delicados como corrupção, relacionamento com o governo e sucessão familiar. A seguir, os principais trechos da entrevista:Aqui dentro dizem que o sr. tem mais afinidade com seu avô do que com seu pai.A relação de neto com avô é sempre mais afetuosa porque é diferente. Mas tem uma coisa que eu admiro muito em meu pai e que hoje contribui para a gente ter uma relação muito boa. Ele foi muito esperto na sucessão. A sucessão do meu avô para o meu pai foi um processo atribulado. Meu pai aprendeu com isso e fez algo mais tranquilo comigo. Em 2000, cogitou-se fazer a sucessão da organização e, se ela tivesse sido feita, seria um desastre. Por quê?Nem eu estava preparado para ser liderado por meu pai, nem ele estava preparado para ser meu líder. Então meu pai colocou o Pedro Novis como presidente, e isso deu tempo para ele começar a me respeitar como filho e executivo, e para eu respeitá-lo como pai e como líder. Tenho a convicção de que, para preservar as relações familiares e acima de tudo preservar a empresa, é muito importante evitar a relação direta entre pai e filho, pelo menos entre os 20 e os 40 anos. Antes disso, o filho não está preparado para respeitar o pai, nem o pai para respeitar o filho.Com quantos anos você está? Tenho 41. Então, ao longo de minha vida acabei interagindo muito mais com meu avô, até porque meu pai viajava muito. Boa parte da minha cultura, da minha formação, vem de meu avô e de minha mãe. Meu pai sabiamente criou um distanciamento e agora eu tenho uma relação excelente com ele.Na época o sr. entendeu isso?Não, eu não entendi. Mas hoje admiro a sabedoria de meu pai. Desde a época de seu avô, a Odebrecht sempre esteve muito perto do poder. O grupo é sócio da Petrobrás na petroquímica, é um dos maiores clientes do BNDES. O grupo teria chegado tão longe sem o apoio do governo?Vamos qualificar isso aí. Devemos ser a construtora com o menor porcentual de obras do governo federal. Se você tira a Petrobrás, que tem uma gestão própria de contratação, hoje eu tenho menos de 1% do meu faturamento vindo do governo federal. Somos a maior construtora do Brasil, mas, como empreiteira de obras públicas, somos muito pequenos.Mas, incluindo a Petrobrás, que é controlada pelo governo federal, o quadro é outro.Espera aí, a Petrobrás tem uma gestão própria. E nós trabalhamos com a Petrobrás desde a década de 50. Se somos a maior empresa de engenharia do Brasil, é natural que sejamos seu maior fornecedor. Aliás, no passado, a gente teve uma presença mais forte do que hoje. Além de grandes fornecedores da Petrobrás, vocês são sócios da estatal na Braskem... Somos um grande grupo empresarial brasileiro e acho que, sim, todo governo deve apoiar suas empresas. Honestamente, não consigo enxergar nenhum ponto específico de favorecimento de governo. Pelo contrário. Para construir a petroquímica tivemos grandes embates com a Petrobrás e também com o BNDES, dez anos atrás. Na hora que a Petrobrás foi comprar a Suzano, fomos contra a estatização do setor. O que ninguém fala é que somos a maior construtora da Flórida e lá todas as nossas obras são do governo. Isso ninguém fala.Está falado agora.Ninguém fala, por exemplo, que a gente ganhou uma obra de US$ 2 bilhões no Aeroporto de Miami, sem concorrência. Foi contratação do condado de Miami. Nos Estados Unidos, a contratação não se dá pelo regime do menor preço como no Brasil. Aqui prevalece o espírito da desconfiança. Para mim, hoje não é vantagem fazer obra para o governo. O TCU (Tribunal de Contas da União) dá tanto trabalho... Por que vou fazer ferrovia para o governo se a gente ganha uma licitação, assina um contrato e aí aparecem uns malucos dizendo que o nosso preço tem que ser reduzido, se eu ganhei a licitação com esse preço? Quem são os malucos? O TCU? O Ministério Público?O que estou dizendo é o seguinte: chega um cara e diz "você tem um lucro na obra de 8%, o lucro tem que ser 6%"! Isso no meio da obra e com contrato assinado. Não é culpa do governo. Pelo contrário. Esse governo tem se esforçado muito para fazer as coisas caminharem. Mas existe uma cultura da desconfiança tão grande hoje no Brasil, que é complicado você ter relação com o governo.Essa desconfiança é injusta? Bota na cadeia quem tem culpa. Se achar alguma coisa, puna os culpados. Agora, gerando uma cultura de desconfiança geral na sociedade você afasta as empresas.Isso não é consequência de uma história de desvios, de corrupção em obras públicas?O que gera esses desvios é justamente essa cultura de desconfiança. A lei das licitações obriga o governo a contratar pelo menor preço. Sabe o que acontece? O cara entra com o menor preço, depois ele paga o fiscal para não fazer a base, para usar menos material. É por isso que a gente não consegue mais fazer. Como a gente não faz esse tipo de coisa, a gente não consegue mais fazer. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Mas por isso vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?O sr. diz que a Odebrecht é uma organização que prioriza as pessoas, não os processos. Dá para administrar um negócio que está ficando tão grande sem processo?O tempo que as outras empresas passam pensando em processos, a gente gasta pensando em pessoas. Gostamos de pegar os jovens e formar. Por causa do nosso crescimento reconheço que, pela primeira vez na nossa história, estamos tendo de contratar pessoas mais maduras. A quase totalidade dos principais executivos entrou na organização depois da universidade.É a grande família Odebrecht.É. São filhos e netos de pessoas que trabalharam com meu avô e meu pai. A família Odebrecht é muito mais expandida do que aqueles que carregam o sobrenome Odebrecht.É verdade que aqui dentro prevalece o método QI (quem indicou)? A gente não usa headhunter, buscamos pessoas por meio de recomendação. Para mim, o mais importante é a recomendação. Aqui eu não olho o currículo, não interessa que tenha um currículo bonito vendido por um headhunter. Para mim é muito mais importante a recomendação de alguém em quem confio. Talvez essa pessoa não seja a mais competente do mundo, mas todos têm defeitos e qualidades. O que é um bom executivo?Em primeiro lugar, vem a questão da confiança. Disso não abro mão. Lá em casa sempre digo para minhas meninas que "papai perdoa tudo, menos mentira". Porque você mente sabendo o que está fazendo. Outra coisa fundamental é a humildade. Enquanto outras empresas consideram as competências técnicas, eu dou mais ênfase a esses aspectos. Por isso é muito difícil a gente pegar os melhores alunos das melhores escolas. Eles não têm o perfil que a gente precisa. Já chegam querendo ser chefes.Fora da Odebrecht, quais são os executivos que o sr. mais respeita?Se tem um executivo que eu admiro é meu avô.Quais são as apostas do grupo para os próximos anos?Nossa força está, principalmente, em tudo que se refere a infraestrutura. Provavelmente a gente vai investir cada vez mais nas áreas de transporte e logística, na área de energia, água e saneamento. Só aí tem um potencial gigantesco, uma demanda de capital absurda.Quanto?Quase R$ 25 bilhões nos próximos três anos. Grande parte disso vai para a área de infraestrutura. Isso é só da Odebrecht?Essa parcela é apenas da Odebrechet.Como vão financiar isso? A parte do capital próprio, vamos levantar de duas maneiras. Primeiro, a geração de caixa da própria organização, principal fonte de financiamento. Segundo, em alguns negócios, que são mais de capital intensivo, nós já estamos buscando alguns sócios estratégicos. É o caso da Sojitz na ETH. Com exceção da engenharia e construção, todos os outros negócios tendem a ter sócios estratégicos. O pacote também tem coisas em outros países e, nesses casos, vamos buscar financiamento em bancos internacionais.O grupo planeja abrir o capital na bolsa de valores?A holding não vai ser aberta e a engenharia também não, mas todas as demais empresas podem um dia vir a abrir o capital. Já tem alguma coisa madura?Não tem nenhuma prioridade. Nem a Óleo e Gás?Se for alguma coisa de abertura de capital em 2010 é a Óleo e Gás. Mas vai depender muito de como vier o programa do pré-sal. O crescimento da Óleo e Gás, no ritmo de hoje, a gente consegue sustentar sem abrir o capital.A Odebrecht aposta muito no crescimento no exterior e, nesse projeto, a África é uma prioridade para vocês. O movimento das construtoras chinesas, que estão entrando fortemente no continente, preocupa o sr.?Preocupa, mas por enquanto acho que ocupamos dois mercados distintos. Eles chegam e ocupam tudo com mão de obra chinesa. Nós, ao contrário, temos 99% de trabalhadores angolanos. Formamos operadores, engenheiros, técnicos em geral, e isso é importante para o governo de Angola. Na Líbia, ganhamos grandes contratos porque, ao contrário de empresas anteriores, que não transferiram tecnologia, nós mostramos ao governo que iríamos ensinar os líbios e transferir tecnologia. Isso é o que a gente está fazendo na Libéria, em Moçambique. É lógico que os chineses vão tomar alguns clientes, mas nós sempre vamos ter espaço porque fazemos uma coisa que eles não fazem, que é formar gente e se tornar uma empresa local. Então a gente é peruano no Peru, é Venezuelano na Venezuela, é panamenho no Panamá.A Odebrecht também é muito forte na América Latina. A instabilidade política da região não o assusta?Em 30 anos de exterior a gente teve um único problema, no Equador (responsabilizada pela falha na construção de uma usina, a empresa foi expulsa do país). Foi um caso isolado. Nesses 30 anos, a gente aprendeu algumas coisas: não atendemos governos, atendemos o país, evitamos entrar em obras políticas, preferimos obras que sejam prioritárias em qualquer governo. Além disso, a gente acredita no país em momentos difíceis, quando outras empresas se afastam. Hoje a Líbia está se abrindo, mas temos uma diferenciação lá porque fomos uma das primeiras empresas que confiaram na Líbia. Fomos para Angola em época de guerra. Quando entramos no Peru, havia a guerrilha com o (grupo guerrilheiro) Sendero Luminoso. Acho que foi exatamente a nossa capacidade de administrar o que os outros acham que é risco que nos diferencia.Vocês estão entre as maiores empresas da Venezuela. Como é a relação com o presidente Hugo Chávez?O Chávez tem vários méritos que o pessoal precisa reconhecer. Antes dele, a Venezuela estava de costas para América do Sul e de frente para os Estados Unidos. Vocês podem questionar o que quiserem, mas é inequívoca a contribuição que Chávez deu à integração do continente americano. É inequívoco, também, que os objetivos são nobres. As pessoas podem questionar a maneira de fazer isso ou aquilo, mas o Chávez tem méritos. E se ele não tivesse méritos, ele não estaria onde está.Como é que vocês fazem para se adaptar a tantas mudanças políticas?Um dos meus grandes clientes é o Exército americano, outro é o governo da Venezuela. Outro dia, numa conversa informal, um diplomata americano me perguntou como faço para atuar na Venezuela de Hugo Chávez. Respondi a ele que meu benchmark (referência) é a Chevron. A Chevron, que é uma empresa americana, tem hoje enorme sucesso na Venezuela. E ela botou, como presidente da Chevron na Venezuela, um iraniano. É jeito, entendeu?

A Odebrecht, com seus R$ 38 bilhões de faturamento e mais de 100 mil empregados, é uma grande família. Entre eles, indicações de amigos valem mais do que recomendações de headhunters, e lealdade vem antes de qualquer outra coisa. Por dentro, está tudo bem resolvido. Olhando para fora, no entanto, aparece uma preocupação: o clima de desconfiança que cerca a relação da empresa com o governo. É assim que Marcelo Odebrecht, presidente do grupo, afirma enxergar sua empresa, sua família e o mundo que os rodeia."Bota na cadeia quem tem culpa. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Por isso, vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?", questiona. Empresário de opiniões fortes, 41 anos, casado, três filhas, Marcelo assumiu há um ano o grupo fundado por seu avô, Norberto. Obcecado por trabalho, Marcelo é um sujeito de hábitos simples, cultiva poucos amigos fora do ambiente de trabalho e procura ficar mais tempo com a família do que seu pai ficava. Na semana passada, estava de férias com a família na Europa.Na visão de pessoas que conhecem a família, Marcelo não é extrovertido como o pai, Emílio, "que é um vendedor, uma pessoa envolvente, emocional". Também não tem o carisma do avô, "que se sentar numa mesa redonda faz do lugar a cabeceira. Mas uma coisa é certa: se ele não fosse bom, não teria emplacado como CEO do grupo", diz um ex-executivo da Odebrecht.Em sua primeira entrevista desde que assumiu o grupo, Marcelo falou sem rodeios sobre temas delicados como corrupção, relacionamento com o governo e sucessão familiar. A seguir, os principais trechos da entrevista:Aqui dentro dizem que o sr. tem mais afinidade com seu avô do que com seu pai.A relação de neto com avô é sempre mais afetuosa porque é diferente. Mas tem uma coisa que eu admiro muito em meu pai e que hoje contribui para a gente ter uma relação muito boa. Ele foi muito esperto na sucessão. A sucessão do meu avô para o meu pai foi um processo atribulado. Meu pai aprendeu com isso e fez algo mais tranquilo comigo. Em 2000, cogitou-se fazer a sucessão da organização e, se ela tivesse sido feita, seria um desastre. Por quê?Nem eu estava preparado para ser liderado por meu pai, nem ele estava preparado para ser meu líder. Então meu pai colocou o Pedro Novis como presidente, e isso deu tempo para ele começar a me respeitar como filho e executivo, e para eu respeitá-lo como pai e como líder. Tenho a convicção de que, para preservar as relações familiares e acima de tudo preservar a empresa, é muito importante evitar a relação direta entre pai e filho, pelo menos entre os 20 e os 40 anos. Antes disso, o filho não está preparado para respeitar o pai, nem o pai para respeitar o filho.Com quantos anos você está? Tenho 41. Então, ao longo de minha vida acabei interagindo muito mais com meu avô, até porque meu pai viajava muito. Boa parte da minha cultura, da minha formação, vem de meu avô e de minha mãe. Meu pai sabiamente criou um distanciamento e agora eu tenho uma relação excelente com ele.Na época o sr. entendeu isso?Não, eu não entendi. Mas hoje admiro a sabedoria de meu pai. Desde a época de seu avô, a Odebrecht sempre esteve muito perto do poder. O grupo é sócio da Petrobrás na petroquímica, é um dos maiores clientes do BNDES. O grupo teria chegado tão longe sem o apoio do governo?Vamos qualificar isso aí. Devemos ser a construtora com o menor porcentual de obras do governo federal. Se você tira a Petrobrás, que tem uma gestão própria de contratação, hoje eu tenho menos de 1% do meu faturamento vindo do governo federal. Somos a maior construtora do Brasil, mas, como empreiteira de obras públicas, somos muito pequenos.Mas, incluindo a Petrobrás, que é controlada pelo governo federal, o quadro é outro.Espera aí, a Petrobrás tem uma gestão própria. E nós trabalhamos com a Petrobrás desde a década de 50. Se somos a maior empresa de engenharia do Brasil, é natural que sejamos seu maior fornecedor. Aliás, no passado, a gente teve uma presença mais forte do que hoje. Além de grandes fornecedores da Petrobrás, vocês são sócios da estatal na Braskem... Somos um grande grupo empresarial brasileiro e acho que, sim, todo governo deve apoiar suas empresas. Honestamente, não consigo enxergar nenhum ponto específico de favorecimento de governo. Pelo contrário. Para construir a petroquímica tivemos grandes embates com a Petrobrás e também com o BNDES, dez anos atrás. Na hora que a Petrobrás foi comprar a Suzano, fomos contra a estatização do setor. O que ninguém fala é que somos a maior construtora da Flórida e lá todas as nossas obras são do governo. Isso ninguém fala.Está falado agora.Ninguém fala, por exemplo, que a gente ganhou uma obra de US$ 2 bilhões no Aeroporto de Miami, sem concorrência. Foi contratação do condado de Miami. Nos Estados Unidos, a contratação não se dá pelo regime do menor preço como no Brasil. Aqui prevalece o espírito da desconfiança. Para mim, hoje não é vantagem fazer obra para o governo. O TCU (Tribunal de Contas da União) dá tanto trabalho... Por que vou fazer ferrovia para o governo se a gente ganha uma licitação, assina um contrato e aí aparecem uns malucos dizendo que o nosso preço tem que ser reduzido, se eu ganhei a licitação com esse preço? Quem são os malucos? O TCU? O Ministério Público?O que estou dizendo é o seguinte: chega um cara e diz "você tem um lucro na obra de 8%, o lucro tem que ser 6%"! Isso no meio da obra e com contrato assinado. Não é culpa do governo. Pelo contrário. Esse governo tem se esforçado muito para fazer as coisas caminharem. Mas existe uma cultura da desconfiança tão grande hoje no Brasil, que é complicado você ter relação com o governo.Essa desconfiança é injusta? Bota na cadeia quem tem culpa. Se achar alguma coisa, puna os culpados. Agora, gerando uma cultura de desconfiança geral na sociedade você afasta as empresas.Isso não é consequência de uma história de desvios, de corrupção em obras públicas?O que gera esses desvios é justamente essa cultura de desconfiança. A lei das licitações obriga o governo a contratar pelo menor preço. Sabe o que acontece? O cara entra com o menor preço, depois ele paga o fiscal para não fazer a base, para usar menos material. É por isso que a gente não consegue mais fazer. Como a gente não faz esse tipo de coisa, a gente não consegue mais fazer. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Mas por isso vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?O sr. diz que a Odebrecht é uma organização que prioriza as pessoas, não os processos. Dá para administrar um negócio que está ficando tão grande sem processo?O tempo que as outras empresas passam pensando em processos, a gente gasta pensando em pessoas. Gostamos de pegar os jovens e formar. Por causa do nosso crescimento reconheço que, pela primeira vez na nossa história, estamos tendo de contratar pessoas mais maduras. A quase totalidade dos principais executivos entrou na organização depois da universidade.É a grande família Odebrecht.É. São filhos e netos de pessoas que trabalharam com meu avô e meu pai. A família Odebrecht é muito mais expandida do que aqueles que carregam o sobrenome Odebrecht.É verdade que aqui dentro prevalece o método QI (quem indicou)? A gente não usa headhunter, buscamos pessoas por meio de recomendação. Para mim, o mais importante é a recomendação. Aqui eu não olho o currículo, não interessa que tenha um currículo bonito vendido por um headhunter. Para mim é muito mais importante a recomendação de alguém em quem confio. Talvez essa pessoa não seja a mais competente do mundo, mas todos têm defeitos e qualidades. O que é um bom executivo?Em primeiro lugar, vem a questão da confiança. Disso não abro mão. Lá em casa sempre digo para minhas meninas que "papai perdoa tudo, menos mentira". Porque você mente sabendo o que está fazendo. Outra coisa fundamental é a humildade. Enquanto outras empresas consideram as competências técnicas, eu dou mais ênfase a esses aspectos. Por isso é muito difícil a gente pegar os melhores alunos das melhores escolas. Eles não têm o perfil que a gente precisa. Já chegam querendo ser chefes.Fora da Odebrecht, quais são os executivos que o sr. mais respeita?Se tem um executivo que eu admiro é meu avô.Quais são as apostas do grupo para os próximos anos?Nossa força está, principalmente, em tudo que se refere a infraestrutura. Provavelmente a gente vai investir cada vez mais nas áreas de transporte e logística, na área de energia, água e saneamento. Só aí tem um potencial gigantesco, uma demanda de capital absurda.Quanto?Quase R$ 25 bilhões nos próximos três anos. Grande parte disso vai para a área de infraestrutura. Isso é só da Odebrecht?Essa parcela é apenas da Odebrechet.Como vão financiar isso? A parte do capital próprio, vamos levantar de duas maneiras. Primeiro, a geração de caixa da própria organização, principal fonte de financiamento. Segundo, em alguns negócios, que são mais de capital intensivo, nós já estamos buscando alguns sócios estratégicos. É o caso da Sojitz na ETH. Com exceção da engenharia e construção, todos os outros negócios tendem a ter sócios estratégicos. O pacote também tem coisas em outros países e, nesses casos, vamos buscar financiamento em bancos internacionais.O grupo planeja abrir o capital na bolsa de valores?A holding não vai ser aberta e a engenharia também não, mas todas as demais empresas podem um dia vir a abrir o capital. Já tem alguma coisa madura?Não tem nenhuma prioridade. Nem a Óleo e Gás?Se for alguma coisa de abertura de capital em 2010 é a Óleo e Gás. Mas vai depender muito de como vier o programa do pré-sal. O crescimento da Óleo e Gás, no ritmo de hoje, a gente consegue sustentar sem abrir o capital.A Odebrecht aposta muito no crescimento no exterior e, nesse projeto, a África é uma prioridade para vocês. O movimento das construtoras chinesas, que estão entrando fortemente no continente, preocupa o sr.?Preocupa, mas por enquanto acho que ocupamos dois mercados distintos. Eles chegam e ocupam tudo com mão de obra chinesa. Nós, ao contrário, temos 99% de trabalhadores angolanos. Formamos operadores, engenheiros, técnicos em geral, e isso é importante para o governo de Angola. Na Líbia, ganhamos grandes contratos porque, ao contrário de empresas anteriores, que não transferiram tecnologia, nós mostramos ao governo que iríamos ensinar os líbios e transferir tecnologia. Isso é o que a gente está fazendo na Libéria, em Moçambique. É lógico que os chineses vão tomar alguns clientes, mas nós sempre vamos ter espaço porque fazemos uma coisa que eles não fazem, que é formar gente e se tornar uma empresa local. Então a gente é peruano no Peru, é Venezuelano na Venezuela, é panamenho no Panamá.A Odebrecht também é muito forte na América Latina. A instabilidade política da região não o assusta?Em 30 anos de exterior a gente teve um único problema, no Equador (responsabilizada pela falha na construção de uma usina, a empresa foi expulsa do país). Foi um caso isolado. Nesses 30 anos, a gente aprendeu algumas coisas: não atendemos governos, atendemos o país, evitamos entrar em obras políticas, preferimos obras que sejam prioritárias em qualquer governo. Além disso, a gente acredita no país em momentos difíceis, quando outras empresas se afastam. Hoje a Líbia está se abrindo, mas temos uma diferenciação lá porque fomos uma das primeiras empresas que confiaram na Líbia. Fomos para Angola em época de guerra. Quando entramos no Peru, havia a guerrilha com o (grupo guerrilheiro) Sendero Luminoso. Acho que foi exatamente a nossa capacidade de administrar o que os outros acham que é risco que nos diferencia.Vocês estão entre as maiores empresas da Venezuela. Como é a relação com o presidente Hugo Chávez?O Chávez tem vários méritos que o pessoal precisa reconhecer. Antes dele, a Venezuela estava de costas para América do Sul e de frente para os Estados Unidos. Vocês podem questionar o que quiserem, mas é inequívoca a contribuição que Chávez deu à integração do continente americano. É inequívoco, também, que os objetivos são nobres. As pessoas podem questionar a maneira de fazer isso ou aquilo, mas o Chávez tem méritos. E se ele não tivesse méritos, ele não estaria onde está.Como é que vocês fazem para se adaptar a tantas mudanças políticas?Um dos meus grandes clientes é o Exército americano, outro é o governo da Venezuela. Outro dia, numa conversa informal, um diplomata americano me perguntou como faço para atuar na Venezuela de Hugo Chávez. Respondi a ele que meu benchmark (referência) é a Chevron. A Chevron, que é uma empresa americana, tem hoje enorme sucesso na Venezuela. E ela botou, como presidente da Chevron na Venezuela, um iraniano. É jeito, entendeu?

A Odebrecht, com seus R$ 38 bilhões de faturamento e mais de 100 mil empregados, é uma grande família. Entre eles, indicações de amigos valem mais do que recomendações de headhunters, e lealdade vem antes de qualquer outra coisa. Por dentro, está tudo bem resolvido. Olhando para fora, no entanto, aparece uma preocupação: o clima de desconfiança que cerca a relação da empresa com o governo. É assim que Marcelo Odebrecht, presidente do grupo, afirma enxergar sua empresa, sua família e o mundo que os rodeia."Bota na cadeia quem tem culpa. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Por isso, vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?", questiona. Empresário de opiniões fortes, 41 anos, casado, três filhas, Marcelo assumiu há um ano o grupo fundado por seu avô, Norberto. Obcecado por trabalho, Marcelo é um sujeito de hábitos simples, cultiva poucos amigos fora do ambiente de trabalho e procura ficar mais tempo com a família do que seu pai ficava. Na semana passada, estava de férias com a família na Europa.Na visão de pessoas que conhecem a família, Marcelo não é extrovertido como o pai, Emílio, "que é um vendedor, uma pessoa envolvente, emocional". Também não tem o carisma do avô, "que se sentar numa mesa redonda faz do lugar a cabeceira. Mas uma coisa é certa: se ele não fosse bom, não teria emplacado como CEO do grupo", diz um ex-executivo da Odebrecht.Em sua primeira entrevista desde que assumiu o grupo, Marcelo falou sem rodeios sobre temas delicados como corrupção, relacionamento com o governo e sucessão familiar. A seguir, os principais trechos da entrevista:Aqui dentro dizem que o sr. tem mais afinidade com seu avô do que com seu pai.A relação de neto com avô é sempre mais afetuosa porque é diferente. Mas tem uma coisa que eu admiro muito em meu pai e que hoje contribui para a gente ter uma relação muito boa. Ele foi muito esperto na sucessão. A sucessão do meu avô para o meu pai foi um processo atribulado. Meu pai aprendeu com isso e fez algo mais tranquilo comigo. Em 2000, cogitou-se fazer a sucessão da organização e, se ela tivesse sido feita, seria um desastre. Por quê?Nem eu estava preparado para ser liderado por meu pai, nem ele estava preparado para ser meu líder. Então meu pai colocou o Pedro Novis como presidente, e isso deu tempo para ele começar a me respeitar como filho e executivo, e para eu respeitá-lo como pai e como líder. Tenho a convicção de que, para preservar as relações familiares e acima de tudo preservar a empresa, é muito importante evitar a relação direta entre pai e filho, pelo menos entre os 20 e os 40 anos. Antes disso, o filho não está preparado para respeitar o pai, nem o pai para respeitar o filho.Com quantos anos você está? Tenho 41. Então, ao longo de minha vida acabei interagindo muito mais com meu avô, até porque meu pai viajava muito. Boa parte da minha cultura, da minha formação, vem de meu avô e de minha mãe. Meu pai sabiamente criou um distanciamento e agora eu tenho uma relação excelente com ele.Na época o sr. entendeu isso?Não, eu não entendi. Mas hoje admiro a sabedoria de meu pai. Desde a época de seu avô, a Odebrecht sempre esteve muito perto do poder. O grupo é sócio da Petrobrás na petroquímica, é um dos maiores clientes do BNDES. O grupo teria chegado tão longe sem o apoio do governo?Vamos qualificar isso aí. Devemos ser a construtora com o menor porcentual de obras do governo federal. Se você tira a Petrobrás, que tem uma gestão própria de contratação, hoje eu tenho menos de 1% do meu faturamento vindo do governo federal. Somos a maior construtora do Brasil, mas, como empreiteira de obras públicas, somos muito pequenos.Mas, incluindo a Petrobrás, que é controlada pelo governo federal, o quadro é outro.Espera aí, a Petrobrás tem uma gestão própria. E nós trabalhamos com a Petrobrás desde a década de 50. Se somos a maior empresa de engenharia do Brasil, é natural que sejamos seu maior fornecedor. Aliás, no passado, a gente teve uma presença mais forte do que hoje. Além de grandes fornecedores da Petrobrás, vocês são sócios da estatal na Braskem... Somos um grande grupo empresarial brasileiro e acho que, sim, todo governo deve apoiar suas empresas. Honestamente, não consigo enxergar nenhum ponto específico de favorecimento de governo. Pelo contrário. Para construir a petroquímica tivemos grandes embates com a Petrobrás e também com o BNDES, dez anos atrás. Na hora que a Petrobrás foi comprar a Suzano, fomos contra a estatização do setor. O que ninguém fala é que somos a maior construtora da Flórida e lá todas as nossas obras são do governo. Isso ninguém fala.Está falado agora.Ninguém fala, por exemplo, que a gente ganhou uma obra de US$ 2 bilhões no Aeroporto de Miami, sem concorrência. Foi contratação do condado de Miami. Nos Estados Unidos, a contratação não se dá pelo regime do menor preço como no Brasil. Aqui prevalece o espírito da desconfiança. Para mim, hoje não é vantagem fazer obra para o governo. O TCU (Tribunal de Contas da União) dá tanto trabalho... Por que vou fazer ferrovia para o governo se a gente ganha uma licitação, assina um contrato e aí aparecem uns malucos dizendo que o nosso preço tem que ser reduzido, se eu ganhei a licitação com esse preço? Quem são os malucos? O TCU? O Ministério Público?O que estou dizendo é o seguinte: chega um cara e diz "você tem um lucro na obra de 8%, o lucro tem que ser 6%"! Isso no meio da obra e com contrato assinado. Não é culpa do governo. Pelo contrário. Esse governo tem se esforçado muito para fazer as coisas caminharem. Mas existe uma cultura da desconfiança tão grande hoje no Brasil, que é complicado você ter relação com o governo.Essa desconfiança é injusta? Bota na cadeia quem tem culpa. Se achar alguma coisa, puna os culpados. Agora, gerando uma cultura de desconfiança geral na sociedade você afasta as empresas.Isso não é consequência de uma história de desvios, de corrupção em obras públicas?O que gera esses desvios é justamente essa cultura de desconfiança. A lei das licitações obriga o governo a contratar pelo menor preço. Sabe o que acontece? O cara entra com o menor preço, depois ele paga o fiscal para não fazer a base, para usar menos material. É por isso que a gente não consegue mais fazer. Como a gente não faz esse tipo de coisa, a gente não consegue mais fazer. É óbvio que existem casos de corrupção, mas é minoria. Mas por isso vamos generalizar e criar uma cultura de desconfiança?O sr. diz que a Odebrecht é uma organização que prioriza as pessoas, não os processos. Dá para administrar um negócio que está ficando tão grande sem processo?O tempo que as outras empresas passam pensando em processos, a gente gasta pensando em pessoas. Gostamos de pegar os jovens e formar. Por causa do nosso crescimento reconheço que, pela primeira vez na nossa história, estamos tendo de contratar pessoas mais maduras. A quase totalidade dos principais executivos entrou na organização depois da universidade.É a grande família Odebrecht.É. São filhos e netos de pessoas que trabalharam com meu avô e meu pai. A família Odebrecht é muito mais expandida do que aqueles que carregam o sobrenome Odebrecht.É verdade que aqui dentro prevalece o método QI (quem indicou)? A gente não usa headhunter, buscamos pessoas por meio de recomendação. Para mim, o mais importante é a recomendação. Aqui eu não olho o currículo, não interessa que tenha um currículo bonito vendido por um headhunter. Para mim é muito mais importante a recomendação de alguém em quem confio. Talvez essa pessoa não seja a mais competente do mundo, mas todos têm defeitos e qualidades. O que é um bom executivo?Em primeiro lugar, vem a questão da confiança. Disso não abro mão. Lá em casa sempre digo para minhas meninas que "papai perdoa tudo, menos mentira". Porque você mente sabendo o que está fazendo. Outra coisa fundamental é a humildade. Enquanto outras empresas consideram as competências técnicas, eu dou mais ênfase a esses aspectos. Por isso é muito difícil a gente pegar os melhores alunos das melhores escolas. Eles não têm o perfil que a gente precisa. Já chegam querendo ser chefes.Fora da Odebrecht, quais são os executivos que o sr. mais respeita?Se tem um executivo que eu admiro é meu avô.Quais são as apostas do grupo para os próximos anos?Nossa força está, principalmente, em tudo que se refere a infraestrutura. Provavelmente a gente vai investir cada vez mais nas áreas de transporte e logística, na área de energia, água e saneamento. Só aí tem um potencial gigantesco, uma demanda de capital absurda.Quanto?Quase R$ 25 bilhões nos próximos três anos. Grande parte disso vai para a área de infraestrutura. Isso é só da Odebrecht?Essa parcela é apenas da Odebrechet.Como vão financiar isso? A parte do capital próprio, vamos levantar de duas maneiras. Primeiro, a geração de caixa da própria organização, principal fonte de financiamento. Segundo, em alguns negócios, que são mais de capital intensivo, nós já estamos buscando alguns sócios estratégicos. É o caso da Sojitz na ETH. Com exceção da engenharia e construção, todos os outros negócios tendem a ter sócios estratégicos. O pacote também tem coisas em outros países e, nesses casos, vamos buscar financiamento em bancos internacionais.O grupo planeja abrir o capital na bolsa de valores?A holding não vai ser aberta e a engenharia também não, mas todas as demais empresas podem um dia vir a abrir o capital. Já tem alguma coisa madura?Não tem nenhuma prioridade. Nem a Óleo e Gás?Se for alguma coisa de abertura de capital em 2010 é a Óleo e Gás. Mas vai depender muito de como vier o programa do pré-sal. O crescimento da Óleo e Gás, no ritmo de hoje, a gente consegue sustentar sem abrir o capital.A Odebrecht aposta muito no crescimento no exterior e, nesse projeto, a África é uma prioridade para vocês. O movimento das construtoras chinesas, que estão entrando fortemente no continente, preocupa o sr.?Preocupa, mas por enquanto acho que ocupamos dois mercados distintos. Eles chegam e ocupam tudo com mão de obra chinesa. Nós, ao contrário, temos 99% de trabalhadores angolanos. Formamos operadores, engenheiros, técnicos em geral, e isso é importante para o governo de Angola. Na Líbia, ganhamos grandes contratos porque, ao contrário de empresas anteriores, que não transferiram tecnologia, nós mostramos ao governo que iríamos ensinar os líbios e transferir tecnologia. Isso é o que a gente está fazendo na Libéria, em Moçambique. É lógico que os chineses vão tomar alguns clientes, mas nós sempre vamos ter espaço porque fazemos uma coisa que eles não fazem, que é formar gente e se tornar uma empresa local. Então a gente é peruano no Peru, é Venezuelano na Venezuela, é panamenho no Panamá.A Odebrecht também é muito forte na América Latina. A instabilidade política da região não o assusta?Em 30 anos de exterior a gente teve um único problema, no Equador (responsabilizada pela falha na construção de uma usina, a empresa foi expulsa do país). Foi um caso isolado. Nesses 30 anos, a gente aprendeu algumas coisas: não atendemos governos, atendemos o país, evitamos entrar em obras políticas, preferimos obras que sejam prioritárias em qualquer governo. Além disso, a gente acredita no país em momentos difíceis, quando outras empresas se afastam. Hoje a Líbia está se abrindo, mas temos uma diferenciação lá porque fomos uma das primeiras empresas que confiaram na Líbia. Fomos para Angola em época de guerra. Quando entramos no Peru, havia a guerrilha com o (grupo guerrilheiro) Sendero Luminoso. Acho que foi exatamente a nossa capacidade de administrar o que os outros acham que é risco que nos diferencia.Vocês estão entre as maiores empresas da Venezuela. Como é a relação com o presidente Hugo Chávez?O Chávez tem vários méritos que o pessoal precisa reconhecer. Antes dele, a Venezuela estava de costas para América do Sul e de frente para os Estados Unidos. Vocês podem questionar o que quiserem, mas é inequívoca a contribuição que Chávez deu à integração do continente americano. É inequívoco, também, que os objetivos são nobres. As pessoas podem questionar a maneira de fazer isso ou aquilo, mas o Chávez tem méritos. E se ele não tivesse méritos, ele não estaria onde está.Como é que vocês fazem para se adaptar a tantas mudanças políticas?Um dos meus grandes clientes é o Exército americano, outro é o governo da Venezuela. Outro dia, numa conversa informal, um diplomata americano me perguntou como faço para atuar na Venezuela de Hugo Chávez. Respondi a ele que meu benchmark (referência) é a Chevron. A Chevron, que é uma empresa americana, tem hoje enorme sucesso na Venezuela. E ela botou, como presidente da Chevron na Venezuela, um iraniano. É jeito, entendeu?

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