Brasil tem 147 casos de stalking registrados por dia; veja onde o crime é mais frequente


Tema voltou à tona após o programa revelar caso em que mulher foi presa sob acusação de ter perseguido durante cinco anos um médico e sua família no interior de Minas

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

Em média, 147 pessoas registram boletim de ocorrência por dia devido a casos de perseguição (stalking) no Brasil, segundo edição mais recente do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Isso significa que a prática, criminalizada desde 2021, é motivo de ao menos seis denúncias a cada hora.

O stalking tem chamado a atenção após o programa Fantástico, da Rede Globo, revelar um caso em que uma mulher de 23 anos foi presa sob acusação de perseguir durante cinco anos um médico e sua família em Ituiutaba (MG), no Triângulo Mineiro. A defesa dela nega as acusações (leia mais abaixo).

Mulher é presa por stalking sob acusação perseguir médico durante cinco anos em Minas Gerais; defesa nega Foto: Reprodução de bídeo/Fantástico
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Conforme o Anuário, o País teve 53.918 denúncias de stalking em 2022 (ano para o qual há dados mais recentes), alta de 75% em relação aos 30.783 casos notificados um ano antes. A prática passou a ser criminalizada somente há três anos, portanto, não há uma série histórica mais extensa.

“Antes de a lei ser sancionada, as pessoas nem sequer sabiam que isso era um tipo de violência”, afirma a psicóloga Juliana Cunha, diretora de projetos especiais da Safernet. “Depois (da sanção), uma violência que já acontecia, mas não tinha nome, passou a ser percebida.”

A criminalização do stalking no Brasil, segundo ela, seguiu tendência observada em outras países, a exemplo de Reino Unido e Estados Unidos.

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Agora, o desafio é conscientizar a população sobre os danos desse tipo de conduta e incrementar os mecanismos de proteção das vítimas para não desencorajar o registro de boletins de ocorrência. “É essa denúncia que pode barrar ou impedir que o autor cometa algo mais grave”, diz a psicóloga.

A lei 14.132, que tipificou a perseguição como crime no Brasil, foi sancionada em abril de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Em linhas gerais, a nova norma alterou o Código Penal, prevendo, além de multa, pena de reclusão de seis meses a dois anos para quem pratica o stalking.

Conforme a legislação, a pena ainda pode ser aumentada sob três hipóteses:

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  • se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso;
  • se a vítima for uma mulher;
  • se a perseguição for cometida por duas ou mais pessoas e/ou contar com uso de arma de fogo.

A nova lei revogou o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, de 1941, que estabelecia que quem molestasse ou perturbasse a tranquilidade de alguém estaria sujeito a pena de prisão de 15 dias a dois meses ou multa. O stalking era apenas uma contravenção, com punição bem mais branda, portanto.

“Não é possível, no Direito Criminal, fazer uma analogia de leis, como no caso, por exemplo no Direito Civil”, afirma Renato Almeida dos Santos, especialista em Fraude e Assédio e diretor do Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC). “Então, se não tem essa tipificação, não existe crime.”

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Diante disso, a criminalização do stalking, diz ele, foi relevante para diminuir a impunidade em relação a esse tipo de comportamento, que passou a ser facilitado pelas redes sociais. Ele afirma ser importante não confundir, ainda assim, interações corriqueiras com a prática da perseguição reiterada.

“A fronteira (entre interações corriqueiras e o stalking) está quando a pessoa que está sendo stalkeada se sente perseguida”, diz Santos. Segundo ele, se as perseguições continuam mesmo após eventuais bloqueios de perfil ou negativas mais explícitas, é importante registrar boletim de ocorrência.

“Muitas vezes a vítima vai tentando se adaptar àquele comportamento, pensa que isso vai passar, que é só uma fase, que está tudo bem”, afirma. “Mas a pessoa que está ‘stalkeando’, vendo a vítima não fazer nada, pensa que aquilo está sendo aceito, na lógica dela, e continua.”

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Onde o stalking é mais frequente?

Dados do Fórum Brasileiro trazem os registros por Estado. Proporcionalmente, o crime foi mais frequente no Amapá, onde foram notificados à polícia 207 casos a cada 100 mil mulheres. No Distrito Federal, o número ficou em 123,4 casos, seguido por Mato Grosso do Sul (96,3). Entre os que possuem os menores registros estão Paraíba (12,2), Pernambuco (16,1) e Bahia (21,9).

Em números absolutos, o stalking foi mais frequente no Estado de São Paulo, com 17 mil registros em 2022. No Rio Grande do Sul, houve 5,4 mil crimes dessa natureza, patamar que ficou em 4,8 mil no Paraná. Abaixo, veja a taxa proporcional para cada Estado brasileiro.

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O governo de São Paulo orienta que todas as vítimas de perseguição, inclusive cibernética, façam registro dos casos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP), todas as delegacias físicas estão aptas a registrar a ocorrência, como a Delegacia Eletrônica. Além delas, a Divisão de Crimes Cibernéticos (DCCIBER) atua no combate a esse tipo de crime.

“É recomendado à pessoa que for vítima do crime de perseguição ou stalking acionar a Polícia Civil e levar as provas. Em casos de crimes ocorridos no ambiente virtual, capturas de telas que mostram a atuação do autor contribuem com as providências de polícia judiciária. O mesmo vale para ocorrências no mundo físico, as quais também podem ser comprovadas com vídeos, por exemplo”, informou a SSP-SP.

“Em ambas as situações, para o prosseguimento das investigações e penalização do autor é necessário a representação criminal. Feito isso, a polícia inicia as apurações de praxe, que incluem a análise dos materiais entregues pelas vítimas, oitivas de testemunhas, entre outras técnicas de investigação.”

O Ministério da Justiça declarou em nota que “o Laboratório de Operações Cibernéticas, da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Ciberlab/Diopi/Senasp/MJSP) apoia operações nos estados voltadas ao combate de crimes cibernéticos”. Ainda de acordo com a pasta, o departamento compartilha informações e auxília em investigações de crimes por meios digitais. O Ministério das Mulheres e a Secretaria de Segurança Pública do Amapá foram procurados, mas não retornaram o contato.

O que significa stalking?

O stalking é definido como perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (a exemplo de casos de cyberstalking), que ameaça a integridade física e psicológica de alguém. Ou seja, trata-se de uma prática que interfere na liberdade e na privacidade da vítima.

Esse tipo de crime, além de ter voltado à tona com o caso ocorrido no interior de Minas Gerais, também foi abordado recentemente na série Bebê Rena, lançada no mês passado na Netflix. A trama é baseada em uma história real de perseguição sofrida pelo escritor e protagonista da série.

Ainda com esses dois casos sob holofote, em geral a perseguição tem as mulheres como principal alvo. “A raiz disso está no machismo estrutural, que leva o homem a pensar que ele tem poder sobre a mulher, a ponto inclusive de ter um comportamento de insistência e perseguição”, diz Santos.

Segundo especialistas, as perseguições podem inclusive preceder crimes violentos contra as mulheres, em alta no Brasil. Como mostrou o Estadão, quatro mulheres morreram por dia no País no ano passado por motivos relacionados à sua condição de gênero. Foram 1.463 casos de feminicídio, o maior patamar já registrado no País desde 2015, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Não é raro que, no caso de alguém que já sofre algum tipo de violência doméstica, e que já tem até medidas protetivas, no âmbito da Lei Maria da Penha, o agressor passe a perseguir essa pessoa”, diz Juliana. “Geralmente o stalking vem acompanhado de outras violências, que são cometidas geralmente por ex-companheiros ou por pessoas com quem as mulheres tiveram algum tipo de relação.”

No começo do ano passado, outro estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desta vez encomendado ao Instituto Datafolha, indicou que um terço das mulheres brasileiras (33,4%) com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de parceiros ou ex-companheiros.

Do total de casos contabilizados em 2022, 11,6% (ou 7,6 milhões) das vítimas foram agredidas com batida, empurrão ou chutes. Em 13,5% dos episódios, houve perseguição.

Autoridades apontam que monitorar o stalking e incentivar os registros de boletim de ocorrência desse tipo de crime por parte das vítimas costuma ser uma forma não só de cessar esse tipo de comportamento, como de tentar evitar episódios mais graves por meio de medidas judiciais.

Como ocorreu a perseguição em Minas?

Entre outros fatores, o caso divulgado pelo Fantástico neste domingo, 19, chama atenção pela lógica inversa à vista normalmente. A suspeita, identificada como Kawara Welch, de 23 anos, teria começado a perseguir seu médico em 2019, alegando estar apaixonada por ele, segundo a denúncia.

A jovem foi excluída da lista de pacientes, mas as perseguições não cessaram. Como ele resistiu ao assédio, ela passou a fazer ameaças e começou a ligar até para familiares do profissional.

O médico e sua mulher, diante disso, registraram 42 boletins de ocorrência contra Kawara por perturbação do sossego, lesão corporal, ameaça e extorsão, além de perseguição.

Em um dos episódios, a jovem teria invadido o consultório do médico enquanto ele atendia uma paciente e agredido a mulher dele. A estudante é acusada ainda de ter furtado o celular da mulher do médico dentro da clínica, o que levou a Justiça a expedir um mandado de prisão contra ela.

A jovem estava foragida desde março do ano passado, mas foi presa no último dia 8. Ela foi encontrada em uma universidade de Uberlândia, também no Triângulo Mineiro, onde cursava nutrição.

Ao Fantástico, a defesa de Kawara Welch disse que o médico e sua cliente tiveram um relacionamento e que ela apenas buscava manter a relação. A defesa negou os crimes imputados à mulher. Já o delegado do caso disse que jamais houve relacionamento entre eles e, ainda que houvesse, isso não justificaria a conduta da acusada. /COLABORARAM JOSÉ MARIA TOMAZELA e MARCIO DOLZAN

Em média, 147 pessoas registram boletim de ocorrência por dia devido a casos de perseguição (stalking) no Brasil, segundo edição mais recente do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Isso significa que a prática, criminalizada desde 2021, é motivo de ao menos seis denúncias a cada hora.

O stalking tem chamado a atenção após o programa Fantástico, da Rede Globo, revelar um caso em que uma mulher de 23 anos foi presa sob acusação de perseguir durante cinco anos um médico e sua família em Ituiutaba (MG), no Triângulo Mineiro. A defesa dela nega as acusações (leia mais abaixo).

Mulher é presa por stalking sob acusação perseguir médico durante cinco anos em Minas Gerais; defesa nega Foto: Reprodução de bídeo/Fantástico

Conforme o Anuário, o País teve 53.918 denúncias de stalking em 2022 (ano para o qual há dados mais recentes), alta de 75% em relação aos 30.783 casos notificados um ano antes. A prática passou a ser criminalizada somente há três anos, portanto, não há uma série histórica mais extensa.

“Antes de a lei ser sancionada, as pessoas nem sequer sabiam que isso era um tipo de violência”, afirma a psicóloga Juliana Cunha, diretora de projetos especiais da Safernet. “Depois (da sanção), uma violência que já acontecia, mas não tinha nome, passou a ser percebida.”

A criminalização do stalking no Brasil, segundo ela, seguiu tendência observada em outras países, a exemplo de Reino Unido e Estados Unidos.

Agora, o desafio é conscientizar a população sobre os danos desse tipo de conduta e incrementar os mecanismos de proteção das vítimas para não desencorajar o registro de boletins de ocorrência. “É essa denúncia que pode barrar ou impedir que o autor cometa algo mais grave”, diz a psicóloga.

A lei 14.132, que tipificou a perseguição como crime no Brasil, foi sancionada em abril de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Em linhas gerais, a nova norma alterou o Código Penal, prevendo, além de multa, pena de reclusão de seis meses a dois anos para quem pratica o stalking.

Conforme a legislação, a pena ainda pode ser aumentada sob três hipóteses:

  • se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso;
  • se a vítima for uma mulher;
  • se a perseguição for cometida por duas ou mais pessoas e/ou contar com uso de arma de fogo.

A nova lei revogou o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, de 1941, que estabelecia que quem molestasse ou perturbasse a tranquilidade de alguém estaria sujeito a pena de prisão de 15 dias a dois meses ou multa. O stalking era apenas uma contravenção, com punição bem mais branda, portanto.

“Não é possível, no Direito Criminal, fazer uma analogia de leis, como no caso, por exemplo no Direito Civil”, afirma Renato Almeida dos Santos, especialista em Fraude e Assédio e diretor do Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC). “Então, se não tem essa tipificação, não existe crime.”

Diante disso, a criminalização do stalking, diz ele, foi relevante para diminuir a impunidade em relação a esse tipo de comportamento, que passou a ser facilitado pelas redes sociais. Ele afirma ser importante não confundir, ainda assim, interações corriqueiras com a prática da perseguição reiterada.

“A fronteira (entre interações corriqueiras e o stalking) está quando a pessoa que está sendo stalkeada se sente perseguida”, diz Santos. Segundo ele, se as perseguições continuam mesmo após eventuais bloqueios de perfil ou negativas mais explícitas, é importante registrar boletim de ocorrência.

“Muitas vezes a vítima vai tentando se adaptar àquele comportamento, pensa que isso vai passar, que é só uma fase, que está tudo bem”, afirma. “Mas a pessoa que está ‘stalkeando’, vendo a vítima não fazer nada, pensa que aquilo está sendo aceito, na lógica dela, e continua.”

Onde o stalking é mais frequente?

Dados do Fórum Brasileiro trazem os registros por Estado. Proporcionalmente, o crime foi mais frequente no Amapá, onde foram notificados à polícia 207 casos a cada 100 mil mulheres. No Distrito Federal, o número ficou em 123,4 casos, seguido por Mato Grosso do Sul (96,3). Entre os que possuem os menores registros estão Paraíba (12,2), Pernambuco (16,1) e Bahia (21,9).

Em números absolutos, o stalking foi mais frequente no Estado de São Paulo, com 17 mil registros em 2022. No Rio Grande do Sul, houve 5,4 mil crimes dessa natureza, patamar que ficou em 4,8 mil no Paraná. Abaixo, veja a taxa proporcional para cada Estado brasileiro.

O governo de São Paulo orienta que todas as vítimas de perseguição, inclusive cibernética, façam registro dos casos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP), todas as delegacias físicas estão aptas a registrar a ocorrência, como a Delegacia Eletrônica. Além delas, a Divisão de Crimes Cibernéticos (DCCIBER) atua no combate a esse tipo de crime.

“É recomendado à pessoa que for vítima do crime de perseguição ou stalking acionar a Polícia Civil e levar as provas. Em casos de crimes ocorridos no ambiente virtual, capturas de telas que mostram a atuação do autor contribuem com as providências de polícia judiciária. O mesmo vale para ocorrências no mundo físico, as quais também podem ser comprovadas com vídeos, por exemplo”, informou a SSP-SP.

“Em ambas as situações, para o prosseguimento das investigações e penalização do autor é necessário a representação criminal. Feito isso, a polícia inicia as apurações de praxe, que incluem a análise dos materiais entregues pelas vítimas, oitivas de testemunhas, entre outras técnicas de investigação.”

O Ministério da Justiça declarou em nota que “o Laboratório de Operações Cibernéticas, da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Ciberlab/Diopi/Senasp/MJSP) apoia operações nos estados voltadas ao combate de crimes cibernéticos”. Ainda de acordo com a pasta, o departamento compartilha informações e auxília em investigações de crimes por meios digitais. O Ministério das Mulheres e a Secretaria de Segurança Pública do Amapá foram procurados, mas não retornaram o contato.

O que significa stalking?

O stalking é definido como perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (a exemplo de casos de cyberstalking), que ameaça a integridade física e psicológica de alguém. Ou seja, trata-se de uma prática que interfere na liberdade e na privacidade da vítima.

Esse tipo de crime, além de ter voltado à tona com o caso ocorrido no interior de Minas Gerais, também foi abordado recentemente na série Bebê Rena, lançada no mês passado na Netflix. A trama é baseada em uma história real de perseguição sofrida pelo escritor e protagonista da série.

Ainda com esses dois casos sob holofote, em geral a perseguição tem as mulheres como principal alvo. “A raiz disso está no machismo estrutural, que leva o homem a pensar que ele tem poder sobre a mulher, a ponto inclusive de ter um comportamento de insistência e perseguição”, diz Santos.

Segundo especialistas, as perseguições podem inclusive preceder crimes violentos contra as mulheres, em alta no Brasil. Como mostrou o Estadão, quatro mulheres morreram por dia no País no ano passado por motivos relacionados à sua condição de gênero. Foram 1.463 casos de feminicídio, o maior patamar já registrado no País desde 2015, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Não é raro que, no caso de alguém que já sofre algum tipo de violência doméstica, e que já tem até medidas protetivas, no âmbito da Lei Maria da Penha, o agressor passe a perseguir essa pessoa”, diz Juliana. “Geralmente o stalking vem acompanhado de outras violências, que são cometidas geralmente por ex-companheiros ou por pessoas com quem as mulheres tiveram algum tipo de relação.”

No começo do ano passado, outro estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desta vez encomendado ao Instituto Datafolha, indicou que um terço das mulheres brasileiras (33,4%) com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de parceiros ou ex-companheiros.

Do total de casos contabilizados em 2022, 11,6% (ou 7,6 milhões) das vítimas foram agredidas com batida, empurrão ou chutes. Em 13,5% dos episódios, houve perseguição.

Autoridades apontam que monitorar o stalking e incentivar os registros de boletim de ocorrência desse tipo de crime por parte das vítimas costuma ser uma forma não só de cessar esse tipo de comportamento, como de tentar evitar episódios mais graves por meio de medidas judiciais.

Como ocorreu a perseguição em Minas?

Entre outros fatores, o caso divulgado pelo Fantástico neste domingo, 19, chama atenção pela lógica inversa à vista normalmente. A suspeita, identificada como Kawara Welch, de 23 anos, teria começado a perseguir seu médico em 2019, alegando estar apaixonada por ele, segundo a denúncia.

A jovem foi excluída da lista de pacientes, mas as perseguições não cessaram. Como ele resistiu ao assédio, ela passou a fazer ameaças e começou a ligar até para familiares do profissional.

O médico e sua mulher, diante disso, registraram 42 boletins de ocorrência contra Kawara por perturbação do sossego, lesão corporal, ameaça e extorsão, além de perseguição.

Em um dos episódios, a jovem teria invadido o consultório do médico enquanto ele atendia uma paciente e agredido a mulher dele. A estudante é acusada ainda de ter furtado o celular da mulher do médico dentro da clínica, o que levou a Justiça a expedir um mandado de prisão contra ela.

A jovem estava foragida desde março do ano passado, mas foi presa no último dia 8. Ela foi encontrada em uma universidade de Uberlândia, também no Triângulo Mineiro, onde cursava nutrição.

Ao Fantástico, a defesa de Kawara Welch disse que o médico e sua cliente tiveram um relacionamento e que ela apenas buscava manter a relação. A defesa negou os crimes imputados à mulher. Já o delegado do caso disse que jamais houve relacionamento entre eles e, ainda que houvesse, isso não justificaria a conduta da acusada. /COLABORARAM JOSÉ MARIA TOMAZELA e MARCIO DOLZAN

Em média, 147 pessoas registram boletim de ocorrência por dia devido a casos de perseguição (stalking) no Brasil, segundo edição mais recente do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Isso significa que a prática, criminalizada desde 2021, é motivo de ao menos seis denúncias a cada hora.

O stalking tem chamado a atenção após o programa Fantástico, da Rede Globo, revelar um caso em que uma mulher de 23 anos foi presa sob acusação de perseguir durante cinco anos um médico e sua família em Ituiutaba (MG), no Triângulo Mineiro. A defesa dela nega as acusações (leia mais abaixo).

Mulher é presa por stalking sob acusação perseguir médico durante cinco anos em Minas Gerais; defesa nega Foto: Reprodução de bídeo/Fantástico

Conforme o Anuário, o País teve 53.918 denúncias de stalking em 2022 (ano para o qual há dados mais recentes), alta de 75% em relação aos 30.783 casos notificados um ano antes. A prática passou a ser criminalizada somente há três anos, portanto, não há uma série histórica mais extensa.

“Antes de a lei ser sancionada, as pessoas nem sequer sabiam que isso era um tipo de violência”, afirma a psicóloga Juliana Cunha, diretora de projetos especiais da Safernet. “Depois (da sanção), uma violência que já acontecia, mas não tinha nome, passou a ser percebida.”

A criminalização do stalking no Brasil, segundo ela, seguiu tendência observada em outras países, a exemplo de Reino Unido e Estados Unidos.

Agora, o desafio é conscientizar a população sobre os danos desse tipo de conduta e incrementar os mecanismos de proteção das vítimas para não desencorajar o registro de boletins de ocorrência. “É essa denúncia que pode barrar ou impedir que o autor cometa algo mais grave”, diz a psicóloga.

A lei 14.132, que tipificou a perseguição como crime no Brasil, foi sancionada em abril de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Em linhas gerais, a nova norma alterou o Código Penal, prevendo, além de multa, pena de reclusão de seis meses a dois anos para quem pratica o stalking.

Conforme a legislação, a pena ainda pode ser aumentada sob três hipóteses:

  • se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso;
  • se a vítima for uma mulher;
  • se a perseguição for cometida por duas ou mais pessoas e/ou contar com uso de arma de fogo.

A nova lei revogou o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, de 1941, que estabelecia que quem molestasse ou perturbasse a tranquilidade de alguém estaria sujeito a pena de prisão de 15 dias a dois meses ou multa. O stalking era apenas uma contravenção, com punição bem mais branda, portanto.

“Não é possível, no Direito Criminal, fazer uma analogia de leis, como no caso, por exemplo no Direito Civil”, afirma Renato Almeida dos Santos, especialista em Fraude e Assédio e diretor do Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC). “Então, se não tem essa tipificação, não existe crime.”

Diante disso, a criminalização do stalking, diz ele, foi relevante para diminuir a impunidade em relação a esse tipo de comportamento, que passou a ser facilitado pelas redes sociais. Ele afirma ser importante não confundir, ainda assim, interações corriqueiras com a prática da perseguição reiterada.

“A fronteira (entre interações corriqueiras e o stalking) está quando a pessoa que está sendo stalkeada se sente perseguida”, diz Santos. Segundo ele, se as perseguições continuam mesmo após eventuais bloqueios de perfil ou negativas mais explícitas, é importante registrar boletim de ocorrência.

“Muitas vezes a vítima vai tentando se adaptar àquele comportamento, pensa que isso vai passar, que é só uma fase, que está tudo bem”, afirma. “Mas a pessoa que está ‘stalkeando’, vendo a vítima não fazer nada, pensa que aquilo está sendo aceito, na lógica dela, e continua.”

Onde o stalking é mais frequente?

Dados do Fórum Brasileiro trazem os registros por Estado. Proporcionalmente, o crime foi mais frequente no Amapá, onde foram notificados à polícia 207 casos a cada 100 mil mulheres. No Distrito Federal, o número ficou em 123,4 casos, seguido por Mato Grosso do Sul (96,3). Entre os que possuem os menores registros estão Paraíba (12,2), Pernambuco (16,1) e Bahia (21,9).

Em números absolutos, o stalking foi mais frequente no Estado de São Paulo, com 17 mil registros em 2022. No Rio Grande do Sul, houve 5,4 mil crimes dessa natureza, patamar que ficou em 4,8 mil no Paraná. Abaixo, veja a taxa proporcional para cada Estado brasileiro.

O governo de São Paulo orienta que todas as vítimas de perseguição, inclusive cibernética, façam registro dos casos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP), todas as delegacias físicas estão aptas a registrar a ocorrência, como a Delegacia Eletrônica. Além delas, a Divisão de Crimes Cibernéticos (DCCIBER) atua no combate a esse tipo de crime.

“É recomendado à pessoa que for vítima do crime de perseguição ou stalking acionar a Polícia Civil e levar as provas. Em casos de crimes ocorridos no ambiente virtual, capturas de telas que mostram a atuação do autor contribuem com as providências de polícia judiciária. O mesmo vale para ocorrências no mundo físico, as quais também podem ser comprovadas com vídeos, por exemplo”, informou a SSP-SP.

“Em ambas as situações, para o prosseguimento das investigações e penalização do autor é necessário a representação criminal. Feito isso, a polícia inicia as apurações de praxe, que incluem a análise dos materiais entregues pelas vítimas, oitivas de testemunhas, entre outras técnicas de investigação.”

O Ministério da Justiça declarou em nota que “o Laboratório de Operações Cibernéticas, da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Ciberlab/Diopi/Senasp/MJSP) apoia operações nos estados voltadas ao combate de crimes cibernéticos”. Ainda de acordo com a pasta, o departamento compartilha informações e auxília em investigações de crimes por meios digitais. O Ministério das Mulheres e a Secretaria de Segurança Pública do Amapá foram procurados, mas não retornaram o contato.

O que significa stalking?

O stalking é definido como perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (a exemplo de casos de cyberstalking), que ameaça a integridade física e psicológica de alguém. Ou seja, trata-se de uma prática que interfere na liberdade e na privacidade da vítima.

Esse tipo de crime, além de ter voltado à tona com o caso ocorrido no interior de Minas Gerais, também foi abordado recentemente na série Bebê Rena, lançada no mês passado na Netflix. A trama é baseada em uma história real de perseguição sofrida pelo escritor e protagonista da série.

Ainda com esses dois casos sob holofote, em geral a perseguição tem as mulheres como principal alvo. “A raiz disso está no machismo estrutural, que leva o homem a pensar que ele tem poder sobre a mulher, a ponto inclusive de ter um comportamento de insistência e perseguição”, diz Santos.

Segundo especialistas, as perseguições podem inclusive preceder crimes violentos contra as mulheres, em alta no Brasil. Como mostrou o Estadão, quatro mulheres morreram por dia no País no ano passado por motivos relacionados à sua condição de gênero. Foram 1.463 casos de feminicídio, o maior patamar já registrado no País desde 2015, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Não é raro que, no caso de alguém que já sofre algum tipo de violência doméstica, e que já tem até medidas protetivas, no âmbito da Lei Maria da Penha, o agressor passe a perseguir essa pessoa”, diz Juliana. “Geralmente o stalking vem acompanhado de outras violências, que são cometidas geralmente por ex-companheiros ou por pessoas com quem as mulheres tiveram algum tipo de relação.”

No começo do ano passado, outro estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desta vez encomendado ao Instituto Datafolha, indicou que um terço das mulheres brasileiras (33,4%) com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de parceiros ou ex-companheiros.

Do total de casos contabilizados em 2022, 11,6% (ou 7,6 milhões) das vítimas foram agredidas com batida, empurrão ou chutes. Em 13,5% dos episódios, houve perseguição.

Autoridades apontam que monitorar o stalking e incentivar os registros de boletim de ocorrência desse tipo de crime por parte das vítimas costuma ser uma forma não só de cessar esse tipo de comportamento, como de tentar evitar episódios mais graves por meio de medidas judiciais.

Como ocorreu a perseguição em Minas?

Entre outros fatores, o caso divulgado pelo Fantástico neste domingo, 19, chama atenção pela lógica inversa à vista normalmente. A suspeita, identificada como Kawara Welch, de 23 anos, teria começado a perseguir seu médico em 2019, alegando estar apaixonada por ele, segundo a denúncia.

A jovem foi excluída da lista de pacientes, mas as perseguições não cessaram. Como ele resistiu ao assédio, ela passou a fazer ameaças e começou a ligar até para familiares do profissional.

O médico e sua mulher, diante disso, registraram 42 boletins de ocorrência contra Kawara por perturbação do sossego, lesão corporal, ameaça e extorsão, além de perseguição.

Em um dos episódios, a jovem teria invadido o consultório do médico enquanto ele atendia uma paciente e agredido a mulher dele. A estudante é acusada ainda de ter furtado o celular da mulher do médico dentro da clínica, o que levou a Justiça a expedir um mandado de prisão contra ela.

A jovem estava foragida desde março do ano passado, mas foi presa no último dia 8. Ela foi encontrada em uma universidade de Uberlândia, também no Triângulo Mineiro, onde cursava nutrição.

Ao Fantástico, a defesa de Kawara Welch disse que o médico e sua cliente tiveram um relacionamento e que ela apenas buscava manter a relação. A defesa negou os crimes imputados à mulher. Já o delegado do caso disse que jamais houve relacionamento entre eles e, ainda que houvesse, isso não justificaria a conduta da acusada. /COLABORARAM JOSÉ MARIA TOMAZELA e MARCIO DOLZAN

Em média, 147 pessoas registram boletim de ocorrência por dia devido a casos de perseguição (stalking) no Brasil, segundo edição mais recente do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Isso significa que a prática, criminalizada desde 2021, é motivo de ao menos seis denúncias a cada hora.

O stalking tem chamado a atenção após o programa Fantástico, da Rede Globo, revelar um caso em que uma mulher de 23 anos foi presa sob acusação de perseguir durante cinco anos um médico e sua família em Ituiutaba (MG), no Triângulo Mineiro. A defesa dela nega as acusações (leia mais abaixo).

Mulher é presa por stalking sob acusação perseguir médico durante cinco anos em Minas Gerais; defesa nega Foto: Reprodução de bídeo/Fantástico

Conforme o Anuário, o País teve 53.918 denúncias de stalking em 2022 (ano para o qual há dados mais recentes), alta de 75% em relação aos 30.783 casos notificados um ano antes. A prática passou a ser criminalizada somente há três anos, portanto, não há uma série histórica mais extensa.

“Antes de a lei ser sancionada, as pessoas nem sequer sabiam que isso era um tipo de violência”, afirma a psicóloga Juliana Cunha, diretora de projetos especiais da Safernet. “Depois (da sanção), uma violência que já acontecia, mas não tinha nome, passou a ser percebida.”

A criminalização do stalking no Brasil, segundo ela, seguiu tendência observada em outras países, a exemplo de Reino Unido e Estados Unidos.

Agora, o desafio é conscientizar a população sobre os danos desse tipo de conduta e incrementar os mecanismos de proteção das vítimas para não desencorajar o registro de boletins de ocorrência. “É essa denúncia que pode barrar ou impedir que o autor cometa algo mais grave”, diz a psicóloga.

A lei 14.132, que tipificou a perseguição como crime no Brasil, foi sancionada em abril de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Em linhas gerais, a nova norma alterou o Código Penal, prevendo, além de multa, pena de reclusão de seis meses a dois anos para quem pratica o stalking.

Conforme a legislação, a pena ainda pode ser aumentada sob três hipóteses:

  • se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso;
  • se a vítima for uma mulher;
  • se a perseguição for cometida por duas ou mais pessoas e/ou contar com uso de arma de fogo.

A nova lei revogou o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, de 1941, que estabelecia que quem molestasse ou perturbasse a tranquilidade de alguém estaria sujeito a pena de prisão de 15 dias a dois meses ou multa. O stalking era apenas uma contravenção, com punição bem mais branda, portanto.

“Não é possível, no Direito Criminal, fazer uma analogia de leis, como no caso, por exemplo no Direito Civil”, afirma Renato Almeida dos Santos, especialista em Fraude e Assédio e diretor do Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC). “Então, se não tem essa tipificação, não existe crime.”

Diante disso, a criminalização do stalking, diz ele, foi relevante para diminuir a impunidade em relação a esse tipo de comportamento, que passou a ser facilitado pelas redes sociais. Ele afirma ser importante não confundir, ainda assim, interações corriqueiras com a prática da perseguição reiterada.

“A fronteira (entre interações corriqueiras e o stalking) está quando a pessoa que está sendo stalkeada se sente perseguida”, diz Santos. Segundo ele, se as perseguições continuam mesmo após eventuais bloqueios de perfil ou negativas mais explícitas, é importante registrar boletim de ocorrência.

“Muitas vezes a vítima vai tentando se adaptar àquele comportamento, pensa que isso vai passar, que é só uma fase, que está tudo bem”, afirma. “Mas a pessoa que está ‘stalkeando’, vendo a vítima não fazer nada, pensa que aquilo está sendo aceito, na lógica dela, e continua.”

Onde o stalking é mais frequente?

Dados do Fórum Brasileiro trazem os registros por Estado. Proporcionalmente, o crime foi mais frequente no Amapá, onde foram notificados à polícia 207 casos a cada 100 mil mulheres. No Distrito Federal, o número ficou em 123,4 casos, seguido por Mato Grosso do Sul (96,3). Entre os que possuem os menores registros estão Paraíba (12,2), Pernambuco (16,1) e Bahia (21,9).

Em números absolutos, o stalking foi mais frequente no Estado de São Paulo, com 17 mil registros em 2022. No Rio Grande do Sul, houve 5,4 mil crimes dessa natureza, patamar que ficou em 4,8 mil no Paraná. Abaixo, veja a taxa proporcional para cada Estado brasileiro.

O governo de São Paulo orienta que todas as vítimas de perseguição, inclusive cibernética, façam registro dos casos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP), todas as delegacias físicas estão aptas a registrar a ocorrência, como a Delegacia Eletrônica. Além delas, a Divisão de Crimes Cibernéticos (DCCIBER) atua no combate a esse tipo de crime.

“É recomendado à pessoa que for vítima do crime de perseguição ou stalking acionar a Polícia Civil e levar as provas. Em casos de crimes ocorridos no ambiente virtual, capturas de telas que mostram a atuação do autor contribuem com as providências de polícia judiciária. O mesmo vale para ocorrências no mundo físico, as quais também podem ser comprovadas com vídeos, por exemplo”, informou a SSP-SP.

“Em ambas as situações, para o prosseguimento das investigações e penalização do autor é necessário a representação criminal. Feito isso, a polícia inicia as apurações de praxe, que incluem a análise dos materiais entregues pelas vítimas, oitivas de testemunhas, entre outras técnicas de investigação.”

O Ministério da Justiça declarou em nota que “o Laboratório de Operações Cibernéticas, da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Ciberlab/Diopi/Senasp/MJSP) apoia operações nos estados voltadas ao combate de crimes cibernéticos”. Ainda de acordo com a pasta, o departamento compartilha informações e auxília em investigações de crimes por meios digitais. O Ministério das Mulheres e a Secretaria de Segurança Pública do Amapá foram procurados, mas não retornaram o contato.

O que significa stalking?

O stalking é definido como perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (a exemplo de casos de cyberstalking), que ameaça a integridade física e psicológica de alguém. Ou seja, trata-se de uma prática que interfere na liberdade e na privacidade da vítima.

Esse tipo de crime, além de ter voltado à tona com o caso ocorrido no interior de Minas Gerais, também foi abordado recentemente na série Bebê Rena, lançada no mês passado na Netflix. A trama é baseada em uma história real de perseguição sofrida pelo escritor e protagonista da série.

Ainda com esses dois casos sob holofote, em geral a perseguição tem as mulheres como principal alvo. “A raiz disso está no machismo estrutural, que leva o homem a pensar que ele tem poder sobre a mulher, a ponto inclusive de ter um comportamento de insistência e perseguição”, diz Santos.

Segundo especialistas, as perseguições podem inclusive preceder crimes violentos contra as mulheres, em alta no Brasil. Como mostrou o Estadão, quatro mulheres morreram por dia no País no ano passado por motivos relacionados à sua condição de gênero. Foram 1.463 casos de feminicídio, o maior patamar já registrado no País desde 2015, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Não é raro que, no caso de alguém que já sofre algum tipo de violência doméstica, e que já tem até medidas protetivas, no âmbito da Lei Maria da Penha, o agressor passe a perseguir essa pessoa”, diz Juliana. “Geralmente o stalking vem acompanhado de outras violências, que são cometidas geralmente por ex-companheiros ou por pessoas com quem as mulheres tiveram algum tipo de relação.”

No começo do ano passado, outro estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desta vez encomendado ao Instituto Datafolha, indicou que um terço das mulheres brasileiras (33,4%) com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de parceiros ou ex-companheiros.

Do total de casos contabilizados em 2022, 11,6% (ou 7,6 milhões) das vítimas foram agredidas com batida, empurrão ou chutes. Em 13,5% dos episódios, houve perseguição.

Autoridades apontam que monitorar o stalking e incentivar os registros de boletim de ocorrência desse tipo de crime por parte das vítimas costuma ser uma forma não só de cessar esse tipo de comportamento, como de tentar evitar episódios mais graves por meio de medidas judiciais.

Como ocorreu a perseguição em Minas?

Entre outros fatores, o caso divulgado pelo Fantástico neste domingo, 19, chama atenção pela lógica inversa à vista normalmente. A suspeita, identificada como Kawara Welch, de 23 anos, teria começado a perseguir seu médico em 2019, alegando estar apaixonada por ele, segundo a denúncia.

A jovem foi excluída da lista de pacientes, mas as perseguições não cessaram. Como ele resistiu ao assédio, ela passou a fazer ameaças e começou a ligar até para familiares do profissional.

O médico e sua mulher, diante disso, registraram 42 boletins de ocorrência contra Kawara por perturbação do sossego, lesão corporal, ameaça e extorsão, além de perseguição.

Em um dos episódios, a jovem teria invadido o consultório do médico enquanto ele atendia uma paciente e agredido a mulher dele. A estudante é acusada ainda de ter furtado o celular da mulher do médico dentro da clínica, o que levou a Justiça a expedir um mandado de prisão contra ela.

A jovem estava foragida desde março do ano passado, mas foi presa no último dia 8. Ela foi encontrada em uma universidade de Uberlândia, também no Triângulo Mineiro, onde cursava nutrição.

Ao Fantástico, a defesa de Kawara Welch disse que o médico e sua cliente tiveram um relacionamento e que ela apenas buscava manter a relação. A defesa negou os crimes imputados à mulher. Já o delegado do caso disse que jamais houve relacionamento entre eles e, ainda que houvesse, isso não justificaria a conduta da acusada. /COLABORARAM JOSÉ MARIA TOMAZELA e MARCIO DOLZAN

Em média, 147 pessoas registram boletim de ocorrência por dia devido a casos de perseguição (stalking) no Brasil, segundo edição mais recente do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Isso significa que a prática, criminalizada desde 2021, é motivo de ao menos seis denúncias a cada hora.

O stalking tem chamado a atenção após o programa Fantástico, da Rede Globo, revelar um caso em que uma mulher de 23 anos foi presa sob acusação de perseguir durante cinco anos um médico e sua família em Ituiutaba (MG), no Triângulo Mineiro. A defesa dela nega as acusações (leia mais abaixo).

Mulher é presa por stalking sob acusação perseguir médico durante cinco anos em Minas Gerais; defesa nega Foto: Reprodução de bídeo/Fantástico

Conforme o Anuário, o País teve 53.918 denúncias de stalking em 2022 (ano para o qual há dados mais recentes), alta de 75% em relação aos 30.783 casos notificados um ano antes. A prática passou a ser criminalizada somente há três anos, portanto, não há uma série histórica mais extensa.

“Antes de a lei ser sancionada, as pessoas nem sequer sabiam que isso era um tipo de violência”, afirma a psicóloga Juliana Cunha, diretora de projetos especiais da Safernet. “Depois (da sanção), uma violência que já acontecia, mas não tinha nome, passou a ser percebida.”

A criminalização do stalking no Brasil, segundo ela, seguiu tendência observada em outras países, a exemplo de Reino Unido e Estados Unidos.

Agora, o desafio é conscientizar a população sobre os danos desse tipo de conduta e incrementar os mecanismos de proteção das vítimas para não desencorajar o registro de boletins de ocorrência. “É essa denúncia que pode barrar ou impedir que o autor cometa algo mais grave”, diz a psicóloga.

A lei 14.132, que tipificou a perseguição como crime no Brasil, foi sancionada em abril de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). Em linhas gerais, a nova norma alterou o Código Penal, prevendo, além de multa, pena de reclusão de seis meses a dois anos para quem pratica o stalking.

Conforme a legislação, a pena ainda pode ser aumentada sob três hipóteses:

  • se o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso;
  • se a vítima for uma mulher;
  • se a perseguição for cometida por duas ou mais pessoas e/ou contar com uso de arma de fogo.

A nova lei revogou o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais, de 1941, que estabelecia que quem molestasse ou perturbasse a tranquilidade de alguém estaria sujeito a pena de prisão de 15 dias a dois meses ou multa. O stalking era apenas uma contravenção, com punição bem mais branda, portanto.

“Não é possível, no Direito Criminal, fazer uma analogia de leis, como no caso, por exemplo no Direito Civil”, afirma Renato Almeida dos Santos, especialista em Fraude e Assédio e diretor do Instituto de Pesquisa do Risco Comportamental (IPRC). “Então, se não tem essa tipificação, não existe crime.”

Diante disso, a criminalização do stalking, diz ele, foi relevante para diminuir a impunidade em relação a esse tipo de comportamento, que passou a ser facilitado pelas redes sociais. Ele afirma ser importante não confundir, ainda assim, interações corriqueiras com a prática da perseguição reiterada.

“A fronteira (entre interações corriqueiras e o stalking) está quando a pessoa que está sendo stalkeada se sente perseguida”, diz Santos. Segundo ele, se as perseguições continuam mesmo após eventuais bloqueios de perfil ou negativas mais explícitas, é importante registrar boletim de ocorrência.

“Muitas vezes a vítima vai tentando se adaptar àquele comportamento, pensa que isso vai passar, que é só uma fase, que está tudo bem”, afirma. “Mas a pessoa que está ‘stalkeando’, vendo a vítima não fazer nada, pensa que aquilo está sendo aceito, na lógica dela, e continua.”

Onde o stalking é mais frequente?

Dados do Fórum Brasileiro trazem os registros por Estado. Proporcionalmente, o crime foi mais frequente no Amapá, onde foram notificados à polícia 207 casos a cada 100 mil mulheres. No Distrito Federal, o número ficou em 123,4 casos, seguido por Mato Grosso do Sul (96,3). Entre os que possuem os menores registros estão Paraíba (12,2), Pernambuco (16,1) e Bahia (21,9).

Em números absolutos, o stalking foi mais frequente no Estado de São Paulo, com 17 mil registros em 2022. No Rio Grande do Sul, houve 5,4 mil crimes dessa natureza, patamar que ficou em 4,8 mil no Paraná. Abaixo, veja a taxa proporcional para cada Estado brasileiro.

O governo de São Paulo orienta que todas as vítimas de perseguição, inclusive cibernética, façam registro dos casos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP), todas as delegacias físicas estão aptas a registrar a ocorrência, como a Delegacia Eletrônica. Além delas, a Divisão de Crimes Cibernéticos (DCCIBER) atua no combate a esse tipo de crime.

“É recomendado à pessoa que for vítima do crime de perseguição ou stalking acionar a Polícia Civil e levar as provas. Em casos de crimes ocorridos no ambiente virtual, capturas de telas que mostram a atuação do autor contribuem com as providências de polícia judiciária. O mesmo vale para ocorrências no mundo físico, as quais também podem ser comprovadas com vídeos, por exemplo”, informou a SSP-SP.

“Em ambas as situações, para o prosseguimento das investigações e penalização do autor é necessário a representação criminal. Feito isso, a polícia inicia as apurações de praxe, que incluem a análise dos materiais entregues pelas vítimas, oitivas de testemunhas, entre outras técnicas de investigação.”

O Ministério da Justiça declarou em nota que “o Laboratório de Operações Cibernéticas, da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Ciberlab/Diopi/Senasp/MJSP) apoia operações nos estados voltadas ao combate de crimes cibernéticos”. Ainda de acordo com a pasta, o departamento compartilha informações e auxília em investigações de crimes por meios digitais. O Ministério das Mulheres e a Secretaria de Segurança Pública do Amapá foram procurados, mas não retornaram o contato.

O que significa stalking?

O stalking é definido como perseguição reiterada, por qualquer meio, como a internet (a exemplo de casos de cyberstalking), que ameaça a integridade física e psicológica de alguém. Ou seja, trata-se de uma prática que interfere na liberdade e na privacidade da vítima.

Esse tipo de crime, além de ter voltado à tona com o caso ocorrido no interior de Minas Gerais, também foi abordado recentemente na série Bebê Rena, lançada no mês passado na Netflix. A trama é baseada em uma história real de perseguição sofrida pelo escritor e protagonista da série.

Ainda com esses dois casos sob holofote, em geral a perseguição tem as mulheres como principal alvo. “A raiz disso está no machismo estrutural, que leva o homem a pensar que ele tem poder sobre a mulher, a ponto inclusive de ter um comportamento de insistência e perseguição”, diz Santos.

Segundo especialistas, as perseguições podem inclusive preceder crimes violentos contra as mulheres, em alta no Brasil. Como mostrou o Estadão, quatro mulheres morreram por dia no País no ano passado por motivos relacionados à sua condição de gênero. Foram 1.463 casos de feminicídio, o maior patamar já registrado no País desde 2015, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Não é raro que, no caso de alguém que já sofre algum tipo de violência doméstica, e que já tem até medidas protetivas, no âmbito da Lei Maria da Penha, o agressor passe a perseguir essa pessoa”, diz Juliana. “Geralmente o stalking vem acompanhado de outras violências, que são cometidas geralmente por ex-companheiros ou por pessoas com quem as mulheres tiveram algum tipo de relação.”

No começo do ano passado, outro estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, desta vez encomendado ao Instituto Datafolha, indicou que um terço das mulheres brasileiras (33,4%) com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de parceiros ou ex-companheiros.

Do total de casos contabilizados em 2022, 11,6% (ou 7,6 milhões) das vítimas foram agredidas com batida, empurrão ou chutes. Em 13,5% dos episódios, houve perseguição.

Autoridades apontam que monitorar o stalking e incentivar os registros de boletim de ocorrência desse tipo de crime por parte das vítimas costuma ser uma forma não só de cessar esse tipo de comportamento, como de tentar evitar episódios mais graves por meio de medidas judiciais.

Como ocorreu a perseguição em Minas?

Entre outros fatores, o caso divulgado pelo Fantástico neste domingo, 19, chama atenção pela lógica inversa à vista normalmente. A suspeita, identificada como Kawara Welch, de 23 anos, teria começado a perseguir seu médico em 2019, alegando estar apaixonada por ele, segundo a denúncia.

A jovem foi excluída da lista de pacientes, mas as perseguições não cessaram. Como ele resistiu ao assédio, ela passou a fazer ameaças e começou a ligar até para familiares do profissional.

O médico e sua mulher, diante disso, registraram 42 boletins de ocorrência contra Kawara por perturbação do sossego, lesão corporal, ameaça e extorsão, além de perseguição.

Em um dos episódios, a jovem teria invadido o consultório do médico enquanto ele atendia uma paciente e agredido a mulher dele. A estudante é acusada ainda de ter furtado o celular da mulher do médico dentro da clínica, o que levou a Justiça a expedir um mandado de prisão contra ela.

A jovem estava foragida desde março do ano passado, mas foi presa no último dia 8. Ela foi encontrada em uma universidade de Uberlândia, também no Triângulo Mineiro, onde cursava nutrição.

Ao Fantástico, a defesa de Kawara Welch disse que o médico e sua cliente tiveram um relacionamento e que ela apenas buscava manter a relação. A defesa negou os crimes imputados à mulher. Já o delegado do caso disse que jamais houve relacionamento entre eles e, ainda que houvesse, isso não justificaria a conduta da acusada. /COLABORARAM JOSÉ MARIA TOMAZELA e MARCIO DOLZAN

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