O gargalo da saúde pública do Brasil não se limita à quantidade de médicos: há problemas de distribuição e fixação dos profissionais, de infraestrutura e de financiamento. Os dados mais recentes da demografia médica, divulgados em fevereiro, mostram que o País tem 2 médicos a cada mil habitantes (o dado do Ministério da Saúde é um pouco diferente: 1,83 médico para cada mil). A média mundial é de 1,4.O Ministério da Saúde pretende alcançar 2,5 médicos para cada mil pessoas - índice similar ao da Inglaterra, que tem 2,7. E, para suprir o déficit, quer trazer estrangeiros para atuar em áreas distantes e nas periferias sem a necessidade de revalidação do diploma, com um contrato temporário de até 3 anos e salário de R$ 10 mil. Segundo o governo, para atingir essa meta, o País teria de ter mais 168.424 médicos. Só na cidade de São Paulo, segundo a Prefeitura, há um déficit de 2,4 mil médicos. "Emergencialmente é possível buscar alternativas como essa, desde que houvesse uma política pública que busque resolver o problema definitivamente. E acho que o País ainda não esgotou as tentativas de suprir a carência no interior com os nossos próprios profissionais", avalia a pesquisadora Maria Helena Machado, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).Uma das alternativas propostas pelos médicos é a criação de uma carreira estatal, similar à de juízes: o médico começaria a carreira em um lugar distante sabendo que, após um tempo, poderia mudar de cidade. Antônio Augusto Silva, professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão (Estado com a menor relação de médicos por habitantes do Brasil), defende dessa ideia. "Apesar de alguns lugares terem uma oferta de salários alta, os médicos relutam em ir para o interior porque a estrutura e a condições de trabalho são precárias. Tem de melhorar as condições de trabalho, aumentar os investimentos públicos e criar um plano de carreira para o SUS, algo adiado por sucessivos governos. Porque os juízes têm e os profissionais de saúde não?"O Hospital de Câncer de Barretos, que tem unidades em Juazeiro (BA), Campo Grande, Porto Velho e Fernandópolis (SP), é um dos que enfrenta dificuldades para atrair médicos, mesmo pagando salários altos: a média inicial é de R$ 18 mil. "As unidades fora de São Paulo atendem uma média de cem pacientes por dia, mas poderiam atender até o triplo, caso tivessem mais médicos. Tenho vagas sobrando, mas não há médicos dispostos a trabalhar no interior. E o mundo é globalizado. Por que não trazer estrangeiros?", diz Henrique Prata, gestor do hospital, que defende, no entanto, a revalidação dos diplomas.Libânia Paes, coordenadora da pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas para profissionais da saúde, acredita que é preciso melhorar a distribuição dos médicos que já têm aqui. "Trazer médicos estrangeiros que podem ter uma formação pior que a nossa sem passar pela revalidação do diploma vai ser um tiro no pé. No mínimo tem de passar por isso. Quem vai garantir que essa pessoa é competente?" ConstituiçãoPara Jairnilson Paim, professor de política de saúde da Universidade Federal da Bahia, falta compromisso federal com o SUS. "Todos os governos, desde que a Constituição definiu que o sistema de saúde do Brasil seria integral e universal, não estão agindo de acordo com isso."Segundo Paim, um estudo publicado por ele na revista médica The Lancet, em 2011, mostra que, apesar de os investimentos em saúde atingirem 8,4% do PIB brasileiro na época, 60% era de origem privada. "O governo não garantiu financiamento público para atender todos os habitantes. As manifestações não pedem mais médico, mas que o direito estabelecido na Constituição seja respeitado." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.