Uma confusão em um bolão da Mega-Sena da Virada 2022 tem tirado o sono de um grupo de apostadores de São José da Bela Vista, no interior de São Paulo. Eles alegam que participaram da aposta que acertou os seis números do concurso, mas o organizador diz que foram feitos dois jogos diferentes e que eles não faziam parte do bolão vencedor. Sem comprovantes sobre de qual bolão participaram e sem a posse do canhoto (documento da Caixa Econômica Federal que comprova a aposta), eles enfrentam agora dificuldades para recorrer judicialmente. O Estadão conversou com um advogado para entender como é possível se proteger em situações como essa.
Leandro Basdadjian Barbosa, sócio do escritório de advocacia SFCB, diz que em casos de bolões informais como o feito em São José da Bela Vista (que não são organizados diretamente pela própria Caixa Econômica Federal), o ideal é que cada pessoa receba em mãos, antes do sorteio, o seu próprio canhoto. Mas, se isso não for possível, é importante que os apostadores reúnam provas da sua participação no bolão e, principalmente, saibam qual é o número do canhoto que identifica a aposta.
“Isso pode ser feito por e-mail ou pelo próprio WhatsApp, com o organizador do bolão enviando uma lista com todas as pessoas que participaram do bolão, qual o número de cotas de cada um (equivalente ao valor com o qual cada um contribuiu), os números que foram jogados e o número do canhoto (que identifica a aposta)”, diz o advogado. “Esse registro acaba funcionando, legalmente, como um contrato.”
Os apostadores podem pedir essa lista de informações antes mesmo de fazerem a transferência do dinheiro para a aposta e, posteriormente, cobrar o organizador sobre o número do canhoto. Dessa forma, se os números do bolão forem sorteados, as pessoas não só saberão que venceram imediatamente, como poderão recorrer judicialmente caso o organizador do bolão desapareça ou se recuse a dividir o prêmio.
Como recorrer judicialmente?
Caso o organizador do bolão suma com os canhotos, os apostadores do bolão devem entrar imediatamente com uma ação judicial, na qual devem anexar todas as comprovações de participação na aposta. Se isso for feito com rapidez, o dinheiro pode ficar bloqueado até que a situação se resolva, assim o organizador do bolão não terá como sacar o prêmio todo sozinho.
O advogado ressalta ainda que casos como esse, de apostas, não podem ser enquadrados como Direito do Consumidor, pois não se tratam da compra e venda de um bem ou serviço. E sem as garantias do Código de Defesa do Consumidor, o “contrato” – neste caso, as regras do bolão claras e registradas – se torna ainda mais importante do ponto de vista legal.
Garantia da Caixa
Procurada pela reportagem, a Caixa informou que “o Bolão Caixa só é comercializado, com toda a segurança e com a entrega do recibo original de cota, nas Lotéricas Caixa”. “Assim, em caso de premiação, cada um tem seu próprio recibo de cota premiado e receberá seu prêmio, de acordo com sua conveniência. Basta preencher o campo próprio no volante ou solicitar ao atendente da lotérica.” Só tem direito a receber o prêmio o portador do recibo que participou do bolão.
Para maior segurança, a Caixa orienta que, assim que emitidos os canhotos do bolão, cada cota seja identificada no verso com o nome completo, o número do documento de identificação e o CPF do seu apostador. Dessa forma, ninguém além do apostador identificado pode retirar o prêmio.
Entenda a acusação de calote
O sonho milionário da Mega da Virada se tornou um pesadelo para um grupo de apostadores dde São José da Bela Vista (SP). A cidade foi uma das cinco que registraram apostas que acertaram a sena, cujo prêmio é de R$ 108,3 milhões cada. O jogo fazia parte de um bolão de 44 pessoas organizado por um homem da cidade que, segundo um dos participantes, abordou as pessoas pelo WhatsApp e recolheu R$ 30 de cada um para fazer a aposta. No entanto, apenas nove apostadores receberam cerca de R$ 12 milhões cada.
Ao saber que não receberia o prêmio, um dos participantes do bolão, que prefere não se identificar, registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia Civil de São José da Bela Vista. Segundo ele, a justificativa do organizador do bolão é de que o dinheiro recolhido dos apostadores foi utilizado para fazer duas apostas diferentes e somente uma delas, com nove cotas, ou seja, nove participantes, foi a vencedora. No entanto, ninguém teria sido avisado de que se tratavam de duas apostas diferentes e o valor de contribuição teria sido o mesmo para todos.
“Me senti lesado e decepcionado, pois contribui com meu dinheiro para participar do bolão vencedor. Estou ficando doente com essa situação”, disse o apostador ao Estadão. Segundo ele, os participantes têm áudios e comprovantes dos pagamentos, mas não receberam nenhuma comprovação relativa à aposta feita, pois confiaram na boa-fé do organizador.
A reportagem procurou a defesa do organizador do bolão, mas não conseguiu contato até a publicação. Ao G1, Tiago Granzote, que se identificou como advogado do organizador, disse que o grupo do bolão existe desde 2015, é conhecido pelos moradores da cidade e teve as cotas da Mega da Virada 2022 devidamente distribuídas aos apostadores.
“Reunidos, fizeram as apostas e cada qual ficou com a sua cota, sendo que tal fato não demonstra qualquer má-fé, muito pelo contrário”, disse o advogado. “Assim, esclarece-se que não houve qualquer intenção em esconder qualquer aposta e disso obter vantagem, além de não haver intenção em se evadir por parte de qualquer pessoa membro do bolão em questão.”