ENVIADO ESPECIAL A BOA VISTA - Um um dos principais pontos turísticos de Boa Vista, a Praça do Centro Cívico, um monumento retrata o garimpeiro com uma bateia, ao lado da bandeira de Roraima. A estátua fica entre a sede do Executivo estadual, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Justiça. Caminhando à direita, é possível pegar a Avenida Benjamin Constant e encontrar dezenas de lojas que vendem joias, pulseiras e relógios na região conhecida como “Rua de Ouro”. Mas o movimento não é mais como antes.
Ao realizar operações na Terra Yanomami, a maior reserva indígena do País, para combater e fiscalizar o garimpo, o governo federal e as Forças Armadas têm enfraquecido uma atividade entranhada historicamente na história e na economia local. O Estadão acompanhou, em junho, uma dessas missões a bordo de um navio de guerra da Marinha, que buscava garimpeiros pelo Rio Branco.
Por décadas, os garimpeiros foram atraídos para ocupar a região. Esse processo resultou, por exemplo, na criação da Rua do Ouro. A reportagem contou 24 lojas de venda de joias, compra de ouro ou comércio de materiais para ourives em pouco mais de uma hora de caminhada. São estabelecimentos colados uns nos outros, como a Rua São Caetano, a chamada Rua das Noivas, na região central de São Paulo.
Não é só uma rua. O mercado de ouro prosperou tanto nas últimas décadas que a via se transformou em quarteirão, englobando a Avenida Benjamin Constant e as ruas Cecília Brasil e Araújo Filho, todas no centro de Boa Vista.
Esse mercado reflete o avanço da mineração irregular pela floresta, que atingiu 80 mil localidades na Amazônia nas últimas quatro décadas. O garimpo é responsável por contaminar os rios com mercúrio, matar os peixes e afastar os animais que servem de alimento para os indígenas.
Antes da democratização, da demarcação das terras indígenas e da nova legislação ambiental, a garimpagem foi parte importante da colonização da região. Em 1967, já no período militar, o governador Hélio da Costa via duas perspectivas econômicas para o desenvolvimento do Estado: a pecuária e a mineração. O garimpo, portanto, era legalizado, parte do cotidiano.
“Nos anos 1980, no auge do garimpo, tivemos o maior crescimento demográfico de Roraima”, diz Rodrigo Chagas, professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR). “O garimpeiro é a figura do colonizador”, acrescenta o sociólogo.
Por que as ruas do ouro estão sem clientes?
Hoje, o comércio é feito com discrição e desconfiança. Poucas palavras, olheiros e seguranças à paisana. Assim que a reportagem começou a circular pelas ruas, tentar ouvir os comerciantes, o sistema de som de uma delas, que anunciava compra e venda de ouro, ficou mudo. “Nada a declarar” e “Não posso te ajudar” foram as frases ouvidas.
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Apenas Adriano, de 29 anos, que fala com a mão direita na cintura, comenta a situação. Com a loja sem clientes, ele conta que os comerciantes temem que as operações de fiscalização que hoje se concentram nos garimpos migrem para as ruas do ouro. “O movimento caiu 40%”, estima.
Operação conjunta das Forças Armadas, coordenadas pela Casa de Governo, órgão vinculado à Casa Civil da Presidência da República destruiu 333 acampamentos de garimpeiros, fez 124 prisões e apreendeu 76 armas desde o início do ano, segundo o governo.
No início de 2023, eram cerca de 20 mil garimpeiros ilegais na área Yanomami - em abril deste ano, a pasta estimava que havia ainda sete mil. O governo diz agora adotar a métrica de novas áreas de garimpo para monitorar a situação. Entre março e setembro, 37 hectares de novas atividades foram detectados e, no ano passado, 984 hectares. Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, nenhum novo garimpo foi identificado em setembro.
Não foram só as operações policiais mais recentes que asfixiaram o comércio de ouro. Duas medidas tiveram efeitos expressivos no mercado: a obrigatoriedade de notas fiscais eletrônicas nas transações e o fim do pressuposto da boa-fé, que presumia a legalidade do metal por parte do vendedor, mesmo que não houvesse comprovação sobre a origem da extração, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de abril do ano passado.
Especialistas alertam, no entanto, que o fato de o comércio de ouro ilegal ter diminuído não significa necessariamente que o garimpo ilegal não esteja mais ocorrendo.
Estudos feitos a partir de imagens de satélite, por exemplo, mostram que a redução pode não ter sido tão significativa. Ou seja, é possível apenas que o ouro tenha deixado de ser vendido no Brasil e está sendo comercializado em países fronteiriços, onde a lei é menos rígida.
Gerações cresceram com o garimpo legalizado
Várias gerações viveram legalmente do ouro, como a proprietária da maior loja da avenida que prefere não se identificar. A filha de garimpeiros, de 37 anos, se orgulha de ter sido a primeira mulher da região a comandar sozinha o negócio familiar, segundo relata. “Não compro ouro do garimpo. Tenho fornecedores de outras regiões”.
Essa é a mesma resposta de outros cinco empreendedores da região. Adriano desconfia. “Muitos compram, mas preferem não admitir com receio de fiscalização”.
Hoje, a bandeira da legalização do garimpo é erguida por diversos políticos e empresários, o que estimula os garimpeiros, na visão de Garcia. “É um processo ambíguo e complexo. Para mudar o cenário, vai levar tempo”, diz.
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Igualmente demorada deve ser a recuperação das terras indígenas após a degradação ambiental causada pelo garimpo. A percepção dos habitantes locais é de lenta melhoria.
“Em algumas áreas, a água está voltando a ficar limpa de novo, e as comunidades voltam a pescar. Mas eles (os garimpeiros) deixaram impacto ambiental e cultural. A situação ainda é grave”, diz Junior Yanomami, presidente da Urihi Associação Yanomami, uma das principais da região. / COLABOROU ROBERTA JANSEN