GENEBRA - Mais de cem ONGs e entidades internacionais se uniram para denunciar o estado brasileiro na ONU e pediram investigações independentes sobre a morte da vereadora carioca Marielle Franco.
Numa intervenção durante o Conselho de Direitos Humanos da ONU nesta terça-feira, 20, o bloco denunciou o fato de que "muitos que falam a verdade ao poder no Brasil enfrentam violência e estigmatização sem precedentes".
O protesto ocorre no mesmo dia em que deputados europeus cobram respostas do governo brasileiro e que a ONU critica pela segunda vez em uma semana a situação de ativistas no País.
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Em Genebra, a lista das entidades que apoiam a declaração na ONU inclui Conectas, Organização Mundial contra a Tortura, Front Line Defenders, Friends of the Earth, Conselho Indígena Missionário, além de entidades africanas e latino-americanas.
"Solicitamos ao governo brasileiro assegurar uma investigação imediata, imparcial e independente, processando os responsáveis materiais e intelectuais deste crime, com a competência e a abertura para a possibilidade de o assassinato ter sido uma execução extrajudicial", declarou o grupo, em um texto lido pela estudante de mestrado brasileira Mariana Tavares.
"Também pedimos para as autoridades dar proteção efetiva aos sobreviventes desse ataque, como testemunhas-chave desta atrocidade", pedirão.
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Segundo o grupo, o ataque ocorre "no contexto de uma intervenção federal altamente militarizada no Estado do Rio, decretada pelo presidente, contrários à vontade das comunidade locais". "De fato, as preocupações sobre a intervenção foram destacadas pelo alto comissário (da ONU) em sua declaração durante esta sessão", afirmou Mariana, numa referência às críticas feitas pela ONU há duas semanas.
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Políticos e amigos pediram celeridade nas investigações e criticaram a intervenção na segurança do Rio de Janeiro.
"Muitos que falam a verdade ao poder no Brasil enfrentam violência e estigmatização sem precedentes, já que o Pestá no topo das mortes dos defensores. Marielle e Anderson foram mortos a tiros no carro, retornando de uma rodada de debate com mulheres negras. Marielle foi nomeada relatora de um comitê parlamentar para supervisionar os abusos da ação militar no Rio. O programa de proteção dos defensores permanece subfinanciado e insuficiente", complementou.
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Outro lado
Em resposta, o governo brasileiro afirmou que está "comprometido em investigar" o caso e levar os autores diante da Justiça. O Itamaraty indicou que o assassinato é ainda um "atentado contra a democracia e estado de direito"."O governo federal vai dar total apoio às autoridades estaduais nas investigações sobre o crime" disse a chanceleria, que indicou que a Polícia Federal está "pronta para contribuir com as investigações". O governo ainda a qualificou como uma "voz importante e respeitada" na luta pelos direitos humanos.
Sombrio
Nesta terça-feira, a ONU voltou a comentar o crime. Num e-mail ao Estado, o órgão das Nações Unidas indicou que "continua a monitorar a evolução do caso (de Marielle) e está em contato com autoridades locais e regionais, em linha com nosso mandato".
Para a ONU, porém, o caso da vereadora é sintoma de um problema mais amplo. "Infelizmente, o caso de Marielle Franco ocorre em um contexto mais amplo caracterizado por uma situação sombria para defensores de direitos humanos no Brasil", indicou a entidade.
Informes de diferentes entidades, como Anistia Internacional, apontam o Brasil como o local mais perigoso para o trabalho de ativistas.
De acordo com o escritório da ONU, a situação foi alvo de reuniões entre a entidade e o governo brasileiro. "Em vários diálogos com as autoridades nacionais e, também publicamente, temos levado nossa preocupação sobre a intimidação e violência que defensores de direitos humanos frequentemente sofrem no País, incluindo vários assassinatos", apontou a entidade, num e-mail assinado pela porta-voz, Ravina Shamdasani.
"Esperamos aumentar a colaboração com as autoridades brasileiras para lidar com esse problema de direitos humanos de forma urgente", completou.
Europeus
Enquanto em Genebra as entidades denunciam o estado brasileiro, a morte de Marielle foi uma vez mais mencionada por deputados europeus.
Numa declaração conjunta entre os diferentes comitês do Parlamento Europeu, os deputados "condenam" o assassinato de Marielle.
"Pedimos às autoridades brasileiras e à Justiça brasileira que conduzam investigações imediatas, completas e transparentes sobre o assassinato de Marielle Franco para identificar todos os responsáveis e os levar a um tribunal independente", apelam os europeus.
"Também pedimos que as autoridades no Brasil garantam a integridade física e psicológica de defensores de direitos humanos no Brasil", completam.
O documento é assinado pelos deputados Ramón Jáuregui Atond, Fernando Ruas,Francisco Assis e Elisabetta Gardini, líderes de delegações dentro do Parlamento Europeu responsável por relações com a América Latina e sobre direitos das mulheres.
Além das três delegações do Parlamento, a Comissão de Direitos Humanos do órgão europeu emitiu um comunicado. "Marielle era a voz das pessoas mais vulneráveis, marginalizadas e estigmatizadas", disse o deputado Pier Antonio Panzeri, chefe dessa comissão. "Ela foi uma das mulheres mais valentes de sua geração e decidida que nunca teve medo de denunciar a corrupção endêmica, os abusos policiais e execuções sumárias."
"Esse assassinato político covarde não pode ficar impune", apontou o deputado.
Na quarta-feira, os parlamentares europeus ainda se reunirão com diferentes organizações brasileiras para abordar a situação da violência e "exigir responsabilidades do governo Temer". Os representantes do partido Podemos chegaram a pedir a suspensão das negociações entre Mercosul e Europa.
"Continuamos pedindo que a Europa exija do Brasil uma investigação rápida, objetiva e transparente", afirmou Xabier Benito, vice-presidente da Delegação do Mercosul no Parlamento Europeu. "A impunidade desses crimes tem de acabar. Eles não são uma casualidade. Mas a consequência da repressão sistemática que sofrem os defensores de direitos humanos na América Latina."
Estefanía Torres, outra deputada europeia, aponta que o Brasil vive uma "situação de alarmante retrocesso democrático". Para ela, a UE não está interessada em se pronunciar.