A cidade mais rica do agro brasileiro é também uma das mais violentas do País. O município de Sorriso, com 110 mil habitantes e a 420 quilômetros de Cuiabá, já era conhecida pela sua capacidade de produção de soja e milho, que cresce em um patamar recorde ano a ano. Agora, também está entre as maiores taxas de homicídio registradas em território nacional.
Segundo ranking elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste mês, Sorriso tem a 6ª maior taxa de assassinatos por 100 mil habitantes do País (70,5 casos em 2022). É a 1ª cidade da lista fora do Nordeste. É ainda o único município do Centro-Oeste na lista dos 50 mais violentos, em um ano em que a região e o Estado viram alta na quantidade de mortes violentas.
O índice de Sorriso é três vezes superior à média nacional (23,4 homicídios por 100 mil pessoas em 2022). A piora da violência ocorre em meio à intensificação da produção agrícola. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2021, o município foi o líder em valor de produção agrícola pelo 3º ano consecutivo, alcançando os R$ 10 bilhões, alta de 86,4% ante 2020.
A cidade respondeu por 1,3% do valor de produção total do País. Metade do valor de produção foi voltada à soja (R$ 5 bilhões naquele ano). E o município é o maior produtor de milho (R$ 3,9 bilhões na safra de 2021, segundo o IBGE).
Disputa entre facções
Por trás dos assassinatos, há um problema comum a cidades brasileiras: guerra de facções criminosas por mercados ligados à distribuição de drogas. Segundo Naldson Ramos, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência e Cidadania da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), facções como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), se estabeleceram em cidades importantes do interior.
“Há disputas por territórios, e pessoas que são identificadas como membros da facção rival são executadas”, diz. Como o Estadão mostrou, especialistas e pesquisas apontam que a dinâmica de disputa entre essas organizações tem influenciado mais no sobe-desce de homicídios do que as políticas públicas.
Ramos lembra um episódio recente, em Campo Verde, em que três pessoas foram mortas por integrantes do CV por suspeita de integrar o PCC. “Em Sorriso, Lucas do Rio Verde e Sinop há relatos de pessoas executadas à luz do dia por rivalidade entre as facções, que estão inclusive em cidades pequenas, com 20 mil habitantes”, afirma. Os conflitos são agravados pela disputa das rotas de tráfico que passam pela fronteira do Estado com a Bolívia.
Essas rotas são controladas pelo crime organizado, que vem se expandindo no Estado. “Em contexto mais amplo, a alta taxa de urbanização e crescimento populacional das cidades do Meio Norte brasileiro criaram ambiente favorável a conflitos sociais que, por sua vez, repercutem na segurança pública”, diz. O Centro-Oeste foi a região que teve a maior alta de população na última década, conforme revelou o Censo do IBGE.
Promotor criminal em Sorriso, Luiz Fernando Pipino contabiliza 40 homicídios de janeiro a julho deste ano - ele atribui ao menos 29 o crime organizado. “Se continuar nesse ritmo, vamos ultrapassar 2022″, afirma.
Guerra e dissidentes
O promotor detalha o embate travado em diferentes grupos na cidade, que estaria ligado ao Comando Vermelho e um grupo dissidente, identificado como Tropa Castelar. Pipino diz que um pequeno grupo se rebelou após discordar dos “decretos”, da política de divisão dos lucros e do valor da taxa paga aos faccionados. O CV deu início, segundo investigadores, à matança desenfreada dos dissidentes.
“Por causa disso, começou uma guerra entre eles. Um tentava matar o outro”, afirma o delegado da Polícia Federal Antônio Flávio Rocha Freire. Sorriso, continua ele, seria o foco central dessa guerra no Estado.
Mato Grosso registrou 1.072 casos de mortes violentas intencionais no ano passado, aumento de 20% em relação a 2021, com 889 ocorrências.
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Casos cresceram em toda a região
Sorriso faz parte da Região Integrada de Segurança Pública (Risp) de Sinop, cidade a 85 quilômetros de distância. Segundo o governo de Mato Grosso, essa Risp foi a mais violenta do Estado no ano passado, com 126 homicídios, alta de 47% em relação ao ano anterior. O patamar superou até a região de Cuiabá, que tem o dobro da população e registrou 67 homicídios.
Em 24 de novembro do ano passado, dois homens desceram de uma moto, entraram no cemitério de Sinop, e atiraram contra Ramilson Alves Pereira, de 46 anos, que trabalhava como auxiliar de coveiro.
Ex-presidiário, Pereira usava tornozeleira eletrônica e prestava serviços para a prefeitura em um programa de reabilitação de detentos. O caso é investigado como execução por vingança: a vítima tinha passagem por tráfico.
A violência assusta também os produtores rurais. Em dezembro, um produtor que pediu anonimato por medo de represália, foi rendido e agredido durante assalto à sua propriedade, na Estrada Ângela.
“Vieram dois em um carro, armados e encapuzados. Eu estava com a mulher e duas filhas na casa, então fiz o que mandaram. Mesmo assim, fui agredido com o cano da arma e por pouco não me mataram”, conta. Os criminosos levaram três armas legalizadas, dinheiro, e o carro do produtor.
Governo diz investir em segurança e vê dados em queda este ano
A Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso diz, em nota, que o investimento nas forças de segurança do Estado cresceu 680%, num total de R$ 1,2 bilhão nos últimos quatro anos.
“Em Sorriso, foram realizadas diversas operações desde o início do ano: Dissidência I e II, Recovery I e II e Escama, além do trabalho ostensivo da Polícia Militar com a Patrulha Rural e reforço de unidades especializadas”, afirma.
Segundo a pasta, dados do Observatório de Segurança Pública mostram que os crimes violentos caíram neste semestre, comparados ao mesmo período do ano passado. Foram 427 homicídios em seis meses, ante 447 do período anterior, queda de 4,4%. Os latrocínios (roubo seguido de morte) caíram 60% (de 15 para 6) e feminicídios, 22% (de 23 para 18).