Com 830 abrigos e 76 mil pessoas, RS vive desafio de evitar conflitos e melhorar convívio


Desabrigados estão provisoriamente em clubes, escolas e até Centros de Tradições Gaúchas; previsão é que famílias precisarão permanecer por semanas e até meses

Por Priscila Mengue
Atualização:

De uma centena até algumas milhares de pessoas, abrigos de diferentes portes, perfis e realidades são criados dia a dia para receber a população impactada pelo maior desastre climático do Rio Grande do Sul. Um balanço parcial do Estado aponta ao menos 830 em atividade em 103 municípios, criados tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil em clubes, escolas, centros desportivos, paróquias, universidades, escolas de samba, Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) e outros espaços.

Após a montagem às pressas diante da urgência de receber os afetados pelas enchentes e os deslizamentos, grande parte desses locais está na segunda ou na terceira semana de atividades. Para especialistas, os abrigos entram em uma nova fase diante da certeza que famílias precisarão permanecer por semanas e até meses.

Voluntários têm se mobilizado para angariar doações que ajudem no bem-estar dos atingidos, como jogos, brinquedos e artesanato. A nova fase envolve mais do que isso, como apontam especialistas, como mudanças na organização dos fluxos, nas estruturas e no atendimento em saúde mental, por exemplo.

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Segundo a Defesa Civil do Estado, mais de 76,5 mil pessoas estão desabrigadas, enquanto mais de 538,2 mil se alojaram na casa de amigos, parentes e conhecidos. Um dos maiores abrigos improvisados após a tragédia, somente o campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Canoas reúne cerca de 6 mil pessoas, além de uma área voltada a animais.

Segundo o Estado, mais de 76 mil pessoas estão em abrigos no Estado Foto: Wilton Junior/Estadão

Para os especialistas, o novo momento exige uma dinâmica mais consolidada, organizada, segura e acolhedora à população. Para tanto, precisa envolver treinamentos dos voluntários e funcionários ligados ao setor público, protocolos de atendimento e um maior envolvimento do poder público.

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Conflitos têm sido registrados em parte dos abrigos, como brigas, discussões e eventuais furtos, que podem suscitar com a pouca privacidade e convívio coletivo com muitas pessoas simultaneamente.

  • Entre as indicações, estão distribuições de pulseiras de identificação e a utilização de coletes entre os voluntários, com cores distintas para cada função, por exemplo.

Professora de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Beatriz Schmidt explica que a resposta em desastres precisa ter ênfase em Primeiros Cuidados Psicológicos. “Envolvem tanto suporte psíquico quanto social às pessoas que enfrentam a situação de crise”, diz.

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“Fazemos isso por meio da escuta ativa sobre a história da pessoa, o modo como ela está vivenciando o desastre e as suas principais demandas. Assim, é possível confortá-la, bem como auxiliá-la a buscar outros apoios e serviços”, explica.

Ela destaca que esse acolhimento precisa também apoiar as pessoas que estão em busca de pessoas desaparecidas ou que perderam contato com familiares e amigos.

Além disso, as crianças precisam de atenção em especial. A professora e mais especialistas têm preparado um material com orientações técnicas para atenção psicossocial aos menores de idade nos abrigos, tanto acompanhadas quanto desacompanhadas dos responsáveis, “uma necessidade de primeiríssima ordem no momento”, ressalta.

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Também professor da FURG e com experiência em desastres, o psicólogo Lucas Neiva Silva diz que a gestão de um abrigo envolve diferentes momentos de atenção. Um dos primeiros é o acolhimento.

Em geral, os desabrigados chegam após um primeiro atendimento ainda no local do resgate. Na chegada ao abrigo, são cadastrados, informados sobre o funcionamento do local e recebem um kit com alguns itens básicos, como de higiene pessoal, roupas de cama e vestuário.

Segundo o professor, o acolhimento precisa considerar que a pessoa acabou de passar por um trauma, de modo que vai reagir de diferentes formas. Ele diz que a frase mais comum na chegada é “eu perdi tudo”.

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“Cada pessoa vai reagir diferente. Algumas vão falar, falar, falar. Outras vão ficar quietinhas. Outras vão chorar, e precisam de um lugar adequado para isso. Algumas abraçam, outras não gostam de ser abraçadas”, aponta. Neste momento, também é preciso orientar a pessoa para se manter bem. Isto é, dar comida, água e indicar um descanso mesmo que se relate não ter fome, sede e cansaço.

Psicólogo de emergência em áreas de resgate e voluntário em um abrigo com 600 pessoas, em Porto Alegre, Neiva Silva explica que algumas dessas pessoas chegam em um nível de estresse crônico após dias à espera de resgate, por vezes ao relento, molhadas e longe de entes queridos. “Precisa assegurar a essa pessoa o descanso. A falta de descanso pode geral um nível de agressividade e impaciência maior, o que gera possíveis conflitos nesses abrigos”, explica.

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Para facilitar o convívio, ele indica a divisão das pessoas por núcleos com características comuns: homens solteiros; famílias em geral; famílias com crianças pequenas; mulheres que estão desacompanhadas; dentre outros.

“Quem tem criança pequena tem mais paciência para aguentar a criança pequena ao lado chorando. Abrigando com os seus iguais, pode até criar uma rede de apoio”, exemplifica. “Casais e famílias devem ficar longe de homens solteiros. Se alguém achar que o homem solteiro olhou para a mulher casada, pode criar uma situação de conflito”, cita outro exemplo.

Além disso, outra orientação é estabelecer regras claras, de convivência e na distribuição das doações. Como nem sempre chegam em número suficiente para todos, é indicado ter critérios claros, como a prioridade para famílias com bebês, depois com crianças pequenas etc. “Precisa de critérios objetivos. Para a pessoa saber que está em uma fila e que vai receber em algum momento”, diz.

Canoas e Porto Alegre têm mais desabrigados

Na fase atual dos abrigos, alguns começam a ser montados para grupos com necessidades e características distintas, como para mulheres, pessoas cegas e famílias atípicas. Além disso, um abrigo em Canoas e outro em Porto Alegre são referência para receber crianças desacompanhadas dos responsáveis. A maioria é, contudo, voltada à população em geral, de bebês recém-nascidos até idosos.

Segundo o Estado, os municípios com mais alocados em abrigos são Canoas (18,4 mil pessoas), Porto Alegre (14,3 mil), São Leopoldo (13,9 mil), Guaíba (4,4 mil) e Novo Hamburgo (2,6 mil). Os dados consideram a localização dos espaços, não as cidades onde as pessoas viviam. Um exemplo é Eldorado do Sul, município que foi quase totalmente inundado, cujos moradores foram resgatados para outras localidades.

Um levantamento inicial do Estado em 96 abrigos apontou os diferentes perfis desses espaços e abrigados. Tais como:

  • 47,9% com gestantes ou puérperas;
  • 47,1% com população indígena ou quilombola;
  • 43,7% com migrantes;
  • 91,6% têm banheiros funcionais em quantidade suficiente para abrigos emergenciais (um a cada 25 pessoas);
  • 78,1% têm espaço específico para lazer e convivência de crianças e adolescentes;
  • 62,5% têm cozinha e produção de alimentação;
  • 58,3% têm equipes de segurança;
  • 85,4% têm equipes de saúde;
  • 83,3% têm equipes de atendimento psicossocial.

Além disso, a prefeitura de Porto Alegre tem falado em uma etapa posterior, quando os espaços temporariamente transformados em abrigos voltarem às atividades normais. A gestão Sebastião Melo (MDB) tem discutido a criação de uma “minicidade” no Complexo Cultural do Porto Seco, na zona norte.

A proposta envolveria a permanência dos desabrigados na pista do sambódromo e no estacionamento. A prefeitura pretende discutir a implantação com o governo federal. Segundo Melo, um levantamento identificou possíveis terrenos de maior porte de administração direta ou indireta do Município, dentre os quais estava o do Porto Seco, com 16 hectares de pista e estacionamento.

A medida não envolveria os galpões das escolas de samba, que já tem funcionado como abrigo improvisado pelas agremiações. Em coletiva de imprensa, disse, contudo, que a proposta ainda não é concreta e está em discussão.

No balanço das 12h de quarta-feira, 15, o Estado tinha 2,1 milhões de pessoas afetadas em 449 municípios. Com o retorno da chuva nos últimos dias, parte dos principais rios voltaram a transbordar em diversas partes do Estado e tiveram aumento nos níveis.

Abrigo improvisado em ginásio em Porto Alegre Foto: Nelson Almeida/AFP

Governo do Estado diz que destinará R$ 150 por desabrigado

Governos locais e a União têm destacado o aumento de apoio aos abrigos, especialmente na segurança. A Força Nacional diz que o contingente de agentes chegará a 300 nesses locais, enquanto o Estado lançou um programa para colocar mil policiais da reserva e algumas prefeituras (como da capital gaúcha) dizem ter contratado seguranças.

Em coletiva nesta segunda-feira, 13, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), anunciou que destinará R$ 12 milhões a abrigos. O valor será destinado a fundos municipais, calculado a partir do valor de R$ 150 para cada desabrigado.

“Queremos dignificar e ajudar a estruturar melhor esses espaços, onde as pessoas terão que conviver durante muitos dias, devido às condições meteorológicas”, disse. Além disso, na quinta-feira, 9, a Secretaria Estadual da Saúde fez uma capacitação virtual para pessoas que vão atuar com saúde mental nos abrigos.

Já a Prefeitura de Porto Alegre diz que está prestando apoio, com a distribuição de 1,5 mil cestas básicas. No domingo, a capital gaúcha calculava ter 14,2 mil pessoas em 162 abrigos municipais e de entidades parceiras. Além disso, divulgou ter instalado câmeras de monitoramento em sete abrigos e criado três espaços temporários exclusivos para mulheres.

De uma centena até algumas milhares de pessoas, abrigos de diferentes portes, perfis e realidades são criados dia a dia para receber a população impactada pelo maior desastre climático do Rio Grande do Sul. Um balanço parcial do Estado aponta ao menos 830 em atividade em 103 municípios, criados tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil em clubes, escolas, centros desportivos, paróquias, universidades, escolas de samba, Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) e outros espaços.

Após a montagem às pressas diante da urgência de receber os afetados pelas enchentes e os deslizamentos, grande parte desses locais está na segunda ou na terceira semana de atividades. Para especialistas, os abrigos entram em uma nova fase diante da certeza que famílias precisarão permanecer por semanas e até meses.

Voluntários têm se mobilizado para angariar doações que ajudem no bem-estar dos atingidos, como jogos, brinquedos e artesanato. A nova fase envolve mais do que isso, como apontam especialistas, como mudanças na organização dos fluxos, nas estruturas e no atendimento em saúde mental, por exemplo.

Segundo a Defesa Civil do Estado, mais de 76,5 mil pessoas estão desabrigadas, enquanto mais de 538,2 mil se alojaram na casa de amigos, parentes e conhecidos. Um dos maiores abrigos improvisados após a tragédia, somente o campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Canoas reúne cerca de 6 mil pessoas, além de uma área voltada a animais.

Segundo o Estado, mais de 76 mil pessoas estão em abrigos no Estado Foto: Wilton Junior/Estadão

Para os especialistas, o novo momento exige uma dinâmica mais consolidada, organizada, segura e acolhedora à população. Para tanto, precisa envolver treinamentos dos voluntários e funcionários ligados ao setor público, protocolos de atendimento e um maior envolvimento do poder público.

Conflitos têm sido registrados em parte dos abrigos, como brigas, discussões e eventuais furtos, que podem suscitar com a pouca privacidade e convívio coletivo com muitas pessoas simultaneamente.

  • Entre as indicações, estão distribuições de pulseiras de identificação e a utilização de coletes entre os voluntários, com cores distintas para cada função, por exemplo.

Professora de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Beatriz Schmidt explica que a resposta em desastres precisa ter ênfase em Primeiros Cuidados Psicológicos. “Envolvem tanto suporte psíquico quanto social às pessoas que enfrentam a situação de crise”, diz.

“Fazemos isso por meio da escuta ativa sobre a história da pessoa, o modo como ela está vivenciando o desastre e as suas principais demandas. Assim, é possível confortá-la, bem como auxiliá-la a buscar outros apoios e serviços”, explica.

Ela destaca que esse acolhimento precisa também apoiar as pessoas que estão em busca de pessoas desaparecidas ou que perderam contato com familiares e amigos.

Além disso, as crianças precisam de atenção em especial. A professora e mais especialistas têm preparado um material com orientações técnicas para atenção psicossocial aos menores de idade nos abrigos, tanto acompanhadas quanto desacompanhadas dos responsáveis, “uma necessidade de primeiríssima ordem no momento”, ressalta.

Também professor da FURG e com experiência em desastres, o psicólogo Lucas Neiva Silva diz que a gestão de um abrigo envolve diferentes momentos de atenção. Um dos primeiros é o acolhimento.

Em geral, os desabrigados chegam após um primeiro atendimento ainda no local do resgate. Na chegada ao abrigo, são cadastrados, informados sobre o funcionamento do local e recebem um kit com alguns itens básicos, como de higiene pessoal, roupas de cama e vestuário.

Segundo o professor, o acolhimento precisa considerar que a pessoa acabou de passar por um trauma, de modo que vai reagir de diferentes formas. Ele diz que a frase mais comum na chegada é “eu perdi tudo”.

“Cada pessoa vai reagir diferente. Algumas vão falar, falar, falar. Outras vão ficar quietinhas. Outras vão chorar, e precisam de um lugar adequado para isso. Algumas abraçam, outras não gostam de ser abraçadas”, aponta. Neste momento, também é preciso orientar a pessoa para se manter bem. Isto é, dar comida, água e indicar um descanso mesmo que se relate não ter fome, sede e cansaço.

Psicólogo de emergência em áreas de resgate e voluntário em um abrigo com 600 pessoas, em Porto Alegre, Neiva Silva explica que algumas dessas pessoas chegam em um nível de estresse crônico após dias à espera de resgate, por vezes ao relento, molhadas e longe de entes queridos. “Precisa assegurar a essa pessoa o descanso. A falta de descanso pode geral um nível de agressividade e impaciência maior, o que gera possíveis conflitos nesses abrigos”, explica.

Para facilitar o convívio, ele indica a divisão das pessoas por núcleos com características comuns: homens solteiros; famílias em geral; famílias com crianças pequenas; mulheres que estão desacompanhadas; dentre outros.

“Quem tem criança pequena tem mais paciência para aguentar a criança pequena ao lado chorando. Abrigando com os seus iguais, pode até criar uma rede de apoio”, exemplifica. “Casais e famílias devem ficar longe de homens solteiros. Se alguém achar que o homem solteiro olhou para a mulher casada, pode criar uma situação de conflito”, cita outro exemplo.

Além disso, outra orientação é estabelecer regras claras, de convivência e na distribuição das doações. Como nem sempre chegam em número suficiente para todos, é indicado ter critérios claros, como a prioridade para famílias com bebês, depois com crianças pequenas etc. “Precisa de critérios objetivos. Para a pessoa saber que está em uma fila e que vai receber em algum momento”, diz.

Canoas e Porto Alegre têm mais desabrigados

Na fase atual dos abrigos, alguns começam a ser montados para grupos com necessidades e características distintas, como para mulheres, pessoas cegas e famílias atípicas. Além disso, um abrigo em Canoas e outro em Porto Alegre são referência para receber crianças desacompanhadas dos responsáveis. A maioria é, contudo, voltada à população em geral, de bebês recém-nascidos até idosos.

Segundo o Estado, os municípios com mais alocados em abrigos são Canoas (18,4 mil pessoas), Porto Alegre (14,3 mil), São Leopoldo (13,9 mil), Guaíba (4,4 mil) e Novo Hamburgo (2,6 mil). Os dados consideram a localização dos espaços, não as cidades onde as pessoas viviam. Um exemplo é Eldorado do Sul, município que foi quase totalmente inundado, cujos moradores foram resgatados para outras localidades.

Um levantamento inicial do Estado em 96 abrigos apontou os diferentes perfis desses espaços e abrigados. Tais como:

  • 47,9% com gestantes ou puérperas;
  • 47,1% com população indígena ou quilombola;
  • 43,7% com migrantes;
  • 91,6% têm banheiros funcionais em quantidade suficiente para abrigos emergenciais (um a cada 25 pessoas);
  • 78,1% têm espaço específico para lazer e convivência de crianças e adolescentes;
  • 62,5% têm cozinha e produção de alimentação;
  • 58,3% têm equipes de segurança;
  • 85,4% têm equipes de saúde;
  • 83,3% têm equipes de atendimento psicossocial.

Além disso, a prefeitura de Porto Alegre tem falado em uma etapa posterior, quando os espaços temporariamente transformados em abrigos voltarem às atividades normais. A gestão Sebastião Melo (MDB) tem discutido a criação de uma “minicidade” no Complexo Cultural do Porto Seco, na zona norte.

A proposta envolveria a permanência dos desabrigados na pista do sambódromo e no estacionamento. A prefeitura pretende discutir a implantação com o governo federal. Segundo Melo, um levantamento identificou possíveis terrenos de maior porte de administração direta ou indireta do Município, dentre os quais estava o do Porto Seco, com 16 hectares de pista e estacionamento.

A medida não envolveria os galpões das escolas de samba, que já tem funcionado como abrigo improvisado pelas agremiações. Em coletiva de imprensa, disse, contudo, que a proposta ainda não é concreta e está em discussão.

No balanço das 12h de quarta-feira, 15, o Estado tinha 2,1 milhões de pessoas afetadas em 449 municípios. Com o retorno da chuva nos últimos dias, parte dos principais rios voltaram a transbordar em diversas partes do Estado e tiveram aumento nos níveis.

Abrigo improvisado em ginásio em Porto Alegre Foto: Nelson Almeida/AFP

Governo do Estado diz que destinará R$ 150 por desabrigado

Governos locais e a União têm destacado o aumento de apoio aos abrigos, especialmente na segurança. A Força Nacional diz que o contingente de agentes chegará a 300 nesses locais, enquanto o Estado lançou um programa para colocar mil policiais da reserva e algumas prefeituras (como da capital gaúcha) dizem ter contratado seguranças.

Em coletiva nesta segunda-feira, 13, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), anunciou que destinará R$ 12 milhões a abrigos. O valor será destinado a fundos municipais, calculado a partir do valor de R$ 150 para cada desabrigado.

“Queremos dignificar e ajudar a estruturar melhor esses espaços, onde as pessoas terão que conviver durante muitos dias, devido às condições meteorológicas”, disse. Além disso, na quinta-feira, 9, a Secretaria Estadual da Saúde fez uma capacitação virtual para pessoas que vão atuar com saúde mental nos abrigos.

Já a Prefeitura de Porto Alegre diz que está prestando apoio, com a distribuição de 1,5 mil cestas básicas. No domingo, a capital gaúcha calculava ter 14,2 mil pessoas em 162 abrigos municipais e de entidades parceiras. Além disso, divulgou ter instalado câmeras de monitoramento em sete abrigos e criado três espaços temporários exclusivos para mulheres.

De uma centena até algumas milhares de pessoas, abrigos de diferentes portes, perfis e realidades são criados dia a dia para receber a população impactada pelo maior desastre climático do Rio Grande do Sul. Um balanço parcial do Estado aponta ao menos 830 em atividade em 103 municípios, criados tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil em clubes, escolas, centros desportivos, paróquias, universidades, escolas de samba, Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) e outros espaços.

Após a montagem às pressas diante da urgência de receber os afetados pelas enchentes e os deslizamentos, grande parte desses locais está na segunda ou na terceira semana de atividades. Para especialistas, os abrigos entram em uma nova fase diante da certeza que famílias precisarão permanecer por semanas e até meses.

Voluntários têm se mobilizado para angariar doações que ajudem no bem-estar dos atingidos, como jogos, brinquedos e artesanato. A nova fase envolve mais do que isso, como apontam especialistas, como mudanças na organização dos fluxos, nas estruturas e no atendimento em saúde mental, por exemplo.

Segundo a Defesa Civil do Estado, mais de 76,5 mil pessoas estão desabrigadas, enquanto mais de 538,2 mil se alojaram na casa de amigos, parentes e conhecidos. Um dos maiores abrigos improvisados após a tragédia, somente o campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Canoas reúne cerca de 6 mil pessoas, além de uma área voltada a animais.

Segundo o Estado, mais de 76 mil pessoas estão em abrigos no Estado Foto: Wilton Junior/Estadão

Para os especialistas, o novo momento exige uma dinâmica mais consolidada, organizada, segura e acolhedora à população. Para tanto, precisa envolver treinamentos dos voluntários e funcionários ligados ao setor público, protocolos de atendimento e um maior envolvimento do poder público.

Conflitos têm sido registrados em parte dos abrigos, como brigas, discussões e eventuais furtos, que podem suscitar com a pouca privacidade e convívio coletivo com muitas pessoas simultaneamente.

  • Entre as indicações, estão distribuições de pulseiras de identificação e a utilização de coletes entre os voluntários, com cores distintas para cada função, por exemplo.

Professora de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Beatriz Schmidt explica que a resposta em desastres precisa ter ênfase em Primeiros Cuidados Psicológicos. “Envolvem tanto suporte psíquico quanto social às pessoas que enfrentam a situação de crise”, diz.

“Fazemos isso por meio da escuta ativa sobre a história da pessoa, o modo como ela está vivenciando o desastre e as suas principais demandas. Assim, é possível confortá-la, bem como auxiliá-la a buscar outros apoios e serviços”, explica.

Ela destaca que esse acolhimento precisa também apoiar as pessoas que estão em busca de pessoas desaparecidas ou que perderam contato com familiares e amigos.

Além disso, as crianças precisam de atenção em especial. A professora e mais especialistas têm preparado um material com orientações técnicas para atenção psicossocial aos menores de idade nos abrigos, tanto acompanhadas quanto desacompanhadas dos responsáveis, “uma necessidade de primeiríssima ordem no momento”, ressalta.

Também professor da FURG e com experiência em desastres, o psicólogo Lucas Neiva Silva diz que a gestão de um abrigo envolve diferentes momentos de atenção. Um dos primeiros é o acolhimento.

Em geral, os desabrigados chegam após um primeiro atendimento ainda no local do resgate. Na chegada ao abrigo, são cadastrados, informados sobre o funcionamento do local e recebem um kit com alguns itens básicos, como de higiene pessoal, roupas de cama e vestuário.

Segundo o professor, o acolhimento precisa considerar que a pessoa acabou de passar por um trauma, de modo que vai reagir de diferentes formas. Ele diz que a frase mais comum na chegada é “eu perdi tudo”.

“Cada pessoa vai reagir diferente. Algumas vão falar, falar, falar. Outras vão ficar quietinhas. Outras vão chorar, e precisam de um lugar adequado para isso. Algumas abraçam, outras não gostam de ser abraçadas”, aponta. Neste momento, também é preciso orientar a pessoa para se manter bem. Isto é, dar comida, água e indicar um descanso mesmo que se relate não ter fome, sede e cansaço.

Psicólogo de emergência em áreas de resgate e voluntário em um abrigo com 600 pessoas, em Porto Alegre, Neiva Silva explica que algumas dessas pessoas chegam em um nível de estresse crônico após dias à espera de resgate, por vezes ao relento, molhadas e longe de entes queridos. “Precisa assegurar a essa pessoa o descanso. A falta de descanso pode geral um nível de agressividade e impaciência maior, o que gera possíveis conflitos nesses abrigos”, explica.

Para facilitar o convívio, ele indica a divisão das pessoas por núcleos com características comuns: homens solteiros; famílias em geral; famílias com crianças pequenas; mulheres que estão desacompanhadas; dentre outros.

“Quem tem criança pequena tem mais paciência para aguentar a criança pequena ao lado chorando. Abrigando com os seus iguais, pode até criar uma rede de apoio”, exemplifica. “Casais e famílias devem ficar longe de homens solteiros. Se alguém achar que o homem solteiro olhou para a mulher casada, pode criar uma situação de conflito”, cita outro exemplo.

Além disso, outra orientação é estabelecer regras claras, de convivência e na distribuição das doações. Como nem sempre chegam em número suficiente para todos, é indicado ter critérios claros, como a prioridade para famílias com bebês, depois com crianças pequenas etc. “Precisa de critérios objetivos. Para a pessoa saber que está em uma fila e que vai receber em algum momento”, diz.

Canoas e Porto Alegre têm mais desabrigados

Na fase atual dos abrigos, alguns começam a ser montados para grupos com necessidades e características distintas, como para mulheres, pessoas cegas e famílias atípicas. Além disso, um abrigo em Canoas e outro em Porto Alegre são referência para receber crianças desacompanhadas dos responsáveis. A maioria é, contudo, voltada à população em geral, de bebês recém-nascidos até idosos.

Segundo o Estado, os municípios com mais alocados em abrigos são Canoas (18,4 mil pessoas), Porto Alegre (14,3 mil), São Leopoldo (13,9 mil), Guaíba (4,4 mil) e Novo Hamburgo (2,6 mil). Os dados consideram a localização dos espaços, não as cidades onde as pessoas viviam. Um exemplo é Eldorado do Sul, município que foi quase totalmente inundado, cujos moradores foram resgatados para outras localidades.

Um levantamento inicial do Estado em 96 abrigos apontou os diferentes perfis desses espaços e abrigados. Tais como:

  • 47,9% com gestantes ou puérperas;
  • 47,1% com população indígena ou quilombola;
  • 43,7% com migrantes;
  • 91,6% têm banheiros funcionais em quantidade suficiente para abrigos emergenciais (um a cada 25 pessoas);
  • 78,1% têm espaço específico para lazer e convivência de crianças e adolescentes;
  • 62,5% têm cozinha e produção de alimentação;
  • 58,3% têm equipes de segurança;
  • 85,4% têm equipes de saúde;
  • 83,3% têm equipes de atendimento psicossocial.

Além disso, a prefeitura de Porto Alegre tem falado em uma etapa posterior, quando os espaços temporariamente transformados em abrigos voltarem às atividades normais. A gestão Sebastião Melo (MDB) tem discutido a criação de uma “minicidade” no Complexo Cultural do Porto Seco, na zona norte.

A proposta envolveria a permanência dos desabrigados na pista do sambódromo e no estacionamento. A prefeitura pretende discutir a implantação com o governo federal. Segundo Melo, um levantamento identificou possíveis terrenos de maior porte de administração direta ou indireta do Município, dentre os quais estava o do Porto Seco, com 16 hectares de pista e estacionamento.

A medida não envolveria os galpões das escolas de samba, que já tem funcionado como abrigo improvisado pelas agremiações. Em coletiva de imprensa, disse, contudo, que a proposta ainda não é concreta e está em discussão.

No balanço das 12h de quarta-feira, 15, o Estado tinha 2,1 milhões de pessoas afetadas em 449 municípios. Com o retorno da chuva nos últimos dias, parte dos principais rios voltaram a transbordar em diversas partes do Estado e tiveram aumento nos níveis.

Abrigo improvisado em ginásio em Porto Alegre Foto: Nelson Almeida/AFP

Governo do Estado diz que destinará R$ 150 por desabrigado

Governos locais e a União têm destacado o aumento de apoio aos abrigos, especialmente na segurança. A Força Nacional diz que o contingente de agentes chegará a 300 nesses locais, enquanto o Estado lançou um programa para colocar mil policiais da reserva e algumas prefeituras (como da capital gaúcha) dizem ter contratado seguranças.

Em coletiva nesta segunda-feira, 13, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), anunciou que destinará R$ 12 milhões a abrigos. O valor será destinado a fundos municipais, calculado a partir do valor de R$ 150 para cada desabrigado.

“Queremos dignificar e ajudar a estruturar melhor esses espaços, onde as pessoas terão que conviver durante muitos dias, devido às condições meteorológicas”, disse. Além disso, na quinta-feira, 9, a Secretaria Estadual da Saúde fez uma capacitação virtual para pessoas que vão atuar com saúde mental nos abrigos.

Já a Prefeitura de Porto Alegre diz que está prestando apoio, com a distribuição de 1,5 mil cestas básicas. No domingo, a capital gaúcha calculava ter 14,2 mil pessoas em 162 abrigos municipais e de entidades parceiras. Além disso, divulgou ter instalado câmeras de monitoramento em sete abrigos e criado três espaços temporários exclusivos para mulheres.

De uma centena até algumas milhares de pessoas, abrigos de diferentes portes, perfis e realidades são criados dia a dia para receber a população impactada pelo maior desastre climático do Rio Grande do Sul. Um balanço parcial do Estado aponta ao menos 830 em atividade em 103 municípios, criados tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil em clubes, escolas, centros desportivos, paróquias, universidades, escolas de samba, Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) e outros espaços.

Após a montagem às pressas diante da urgência de receber os afetados pelas enchentes e os deslizamentos, grande parte desses locais está na segunda ou na terceira semana de atividades. Para especialistas, os abrigos entram em uma nova fase diante da certeza que famílias precisarão permanecer por semanas e até meses.

Voluntários têm se mobilizado para angariar doações que ajudem no bem-estar dos atingidos, como jogos, brinquedos e artesanato. A nova fase envolve mais do que isso, como apontam especialistas, como mudanças na organização dos fluxos, nas estruturas e no atendimento em saúde mental, por exemplo.

Segundo a Defesa Civil do Estado, mais de 76,5 mil pessoas estão desabrigadas, enquanto mais de 538,2 mil se alojaram na casa de amigos, parentes e conhecidos. Um dos maiores abrigos improvisados após a tragédia, somente o campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Canoas reúne cerca de 6 mil pessoas, além de uma área voltada a animais.

Segundo o Estado, mais de 76 mil pessoas estão em abrigos no Estado Foto: Wilton Junior/Estadão

Para os especialistas, o novo momento exige uma dinâmica mais consolidada, organizada, segura e acolhedora à população. Para tanto, precisa envolver treinamentos dos voluntários e funcionários ligados ao setor público, protocolos de atendimento e um maior envolvimento do poder público.

Conflitos têm sido registrados em parte dos abrigos, como brigas, discussões e eventuais furtos, que podem suscitar com a pouca privacidade e convívio coletivo com muitas pessoas simultaneamente.

  • Entre as indicações, estão distribuições de pulseiras de identificação e a utilização de coletes entre os voluntários, com cores distintas para cada função, por exemplo.

Professora de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Beatriz Schmidt explica que a resposta em desastres precisa ter ênfase em Primeiros Cuidados Psicológicos. “Envolvem tanto suporte psíquico quanto social às pessoas que enfrentam a situação de crise”, diz.

“Fazemos isso por meio da escuta ativa sobre a história da pessoa, o modo como ela está vivenciando o desastre e as suas principais demandas. Assim, é possível confortá-la, bem como auxiliá-la a buscar outros apoios e serviços”, explica.

Ela destaca que esse acolhimento precisa também apoiar as pessoas que estão em busca de pessoas desaparecidas ou que perderam contato com familiares e amigos.

Além disso, as crianças precisam de atenção em especial. A professora e mais especialistas têm preparado um material com orientações técnicas para atenção psicossocial aos menores de idade nos abrigos, tanto acompanhadas quanto desacompanhadas dos responsáveis, “uma necessidade de primeiríssima ordem no momento”, ressalta.

Também professor da FURG e com experiência em desastres, o psicólogo Lucas Neiva Silva diz que a gestão de um abrigo envolve diferentes momentos de atenção. Um dos primeiros é o acolhimento.

Em geral, os desabrigados chegam após um primeiro atendimento ainda no local do resgate. Na chegada ao abrigo, são cadastrados, informados sobre o funcionamento do local e recebem um kit com alguns itens básicos, como de higiene pessoal, roupas de cama e vestuário.

Segundo o professor, o acolhimento precisa considerar que a pessoa acabou de passar por um trauma, de modo que vai reagir de diferentes formas. Ele diz que a frase mais comum na chegada é “eu perdi tudo”.

“Cada pessoa vai reagir diferente. Algumas vão falar, falar, falar. Outras vão ficar quietinhas. Outras vão chorar, e precisam de um lugar adequado para isso. Algumas abraçam, outras não gostam de ser abraçadas”, aponta. Neste momento, também é preciso orientar a pessoa para se manter bem. Isto é, dar comida, água e indicar um descanso mesmo que se relate não ter fome, sede e cansaço.

Psicólogo de emergência em áreas de resgate e voluntário em um abrigo com 600 pessoas, em Porto Alegre, Neiva Silva explica que algumas dessas pessoas chegam em um nível de estresse crônico após dias à espera de resgate, por vezes ao relento, molhadas e longe de entes queridos. “Precisa assegurar a essa pessoa o descanso. A falta de descanso pode geral um nível de agressividade e impaciência maior, o que gera possíveis conflitos nesses abrigos”, explica.

Para facilitar o convívio, ele indica a divisão das pessoas por núcleos com características comuns: homens solteiros; famílias em geral; famílias com crianças pequenas; mulheres que estão desacompanhadas; dentre outros.

“Quem tem criança pequena tem mais paciência para aguentar a criança pequena ao lado chorando. Abrigando com os seus iguais, pode até criar uma rede de apoio”, exemplifica. “Casais e famílias devem ficar longe de homens solteiros. Se alguém achar que o homem solteiro olhou para a mulher casada, pode criar uma situação de conflito”, cita outro exemplo.

Além disso, outra orientação é estabelecer regras claras, de convivência e na distribuição das doações. Como nem sempre chegam em número suficiente para todos, é indicado ter critérios claros, como a prioridade para famílias com bebês, depois com crianças pequenas etc. “Precisa de critérios objetivos. Para a pessoa saber que está em uma fila e que vai receber em algum momento”, diz.

Canoas e Porto Alegre têm mais desabrigados

Na fase atual dos abrigos, alguns começam a ser montados para grupos com necessidades e características distintas, como para mulheres, pessoas cegas e famílias atípicas. Além disso, um abrigo em Canoas e outro em Porto Alegre são referência para receber crianças desacompanhadas dos responsáveis. A maioria é, contudo, voltada à população em geral, de bebês recém-nascidos até idosos.

Segundo o Estado, os municípios com mais alocados em abrigos são Canoas (18,4 mil pessoas), Porto Alegre (14,3 mil), São Leopoldo (13,9 mil), Guaíba (4,4 mil) e Novo Hamburgo (2,6 mil). Os dados consideram a localização dos espaços, não as cidades onde as pessoas viviam. Um exemplo é Eldorado do Sul, município que foi quase totalmente inundado, cujos moradores foram resgatados para outras localidades.

Um levantamento inicial do Estado em 96 abrigos apontou os diferentes perfis desses espaços e abrigados. Tais como:

  • 47,9% com gestantes ou puérperas;
  • 47,1% com população indígena ou quilombola;
  • 43,7% com migrantes;
  • 91,6% têm banheiros funcionais em quantidade suficiente para abrigos emergenciais (um a cada 25 pessoas);
  • 78,1% têm espaço específico para lazer e convivência de crianças e adolescentes;
  • 62,5% têm cozinha e produção de alimentação;
  • 58,3% têm equipes de segurança;
  • 85,4% têm equipes de saúde;
  • 83,3% têm equipes de atendimento psicossocial.

Além disso, a prefeitura de Porto Alegre tem falado em uma etapa posterior, quando os espaços temporariamente transformados em abrigos voltarem às atividades normais. A gestão Sebastião Melo (MDB) tem discutido a criação de uma “minicidade” no Complexo Cultural do Porto Seco, na zona norte.

A proposta envolveria a permanência dos desabrigados na pista do sambódromo e no estacionamento. A prefeitura pretende discutir a implantação com o governo federal. Segundo Melo, um levantamento identificou possíveis terrenos de maior porte de administração direta ou indireta do Município, dentre os quais estava o do Porto Seco, com 16 hectares de pista e estacionamento.

A medida não envolveria os galpões das escolas de samba, que já tem funcionado como abrigo improvisado pelas agremiações. Em coletiva de imprensa, disse, contudo, que a proposta ainda não é concreta e está em discussão.

No balanço das 12h de quarta-feira, 15, o Estado tinha 2,1 milhões de pessoas afetadas em 449 municípios. Com o retorno da chuva nos últimos dias, parte dos principais rios voltaram a transbordar em diversas partes do Estado e tiveram aumento nos níveis.

Abrigo improvisado em ginásio em Porto Alegre Foto: Nelson Almeida/AFP

Governo do Estado diz que destinará R$ 150 por desabrigado

Governos locais e a União têm destacado o aumento de apoio aos abrigos, especialmente na segurança. A Força Nacional diz que o contingente de agentes chegará a 300 nesses locais, enquanto o Estado lançou um programa para colocar mil policiais da reserva e algumas prefeituras (como da capital gaúcha) dizem ter contratado seguranças.

Em coletiva nesta segunda-feira, 13, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), anunciou que destinará R$ 12 milhões a abrigos. O valor será destinado a fundos municipais, calculado a partir do valor de R$ 150 para cada desabrigado.

“Queremos dignificar e ajudar a estruturar melhor esses espaços, onde as pessoas terão que conviver durante muitos dias, devido às condições meteorológicas”, disse. Além disso, na quinta-feira, 9, a Secretaria Estadual da Saúde fez uma capacitação virtual para pessoas que vão atuar com saúde mental nos abrigos.

Já a Prefeitura de Porto Alegre diz que está prestando apoio, com a distribuição de 1,5 mil cestas básicas. No domingo, a capital gaúcha calculava ter 14,2 mil pessoas em 162 abrigos municipais e de entidades parceiras. Além disso, divulgou ter instalado câmeras de monitoramento em sete abrigos e criado três espaços temporários exclusivos para mulheres.

De uma centena até algumas milhares de pessoas, abrigos de diferentes portes, perfis e realidades são criados dia a dia para receber a população impactada pelo maior desastre climático do Rio Grande do Sul. Um balanço parcial do Estado aponta ao menos 830 em atividade em 103 municípios, criados tanto pelo poder público quanto pela sociedade civil em clubes, escolas, centros desportivos, paróquias, universidades, escolas de samba, Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) e outros espaços.

Após a montagem às pressas diante da urgência de receber os afetados pelas enchentes e os deslizamentos, grande parte desses locais está na segunda ou na terceira semana de atividades. Para especialistas, os abrigos entram em uma nova fase diante da certeza que famílias precisarão permanecer por semanas e até meses.

Voluntários têm se mobilizado para angariar doações que ajudem no bem-estar dos atingidos, como jogos, brinquedos e artesanato. A nova fase envolve mais do que isso, como apontam especialistas, como mudanças na organização dos fluxos, nas estruturas e no atendimento em saúde mental, por exemplo.

Segundo a Defesa Civil do Estado, mais de 76,5 mil pessoas estão desabrigadas, enquanto mais de 538,2 mil se alojaram na casa de amigos, parentes e conhecidos. Um dos maiores abrigos improvisados após a tragédia, somente o campus da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) em Canoas reúne cerca de 6 mil pessoas, além de uma área voltada a animais.

Segundo o Estado, mais de 76 mil pessoas estão em abrigos no Estado Foto: Wilton Junior/Estadão

Para os especialistas, o novo momento exige uma dinâmica mais consolidada, organizada, segura e acolhedora à população. Para tanto, precisa envolver treinamentos dos voluntários e funcionários ligados ao setor público, protocolos de atendimento e um maior envolvimento do poder público.

Conflitos têm sido registrados em parte dos abrigos, como brigas, discussões e eventuais furtos, que podem suscitar com a pouca privacidade e convívio coletivo com muitas pessoas simultaneamente.

  • Entre as indicações, estão distribuições de pulseiras de identificação e a utilização de coletes entre os voluntários, com cores distintas para cada função, por exemplo.

Professora de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Beatriz Schmidt explica que a resposta em desastres precisa ter ênfase em Primeiros Cuidados Psicológicos. “Envolvem tanto suporte psíquico quanto social às pessoas que enfrentam a situação de crise”, diz.

“Fazemos isso por meio da escuta ativa sobre a história da pessoa, o modo como ela está vivenciando o desastre e as suas principais demandas. Assim, é possível confortá-la, bem como auxiliá-la a buscar outros apoios e serviços”, explica.

Ela destaca que esse acolhimento precisa também apoiar as pessoas que estão em busca de pessoas desaparecidas ou que perderam contato com familiares e amigos.

Além disso, as crianças precisam de atenção em especial. A professora e mais especialistas têm preparado um material com orientações técnicas para atenção psicossocial aos menores de idade nos abrigos, tanto acompanhadas quanto desacompanhadas dos responsáveis, “uma necessidade de primeiríssima ordem no momento”, ressalta.

Também professor da FURG e com experiência em desastres, o psicólogo Lucas Neiva Silva diz que a gestão de um abrigo envolve diferentes momentos de atenção. Um dos primeiros é o acolhimento.

Em geral, os desabrigados chegam após um primeiro atendimento ainda no local do resgate. Na chegada ao abrigo, são cadastrados, informados sobre o funcionamento do local e recebem um kit com alguns itens básicos, como de higiene pessoal, roupas de cama e vestuário.

Segundo o professor, o acolhimento precisa considerar que a pessoa acabou de passar por um trauma, de modo que vai reagir de diferentes formas. Ele diz que a frase mais comum na chegada é “eu perdi tudo”.

“Cada pessoa vai reagir diferente. Algumas vão falar, falar, falar. Outras vão ficar quietinhas. Outras vão chorar, e precisam de um lugar adequado para isso. Algumas abraçam, outras não gostam de ser abraçadas”, aponta. Neste momento, também é preciso orientar a pessoa para se manter bem. Isto é, dar comida, água e indicar um descanso mesmo que se relate não ter fome, sede e cansaço.

Psicólogo de emergência em áreas de resgate e voluntário em um abrigo com 600 pessoas, em Porto Alegre, Neiva Silva explica que algumas dessas pessoas chegam em um nível de estresse crônico após dias à espera de resgate, por vezes ao relento, molhadas e longe de entes queridos. “Precisa assegurar a essa pessoa o descanso. A falta de descanso pode geral um nível de agressividade e impaciência maior, o que gera possíveis conflitos nesses abrigos”, explica.

Para facilitar o convívio, ele indica a divisão das pessoas por núcleos com características comuns: homens solteiros; famílias em geral; famílias com crianças pequenas; mulheres que estão desacompanhadas; dentre outros.

“Quem tem criança pequena tem mais paciência para aguentar a criança pequena ao lado chorando. Abrigando com os seus iguais, pode até criar uma rede de apoio”, exemplifica. “Casais e famílias devem ficar longe de homens solteiros. Se alguém achar que o homem solteiro olhou para a mulher casada, pode criar uma situação de conflito”, cita outro exemplo.

Além disso, outra orientação é estabelecer regras claras, de convivência e na distribuição das doações. Como nem sempre chegam em número suficiente para todos, é indicado ter critérios claros, como a prioridade para famílias com bebês, depois com crianças pequenas etc. “Precisa de critérios objetivos. Para a pessoa saber que está em uma fila e que vai receber em algum momento”, diz.

Canoas e Porto Alegre têm mais desabrigados

Na fase atual dos abrigos, alguns começam a ser montados para grupos com necessidades e características distintas, como para mulheres, pessoas cegas e famílias atípicas. Além disso, um abrigo em Canoas e outro em Porto Alegre são referência para receber crianças desacompanhadas dos responsáveis. A maioria é, contudo, voltada à população em geral, de bebês recém-nascidos até idosos.

Segundo o Estado, os municípios com mais alocados em abrigos são Canoas (18,4 mil pessoas), Porto Alegre (14,3 mil), São Leopoldo (13,9 mil), Guaíba (4,4 mil) e Novo Hamburgo (2,6 mil). Os dados consideram a localização dos espaços, não as cidades onde as pessoas viviam. Um exemplo é Eldorado do Sul, município que foi quase totalmente inundado, cujos moradores foram resgatados para outras localidades.

Um levantamento inicial do Estado em 96 abrigos apontou os diferentes perfis desses espaços e abrigados. Tais como:

  • 47,9% com gestantes ou puérperas;
  • 47,1% com população indígena ou quilombola;
  • 43,7% com migrantes;
  • 91,6% têm banheiros funcionais em quantidade suficiente para abrigos emergenciais (um a cada 25 pessoas);
  • 78,1% têm espaço específico para lazer e convivência de crianças e adolescentes;
  • 62,5% têm cozinha e produção de alimentação;
  • 58,3% têm equipes de segurança;
  • 85,4% têm equipes de saúde;
  • 83,3% têm equipes de atendimento psicossocial.

Além disso, a prefeitura de Porto Alegre tem falado em uma etapa posterior, quando os espaços temporariamente transformados em abrigos voltarem às atividades normais. A gestão Sebastião Melo (MDB) tem discutido a criação de uma “minicidade” no Complexo Cultural do Porto Seco, na zona norte.

A proposta envolveria a permanência dos desabrigados na pista do sambódromo e no estacionamento. A prefeitura pretende discutir a implantação com o governo federal. Segundo Melo, um levantamento identificou possíveis terrenos de maior porte de administração direta ou indireta do Município, dentre os quais estava o do Porto Seco, com 16 hectares de pista e estacionamento.

A medida não envolveria os galpões das escolas de samba, que já tem funcionado como abrigo improvisado pelas agremiações. Em coletiva de imprensa, disse, contudo, que a proposta ainda não é concreta e está em discussão.

No balanço das 12h de quarta-feira, 15, o Estado tinha 2,1 milhões de pessoas afetadas em 449 municípios. Com o retorno da chuva nos últimos dias, parte dos principais rios voltaram a transbordar em diversas partes do Estado e tiveram aumento nos níveis.

Abrigo improvisado em ginásio em Porto Alegre Foto: Nelson Almeida/AFP

Governo do Estado diz que destinará R$ 150 por desabrigado

Governos locais e a União têm destacado o aumento de apoio aos abrigos, especialmente na segurança. A Força Nacional diz que o contingente de agentes chegará a 300 nesses locais, enquanto o Estado lançou um programa para colocar mil policiais da reserva e algumas prefeituras (como da capital gaúcha) dizem ter contratado seguranças.

Em coletiva nesta segunda-feira, 13, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), anunciou que destinará R$ 12 milhões a abrigos. O valor será destinado a fundos municipais, calculado a partir do valor de R$ 150 para cada desabrigado.

“Queremos dignificar e ajudar a estruturar melhor esses espaços, onde as pessoas terão que conviver durante muitos dias, devido às condições meteorológicas”, disse. Além disso, na quinta-feira, 9, a Secretaria Estadual da Saúde fez uma capacitação virtual para pessoas que vão atuar com saúde mental nos abrigos.

Já a Prefeitura de Porto Alegre diz que está prestando apoio, com a distribuição de 1,5 mil cestas básicas. No domingo, a capital gaúcha calculava ter 14,2 mil pessoas em 162 abrigos municipais e de entidades parceiras. Além disso, divulgou ter instalado câmeras de monitoramento em sete abrigos e criado três espaços temporários exclusivos para mulheres.

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