Combate à corrupção


Por Fernando Filgueiras
Salão Nobre do Palácio do Planalto é organizado para a posse da presidente Dilma Rousseff no 2º mandato Foto: Dida Sampaio/Estadão

Análise publicada originalmente no Estadão Noite A Operação Lava Jato, que desbaratou um amplo esquema de corrupção na Petrobrás, avança agora a passos mais lentos. Não se compreende ainda todo o alcance da corrupção na gestão da estatal, mas se pode dizer que é um esquema de corrupção de monta, que toca no cerne da relação entre setor público e setor privado.

Não se trata, evidentemente, de um caso de corrupção qualquer. Nele está atravessado todo o modelo de relação entre o Estado brasileiro e os agentes econômicos. Relação esta que ataca diretamente a eficiência e eficácia dos investimentos públicos, desvia recursos importantes e escassos de atividades produtivas para paraísos fiscais e cria um custo informal elevado que distorce as regras de mercado e encarece os projetos e empreendimentos públicos. Mas o mais grave desse modelo de corrupção é o fato de que a ineficiência na aplicação dos recursos públicos impacta diretamente a justiça social. A corrupção amplia as desigualdades sociais e cria vieses na aplicação dos recursos. Essa conta é paga pela sociedade.

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O que se depreende, de imediato, deste escândalo é a forma segundo a qual a propina e o superfaturamento respondem mais a regras do que exceção. O marco histórico desse processo, principalmente nas grandes obras Brasil afora, foi a construção de Brasília. Desde então, a relação entre políticos, partidos e grandes empreiteiras se tornou extremamente próxima. O Estado se tornou, desde então, refém dessas empreiteiras. Como têm acesso privilegiado a recursos públicos, as empreiteiras formam cartéis e organizam a distribuição, entre si, desses recursos. Como o Estado é dependente delas para tocar as grandes obras e empreendimentos públicos, governos terminam por ceder. Mas, nesse processo, os gestores das grandes corporações também se tornam reféns da representação. Como têm interesse na gestão dos recursos públicos, terminam por financiar políticos que assegurem que os empreendimentos públicos sejam realizados em alinhamento com os interesses das corporações. A construção de Brasília é um marco histórico porque inaugurou este círculo vicioso na relação entre o público e o privado no Brasil. Os dados da construção da capital da República assustam ao olhar mais aguçado, tamanho superfaturamento e corrupção. 

Desde então, esse círculo vicioso se repete nas obras públicas no Brasil. Diversas comissões parlamentares de inquérito, apenas na Nova República, mostram a relação estreita entre políticos, partidos e empresários. A Operação Lava Jato, do ponto de vista do seu esquema de funcionamento, é um modelo que não traz novidades. A novidade pode estar no seu andamento e em suas consequências. É a primeira operação de desvelamento de um esquema de corrupção que mostra que ações ilegais podem custar mais caro para as empresas do que seguir as regras institucionais. Isto ocorre em função do fato de o Estado brasileiro ter tomado uma rota de mudanças institucionais que tornaram a corrupção mais difícil. 

Mas como surgiram estas mudanças? À medida que a corrupção no Estado brasileiro passou a ser desvelada, aprimoraram-se os mecanismos de controle e enfrentamento por meio de mudanças no marco legal e na atuação das instituições. Políticos e burocratas passaram a sacar mudanças nesse marco legal em função da forte conjuntura crítica que os escândalos de corrupção têm representado no Brasil. A Lei Anticorrupção, a Lei do Conflito de Interesses, a Lei de Acesso à Informação e demais legislação hoje vigentes, bem como o fato do Brasil ser signatário de convenções importantes para o combate à corrupção, como a da ONU e da OEA, criaram um arcabouço institucional mais sólido, em que a corrupção começa a se tornar onerosa e desvantajosa para agentes públicos e privados corromperem o império da lei. 

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E, especificamente no campo do combate à corrupção, essa nova legislação já pegou e tem proporcionado outra percepção por parte de empresários, atores da sociedade civil e burocratas. Empresários estão discutindo e criando mecanismos de compliance no interior das organizações, porque hoje percebem que a corrupção afeta diretamente o capital simbólico das corporações. A sociedade civil está mais atenta aos riscos de corrupção e tem monitorado o Estado de forma a assegurar probidade. Burocratas estão mais atentos às regras do sistema público. O andar está a passos largos. Mas a caminhada é longa.

Qual a perspectiva? Extremamente positiva. Desde que o governo seja capaz de enfrentar mais esta conjuntura crítica e defender o império da lei. Constituir essa capacidade significa dotar as instituições de autonomia para enfrentar a corrupção e defender o interesse público. E, certamente, ainda há uma agenda a vencer. Precisamos ter coragem para realizar a reforma política e modificar o sistema de financiamento de campanhas, estabelecer um marco regulatório da atuação dos lobbies, principalmente no Congresso, e criar condições de probidade na máquina pública. O caminho está traçado. A velocidade das mudanças dependerá, sobretudo, da atuação política. Mas dentro dos marcos da democracia, o melhor remédio contra a corrupção.* Fernando Filgueiras é diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG

Salão Nobre do Palácio do Planalto é organizado para a posse da presidente Dilma Rousseff no 2º mandato Foto: Dida Sampaio/Estadão

Análise publicada originalmente no Estadão Noite A Operação Lava Jato, que desbaratou um amplo esquema de corrupção na Petrobrás, avança agora a passos mais lentos. Não se compreende ainda todo o alcance da corrupção na gestão da estatal, mas se pode dizer que é um esquema de corrupção de monta, que toca no cerne da relação entre setor público e setor privado.

Não se trata, evidentemente, de um caso de corrupção qualquer. Nele está atravessado todo o modelo de relação entre o Estado brasileiro e os agentes econômicos. Relação esta que ataca diretamente a eficiência e eficácia dos investimentos públicos, desvia recursos importantes e escassos de atividades produtivas para paraísos fiscais e cria um custo informal elevado que distorce as regras de mercado e encarece os projetos e empreendimentos públicos. Mas o mais grave desse modelo de corrupção é o fato de que a ineficiência na aplicação dos recursos públicos impacta diretamente a justiça social. A corrupção amplia as desigualdades sociais e cria vieses na aplicação dos recursos. Essa conta é paga pela sociedade.

O que se depreende, de imediato, deste escândalo é a forma segundo a qual a propina e o superfaturamento respondem mais a regras do que exceção. O marco histórico desse processo, principalmente nas grandes obras Brasil afora, foi a construção de Brasília. Desde então, a relação entre políticos, partidos e grandes empreiteiras se tornou extremamente próxima. O Estado se tornou, desde então, refém dessas empreiteiras. Como têm acesso privilegiado a recursos públicos, as empreiteiras formam cartéis e organizam a distribuição, entre si, desses recursos. Como o Estado é dependente delas para tocar as grandes obras e empreendimentos públicos, governos terminam por ceder. Mas, nesse processo, os gestores das grandes corporações também se tornam reféns da representação. Como têm interesse na gestão dos recursos públicos, terminam por financiar políticos que assegurem que os empreendimentos públicos sejam realizados em alinhamento com os interesses das corporações. A construção de Brasília é um marco histórico porque inaugurou este círculo vicioso na relação entre o público e o privado no Brasil. Os dados da construção da capital da República assustam ao olhar mais aguçado, tamanho superfaturamento e corrupção. 

Desde então, esse círculo vicioso se repete nas obras públicas no Brasil. Diversas comissões parlamentares de inquérito, apenas na Nova República, mostram a relação estreita entre políticos, partidos e empresários. A Operação Lava Jato, do ponto de vista do seu esquema de funcionamento, é um modelo que não traz novidades. A novidade pode estar no seu andamento e em suas consequências. É a primeira operação de desvelamento de um esquema de corrupção que mostra que ações ilegais podem custar mais caro para as empresas do que seguir as regras institucionais. Isto ocorre em função do fato de o Estado brasileiro ter tomado uma rota de mudanças institucionais que tornaram a corrupção mais difícil. 

Mas como surgiram estas mudanças? À medida que a corrupção no Estado brasileiro passou a ser desvelada, aprimoraram-se os mecanismos de controle e enfrentamento por meio de mudanças no marco legal e na atuação das instituições. Políticos e burocratas passaram a sacar mudanças nesse marco legal em função da forte conjuntura crítica que os escândalos de corrupção têm representado no Brasil. A Lei Anticorrupção, a Lei do Conflito de Interesses, a Lei de Acesso à Informação e demais legislação hoje vigentes, bem como o fato do Brasil ser signatário de convenções importantes para o combate à corrupção, como a da ONU e da OEA, criaram um arcabouço institucional mais sólido, em que a corrupção começa a se tornar onerosa e desvantajosa para agentes públicos e privados corromperem o império da lei. 

E, especificamente no campo do combate à corrupção, essa nova legislação já pegou e tem proporcionado outra percepção por parte de empresários, atores da sociedade civil e burocratas. Empresários estão discutindo e criando mecanismos de compliance no interior das organizações, porque hoje percebem que a corrupção afeta diretamente o capital simbólico das corporações. A sociedade civil está mais atenta aos riscos de corrupção e tem monitorado o Estado de forma a assegurar probidade. Burocratas estão mais atentos às regras do sistema público. O andar está a passos largos. Mas a caminhada é longa.

Qual a perspectiva? Extremamente positiva. Desde que o governo seja capaz de enfrentar mais esta conjuntura crítica e defender o império da lei. Constituir essa capacidade significa dotar as instituições de autonomia para enfrentar a corrupção e defender o interesse público. E, certamente, ainda há uma agenda a vencer. Precisamos ter coragem para realizar a reforma política e modificar o sistema de financiamento de campanhas, estabelecer um marco regulatório da atuação dos lobbies, principalmente no Congresso, e criar condições de probidade na máquina pública. O caminho está traçado. A velocidade das mudanças dependerá, sobretudo, da atuação política. Mas dentro dos marcos da democracia, o melhor remédio contra a corrupção.* Fernando Filgueiras é diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG

Salão Nobre do Palácio do Planalto é organizado para a posse da presidente Dilma Rousseff no 2º mandato Foto: Dida Sampaio/Estadão

Análise publicada originalmente no Estadão Noite A Operação Lava Jato, que desbaratou um amplo esquema de corrupção na Petrobrás, avança agora a passos mais lentos. Não se compreende ainda todo o alcance da corrupção na gestão da estatal, mas se pode dizer que é um esquema de corrupção de monta, que toca no cerne da relação entre setor público e setor privado.

Não se trata, evidentemente, de um caso de corrupção qualquer. Nele está atravessado todo o modelo de relação entre o Estado brasileiro e os agentes econômicos. Relação esta que ataca diretamente a eficiência e eficácia dos investimentos públicos, desvia recursos importantes e escassos de atividades produtivas para paraísos fiscais e cria um custo informal elevado que distorce as regras de mercado e encarece os projetos e empreendimentos públicos. Mas o mais grave desse modelo de corrupção é o fato de que a ineficiência na aplicação dos recursos públicos impacta diretamente a justiça social. A corrupção amplia as desigualdades sociais e cria vieses na aplicação dos recursos. Essa conta é paga pela sociedade.

O que se depreende, de imediato, deste escândalo é a forma segundo a qual a propina e o superfaturamento respondem mais a regras do que exceção. O marco histórico desse processo, principalmente nas grandes obras Brasil afora, foi a construção de Brasília. Desde então, a relação entre políticos, partidos e grandes empreiteiras se tornou extremamente próxima. O Estado se tornou, desde então, refém dessas empreiteiras. Como têm acesso privilegiado a recursos públicos, as empreiteiras formam cartéis e organizam a distribuição, entre si, desses recursos. Como o Estado é dependente delas para tocar as grandes obras e empreendimentos públicos, governos terminam por ceder. Mas, nesse processo, os gestores das grandes corporações também se tornam reféns da representação. Como têm interesse na gestão dos recursos públicos, terminam por financiar políticos que assegurem que os empreendimentos públicos sejam realizados em alinhamento com os interesses das corporações. A construção de Brasília é um marco histórico porque inaugurou este círculo vicioso na relação entre o público e o privado no Brasil. Os dados da construção da capital da República assustam ao olhar mais aguçado, tamanho superfaturamento e corrupção. 

Desde então, esse círculo vicioso se repete nas obras públicas no Brasil. Diversas comissões parlamentares de inquérito, apenas na Nova República, mostram a relação estreita entre políticos, partidos e empresários. A Operação Lava Jato, do ponto de vista do seu esquema de funcionamento, é um modelo que não traz novidades. A novidade pode estar no seu andamento e em suas consequências. É a primeira operação de desvelamento de um esquema de corrupção que mostra que ações ilegais podem custar mais caro para as empresas do que seguir as regras institucionais. Isto ocorre em função do fato de o Estado brasileiro ter tomado uma rota de mudanças institucionais que tornaram a corrupção mais difícil. 

Mas como surgiram estas mudanças? À medida que a corrupção no Estado brasileiro passou a ser desvelada, aprimoraram-se os mecanismos de controle e enfrentamento por meio de mudanças no marco legal e na atuação das instituições. Políticos e burocratas passaram a sacar mudanças nesse marco legal em função da forte conjuntura crítica que os escândalos de corrupção têm representado no Brasil. A Lei Anticorrupção, a Lei do Conflito de Interesses, a Lei de Acesso à Informação e demais legislação hoje vigentes, bem como o fato do Brasil ser signatário de convenções importantes para o combate à corrupção, como a da ONU e da OEA, criaram um arcabouço institucional mais sólido, em que a corrupção começa a se tornar onerosa e desvantajosa para agentes públicos e privados corromperem o império da lei. 

E, especificamente no campo do combate à corrupção, essa nova legislação já pegou e tem proporcionado outra percepção por parte de empresários, atores da sociedade civil e burocratas. Empresários estão discutindo e criando mecanismos de compliance no interior das organizações, porque hoje percebem que a corrupção afeta diretamente o capital simbólico das corporações. A sociedade civil está mais atenta aos riscos de corrupção e tem monitorado o Estado de forma a assegurar probidade. Burocratas estão mais atentos às regras do sistema público. O andar está a passos largos. Mas a caminhada é longa.

Qual a perspectiva? Extremamente positiva. Desde que o governo seja capaz de enfrentar mais esta conjuntura crítica e defender o império da lei. Constituir essa capacidade significa dotar as instituições de autonomia para enfrentar a corrupção e defender o interesse público. E, certamente, ainda há uma agenda a vencer. Precisamos ter coragem para realizar a reforma política e modificar o sistema de financiamento de campanhas, estabelecer um marco regulatório da atuação dos lobbies, principalmente no Congresso, e criar condições de probidade na máquina pública. O caminho está traçado. A velocidade das mudanças dependerá, sobretudo, da atuação política. Mas dentro dos marcos da democracia, o melhor remédio contra a corrupção.* Fernando Filgueiras é diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG

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