A molecada temia era a perua Chevrolet azul e branco. Quando a viam despontar nas ruas, todos fugiam. Lá vinha o Juizado de Menores. Nos anos 50 e 60, os comissários de menores impunham respeito. Eram exímios caçadores de garotos. "Tremíamos de medo, corríamos para casa e não saíamos mais", lembra o representante comercial Valdir Barros Besi, de 61 anos. São Paulo já foi assim e há quem tenha saudades daqueles tempos. Os comissários de menores eram voluntários nomeados pelos juízes das comarcas. Eles fiscalizavam o cumprimento da ordem. Jovens não podiam frequentar bares, bailes, clubes e festas depois de certos horários - vale destacar: 20, 22 horas. Em rondas noturnas, faziam valer o conservador Código de Menores. "Eram verdadeiros delegados dos juízes. A falta deles se repercute nos menores hoje desassistidos", diz o desembargador aposentado Daniel Peçanha de Moraes Junior, de 77 anos. A estrutura dos comissários ainda existe, mas na prática vai se extinguindo aos poucos. O coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça, desembargador Antonio Carlos Malheiros, que pessoalmente defende a atual adoção do toque de recolher em alguns casos, lembra que hoje a regra é outra. Os jovens têm mais liberdades e podem frequentar baladas, shows e festas. "Mas os pais sempre serão responsáveis." Besi já foi o comissário número 387, da vara central, no Fórum João Mendes. O comissariado foi desmontado depois de denúncias de corrupção - voluntários cobravam propinas para não autuar estabelecimentos. Em 12 anos na função, Besi fiscalizou danceterias, estádios de futebol, bares, boates e até motéis. Lugar de jovem não era nas ruas até altas horas. "Num baile de carnaval, barrei um filho de juiz, que me agradeceu", recorda. "Até hoje não sei se fez isso de propósito, para ver se estávamos fiscalizando." Para ele, a atual violência é fruto do pouco controle sobre a juventude. O secretário executivo do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Benedito Rodrigues dos Santos, considera os comissários uma "excrescência" do Código de Menores (lei de 1927, revista em 1979) e parte do movimento histórico de reprimir jovens. "A sociedade teme perder o controle sobre os adolescentes." Para a diretora-presidente da Coordenação de Estudos sobre a Infância, Irene Rizzini, as leis brasileiras do passado já previam medidas restritivas contra a juventude. Em 1892, cita ela, havia uma norma específica para controlar "menores vagabundos". "De lá pra cá, os movimentos de repressão, os toques de recolher, os Chevrolets, as ações são voltadas para as crianças das periferias, os pobres e negros."
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