Espaços que eram usados como apartamentos residenciais, auditórios, salas de aula e um estacionamento para 813 veículos fazem parte do templo da Igreja Mundial do Reino de Deus, do pastor Valdemiro Santiago, que será leiloado para quitar dívidas da denominação evangélica. O espaço de 46 mil m² está avaliado em R$ 38,5 milhões, valor do lance inicial para as ofertas, que serão aceitas de 9 a 13 de outubro.
De acordo com a descrição do imóvel, disponível no site Superbid Exchange, responsável pelo leilão, o empreendimento comercial tem três ambientes: o prédio administrativo, composto por 5 pavimentos, com elevadores e escadas de acesso; um galpão com 17 mil m² e pé direito de 10m, além de um estacionamento para 813 automóveis e 162 motos.
No endereço da Rua Benedito Fernandes, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, cabem 20 mil pessoas, sendo 13,5 mil sentadas. Pastores mais antigos da igreja contaram ao Estadão que o templo, inaugurado em 2014, possui salas que eram usadas como apartamentos, com camas, televisores e guarda-roupas.
A penhora do templo foi determinada pela Justiça de São Paulo para quitar um débito de R$ 881 mil de um outra igreja, localizada em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. A Mundial foi condenada em primeira e em segunda instâncias e não pode mais recorrer, pois o processo transitou em julgado. Agora, pode apenas questionar os cálculos da correção da dívida. Em abril de 2022, a Justiça já havia autorizado o leilão do prédio. O templo estava fechado havia dois anos.
O leilão de um dos maiores templos do País exemplifica a profunda crise financeira da denominação que vem se agravando nos últimos anos. O Tribunal de Justiça de São Paulo registra cerca de 1,1 mil ações contra a igreja, a maioria por cobrança de dívidas. Representantes da igreja afirmam que as dívidas decorreram do fechamento dos templos durante a pandemia e que os dízimos, única fonte de renda da igreja, são voluntários e seguem a liberalidade dos fiéis.
Dívida milionária e greve de funcionários fazem parte da crise financeira
O leilão coloca um ponto de interrogação sobre os próximos passos de Valdemiro Santiago, um dos líderes evangélicos mais influentes do Brasil. O pastor de 59 anos – que prefere ser nomeado como apóstolo – foi um dos rostos da “terceira onda” do neopentecostalismo, segmento que mais cresce no Brasil. Também pertencem à corrente o bispo R.R. Soares, Edir Macedo, Silas Malafaia, cada um com sua própria corrente.
Vários fatores explicam o declínio da igreja. Além do fechamento do templo de Santo Amaro há dois anos, do impacto da pandemia, que provocou o fechamento das igrejas por causa da necessidade de isolamento social, e de negócios que não deram certo, como a criação de um canal de TV em Curitiba, os investimentos na comunicação são altos. A TV é um palco caro para as igrejas.
Em disputa aberta com a Universal, a Mundial assinou contratos milionários para a compra de horários anos atrás. Atualmente os cultos ocupam 22 horas na Ideal TV, um canal fechado. Os custos que já foram de R$ 5,5 milhões por mês hoje estão pela metade.
Os funcionários da TV Mundial, que fizeram uma greve por atraso de salários no início do ano, identificam problemas de gestão, concentrada nas mãos da família Santiago, e excesso de gastos com viagens, voos particulares e eventos. Eles citam o Troféu Gerando Salvação para novos talentos da música, que envolve viagens pelo Brasil para audições, em uma espécie de “The Voice” gospel.
Advogados da Igreja reconhecem ‘dívida astronômica’
No processo de penhora do templo de Santo Amaro, os advogados declaram que a Igreja Mundial é organização religiosa sem fins lucrativos que se mantém por meio de dízimos e doações e que o “caixa é volátil por natureza, uma vez que os dízimos e contribuições seguem a liberalidade dos fiéis, sendo de natureza voluntária e esporádica”. Além disso, diz que suas “despesas consomem integralmente sua renda e que, em razão de uma “dívida astronômica” é alvo de mais de 1.000 ações na Justiça”.
Em uma ação de despejo por falta de pagamento de aluguéis de R$ 381 mil em Mogi Guaçu (SP), em 2021, a igreja afirma ter registrado uma queda no recolhimento de dízimos e ofertas por causa da proibição ou redução dos cultos presenciais impostas pela pandemia.
“É publico e notório que a requerida (Mundial) vem enfrentando dificuldades financeiras, principalmente pelo longo período de pandemia, em razão de tratar-se de instituição religiosa sem fins lucrativos, dependente inteiramente da ajuda dos fieis para se manter”, diz um trecho.
O Estadão procurou a Igreja Mundial para comentar as dívidas e a crise financeira na instituição, mas não obteve retorno.