Como Nova York criou uma ‘prefeita da noite’, que resolve até briga de bar com vizinho


À frente do Office of Nightlife da metrópole americana por 5 anos, Ariel Palitz defende que prefeituras vejam negócios noturnos como parceiros e diz que a noite deve ser mais inclusiva

Por Priscila Mengue
Atualização:
Foto: Francesca Mirra/NYC Office of Nightlife
Entrevista comAriel PalitzEx-prefeita da noite de Nova York e consultora em hospitalidade

Por cinco anos, Ariel Palitz foi a primeira pessoa a ocupar o cargo de “prefeita da noite” no então recém-criado Office of Nightlife em Nova York. O cargo foi instituído pelo então prefeito Bill de Blasio, para mediar conflitos entre estabelecimentos noturnos e vizinhos, assim como potencializar a vocação da “cidade que nunca dorme”.

Na função, Ariel esteve à frente de iniciativas. Dentre elas, um programa de mediação e treinamentos de primeiros socorros para trabalhadores de bares e casas noturnas.

Um ano após deixar o cargo, que ocupou de 2018 a 2023, ela tem atuado como consultora. Da Europa à América do Sul, tornou-se quase uma embaixadora de um movimento global de gestores especializados na vivência à noite e na vida noturna.

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Ariel acaba de passar pelo Brasil para um evento de inovação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Meses antes, esteve na Colômbia — um dos poucos países da América Latina com experiências em gestão noturna especializada, semelhante a iniciativas que têm crescido na Europa (a partir do pioneirismo de Amsterdã) e nos Estados Unidos.

Em entrevista ao Estadão, a consultora argumentou que a vida à noite e a vida noturna (não são sinônimos, segundo ela) estão menos estigmatizadas e podem ser a solução, não a razão, de problemas. Para isso, defende parceria entre os governos e os negócios da noite, com mais diálogo e reconhecimento.

Para ela, a pandemia expôs ainda mais a necessidade de gestão noturna de cidades, assim como trouxe maior seriedade à imagem dos “prefeitos da noite” — cargo cujas atribuições por vezes são subestimadas, segundo Ariel. Ela ressalta que a função não envolve apenas o setor de entretenimento e turismo, mas outras áreas da gestão pública, como mobilidade, saúde, zeladoria etc.

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Da mesma forma, a consultora diz que o foco não está apenas na população que frequenta bares, festas e assemelhados, mas em todos (incluindo trabalhadores, hospitais, transporte e outros serviços 24 horas). “(As cidades que aderiram) Não estão fazendo para criar festas melhores, nem como favor para a vida noturna, mas como forma de melhorar a cidade e a governança da noite.”

Confira abaixo, os principais trechos da entrevista de Ariel:

O que faz um prefeito da noite em Nova York? Quais são as suas funções e importância?

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Às vezes, dizer “diretor da noite” ou “administrador da noite” dá melhor entendimento. Muitas vezes, quando um governo pensa em como gerenciar políticas públicas de uma cidade, como segurança e transporte, pensa-se sobre o período diurno, das 9h às 17h. Quando se trata de vida à noite, não apenas de vida noturna, geralmente se continua com as políticas e práticas do dia. E, se algo der errado, há apenas abordagem de fiscalização: quebra as regras, é penalizado. Mas a vida à noite e a vida noturna têm desafios únicos, especialmente no entorno de casas noturnas, bares, restaurantes e de onde estão trabalhadores noturnos, como pizzarias, hospitais e todo um diferente tipo de vida... É realmente sobre entender que a vida é 24 horas e, às vezes, são necessárias diferentes soluções para diferentes desafios. Ter um prefeito da noite reconhece isso, mostra: “sim, entendemos que há desafios específicos e que merecem atenção especial, e que esses negócios são parte importante da economia e da cultura. Portanto, merecem suporte e atenção, não apenas fiscalização.

Prefeitos da noite são apenas para grandes cidades?

Com certeza não, nem mesmo nos Estados Unidos. Quando Nova York começou, foi a quinta cidade do país com um prefeito da noite. Hoje, são quase 20, o que inclui Iowa City, que é muito pequena (cerca de 75 mil moradores), Austin, Pittsburgh, São Francisco... É importante o entendimento de que a vida à noite acontece. Em cidades de todo tamanho, há sempre pessoas que vão passear depois do trabalho, jantar fora, sair para dançar, celebrar aniversário.

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Ariel Palitz durante a Semana de Inovação do Enap, em Brasília Foto: Thalita Sousa/Enap

Como conciliar vida noturna ativa e conflitos com vizinhos, sobretudo no caso de barulho?

Chamamos de “som”, não de “barulho”, porque sentimos que “barulho” automaticamente faz do som um problema. São sons da vida, e temos de gerenciá-los e gerenciar relações, com equilíbrio entre os negócios da noite e a experiência dos moradores. Uma forma de a gestão noturna criar o equilíbrio é reconhecer e respeitar os dois lados. Historicamente, apenas os moradores têm sido os denunciantes, enquanto bares, restaurantes e casas noturnas são os que precisam se defender. E a forma como as pessoas reclamam não tem ajudado no entendimento. Se você recebe uma reclamação e a polícia aparece às 2h da madrugada e diz “desliga o som” e você não o desliga, de repente, você é um mau operador. Mas, para entender o problema, você não deveria ter essa conserva às 2h da madrugada, mas às 2h da tarde: “é na entrada? É nos fundos? São os alto falantes? São as vozes das pessoas?” Precisamos de detalhes, de entendimento. Precisamos colocar o empresário e o morador em contato, para que não tenham de passar sempre pelo intermédio da polícia. Isso deveria ser feito para uma situação perigosa: a polícia tem coisas muito mais importantes para fazer. O que o Office of Nightlife de Nova York fez foi criar um programa de mediação entre estabelecimentos e vizinhos, o que dá oportunidade de comunicação. Eles podem se conhecer, e isso pode humanizar um ao outro. Dá para os negócios uma oportunidade de melhoria sem necessariamente usar a força como única solução. Também ajuda a identificar vizinhos que podem estar usando o sistema público, ligando e ligando, porque não querem o estabelecimento ali. Mas, se é um espaço legal, ele tem o direito de existir.

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A adesão de mais cidades à criação de prefeitos da noite tem crescido no Norte Global, mas não tanto nos países do Sul. Por quê?

Está crescendo no Sul também. Nova York não foi a primeira no mundo também. Primeiro, foi mesmo na Europa: Amsterdã, Berlim, Londres... Depois, em algumas cidades dos Estados Unidos antes de Nova York. Não estava sendo compreendido em Nova York, mas a vida noturna contribui com bilhões de dólares para a economia e milhares de empregos. Quando penso no Brasil, penso na música, na comida, na cultura. E bares, casas noturnas e restaurantes estão nesse sistema. Essa é a evolução da compreensão da fiscalização, cuja forma número um de lidar com a vida noturna vinha sendo: o som está alto? Desligue. Tem brigas? Fecha. Soluções criativas respeitam e valorizam.

Você está acompanhando a discussão da gestão noturna em cidades da Colômbia?

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Fui a quatro cidades na Colômbia em seis dias, com encontros com prefeitos e governadores. Eles tiveram “bad PR” (má reputação) por longo período (por causa do narcotráfico, violência etc) e agora querem mudar. No Brasil, é diferente: todos amam. Mas é preciso garantir que moradores e turistas se sintam seguros, com a qualidade de vida e suporte econômico e público que os negócios merecem. A Colômbia está muito séria a respeito disso, de ver suas cidades e suas políticas públicas de forma 24h, em vez de soluções diurnas usadas para a noite ou apenas fiscalização. Já vimos, na história, que isso não funciona.

Ariel Palitz foi a primeira pessoa a assumir o cargo de 'prefeita da noite' em Nova York; na foto, o skyline da cidade à noite Foto: Charly Triballeau/AFP - 25/10/2024

Esta é a sua primeira vez no Brasil?

Embora seja minha primeira vez no Brasil, muitos desses problemas são universais, nas relações com vizinhos, de segurança, de desenvolvimento econômico. Mas, ao mesmo tempo, todos os lugares têm algo único.

Você acha que a pandemia e o trabalho remoto mudaram a forma como as pessoas enxergam a vida noturna?

A pandemia foi uma experiência global: o mundo todo foi atingido por um caminhão, e bem no coração da vida noturna e da socialização. Todo o mundo teve de se sentar sozinho por anos. Ainda estamos nos recuperando, experimentando desafios reais. Aconteceu que algumas pessoas descobriram que gostam de ficar sozinhas de algumas formas, mas, por outro lado, também sentiram falta de outras pessoas, de socializar. Foi uma das coisas que a pandemia realmente ajudou: a apreciar a socialização e a vida noturna. Muitos governos perceberam que quase as perdemos. Entenderam que não é apenas luxo, mas uma necessidade para o nosso bem-estar, as pessoas, a economia, a cultura.

As cidades estão preparadas para serem acolhedoras e seguras para mulheres à noite?

Sempre há espaço para aperfeiçoamentos: não importa o quanto uma cidade dê atenção a isso, sempre precisará de mais atenção, técnicas, estratégias e conhecimento para os prefeitos pelo mundo. (A ex-“czar da noite”) Amy Lamé, em Londres, colocou muita atenção na segurança das mulheres, da população LGBTI+. Homens bêbados ou sob influência de drogas sozinhos na rua também são vulneráveis. Quando é sobre segurança e proteção, a culpa sempre vai para a vida noturna, mas, na verdade, há mais vibração se os estabelecimentos estão abertos à noite, cria proteção. Precisa haver responsabilidade compartilhada e educação. Os estabelecimentos precisam ter conhecimento e estratégias sobre proteção, não apenas para o que ocorre dentro, mas na saída. Precisamos educar sobre como se proteger, se planejar para sair à noite, cuidar dos amigos. Há responsabilidade coletiva sobre a segurança à noite de mulheres, LGBT+ e todos, mas precisa de seriedade e coordenação. O Office of Nightlife é um condutor, o maestro da orquestra.

Movimento à noite no entorno de Wall Street, em Nova York Foto: Peter Morgan/AP - 29/10/2024

No Brasil, várias cidades tentam potencializar a vida noturna nos centros históricos, onde o movimento costuma ser concentrado durante o dia e há poucos moradores. Como vê esse potencial?

É sobre vida à noite e vida noturna, sobre parceria e coordenação, estratégia e planejamento correto, de festivais, feiras. Se ninguém vive nesses lugares, podem ter alto-falantes, há a oportunidade de ser mais vibrantes sem perturbar a qualidade de vida de ninguém. Pode programar atividades para a família... Nem tudo precisa envolver álcool: pode ser uma “noite dos cães”, onde todos levam os seus bichinhos, ter palhaços e coisas assim, onde as pessoas podem levar as famílias, aulas de dança nas ruas. Deve ser feito com alegria, com entusiasmo e sem medo, mas com estratégias reais para garantir que todos estejam seguros e com qualidade de vida, pensando em redução de danos, para não colocar pessoas em risco e prevenir overdoses, motoristas alcoolizados, abuso sexual. Essas são coisas que podem acontecer em qualquer lugar e momento do dia, em escolas, igrejas, estádios, aeroportos.

Fala-se muito em dados, inteligência artificial e soluções tecnológicas. Isso pode contribuir também para a gestão noturna?

Estamos aprendendo sobre IA juntos. É mais uma ferramenta disponível, outra forma de explorar ideias e criatividade. Você pode questionar o ChatGPT sobre como criar um ambiente mais vibrante. Quem sabe? Mas é importante também perguntar para as pessoas, os donos dos estabelecimentos: o que eles acham? Criar uma coalizão, um “think tank”, que trabalhe junto com o governo.

Qual é o maior desafio hoje em dia de uma gestão noturna de cidades?

É a cooperação e fazer com que as autoridades entendam que não é só sobre criar uma vida noturna com melhores festas: é uma parceria. Ouvir sempre que há reclamação é parte da função das pessoas eleitas. São elas que precisam desenvolver recursos, que podem estar em risco se não melhorarem a qualidade de vida, a vitalidade da cidade e o número de empregos. A boa notícia é que há exemplos, como Nova York, Londres, Washington, Amsterdã, Berlim, Mumbai, Cingapura, Sydney. Há quase 100 escritórios da noite pelo mundo.

Por cinco anos, Ariel Palitz foi a primeira pessoa a ocupar o cargo de “prefeita da noite” no então recém-criado Office of Nightlife em Nova York. O cargo foi instituído pelo então prefeito Bill de Blasio, para mediar conflitos entre estabelecimentos noturnos e vizinhos, assim como potencializar a vocação da “cidade que nunca dorme”.

Na função, Ariel esteve à frente de iniciativas. Dentre elas, um programa de mediação e treinamentos de primeiros socorros para trabalhadores de bares e casas noturnas.

Um ano após deixar o cargo, que ocupou de 2018 a 2023, ela tem atuado como consultora. Da Europa à América do Sul, tornou-se quase uma embaixadora de um movimento global de gestores especializados na vivência à noite e na vida noturna.

Ariel acaba de passar pelo Brasil para um evento de inovação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Meses antes, esteve na Colômbia — um dos poucos países da América Latina com experiências em gestão noturna especializada, semelhante a iniciativas que têm crescido na Europa (a partir do pioneirismo de Amsterdã) e nos Estados Unidos.

Em entrevista ao Estadão, a consultora argumentou que a vida à noite e a vida noturna (não são sinônimos, segundo ela) estão menos estigmatizadas e podem ser a solução, não a razão, de problemas. Para isso, defende parceria entre os governos e os negócios da noite, com mais diálogo e reconhecimento.

Para ela, a pandemia expôs ainda mais a necessidade de gestão noturna de cidades, assim como trouxe maior seriedade à imagem dos “prefeitos da noite” — cargo cujas atribuições por vezes são subestimadas, segundo Ariel. Ela ressalta que a função não envolve apenas o setor de entretenimento e turismo, mas outras áreas da gestão pública, como mobilidade, saúde, zeladoria etc.

Da mesma forma, a consultora diz que o foco não está apenas na população que frequenta bares, festas e assemelhados, mas em todos (incluindo trabalhadores, hospitais, transporte e outros serviços 24 horas). “(As cidades que aderiram) Não estão fazendo para criar festas melhores, nem como favor para a vida noturna, mas como forma de melhorar a cidade e a governança da noite.”

Confira abaixo, os principais trechos da entrevista de Ariel:

O que faz um prefeito da noite em Nova York? Quais são as suas funções e importância?

Às vezes, dizer “diretor da noite” ou “administrador da noite” dá melhor entendimento. Muitas vezes, quando um governo pensa em como gerenciar políticas públicas de uma cidade, como segurança e transporte, pensa-se sobre o período diurno, das 9h às 17h. Quando se trata de vida à noite, não apenas de vida noturna, geralmente se continua com as políticas e práticas do dia. E, se algo der errado, há apenas abordagem de fiscalização: quebra as regras, é penalizado. Mas a vida à noite e a vida noturna têm desafios únicos, especialmente no entorno de casas noturnas, bares, restaurantes e de onde estão trabalhadores noturnos, como pizzarias, hospitais e todo um diferente tipo de vida... É realmente sobre entender que a vida é 24 horas e, às vezes, são necessárias diferentes soluções para diferentes desafios. Ter um prefeito da noite reconhece isso, mostra: “sim, entendemos que há desafios específicos e que merecem atenção especial, e que esses negócios são parte importante da economia e da cultura. Portanto, merecem suporte e atenção, não apenas fiscalização.

Prefeitos da noite são apenas para grandes cidades?

Com certeza não, nem mesmo nos Estados Unidos. Quando Nova York começou, foi a quinta cidade do país com um prefeito da noite. Hoje, são quase 20, o que inclui Iowa City, que é muito pequena (cerca de 75 mil moradores), Austin, Pittsburgh, São Francisco... É importante o entendimento de que a vida à noite acontece. Em cidades de todo tamanho, há sempre pessoas que vão passear depois do trabalho, jantar fora, sair para dançar, celebrar aniversário.

Ariel Palitz durante a Semana de Inovação do Enap, em Brasília Foto: Thalita Sousa/Enap

Como conciliar vida noturna ativa e conflitos com vizinhos, sobretudo no caso de barulho?

Chamamos de “som”, não de “barulho”, porque sentimos que “barulho” automaticamente faz do som um problema. São sons da vida, e temos de gerenciá-los e gerenciar relações, com equilíbrio entre os negócios da noite e a experiência dos moradores. Uma forma de a gestão noturna criar o equilíbrio é reconhecer e respeitar os dois lados. Historicamente, apenas os moradores têm sido os denunciantes, enquanto bares, restaurantes e casas noturnas são os que precisam se defender. E a forma como as pessoas reclamam não tem ajudado no entendimento. Se você recebe uma reclamação e a polícia aparece às 2h da madrugada e diz “desliga o som” e você não o desliga, de repente, você é um mau operador. Mas, para entender o problema, você não deveria ter essa conserva às 2h da madrugada, mas às 2h da tarde: “é na entrada? É nos fundos? São os alto falantes? São as vozes das pessoas?” Precisamos de detalhes, de entendimento. Precisamos colocar o empresário e o morador em contato, para que não tenham de passar sempre pelo intermédio da polícia. Isso deveria ser feito para uma situação perigosa: a polícia tem coisas muito mais importantes para fazer. O que o Office of Nightlife de Nova York fez foi criar um programa de mediação entre estabelecimentos e vizinhos, o que dá oportunidade de comunicação. Eles podem se conhecer, e isso pode humanizar um ao outro. Dá para os negócios uma oportunidade de melhoria sem necessariamente usar a força como única solução. Também ajuda a identificar vizinhos que podem estar usando o sistema público, ligando e ligando, porque não querem o estabelecimento ali. Mas, se é um espaço legal, ele tem o direito de existir.

A adesão de mais cidades à criação de prefeitos da noite tem crescido no Norte Global, mas não tanto nos países do Sul. Por quê?

Está crescendo no Sul também. Nova York não foi a primeira no mundo também. Primeiro, foi mesmo na Europa: Amsterdã, Berlim, Londres... Depois, em algumas cidades dos Estados Unidos antes de Nova York. Não estava sendo compreendido em Nova York, mas a vida noturna contribui com bilhões de dólares para a economia e milhares de empregos. Quando penso no Brasil, penso na música, na comida, na cultura. E bares, casas noturnas e restaurantes estão nesse sistema. Essa é a evolução da compreensão da fiscalização, cuja forma número um de lidar com a vida noturna vinha sendo: o som está alto? Desligue. Tem brigas? Fecha. Soluções criativas respeitam e valorizam.

Você está acompanhando a discussão da gestão noturna em cidades da Colômbia?

Fui a quatro cidades na Colômbia em seis dias, com encontros com prefeitos e governadores. Eles tiveram “bad PR” (má reputação) por longo período (por causa do narcotráfico, violência etc) e agora querem mudar. No Brasil, é diferente: todos amam. Mas é preciso garantir que moradores e turistas se sintam seguros, com a qualidade de vida e suporte econômico e público que os negócios merecem. A Colômbia está muito séria a respeito disso, de ver suas cidades e suas políticas públicas de forma 24h, em vez de soluções diurnas usadas para a noite ou apenas fiscalização. Já vimos, na história, que isso não funciona.

Ariel Palitz foi a primeira pessoa a assumir o cargo de 'prefeita da noite' em Nova York; na foto, o skyline da cidade à noite Foto: Charly Triballeau/AFP - 25/10/2024

Esta é a sua primeira vez no Brasil?

Embora seja minha primeira vez no Brasil, muitos desses problemas são universais, nas relações com vizinhos, de segurança, de desenvolvimento econômico. Mas, ao mesmo tempo, todos os lugares têm algo único.

Você acha que a pandemia e o trabalho remoto mudaram a forma como as pessoas enxergam a vida noturna?

A pandemia foi uma experiência global: o mundo todo foi atingido por um caminhão, e bem no coração da vida noturna e da socialização. Todo o mundo teve de se sentar sozinho por anos. Ainda estamos nos recuperando, experimentando desafios reais. Aconteceu que algumas pessoas descobriram que gostam de ficar sozinhas de algumas formas, mas, por outro lado, também sentiram falta de outras pessoas, de socializar. Foi uma das coisas que a pandemia realmente ajudou: a apreciar a socialização e a vida noturna. Muitos governos perceberam que quase as perdemos. Entenderam que não é apenas luxo, mas uma necessidade para o nosso bem-estar, as pessoas, a economia, a cultura.

As cidades estão preparadas para serem acolhedoras e seguras para mulheres à noite?

Sempre há espaço para aperfeiçoamentos: não importa o quanto uma cidade dê atenção a isso, sempre precisará de mais atenção, técnicas, estratégias e conhecimento para os prefeitos pelo mundo. (A ex-“czar da noite”) Amy Lamé, em Londres, colocou muita atenção na segurança das mulheres, da população LGBTI+. Homens bêbados ou sob influência de drogas sozinhos na rua também são vulneráveis. Quando é sobre segurança e proteção, a culpa sempre vai para a vida noturna, mas, na verdade, há mais vibração se os estabelecimentos estão abertos à noite, cria proteção. Precisa haver responsabilidade compartilhada e educação. Os estabelecimentos precisam ter conhecimento e estratégias sobre proteção, não apenas para o que ocorre dentro, mas na saída. Precisamos educar sobre como se proteger, se planejar para sair à noite, cuidar dos amigos. Há responsabilidade coletiva sobre a segurança à noite de mulheres, LGBT+ e todos, mas precisa de seriedade e coordenação. O Office of Nightlife é um condutor, o maestro da orquestra.

Movimento à noite no entorno de Wall Street, em Nova York Foto: Peter Morgan/AP - 29/10/2024

No Brasil, várias cidades tentam potencializar a vida noturna nos centros históricos, onde o movimento costuma ser concentrado durante o dia e há poucos moradores. Como vê esse potencial?

É sobre vida à noite e vida noturna, sobre parceria e coordenação, estratégia e planejamento correto, de festivais, feiras. Se ninguém vive nesses lugares, podem ter alto-falantes, há a oportunidade de ser mais vibrantes sem perturbar a qualidade de vida de ninguém. Pode programar atividades para a família... Nem tudo precisa envolver álcool: pode ser uma “noite dos cães”, onde todos levam os seus bichinhos, ter palhaços e coisas assim, onde as pessoas podem levar as famílias, aulas de dança nas ruas. Deve ser feito com alegria, com entusiasmo e sem medo, mas com estratégias reais para garantir que todos estejam seguros e com qualidade de vida, pensando em redução de danos, para não colocar pessoas em risco e prevenir overdoses, motoristas alcoolizados, abuso sexual. Essas são coisas que podem acontecer em qualquer lugar e momento do dia, em escolas, igrejas, estádios, aeroportos.

Fala-se muito em dados, inteligência artificial e soluções tecnológicas. Isso pode contribuir também para a gestão noturna?

Estamos aprendendo sobre IA juntos. É mais uma ferramenta disponível, outra forma de explorar ideias e criatividade. Você pode questionar o ChatGPT sobre como criar um ambiente mais vibrante. Quem sabe? Mas é importante também perguntar para as pessoas, os donos dos estabelecimentos: o que eles acham? Criar uma coalizão, um “think tank”, que trabalhe junto com o governo.

Qual é o maior desafio hoje em dia de uma gestão noturna de cidades?

É a cooperação e fazer com que as autoridades entendam que não é só sobre criar uma vida noturna com melhores festas: é uma parceria. Ouvir sempre que há reclamação é parte da função das pessoas eleitas. São elas que precisam desenvolver recursos, que podem estar em risco se não melhorarem a qualidade de vida, a vitalidade da cidade e o número de empregos. A boa notícia é que há exemplos, como Nova York, Londres, Washington, Amsterdã, Berlim, Mumbai, Cingapura, Sydney. Há quase 100 escritórios da noite pelo mundo.

Por cinco anos, Ariel Palitz foi a primeira pessoa a ocupar o cargo de “prefeita da noite” no então recém-criado Office of Nightlife em Nova York. O cargo foi instituído pelo então prefeito Bill de Blasio, para mediar conflitos entre estabelecimentos noturnos e vizinhos, assim como potencializar a vocação da “cidade que nunca dorme”.

Na função, Ariel esteve à frente de iniciativas. Dentre elas, um programa de mediação e treinamentos de primeiros socorros para trabalhadores de bares e casas noturnas.

Um ano após deixar o cargo, que ocupou de 2018 a 2023, ela tem atuado como consultora. Da Europa à América do Sul, tornou-se quase uma embaixadora de um movimento global de gestores especializados na vivência à noite e na vida noturna.

Ariel acaba de passar pelo Brasil para um evento de inovação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Meses antes, esteve na Colômbia — um dos poucos países da América Latina com experiências em gestão noturna especializada, semelhante a iniciativas que têm crescido na Europa (a partir do pioneirismo de Amsterdã) e nos Estados Unidos.

Em entrevista ao Estadão, a consultora argumentou que a vida à noite e a vida noturna (não são sinônimos, segundo ela) estão menos estigmatizadas e podem ser a solução, não a razão, de problemas. Para isso, defende parceria entre os governos e os negócios da noite, com mais diálogo e reconhecimento.

Para ela, a pandemia expôs ainda mais a necessidade de gestão noturna de cidades, assim como trouxe maior seriedade à imagem dos “prefeitos da noite” — cargo cujas atribuições por vezes são subestimadas, segundo Ariel. Ela ressalta que a função não envolve apenas o setor de entretenimento e turismo, mas outras áreas da gestão pública, como mobilidade, saúde, zeladoria etc.

Da mesma forma, a consultora diz que o foco não está apenas na população que frequenta bares, festas e assemelhados, mas em todos (incluindo trabalhadores, hospitais, transporte e outros serviços 24 horas). “(As cidades que aderiram) Não estão fazendo para criar festas melhores, nem como favor para a vida noturna, mas como forma de melhorar a cidade e a governança da noite.”

Confira abaixo, os principais trechos da entrevista de Ariel:

O que faz um prefeito da noite em Nova York? Quais são as suas funções e importância?

Às vezes, dizer “diretor da noite” ou “administrador da noite” dá melhor entendimento. Muitas vezes, quando um governo pensa em como gerenciar políticas públicas de uma cidade, como segurança e transporte, pensa-se sobre o período diurno, das 9h às 17h. Quando se trata de vida à noite, não apenas de vida noturna, geralmente se continua com as políticas e práticas do dia. E, se algo der errado, há apenas abordagem de fiscalização: quebra as regras, é penalizado. Mas a vida à noite e a vida noturna têm desafios únicos, especialmente no entorno de casas noturnas, bares, restaurantes e de onde estão trabalhadores noturnos, como pizzarias, hospitais e todo um diferente tipo de vida... É realmente sobre entender que a vida é 24 horas e, às vezes, são necessárias diferentes soluções para diferentes desafios. Ter um prefeito da noite reconhece isso, mostra: “sim, entendemos que há desafios específicos e que merecem atenção especial, e que esses negócios são parte importante da economia e da cultura. Portanto, merecem suporte e atenção, não apenas fiscalização.

Prefeitos da noite são apenas para grandes cidades?

Com certeza não, nem mesmo nos Estados Unidos. Quando Nova York começou, foi a quinta cidade do país com um prefeito da noite. Hoje, são quase 20, o que inclui Iowa City, que é muito pequena (cerca de 75 mil moradores), Austin, Pittsburgh, São Francisco... É importante o entendimento de que a vida à noite acontece. Em cidades de todo tamanho, há sempre pessoas que vão passear depois do trabalho, jantar fora, sair para dançar, celebrar aniversário.

Ariel Palitz durante a Semana de Inovação do Enap, em Brasília Foto: Thalita Sousa/Enap

Como conciliar vida noturna ativa e conflitos com vizinhos, sobretudo no caso de barulho?

Chamamos de “som”, não de “barulho”, porque sentimos que “barulho” automaticamente faz do som um problema. São sons da vida, e temos de gerenciá-los e gerenciar relações, com equilíbrio entre os negócios da noite e a experiência dos moradores. Uma forma de a gestão noturna criar o equilíbrio é reconhecer e respeitar os dois lados. Historicamente, apenas os moradores têm sido os denunciantes, enquanto bares, restaurantes e casas noturnas são os que precisam se defender. E a forma como as pessoas reclamam não tem ajudado no entendimento. Se você recebe uma reclamação e a polícia aparece às 2h da madrugada e diz “desliga o som” e você não o desliga, de repente, você é um mau operador. Mas, para entender o problema, você não deveria ter essa conserva às 2h da madrugada, mas às 2h da tarde: “é na entrada? É nos fundos? São os alto falantes? São as vozes das pessoas?” Precisamos de detalhes, de entendimento. Precisamos colocar o empresário e o morador em contato, para que não tenham de passar sempre pelo intermédio da polícia. Isso deveria ser feito para uma situação perigosa: a polícia tem coisas muito mais importantes para fazer. O que o Office of Nightlife de Nova York fez foi criar um programa de mediação entre estabelecimentos e vizinhos, o que dá oportunidade de comunicação. Eles podem se conhecer, e isso pode humanizar um ao outro. Dá para os negócios uma oportunidade de melhoria sem necessariamente usar a força como única solução. Também ajuda a identificar vizinhos que podem estar usando o sistema público, ligando e ligando, porque não querem o estabelecimento ali. Mas, se é um espaço legal, ele tem o direito de existir.

A adesão de mais cidades à criação de prefeitos da noite tem crescido no Norte Global, mas não tanto nos países do Sul. Por quê?

Está crescendo no Sul também. Nova York não foi a primeira no mundo também. Primeiro, foi mesmo na Europa: Amsterdã, Berlim, Londres... Depois, em algumas cidades dos Estados Unidos antes de Nova York. Não estava sendo compreendido em Nova York, mas a vida noturna contribui com bilhões de dólares para a economia e milhares de empregos. Quando penso no Brasil, penso na música, na comida, na cultura. E bares, casas noturnas e restaurantes estão nesse sistema. Essa é a evolução da compreensão da fiscalização, cuja forma número um de lidar com a vida noturna vinha sendo: o som está alto? Desligue. Tem brigas? Fecha. Soluções criativas respeitam e valorizam.

Você está acompanhando a discussão da gestão noturna em cidades da Colômbia?

Fui a quatro cidades na Colômbia em seis dias, com encontros com prefeitos e governadores. Eles tiveram “bad PR” (má reputação) por longo período (por causa do narcotráfico, violência etc) e agora querem mudar. No Brasil, é diferente: todos amam. Mas é preciso garantir que moradores e turistas se sintam seguros, com a qualidade de vida e suporte econômico e público que os negócios merecem. A Colômbia está muito séria a respeito disso, de ver suas cidades e suas políticas públicas de forma 24h, em vez de soluções diurnas usadas para a noite ou apenas fiscalização. Já vimos, na história, que isso não funciona.

Ariel Palitz foi a primeira pessoa a assumir o cargo de 'prefeita da noite' em Nova York; na foto, o skyline da cidade à noite Foto: Charly Triballeau/AFP - 25/10/2024

Esta é a sua primeira vez no Brasil?

Embora seja minha primeira vez no Brasil, muitos desses problemas são universais, nas relações com vizinhos, de segurança, de desenvolvimento econômico. Mas, ao mesmo tempo, todos os lugares têm algo único.

Você acha que a pandemia e o trabalho remoto mudaram a forma como as pessoas enxergam a vida noturna?

A pandemia foi uma experiência global: o mundo todo foi atingido por um caminhão, e bem no coração da vida noturna e da socialização. Todo o mundo teve de se sentar sozinho por anos. Ainda estamos nos recuperando, experimentando desafios reais. Aconteceu que algumas pessoas descobriram que gostam de ficar sozinhas de algumas formas, mas, por outro lado, também sentiram falta de outras pessoas, de socializar. Foi uma das coisas que a pandemia realmente ajudou: a apreciar a socialização e a vida noturna. Muitos governos perceberam que quase as perdemos. Entenderam que não é apenas luxo, mas uma necessidade para o nosso bem-estar, as pessoas, a economia, a cultura.

As cidades estão preparadas para serem acolhedoras e seguras para mulheres à noite?

Sempre há espaço para aperfeiçoamentos: não importa o quanto uma cidade dê atenção a isso, sempre precisará de mais atenção, técnicas, estratégias e conhecimento para os prefeitos pelo mundo. (A ex-“czar da noite”) Amy Lamé, em Londres, colocou muita atenção na segurança das mulheres, da população LGBTI+. Homens bêbados ou sob influência de drogas sozinhos na rua também são vulneráveis. Quando é sobre segurança e proteção, a culpa sempre vai para a vida noturna, mas, na verdade, há mais vibração se os estabelecimentos estão abertos à noite, cria proteção. Precisa haver responsabilidade compartilhada e educação. Os estabelecimentos precisam ter conhecimento e estratégias sobre proteção, não apenas para o que ocorre dentro, mas na saída. Precisamos educar sobre como se proteger, se planejar para sair à noite, cuidar dos amigos. Há responsabilidade coletiva sobre a segurança à noite de mulheres, LGBT+ e todos, mas precisa de seriedade e coordenação. O Office of Nightlife é um condutor, o maestro da orquestra.

Movimento à noite no entorno de Wall Street, em Nova York Foto: Peter Morgan/AP - 29/10/2024

No Brasil, várias cidades tentam potencializar a vida noturna nos centros históricos, onde o movimento costuma ser concentrado durante o dia e há poucos moradores. Como vê esse potencial?

É sobre vida à noite e vida noturna, sobre parceria e coordenação, estratégia e planejamento correto, de festivais, feiras. Se ninguém vive nesses lugares, podem ter alto-falantes, há a oportunidade de ser mais vibrantes sem perturbar a qualidade de vida de ninguém. Pode programar atividades para a família... Nem tudo precisa envolver álcool: pode ser uma “noite dos cães”, onde todos levam os seus bichinhos, ter palhaços e coisas assim, onde as pessoas podem levar as famílias, aulas de dança nas ruas. Deve ser feito com alegria, com entusiasmo e sem medo, mas com estratégias reais para garantir que todos estejam seguros e com qualidade de vida, pensando em redução de danos, para não colocar pessoas em risco e prevenir overdoses, motoristas alcoolizados, abuso sexual. Essas são coisas que podem acontecer em qualquer lugar e momento do dia, em escolas, igrejas, estádios, aeroportos.

Fala-se muito em dados, inteligência artificial e soluções tecnológicas. Isso pode contribuir também para a gestão noturna?

Estamos aprendendo sobre IA juntos. É mais uma ferramenta disponível, outra forma de explorar ideias e criatividade. Você pode questionar o ChatGPT sobre como criar um ambiente mais vibrante. Quem sabe? Mas é importante também perguntar para as pessoas, os donos dos estabelecimentos: o que eles acham? Criar uma coalizão, um “think tank”, que trabalhe junto com o governo.

Qual é o maior desafio hoje em dia de uma gestão noturna de cidades?

É a cooperação e fazer com que as autoridades entendam que não é só sobre criar uma vida noturna com melhores festas: é uma parceria. Ouvir sempre que há reclamação é parte da função das pessoas eleitas. São elas que precisam desenvolver recursos, que podem estar em risco se não melhorarem a qualidade de vida, a vitalidade da cidade e o número de empregos. A boa notícia é que há exemplos, como Nova York, Londres, Washington, Amsterdã, Berlim, Mumbai, Cingapura, Sydney. Há quase 100 escritórios da noite pelo mundo.

Por cinco anos, Ariel Palitz foi a primeira pessoa a ocupar o cargo de “prefeita da noite” no então recém-criado Office of Nightlife em Nova York. O cargo foi instituído pelo então prefeito Bill de Blasio, para mediar conflitos entre estabelecimentos noturnos e vizinhos, assim como potencializar a vocação da “cidade que nunca dorme”.

Na função, Ariel esteve à frente de iniciativas. Dentre elas, um programa de mediação e treinamentos de primeiros socorros para trabalhadores de bares e casas noturnas.

Um ano após deixar o cargo, que ocupou de 2018 a 2023, ela tem atuado como consultora. Da Europa à América do Sul, tornou-se quase uma embaixadora de um movimento global de gestores especializados na vivência à noite e na vida noturna.

Ariel acaba de passar pelo Brasil para um evento de inovação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Meses antes, esteve na Colômbia — um dos poucos países da América Latina com experiências em gestão noturna especializada, semelhante a iniciativas que têm crescido na Europa (a partir do pioneirismo de Amsterdã) e nos Estados Unidos.

Em entrevista ao Estadão, a consultora argumentou que a vida à noite e a vida noturna (não são sinônimos, segundo ela) estão menos estigmatizadas e podem ser a solução, não a razão, de problemas. Para isso, defende parceria entre os governos e os negócios da noite, com mais diálogo e reconhecimento.

Para ela, a pandemia expôs ainda mais a necessidade de gestão noturna de cidades, assim como trouxe maior seriedade à imagem dos “prefeitos da noite” — cargo cujas atribuições por vezes são subestimadas, segundo Ariel. Ela ressalta que a função não envolve apenas o setor de entretenimento e turismo, mas outras áreas da gestão pública, como mobilidade, saúde, zeladoria etc.

Da mesma forma, a consultora diz que o foco não está apenas na população que frequenta bares, festas e assemelhados, mas em todos (incluindo trabalhadores, hospitais, transporte e outros serviços 24 horas). “(As cidades que aderiram) Não estão fazendo para criar festas melhores, nem como favor para a vida noturna, mas como forma de melhorar a cidade e a governança da noite.”

Confira abaixo, os principais trechos da entrevista de Ariel:

O que faz um prefeito da noite em Nova York? Quais são as suas funções e importância?

Às vezes, dizer “diretor da noite” ou “administrador da noite” dá melhor entendimento. Muitas vezes, quando um governo pensa em como gerenciar políticas públicas de uma cidade, como segurança e transporte, pensa-se sobre o período diurno, das 9h às 17h. Quando se trata de vida à noite, não apenas de vida noturna, geralmente se continua com as políticas e práticas do dia. E, se algo der errado, há apenas abordagem de fiscalização: quebra as regras, é penalizado. Mas a vida à noite e a vida noturna têm desafios únicos, especialmente no entorno de casas noturnas, bares, restaurantes e de onde estão trabalhadores noturnos, como pizzarias, hospitais e todo um diferente tipo de vida... É realmente sobre entender que a vida é 24 horas e, às vezes, são necessárias diferentes soluções para diferentes desafios. Ter um prefeito da noite reconhece isso, mostra: “sim, entendemos que há desafios específicos e que merecem atenção especial, e que esses negócios são parte importante da economia e da cultura. Portanto, merecem suporte e atenção, não apenas fiscalização.

Prefeitos da noite são apenas para grandes cidades?

Com certeza não, nem mesmo nos Estados Unidos. Quando Nova York começou, foi a quinta cidade do país com um prefeito da noite. Hoje, são quase 20, o que inclui Iowa City, que é muito pequena (cerca de 75 mil moradores), Austin, Pittsburgh, São Francisco... É importante o entendimento de que a vida à noite acontece. Em cidades de todo tamanho, há sempre pessoas que vão passear depois do trabalho, jantar fora, sair para dançar, celebrar aniversário.

Ariel Palitz durante a Semana de Inovação do Enap, em Brasília Foto: Thalita Sousa/Enap

Como conciliar vida noturna ativa e conflitos com vizinhos, sobretudo no caso de barulho?

Chamamos de “som”, não de “barulho”, porque sentimos que “barulho” automaticamente faz do som um problema. São sons da vida, e temos de gerenciá-los e gerenciar relações, com equilíbrio entre os negócios da noite e a experiência dos moradores. Uma forma de a gestão noturna criar o equilíbrio é reconhecer e respeitar os dois lados. Historicamente, apenas os moradores têm sido os denunciantes, enquanto bares, restaurantes e casas noturnas são os que precisam se defender. E a forma como as pessoas reclamam não tem ajudado no entendimento. Se você recebe uma reclamação e a polícia aparece às 2h da madrugada e diz “desliga o som” e você não o desliga, de repente, você é um mau operador. Mas, para entender o problema, você não deveria ter essa conserva às 2h da madrugada, mas às 2h da tarde: “é na entrada? É nos fundos? São os alto falantes? São as vozes das pessoas?” Precisamos de detalhes, de entendimento. Precisamos colocar o empresário e o morador em contato, para que não tenham de passar sempre pelo intermédio da polícia. Isso deveria ser feito para uma situação perigosa: a polícia tem coisas muito mais importantes para fazer. O que o Office of Nightlife de Nova York fez foi criar um programa de mediação entre estabelecimentos e vizinhos, o que dá oportunidade de comunicação. Eles podem se conhecer, e isso pode humanizar um ao outro. Dá para os negócios uma oportunidade de melhoria sem necessariamente usar a força como única solução. Também ajuda a identificar vizinhos que podem estar usando o sistema público, ligando e ligando, porque não querem o estabelecimento ali. Mas, se é um espaço legal, ele tem o direito de existir.

A adesão de mais cidades à criação de prefeitos da noite tem crescido no Norte Global, mas não tanto nos países do Sul. Por quê?

Está crescendo no Sul também. Nova York não foi a primeira no mundo também. Primeiro, foi mesmo na Europa: Amsterdã, Berlim, Londres... Depois, em algumas cidades dos Estados Unidos antes de Nova York. Não estava sendo compreendido em Nova York, mas a vida noturna contribui com bilhões de dólares para a economia e milhares de empregos. Quando penso no Brasil, penso na música, na comida, na cultura. E bares, casas noturnas e restaurantes estão nesse sistema. Essa é a evolução da compreensão da fiscalização, cuja forma número um de lidar com a vida noturna vinha sendo: o som está alto? Desligue. Tem brigas? Fecha. Soluções criativas respeitam e valorizam.

Você está acompanhando a discussão da gestão noturna em cidades da Colômbia?

Fui a quatro cidades na Colômbia em seis dias, com encontros com prefeitos e governadores. Eles tiveram “bad PR” (má reputação) por longo período (por causa do narcotráfico, violência etc) e agora querem mudar. No Brasil, é diferente: todos amam. Mas é preciso garantir que moradores e turistas se sintam seguros, com a qualidade de vida e suporte econômico e público que os negócios merecem. A Colômbia está muito séria a respeito disso, de ver suas cidades e suas políticas públicas de forma 24h, em vez de soluções diurnas usadas para a noite ou apenas fiscalização. Já vimos, na história, que isso não funciona.

Ariel Palitz foi a primeira pessoa a assumir o cargo de 'prefeita da noite' em Nova York; na foto, o skyline da cidade à noite Foto: Charly Triballeau/AFP - 25/10/2024

Esta é a sua primeira vez no Brasil?

Embora seja minha primeira vez no Brasil, muitos desses problemas são universais, nas relações com vizinhos, de segurança, de desenvolvimento econômico. Mas, ao mesmo tempo, todos os lugares têm algo único.

Você acha que a pandemia e o trabalho remoto mudaram a forma como as pessoas enxergam a vida noturna?

A pandemia foi uma experiência global: o mundo todo foi atingido por um caminhão, e bem no coração da vida noturna e da socialização. Todo o mundo teve de se sentar sozinho por anos. Ainda estamos nos recuperando, experimentando desafios reais. Aconteceu que algumas pessoas descobriram que gostam de ficar sozinhas de algumas formas, mas, por outro lado, também sentiram falta de outras pessoas, de socializar. Foi uma das coisas que a pandemia realmente ajudou: a apreciar a socialização e a vida noturna. Muitos governos perceberam que quase as perdemos. Entenderam que não é apenas luxo, mas uma necessidade para o nosso bem-estar, as pessoas, a economia, a cultura.

As cidades estão preparadas para serem acolhedoras e seguras para mulheres à noite?

Sempre há espaço para aperfeiçoamentos: não importa o quanto uma cidade dê atenção a isso, sempre precisará de mais atenção, técnicas, estratégias e conhecimento para os prefeitos pelo mundo. (A ex-“czar da noite”) Amy Lamé, em Londres, colocou muita atenção na segurança das mulheres, da população LGBTI+. Homens bêbados ou sob influência de drogas sozinhos na rua também são vulneráveis. Quando é sobre segurança e proteção, a culpa sempre vai para a vida noturna, mas, na verdade, há mais vibração se os estabelecimentos estão abertos à noite, cria proteção. Precisa haver responsabilidade compartilhada e educação. Os estabelecimentos precisam ter conhecimento e estratégias sobre proteção, não apenas para o que ocorre dentro, mas na saída. Precisamos educar sobre como se proteger, se planejar para sair à noite, cuidar dos amigos. Há responsabilidade coletiva sobre a segurança à noite de mulheres, LGBT+ e todos, mas precisa de seriedade e coordenação. O Office of Nightlife é um condutor, o maestro da orquestra.

Movimento à noite no entorno de Wall Street, em Nova York Foto: Peter Morgan/AP - 29/10/2024

No Brasil, várias cidades tentam potencializar a vida noturna nos centros históricos, onde o movimento costuma ser concentrado durante o dia e há poucos moradores. Como vê esse potencial?

É sobre vida à noite e vida noturna, sobre parceria e coordenação, estratégia e planejamento correto, de festivais, feiras. Se ninguém vive nesses lugares, podem ter alto-falantes, há a oportunidade de ser mais vibrantes sem perturbar a qualidade de vida de ninguém. Pode programar atividades para a família... Nem tudo precisa envolver álcool: pode ser uma “noite dos cães”, onde todos levam os seus bichinhos, ter palhaços e coisas assim, onde as pessoas podem levar as famílias, aulas de dança nas ruas. Deve ser feito com alegria, com entusiasmo e sem medo, mas com estratégias reais para garantir que todos estejam seguros e com qualidade de vida, pensando em redução de danos, para não colocar pessoas em risco e prevenir overdoses, motoristas alcoolizados, abuso sexual. Essas são coisas que podem acontecer em qualquer lugar e momento do dia, em escolas, igrejas, estádios, aeroportos.

Fala-se muito em dados, inteligência artificial e soluções tecnológicas. Isso pode contribuir também para a gestão noturna?

Estamos aprendendo sobre IA juntos. É mais uma ferramenta disponível, outra forma de explorar ideias e criatividade. Você pode questionar o ChatGPT sobre como criar um ambiente mais vibrante. Quem sabe? Mas é importante também perguntar para as pessoas, os donos dos estabelecimentos: o que eles acham? Criar uma coalizão, um “think tank”, que trabalhe junto com o governo.

Qual é o maior desafio hoje em dia de uma gestão noturna de cidades?

É a cooperação e fazer com que as autoridades entendam que não é só sobre criar uma vida noturna com melhores festas: é uma parceria. Ouvir sempre que há reclamação é parte da função das pessoas eleitas. São elas que precisam desenvolver recursos, que podem estar em risco se não melhorarem a qualidade de vida, a vitalidade da cidade e o número de empregos. A boa notícia é que há exemplos, como Nova York, Londres, Washington, Amsterdã, Berlim, Mumbai, Cingapura, Sydney. Há quase 100 escritórios da noite pelo mundo.

Por cinco anos, Ariel Palitz foi a primeira pessoa a ocupar o cargo de “prefeita da noite” no então recém-criado Office of Nightlife em Nova York. O cargo foi instituído pelo então prefeito Bill de Blasio, para mediar conflitos entre estabelecimentos noturnos e vizinhos, assim como potencializar a vocação da “cidade que nunca dorme”.

Na função, Ariel esteve à frente de iniciativas. Dentre elas, um programa de mediação e treinamentos de primeiros socorros para trabalhadores de bares e casas noturnas.

Um ano após deixar o cargo, que ocupou de 2018 a 2023, ela tem atuado como consultora. Da Europa à América do Sul, tornou-se quase uma embaixadora de um movimento global de gestores especializados na vivência à noite e na vida noturna.

Ariel acaba de passar pelo Brasil para um evento de inovação da Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Meses antes, esteve na Colômbia — um dos poucos países da América Latina com experiências em gestão noturna especializada, semelhante a iniciativas que têm crescido na Europa (a partir do pioneirismo de Amsterdã) e nos Estados Unidos.

Em entrevista ao Estadão, a consultora argumentou que a vida à noite e a vida noturna (não são sinônimos, segundo ela) estão menos estigmatizadas e podem ser a solução, não a razão, de problemas. Para isso, defende parceria entre os governos e os negócios da noite, com mais diálogo e reconhecimento.

Para ela, a pandemia expôs ainda mais a necessidade de gestão noturna de cidades, assim como trouxe maior seriedade à imagem dos “prefeitos da noite” — cargo cujas atribuições por vezes são subestimadas, segundo Ariel. Ela ressalta que a função não envolve apenas o setor de entretenimento e turismo, mas outras áreas da gestão pública, como mobilidade, saúde, zeladoria etc.

Da mesma forma, a consultora diz que o foco não está apenas na população que frequenta bares, festas e assemelhados, mas em todos (incluindo trabalhadores, hospitais, transporte e outros serviços 24 horas). “(As cidades que aderiram) Não estão fazendo para criar festas melhores, nem como favor para a vida noturna, mas como forma de melhorar a cidade e a governança da noite.”

Confira abaixo, os principais trechos da entrevista de Ariel:

O que faz um prefeito da noite em Nova York? Quais são as suas funções e importância?

Às vezes, dizer “diretor da noite” ou “administrador da noite” dá melhor entendimento. Muitas vezes, quando um governo pensa em como gerenciar políticas públicas de uma cidade, como segurança e transporte, pensa-se sobre o período diurno, das 9h às 17h. Quando se trata de vida à noite, não apenas de vida noturna, geralmente se continua com as políticas e práticas do dia. E, se algo der errado, há apenas abordagem de fiscalização: quebra as regras, é penalizado. Mas a vida à noite e a vida noturna têm desafios únicos, especialmente no entorno de casas noturnas, bares, restaurantes e de onde estão trabalhadores noturnos, como pizzarias, hospitais e todo um diferente tipo de vida... É realmente sobre entender que a vida é 24 horas e, às vezes, são necessárias diferentes soluções para diferentes desafios. Ter um prefeito da noite reconhece isso, mostra: “sim, entendemos que há desafios específicos e que merecem atenção especial, e que esses negócios são parte importante da economia e da cultura. Portanto, merecem suporte e atenção, não apenas fiscalização.

Prefeitos da noite são apenas para grandes cidades?

Com certeza não, nem mesmo nos Estados Unidos. Quando Nova York começou, foi a quinta cidade do país com um prefeito da noite. Hoje, são quase 20, o que inclui Iowa City, que é muito pequena (cerca de 75 mil moradores), Austin, Pittsburgh, São Francisco... É importante o entendimento de que a vida à noite acontece. Em cidades de todo tamanho, há sempre pessoas que vão passear depois do trabalho, jantar fora, sair para dançar, celebrar aniversário.

Ariel Palitz durante a Semana de Inovação do Enap, em Brasília Foto: Thalita Sousa/Enap

Como conciliar vida noturna ativa e conflitos com vizinhos, sobretudo no caso de barulho?

Chamamos de “som”, não de “barulho”, porque sentimos que “barulho” automaticamente faz do som um problema. São sons da vida, e temos de gerenciá-los e gerenciar relações, com equilíbrio entre os negócios da noite e a experiência dos moradores. Uma forma de a gestão noturna criar o equilíbrio é reconhecer e respeitar os dois lados. Historicamente, apenas os moradores têm sido os denunciantes, enquanto bares, restaurantes e casas noturnas são os que precisam se defender. E a forma como as pessoas reclamam não tem ajudado no entendimento. Se você recebe uma reclamação e a polícia aparece às 2h da madrugada e diz “desliga o som” e você não o desliga, de repente, você é um mau operador. Mas, para entender o problema, você não deveria ter essa conserva às 2h da madrugada, mas às 2h da tarde: “é na entrada? É nos fundos? São os alto falantes? São as vozes das pessoas?” Precisamos de detalhes, de entendimento. Precisamos colocar o empresário e o morador em contato, para que não tenham de passar sempre pelo intermédio da polícia. Isso deveria ser feito para uma situação perigosa: a polícia tem coisas muito mais importantes para fazer. O que o Office of Nightlife de Nova York fez foi criar um programa de mediação entre estabelecimentos e vizinhos, o que dá oportunidade de comunicação. Eles podem se conhecer, e isso pode humanizar um ao outro. Dá para os negócios uma oportunidade de melhoria sem necessariamente usar a força como única solução. Também ajuda a identificar vizinhos que podem estar usando o sistema público, ligando e ligando, porque não querem o estabelecimento ali. Mas, se é um espaço legal, ele tem o direito de existir.

A adesão de mais cidades à criação de prefeitos da noite tem crescido no Norte Global, mas não tanto nos países do Sul. Por quê?

Está crescendo no Sul também. Nova York não foi a primeira no mundo também. Primeiro, foi mesmo na Europa: Amsterdã, Berlim, Londres... Depois, em algumas cidades dos Estados Unidos antes de Nova York. Não estava sendo compreendido em Nova York, mas a vida noturna contribui com bilhões de dólares para a economia e milhares de empregos. Quando penso no Brasil, penso na música, na comida, na cultura. E bares, casas noturnas e restaurantes estão nesse sistema. Essa é a evolução da compreensão da fiscalização, cuja forma número um de lidar com a vida noturna vinha sendo: o som está alto? Desligue. Tem brigas? Fecha. Soluções criativas respeitam e valorizam.

Você está acompanhando a discussão da gestão noturna em cidades da Colômbia?

Fui a quatro cidades na Colômbia em seis dias, com encontros com prefeitos e governadores. Eles tiveram “bad PR” (má reputação) por longo período (por causa do narcotráfico, violência etc) e agora querem mudar. No Brasil, é diferente: todos amam. Mas é preciso garantir que moradores e turistas se sintam seguros, com a qualidade de vida e suporte econômico e público que os negócios merecem. A Colômbia está muito séria a respeito disso, de ver suas cidades e suas políticas públicas de forma 24h, em vez de soluções diurnas usadas para a noite ou apenas fiscalização. Já vimos, na história, que isso não funciona.

Ariel Palitz foi a primeira pessoa a assumir o cargo de 'prefeita da noite' em Nova York; na foto, o skyline da cidade à noite Foto: Charly Triballeau/AFP - 25/10/2024

Esta é a sua primeira vez no Brasil?

Embora seja minha primeira vez no Brasil, muitos desses problemas são universais, nas relações com vizinhos, de segurança, de desenvolvimento econômico. Mas, ao mesmo tempo, todos os lugares têm algo único.

Você acha que a pandemia e o trabalho remoto mudaram a forma como as pessoas enxergam a vida noturna?

A pandemia foi uma experiência global: o mundo todo foi atingido por um caminhão, e bem no coração da vida noturna e da socialização. Todo o mundo teve de se sentar sozinho por anos. Ainda estamos nos recuperando, experimentando desafios reais. Aconteceu que algumas pessoas descobriram que gostam de ficar sozinhas de algumas formas, mas, por outro lado, também sentiram falta de outras pessoas, de socializar. Foi uma das coisas que a pandemia realmente ajudou: a apreciar a socialização e a vida noturna. Muitos governos perceberam que quase as perdemos. Entenderam que não é apenas luxo, mas uma necessidade para o nosso bem-estar, as pessoas, a economia, a cultura.

As cidades estão preparadas para serem acolhedoras e seguras para mulheres à noite?

Sempre há espaço para aperfeiçoamentos: não importa o quanto uma cidade dê atenção a isso, sempre precisará de mais atenção, técnicas, estratégias e conhecimento para os prefeitos pelo mundo. (A ex-“czar da noite”) Amy Lamé, em Londres, colocou muita atenção na segurança das mulheres, da população LGBTI+. Homens bêbados ou sob influência de drogas sozinhos na rua também são vulneráveis. Quando é sobre segurança e proteção, a culpa sempre vai para a vida noturna, mas, na verdade, há mais vibração se os estabelecimentos estão abertos à noite, cria proteção. Precisa haver responsabilidade compartilhada e educação. Os estabelecimentos precisam ter conhecimento e estratégias sobre proteção, não apenas para o que ocorre dentro, mas na saída. Precisamos educar sobre como se proteger, se planejar para sair à noite, cuidar dos amigos. Há responsabilidade coletiva sobre a segurança à noite de mulheres, LGBT+ e todos, mas precisa de seriedade e coordenação. O Office of Nightlife é um condutor, o maestro da orquestra.

Movimento à noite no entorno de Wall Street, em Nova York Foto: Peter Morgan/AP - 29/10/2024

No Brasil, várias cidades tentam potencializar a vida noturna nos centros históricos, onde o movimento costuma ser concentrado durante o dia e há poucos moradores. Como vê esse potencial?

É sobre vida à noite e vida noturna, sobre parceria e coordenação, estratégia e planejamento correto, de festivais, feiras. Se ninguém vive nesses lugares, podem ter alto-falantes, há a oportunidade de ser mais vibrantes sem perturbar a qualidade de vida de ninguém. Pode programar atividades para a família... Nem tudo precisa envolver álcool: pode ser uma “noite dos cães”, onde todos levam os seus bichinhos, ter palhaços e coisas assim, onde as pessoas podem levar as famílias, aulas de dança nas ruas. Deve ser feito com alegria, com entusiasmo e sem medo, mas com estratégias reais para garantir que todos estejam seguros e com qualidade de vida, pensando em redução de danos, para não colocar pessoas em risco e prevenir overdoses, motoristas alcoolizados, abuso sexual. Essas são coisas que podem acontecer em qualquer lugar e momento do dia, em escolas, igrejas, estádios, aeroportos.

Fala-se muito em dados, inteligência artificial e soluções tecnológicas. Isso pode contribuir também para a gestão noturna?

Estamos aprendendo sobre IA juntos. É mais uma ferramenta disponível, outra forma de explorar ideias e criatividade. Você pode questionar o ChatGPT sobre como criar um ambiente mais vibrante. Quem sabe? Mas é importante também perguntar para as pessoas, os donos dos estabelecimentos: o que eles acham? Criar uma coalizão, um “think tank”, que trabalhe junto com o governo.

Qual é o maior desafio hoje em dia de uma gestão noturna de cidades?

É a cooperação e fazer com que as autoridades entendam que não é só sobre criar uma vida noturna com melhores festas: é uma parceria. Ouvir sempre que há reclamação é parte da função das pessoas eleitas. São elas que precisam desenvolver recursos, que podem estar em risco se não melhorarem a qualidade de vida, a vitalidade da cidade e o número de empregos. A boa notícia é que há exemplos, como Nova York, Londres, Washington, Amsterdã, Berlim, Mumbai, Cingapura, Sydney. Há quase 100 escritórios da noite pelo mundo.

Entrevista por Priscila Mengue

Repórter de cidades, especialmente de urbanismo, administração pública e patrimônio cultural. Jornalista formada pela UFRGS, com especialização em Arquitetura e Urbanismo Sustentável pela UnB.

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