BRASÍLIA - De 2019 até agora, deputados e senadores apresentaram pouco mais de R$ 50 milhões em emendas parlamentares para ações de combate a incêndios. O valor representa só 0,02% dos R$ 194 bilhões em emendas ao Orçamento feitas pelos congressistas desde 2019.
Procurados, o Senado e a Câmara não se manifestaram. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, os montantes estão muito abaixo do que seria necessário para amenizar o problema das queimadas, cuja fumaça já atinge 60% do território nacional este ano, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Os R$ 51 milhões em emendas ao longo destes quase seis anos não chegam nem a um quinto dos R$ 274,3 milhões orçados para todas as ações de combate a incêndios apenas neste ano, 2024. Os dados foram levantados pela reportagem usando as ferramentas SIOP, do Ministério do Planejamento e Orçamento, e Siga Brasil, do Senado Federal.
Do total destinado pelos parlamentares para o combate aos incêndios, R$ 49,5 milhões foram empenhados, isto é, reservados para pagamento, e R$ 36,6 milhões já foram pagos (sem contar os restos a pagar).
Outra rubrica relacionada ao assunto, a de ações de Defesa Civil, foi igualmente negligenciada pelo Congresso desde o começo do governo Bolsonaro. Congressistas apresentaram apenas R$ 563,9 milhões em emendas para o tema, ou 0,3% do total de emendas do período.
Nem mesmo quem deveria dar prioridade ao tema parece se importar: as comissões de Meio Ambiente da Câmara e do Senado também não destinaram nenhuma emenda para o combate aos incêndios este ano.
Mesmo que o tivessem feito, as duas comissões não tiveram nem um centavo de suas emendas empenhadas. O único colegiado que destinou verbas para o assunto foi a Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas, integrada por deputados e senadores. O grupo destinou R$ 9,3 milhões para o tema, dos quais R$ 7,5 milhões já foram pagos.
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O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, Rafael Prudente (MDB-DF), lembra que o Ministério do Meio Ambiente também teve redução nas verbas para combate a incêndio de 2023 para 2024. E, em maio deste ano, dois projetos enviados pelo governo e aprovados pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) retiraram todos os recursos da Comissão de Meio Ambiente e de outros colegiados.
Faltando menos de três semanas para as eleições municipais, o Congresso não deve realizar qualquer discussão esta semana sobre os incêndios. Na Câmara dos Deputados não há previsão de sessões no Plenário ou de reuniões deliberativas nas comissões, inclusive na Comissão de Meio Ambiente.
“Encaminhei ofício ao presidente da Câmara, (Arthur) Lira (PP-AL), pedindo que ele leve direto ao Plenário (da Casa) proposta para aumentar as penas do crime de incêndio criminoso, entre outras matérias, já na primeira semana assim que voltar os trabalhos”, diz Rafael Prudente.
Como mostrou o Estadão, no ano de 2024, só um parlamentar teve emendas empenhadas para combate a queimadas: Amom Mandel (Cidadania-AM) destinou R$ 191,4 mil para custear o PrevFogo, o programa de combate a incêndios do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Os deputados José Guimarães (PT-CE) e Leo Prates (PDT-BA) também apresentaram emendas para combate a incêndios, mas os recursos não foram usados para o custeio do PrevFogo.
Nos últimos anos, as emendas parlamentares cresceram bem mais que o restante dos gastos do governo. Em 2014, as emendas representavam apenas 3,9% das despesas discricionárias (isto é, não obrigatórias) do governo. Em 2020, atingiram um pico de 28,7% e, este ano, devem chegar a 20% dos gastos livres da União, segundo cálculos do pesquisador Luiz Guilherme Schymura, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Nesta segunda-feira, 16, o País registrava 1,7 mil focos de incêndio, segundo dados do BDQueimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Nos primeiros quinze dias do mês, foram 57.312 focos, segundo o Inpe – número que é 132% maior que o mesmo período de 2023, quando o Brasil teve 24,6 mil focos.
Verbas são insuficientes, dizem ambientalistas
O climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), diz que o Inpe monitora a incidência de raios no País, e tem capacidade de determinar se um incêndio foi iniciado por um raio, ou não. Na atual temporada de incêndios, esses casos são minoria, diz Nobre. “Quase nenhum incêndio começou por descarga elétrica. É crime, é gente botando fogo”, diz ele.
“Os orçamentos (atuais) são ridículos. Precisam ser multiplicados por 50, para não dizer 100. São bilhões de reais por ano. Multiplicar por dez ou vinte o número de brigadistas e de aviões (...), usar drones para detectar imediatamente os incêndios. Satélites só conseguem detectar um incêndio quando chega a 30, 40 metros quadrados, depois de uma ou duas horas. Precisa de um sistema de drones automáticos. Tudo isso já existe no mundo. Vai custar bilhões, mas não tem jeito. Se não for assim, não tem jeito. O crime organizado vai julgar que ganhou a guerra”, diz.
“Recursos para os órgãos ambientais sempre são insuficientes, isso é histórico. Você trabalha com o mínimo para que o serviço possa ser feito, mas as lacunas são grandes. Faltam servidores e orçamento”, diz Suely Araújo, que é coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
“Seria uma boa ideia o Congresso se comover com a crise climática e destinar mais recursos para este tema. Não só para a prevenção e combate aos incêndios, mas para a questão climática como um todo. Os recursos hoje controlados pelos parlamentares têm um volume significativo, e, no meio da crise climática, seria muito razoável que os senhores parlamentares demonstrassem essa preocupação com as emendas que eles controlam”, diz ela.
O diretor-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, também diz que a maior parte dos incêndios tem origem criminosa, e que o problema é agravado pela mudança climática.
“Como o clima bateu recorde de seca nos últimos 70 anos, esse crime que iria devastar, digamos, 10 mil hectares, vai devastar 80 mil. Ele está potencializado por uma estrutura climática extrema, que está elevando, adicionando um risco a mais, para fazer com que aquilo que já era ruim, o fogo, se espalhe ainda mais”, diz ele. O Congresso, diz Astrini, já ajudaria se se abstivesse de aprovar leis que afrouxam a legislação ambiental ou que dão anistia a desmatadores e “grileiros” de terras.
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Dino autoriza gastos extras com brigadistas
No domingo, 15, o ministro Flávio Dino (STF) autorizou o governo federal a destinar recursos para o combate aos incêndios sem que as novas despesas sejam contabilizadas na meta fiscal do governo, estabelecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A destinação das verbas deverá ser aprovada pelo Congresso por meio de medida provisória, a ser enviada pelo governo. Na decisão, Dino também remove o prazo de 90 dias para a recontratação de brigadistas no Ibama e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
A decisão de Dino foi tomada no âmbito de uma ação apresentada em 2020 pela Rede Sustentabilidade, e na qual o partido pedia que o STF reconhecesse o “estado de coisas inconstitucional” na gestão ambiental do país, tendo em vista os incêndios que atingiam naquele ano os biomas do Pantanal e da Amazônia.
Em Brasília, um incêndio atinge desde domingo (15) o Parque Nacional da cidade, fazendo com que parte da capital federal amanhecesse coberta de fumaça na segunda-feira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama Janja sobrevoaram a área atingida. Segundo Lula, a Polícia Federal (PF) abriu 52 inquéritos para apurar a responsabilidade sobre as queimadas.
Lula deve se reunir nesta terça-feira, 17, no Palácio do Planalto com chefes dos Poderes para tratar sobre medidas a serem tomadas no combate aos incêndios. Dentre os convidados para a reunião estão os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, e o presidente Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.