Consciência Negra: qual o tamanho da desigualdade racial? Em que velocidade estamos mudando?


Nova publicação do Insper avalia impactos da discriminação racial na renda, na educação, na saúde e na violência

Por Gonçalo Junior
Atualização:

A desigualdade entre brancos e negros tem origem no Brasil de século atrás, quando ainda havia a escravidão, e são visíveis ainda hoje. Os efeitos estruturais dessa discriminação resultam em piores salários, menos educação e saúde para a população negra, com impactos nas chances de ascensão social e econômica.

Mas, qual é o tamanho dessa diferença? Avançamos em relação ao passado? Após dois anos de estudo, os professores Michael França e Alysson Portella, do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, produziram respostas contundentes – e preocupantes - para essa questão. O livro Os números da discriminação racial (Editora Jandaíra) traz uma perspectiva sobre a desigualdade a partir da ciência econômica, com as contribuições da sociologia, a psicologia, a antropologia e a história.

Os números revelam o progresso, mas também frustram. “Eu acreditava que encontraria melhora bem mais acentuada da questão racial no Brasil”, afirma França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper. “Avançamos, mas em ritmo bem menor que gostaríamos”, completa Portella, pesquisador de pós-doutorado do Insper.

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A persistência da desigualdade se reflete no mercado de trabalho: pretos e pardos são maioria entre os 20% dos trabalhadores que ganham os menores salários. Além de frequentemente ocuparem empregos que exigem menos qualificação, é comum que essa parcela da população esteja em subempregos e trabalhos informais.

Na educação, melhor ferramenta para transformar a disparidade salarial, há avanços relativos - impulsionados pela ampliação do acesso na escola. Nas etapas mais avançadas, as cotas mudam, aos poucos, o perfil de quem ingressa nas universidades públicas.

Na saúde, quem sofre mais com a falta de atendimento médico é a população negra, o que reduz a chance de diagnóstico precoce e eleva o risco de mortes por doenças crônicas, como as cardiovasculares e a diabete. Na criminalidade e violência, são as vítimas mais frequentes: a taxa de homicídios entre negros é o triplo.

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O Estadão ouviu os pesquisadores sobre a desigualdade racial e a discriminação em quatro dimensões da sociedade brasileira:

Em 2021, renda dos negros foi de 60% do que ganham os brancos

Nos últimos 40 anos, os negros ganharam, em média, 14,25% a menos que os trabalhadores brancos com características semelhantes, como mesma escolaridade, experiência e vínculo trabalhista similar.

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Outros recortes exemplificam a desigualdade. A renda do trabalho dos negros em comparação com a dos brancos passou de 49% em 1982 para 60% em 2021. É o que mostra a análise dos Dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) e da PNAD Contínua, ambas são realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Isso chama a atenção porque falamos de quatro décadas nos quais tivemos um processo de redemocratização, governos da direita à esquerda. A rigidez ao longo do tempo chama a atenção”, afirma o pesquisador Michael França.

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As maiores diferenças salariais entre brancos e negros são observadas mesmo no topo da distribuição dos salários. Um trabalhador negro entre os 10% mais ricos do seu grupo racial recebia menos que a metade de um branco entre os 10% mais ricos do seu grupo.

Dados do IBGE revelam que negros (pretos e pardos) são maioria entre 20% dos trabalhadores que ganham os menores salários, representando 69%, enquanto brancos representam somente 30% dessa parcela.

Educação: diferença a favor do brancos chega a 10 pontos no 9º ano

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Uma das dimensões analisadas pela pesquisa foi a diferença nas notas de alunos de 5º e 9º do Ensino Fundamental no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), prova do Ministério da Educação para medir o aprendizado dos alunos. Estudantes brancos apresentam notas mais elevadas em Português e Matemática; alunos pretos estão em desvantagem de notas em relação aos pardos.

As diferenças aumentam à medida que avançam de série. No 5º ano, em 2015, as diferenças entre brancos e pardos eram de cerca de 6 pontos em Matemática. Quatro anos depois, em 2019 ,passaram para mais de 10 pontos entre alunos do 9º.

Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper. FOTO ALEX SILVA/ESTADAO  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO
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Os pesquisadores, no entanto, observam avanços. A universalização dos serviços de educação, que ganhou força a partir dos anos 1990, foi essencial para reduzir as desigualdades raciais. Em algumas etapas, como a pré-escola e o ensino fundamental, o acesso é praticamente universalizado. Contudo, a melhoria na quantidade não se traduziu em melhorias na qualidade.

“Há um tímido avanço no desempenho de negros e brancos, mas estes progridem mais rapidamente, o que resulta em aumento das diferenças raciais de desempenho”, diz trecho do livro.

Para França, o veloz progresso tecnológico dos últimos anos torna esse desafio ainda maior. “Os indivíduos precisam se educar várias vezes ao longo da vida e absorver novas competências. Como fazer isso se ele não tem educação básica de qualidade? Esse gap (lacuna) racial é importante e acentuado. E estamos falando só do sistema público (os dados de provas do MEC analisados não consideram aluno da rede privada)”, diz França.

Taxa de homicídios entre negros é o triplo que a de brancos

Negros estão mais expostos à violência do que os brancos, com maior desequilíbrio no Nordeste. Em 2010, a taxa de homicídios entre a população negra era mais que o dobro da taxa entre brancos para cada 100 mil habitantes. Em 2017, a taxa entre negros chegou a ser mais de três vezes a de indivíduos brancos, relação que se manteve até o final da série, em 2021, mesmo com redução da taxa de homicídios para ambos os grupos.

Entre o início e o fim da série, a taxa de vítimas brancas saiu de 15,20 para 9,25, o que representa redução de 40%. Já a da população negra passou de 36 para 32,4, uma queda bem menor, de 10%. Isso mostra que, embora a violência tenha diminuído entre o início e o final da série, a desigualdade racial dos homicídios teve aumento considerável ao longo do período.

A maior vitimização de negros, com sua exposição à violência e à criminalidade, pode ser explicada, entre outros fatores, pela sua pior posição socioeconômica, refletida em emprego, renda e acesso à educação. Em comunidades pobres, como favelas, a população negra fica mais suscetível a tiros que partem de criminosos ou até mesmo das forças de segurança do Estado.

Mas é possível que a discriminação ajude a explicar as vítimas negras? Sim, na visão dos autores. “A violência está ligada às condições socioeconômicas. O País é extremamente desigual, com taxas altas de pobreza e baixos índices educacionais. Esses fatores contribuem para o aumento da violência. E a população mais vulnerável é a mais pobre, com predomínio dos negros”, diz Portella.

Discriminação no acesso aos serviços de saúde

A universalização do acesso é previsto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas há gargalos na prática. Lacunas sobre informações de prevenção ou cuidados médicos, dificuldades de deslocamento a postos de saúde e discriminações, por exemplo, influenciam essa realidade. Os autores se perguntaram, por exemplo, sobre a qualidade desse acesso, especialmente a partir da perspectiva racial.

Um dado que chama a atenção dos pesquisadores nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE, foi a proporção de pacientes que nunca foram ao médico: 0,3% para brancos e 0,6% para pretos e pardos. A probabilidade de um paciente negro nunca ter consultado um médico é o dobro da probabilidade de um paciente branco nesta estimativa.

Alysson Portella, pesquisador do Insper, afirma que avanços contra o racismo existem, mas a velocidade ainda é lenta Foto: Núcleo de Estudos Raciais do Insper

Segundo os mesmos dados, a população negra, especialmente a autodeclarada preta, apresenta os piores indicadores. E mais: a população preta (homens e mulheres) sofre mais discriminação nos serviços de saúde em todos os níveis de renda.

O número de pacientes pretos que não foram atendido (2,6%) é maior do que o de brancos não atendidos (1,9%). Além disso, o número de pardos não atendidos (2,9%) é maior do que o de pacientes brancos (1,9%).

Os autores argumentam que, embora o sistema possa ser considerado universalizado, há indicativos de que ainda persistem desigualdades raciais dentre os que não tiveram atendimento na primeira procura. Esse quadro aponta para o desafio de melhora qualidade do atendimento e de como acolher essa população que se sente discriminada.

Serviço

Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas

Idealização: Núcleo de Estudos Raciais do Insper

Organização: Alysson Portella e Michael França

Número de páginas: 432

Editora: Jandaíra (https://editorajandaira.com.br/)

Preço: R$75,00

* Este conteúdo foi produzido em parceria com o Núcleo de Estudos Raciais do Insper

A desigualdade entre brancos e negros tem origem no Brasil de século atrás, quando ainda havia a escravidão, e são visíveis ainda hoje. Os efeitos estruturais dessa discriminação resultam em piores salários, menos educação e saúde para a população negra, com impactos nas chances de ascensão social e econômica.

Mas, qual é o tamanho dessa diferença? Avançamos em relação ao passado? Após dois anos de estudo, os professores Michael França e Alysson Portella, do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, produziram respostas contundentes – e preocupantes - para essa questão. O livro Os números da discriminação racial (Editora Jandaíra) traz uma perspectiva sobre a desigualdade a partir da ciência econômica, com as contribuições da sociologia, a psicologia, a antropologia e a história.

Os números revelam o progresso, mas também frustram. “Eu acreditava que encontraria melhora bem mais acentuada da questão racial no Brasil”, afirma França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper. “Avançamos, mas em ritmo bem menor que gostaríamos”, completa Portella, pesquisador de pós-doutorado do Insper.

A persistência da desigualdade se reflete no mercado de trabalho: pretos e pardos são maioria entre os 20% dos trabalhadores que ganham os menores salários. Além de frequentemente ocuparem empregos que exigem menos qualificação, é comum que essa parcela da população esteja em subempregos e trabalhos informais.

Na educação, melhor ferramenta para transformar a disparidade salarial, há avanços relativos - impulsionados pela ampliação do acesso na escola. Nas etapas mais avançadas, as cotas mudam, aos poucos, o perfil de quem ingressa nas universidades públicas.

Na saúde, quem sofre mais com a falta de atendimento médico é a população negra, o que reduz a chance de diagnóstico precoce e eleva o risco de mortes por doenças crônicas, como as cardiovasculares e a diabete. Na criminalidade e violência, são as vítimas mais frequentes: a taxa de homicídios entre negros é o triplo.

O Estadão ouviu os pesquisadores sobre a desigualdade racial e a discriminação em quatro dimensões da sociedade brasileira:

Em 2021, renda dos negros foi de 60% do que ganham os brancos

Nos últimos 40 anos, os negros ganharam, em média, 14,25% a menos que os trabalhadores brancos com características semelhantes, como mesma escolaridade, experiência e vínculo trabalhista similar.

Outros recortes exemplificam a desigualdade. A renda do trabalho dos negros em comparação com a dos brancos passou de 49% em 1982 para 60% em 2021. É o que mostra a análise dos Dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) e da PNAD Contínua, ambas são realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Isso chama a atenção porque falamos de quatro décadas nos quais tivemos um processo de redemocratização, governos da direita à esquerda. A rigidez ao longo do tempo chama a atenção”, afirma o pesquisador Michael França.

As maiores diferenças salariais entre brancos e negros são observadas mesmo no topo da distribuição dos salários. Um trabalhador negro entre os 10% mais ricos do seu grupo racial recebia menos que a metade de um branco entre os 10% mais ricos do seu grupo.

Dados do IBGE revelam que negros (pretos e pardos) são maioria entre 20% dos trabalhadores que ganham os menores salários, representando 69%, enquanto brancos representam somente 30% dessa parcela.

Educação: diferença a favor do brancos chega a 10 pontos no 9º ano

Uma das dimensões analisadas pela pesquisa foi a diferença nas notas de alunos de 5º e 9º do Ensino Fundamental no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), prova do Ministério da Educação para medir o aprendizado dos alunos. Estudantes brancos apresentam notas mais elevadas em Português e Matemática; alunos pretos estão em desvantagem de notas em relação aos pardos.

As diferenças aumentam à medida que avançam de série. No 5º ano, em 2015, as diferenças entre brancos e pardos eram de cerca de 6 pontos em Matemática. Quatro anos depois, em 2019 ,passaram para mais de 10 pontos entre alunos do 9º.

Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper. FOTO ALEX SILVA/ESTADAO  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Os pesquisadores, no entanto, observam avanços. A universalização dos serviços de educação, que ganhou força a partir dos anos 1990, foi essencial para reduzir as desigualdades raciais. Em algumas etapas, como a pré-escola e o ensino fundamental, o acesso é praticamente universalizado. Contudo, a melhoria na quantidade não se traduziu em melhorias na qualidade.

“Há um tímido avanço no desempenho de negros e brancos, mas estes progridem mais rapidamente, o que resulta em aumento das diferenças raciais de desempenho”, diz trecho do livro.

Para França, o veloz progresso tecnológico dos últimos anos torna esse desafio ainda maior. “Os indivíduos precisam se educar várias vezes ao longo da vida e absorver novas competências. Como fazer isso se ele não tem educação básica de qualidade? Esse gap (lacuna) racial é importante e acentuado. E estamos falando só do sistema público (os dados de provas do MEC analisados não consideram aluno da rede privada)”, diz França.

Taxa de homicídios entre negros é o triplo que a de brancos

Negros estão mais expostos à violência do que os brancos, com maior desequilíbrio no Nordeste. Em 2010, a taxa de homicídios entre a população negra era mais que o dobro da taxa entre brancos para cada 100 mil habitantes. Em 2017, a taxa entre negros chegou a ser mais de três vezes a de indivíduos brancos, relação que se manteve até o final da série, em 2021, mesmo com redução da taxa de homicídios para ambos os grupos.

Entre o início e o fim da série, a taxa de vítimas brancas saiu de 15,20 para 9,25, o que representa redução de 40%. Já a da população negra passou de 36 para 32,4, uma queda bem menor, de 10%. Isso mostra que, embora a violência tenha diminuído entre o início e o final da série, a desigualdade racial dos homicídios teve aumento considerável ao longo do período.

A maior vitimização de negros, com sua exposição à violência e à criminalidade, pode ser explicada, entre outros fatores, pela sua pior posição socioeconômica, refletida em emprego, renda e acesso à educação. Em comunidades pobres, como favelas, a população negra fica mais suscetível a tiros que partem de criminosos ou até mesmo das forças de segurança do Estado.

Mas é possível que a discriminação ajude a explicar as vítimas negras? Sim, na visão dos autores. “A violência está ligada às condições socioeconômicas. O País é extremamente desigual, com taxas altas de pobreza e baixos índices educacionais. Esses fatores contribuem para o aumento da violência. E a população mais vulnerável é a mais pobre, com predomínio dos negros”, diz Portella.

Discriminação no acesso aos serviços de saúde

A universalização do acesso é previsto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas há gargalos na prática. Lacunas sobre informações de prevenção ou cuidados médicos, dificuldades de deslocamento a postos de saúde e discriminações, por exemplo, influenciam essa realidade. Os autores se perguntaram, por exemplo, sobre a qualidade desse acesso, especialmente a partir da perspectiva racial.

Um dado que chama a atenção dos pesquisadores nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE, foi a proporção de pacientes que nunca foram ao médico: 0,3% para brancos e 0,6% para pretos e pardos. A probabilidade de um paciente negro nunca ter consultado um médico é o dobro da probabilidade de um paciente branco nesta estimativa.

Alysson Portella, pesquisador do Insper, afirma que avanços contra o racismo existem, mas a velocidade ainda é lenta Foto: Núcleo de Estudos Raciais do Insper

Segundo os mesmos dados, a população negra, especialmente a autodeclarada preta, apresenta os piores indicadores. E mais: a população preta (homens e mulheres) sofre mais discriminação nos serviços de saúde em todos os níveis de renda.

O número de pacientes pretos que não foram atendido (2,6%) é maior do que o de brancos não atendidos (1,9%). Além disso, o número de pardos não atendidos (2,9%) é maior do que o de pacientes brancos (1,9%).

Os autores argumentam que, embora o sistema possa ser considerado universalizado, há indicativos de que ainda persistem desigualdades raciais dentre os que não tiveram atendimento na primeira procura. Esse quadro aponta para o desafio de melhora qualidade do atendimento e de como acolher essa população que se sente discriminada.

Serviço

Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas

Idealização: Núcleo de Estudos Raciais do Insper

Organização: Alysson Portella e Michael França

Número de páginas: 432

Editora: Jandaíra (https://editorajandaira.com.br/)

Preço: R$75,00

* Este conteúdo foi produzido em parceria com o Núcleo de Estudos Raciais do Insper

A desigualdade entre brancos e negros tem origem no Brasil de século atrás, quando ainda havia a escravidão, e são visíveis ainda hoje. Os efeitos estruturais dessa discriminação resultam em piores salários, menos educação e saúde para a população negra, com impactos nas chances de ascensão social e econômica.

Mas, qual é o tamanho dessa diferença? Avançamos em relação ao passado? Após dois anos de estudo, os professores Michael França e Alysson Portella, do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, produziram respostas contundentes – e preocupantes - para essa questão. O livro Os números da discriminação racial (Editora Jandaíra) traz uma perspectiva sobre a desigualdade a partir da ciência econômica, com as contribuições da sociologia, a psicologia, a antropologia e a história.

Os números revelam o progresso, mas também frustram. “Eu acreditava que encontraria melhora bem mais acentuada da questão racial no Brasil”, afirma França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper. “Avançamos, mas em ritmo bem menor que gostaríamos”, completa Portella, pesquisador de pós-doutorado do Insper.

A persistência da desigualdade se reflete no mercado de trabalho: pretos e pardos são maioria entre os 20% dos trabalhadores que ganham os menores salários. Além de frequentemente ocuparem empregos que exigem menos qualificação, é comum que essa parcela da população esteja em subempregos e trabalhos informais.

Na educação, melhor ferramenta para transformar a disparidade salarial, há avanços relativos - impulsionados pela ampliação do acesso na escola. Nas etapas mais avançadas, as cotas mudam, aos poucos, o perfil de quem ingressa nas universidades públicas.

Na saúde, quem sofre mais com a falta de atendimento médico é a população negra, o que reduz a chance de diagnóstico precoce e eleva o risco de mortes por doenças crônicas, como as cardiovasculares e a diabete. Na criminalidade e violência, são as vítimas mais frequentes: a taxa de homicídios entre negros é o triplo.

O Estadão ouviu os pesquisadores sobre a desigualdade racial e a discriminação em quatro dimensões da sociedade brasileira:

Em 2021, renda dos negros foi de 60% do que ganham os brancos

Nos últimos 40 anos, os negros ganharam, em média, 14,25% a menos que os trabalhadores brancos com características semelhantes, como mesma escolaridade, experiência e vínculo trabalhista similar.

Outros recortes exemplificam a desigualdade. A renda do trabalho dos negros em comparação com a dos brancos passou de 49% em 1982 para 60% em 2021. É o que mostra a análise dos Dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) e da PNAD Contínua, ambas são realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Isso chama a atenção porque falamos de quatro décadas nos quais tivemos um processo de redemocratização, governos da direita à esquerda. A rigidez ao longo do tempo chama a atenção”, afirma o pesquisador Michael França.

As maiores diferenças salariais entre brancos e negros são observadas mesmo no topo da distribuição dos salários. Um trabalhador negro entre os 10% mais ricos do seu grupo racial recebia menos que a metade de um branco entre os 10% mais ricos do seu grupo.

Dados do IBGE revelam que negros (pretos e pardos) são maioria entre 20% dos trabalhadores que ganham os menores salários, representando 69%, enquanto brancos representam somente 30% dessa parcela.

Educação: diferença a favor do brancos chega a 10 pontos no 9º ano

Uma das dimensões analisadas pela pesquisa foi a diferença nas notas de alunos de 5º e 9º do Ensino Fundamental no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), prova do Ministério da Educação para medir o aprendizado dos alunos. Estudantes brancos apresentam notas mais elevadas em Português e Matemática; alunos pretos estão em desvantagem de notas em relação aos pardos.

As diferenças aumentam à medida que avançam de série. No 5º ano, em 2015, as diferenças entre brancos e pardos eram de cerca de 6 pontos em Matemática. Quatro anos depois, em 2019 ,passaram para mais de 10 pontos entre alunos do 9º.

Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper. FOTO ALEX SILVA/ESTADAO  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Os pesquisadores, no entanto, observam avanços. A universalização dos serviços de educação, que ganhou força a partir dos anos 1990, foi essencial para reduzir as desigualdades raciais. Em algumas etapas, como a pré-escola e o ensino fundamental, o acesso é praticamente universalizado. Contudo, a melhoria na quantidade não se traduziu em melhorias na qualidade.

“Há um tímido avanço no desempenho de negros e brancos, mas estes progridem mais rapidamente, o que resulta em aumento das diferenças raciais de desempenho”, diz trecho do livro.

Para França, o veloz progresso tecnológico dos últimos anos torna esse desafio ainda maior. “Os indivíduos precisam se educar várias vezes ao longo da vida e absorver novas competências. Como fazer isso se ele não tem educação básica de qualidade? Esse gap (lacuna) racial é importante e acentuado. E estamos falando só do sistema público (os dados de provas do MEC analisados não consideram aluno da rede privada)”, diz França.

Taxa de homicídios entre negros é o triplo que a de brancos

Negros estão mais expostos à violência do que os brancos, com maior desequilíbrio no Nordeste. Em 2010, a taxa de homicídios entre a população negra era mais que o dobro da taxa entre brancos para cada 100 mil habitantes. Em 2017, a taxa entre negros chegou a ser mais de três vezes a de indivíduos brancos, relação que se manteve até o final da série, em 2021, mesmo com redução da taxa de homicídios para ambos os grupos.

Entre o início e o fim da série, a taxa de vítimas brancas saiu de 15,20 para 9,25, o que representa redução de 40%. Já a da população negra passou de 36 para 32,4, uma queda bem menor, de 10%. Isso mostra que, embora a violência tenha diminuído entre o início e o final da série, a desigualdade racial dos homicídios teve aumento considerável ao longo do período.

A maior vitimização de negros, com sua exposição à violência e à criminalidade, pode ser explicada, entre outros fatores, pela sua pior posição socioeconômica, refletida em emprego, renda e acesso à educação. Em comunidades pobres, como favelas, a população negra fica mais suscetível a tiros que partem de criminosos ou até mesmo das forças de segurança do Estado.

Mas é possível que a discriminação ajude a explicar as vítimas negras? Sim, na visão dos autores. “A violência está ligada às condições socioeconômicas. O País é extremamente desigual, com taxas altas de pobreza e baixos índices educacionais. Esses fatores contribuem para o aumento da violência. E a população mais vulnerável é a mais pobre, com predomínio dos negros”, diz Portella.

Discriminação no acesso aos serviços de saúde

A universalização do acesso é previsto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas há gargalos na prática. Lacunas sobre informações de prevenção ou cuidados médicos, dificuldades de deslocamento a postos de saúde e discriminações, por exemplo, influenciam essa realidade. Os autores se perguntaram, por exemplo, sobre a qualidade desse acesso, especialmente a partir da perspectiva racial.

Um dado que chama a atenção dos pesquisadores nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE, foi a proporção de pacientes que nunca foram ao médico: 0,3% para brancos e 0,6% para pretos e pardos. A probabilidade de um paciente negro nunca ter consultado um médico é o dobro da probabilidade de um paciente branco nesta estimativa.

Alysson Portella, pesquisador do Insper, afirma que avanços contra o racismo existem, mas a velocidade ainda é lenta Foto: Núcleo de Estudos Raciais do Insper

Segundo os mesmos dados, a população negra, especialmente a autodeclarada preta, apresenta os piores indicadores. E mais: a população preta (homens e mulheres) sofre mais discriminação nos serviços de saúde em todos os níveis de renda.

O número de pacientes pretos que não foram atendido (2,6%) é maior do que o de brancos não atendidos (1,9%). Além disso, o número de pardos não atendidos (2,9%) é maior do que o de pacientes brancos (1,9%).

Os autores argumentam que, embora o sistema possa ser considerado universalizado, há indicativos de que ainda persistem desigualdades raciais dentre os que não tiveram atendimento na primeira procura. Esse quadro aponta para o desafio de melhora qualidade do atendimento e de como acolher essa população que se sente discriminada.

Serviço

Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas

Idealização: Núcleo de Estudos Raciais do Insper

Organização: Alysson Portella e Michael França

Número de páginas: 432

Editora: Jandaíra (https://editorajandaira.com.br/)

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* Este conteúdo foi produzido em parceria com o Núcleo de Estudos Raciais do Insper

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