Em 2016 recebi uma bolsa literária para escrever em Israel. Resolvi caminhar perto das cavernas, nas encostas que contornavam um dos portos do Mar Morto. Chutando pedras deparei com o que parecia ser um fragmento de garrafa de cerâmica. Eu a recolhi, e, dentro, havia um rascunho. Parecia ser uma mensagem destinada ao futuro: estava enrolada como um pergaminho, havia uma camada de cera que o envolvia e continha uma tinta espessa, em relevo, As bordas do documento estavam parcialmente queimadas. Com alguma dificuldade removi o papel, depois afastei um lacre e finalmente pude ter acesso ao texto escrito em uma língua com caracteres curiosos e que se lia da direita para a esquerda. Era aramaico. Passei a noite olhando para aquela descoberta, mas passada a síndrome de Champollion senti culpa e fiquei dividido. No dia seguinte, por amor à história, decidi leva-lo pessoalmente a um museu, onde uma equipe de especialistas imediatamente debruçou-se, maravilhada, sobre a peça arqueológica que descobri aleatoriamente, chutando cascalho. Achei muito curioso, já que até hoje nenhum pesquisador conseguiu ainda fornecer um resultado para estabelecer a datação com precisão. A partir dai necessitei de um certo controle para não entrar em devaneios místicos. Meses depois soubemos que era uma escritura não datada e cujo relatório afirmava:
"O texto, inédito, parece fazer parte de uma comunidade hermética. Pode-se constatar no material a atividade do carbono radioativo em 11 dpm/g. Após cálculos, verificou-se a idade aproximada de 2.500 anos comprovando que o papel e a tinta podem ser aproximadamente desta data. O que causou perplexidade foi a constatação de um dado aparentemente contraditório: a presença de um elemento químico que emite baixa radioatividade e desconhecido na terra. Por consenso, decidimos batiza-lo de Eli 180, isso foi ao mesmo tempo uma descoberta breakthrough e um enorme enigma, esperemos que novas pesquisas científicas o decifrem"
Abaixo a tradução do pergaminho:
"...desde o décimo quinto dia do mês de Tishrei: 100 dias e ainda sob uma neblina indissipável. 100 dias e ninguém declarou liberdade. 100 dias sem um segundo de respiração completa. 100 dias de animação suspensa. 100 dias que não são de silencio, mas do mais ruidoso e severo julgamento de uma nação pela história recente. 100 dias de corações congelados pelo liquido insensato. 100 dias sem aval para legitima defesa. 100 dias de ímpias arbitrariedades. 100 dias de gargantas ressecadas por pedidos adiados. 100 dias em prisões subterrâneas. 100 dias sob a tutela da perversidade. 100 dias de instituições desonradas pela conivência. 100 dias mudos de dor. 100 dias sem conhecer a luz natural. 100 dias de marcha ao abismo. 100 dias de nostalgias premonitórias. 100 dias sem um único dia comum. 100 dias tomados pela estranheza de um mundo novo. 100 dias de mudanças nunca requisitadas. 100 dias de perplexidade 100 dias sem mães, pais, irmãos, avós. 100 dias de uma paz unilateralmente violada. 100 dias que nos remeteu ao cativeiro na Babilônia. 100 dias que vivemos sem viver. 100 dias da brutalidade. 100 dias de uma campanha de abusos. 100 dias de tentamens sórdidos. 100 dias de ameaça existencial. 100 dias de coragem supernatural para enfrentar a covardia mundana. 100 dias de injurias ignominiosas. 100 dias de acusações sem lastro. 100 dias de injurias sem processo. 100 dias de multidões por causas nefastas. 100 dias de sons de laringes estreitadas. 100 dias nos quais quem rompe o cessar fogo é tomado como vitima. 100 dias de pedidos irrealistas. 100 dias de sonhos perdidos por séculos. 100 dias de traumas contínuos. 100 dias de julgamentos seletivos. 100 dias de permanência ao relento. 100 dias de luzes apagadas. 100 dias de mutações na linguagem. 100 dias de uma inimaginável inversão. 100 dias de destinos isolados. 100 dias de meninas perdidas. 100 dias de manobras injustas.100 dias de animais executados. 100 dias lotando abrigos. 100 dias sem pisar em casa. 100 dias errando pelo sul. 100 dias de destinos interrompidos. 100 dias recolhendo fragmentos. 100 dias de espíritos dispersos. 100 dias de déspotas triunfantes. 100 dias mostrando quem é intolerante. 100 dias de álibis repugnantes.
E, a partir do Nissan 14, teremos o inesperado:
Aconteceu naqueles dias e soubemos, Ele é Ele: A Escada da Ascensão apareceu, e a partir deste dia serão milhares de momentos de reconstrução e união, apreciação mútua, de uma paz eleita com quem escolhermos, de um horizonte nunca percebido pelos olhos, de insubmissa tenacidade, de símbolos preservados, de uma tocha que arde como o sol, de astros que iluminam os dias, de uma leveza sem precedentes, de amenidades da natureza, de berços acolchoados, do afeto de desertos que já não são, do retorno dos bebes, de saúde transcendente, de continentes que foram movidos, de promessas de terra fixadas nos céus. De permanência, rio e mar. E a força vital transformada na própria vida do homem. Chegou este momento. Adesão e devoção. Este é o dia"
Até hoje me pergunto se aquele futebol com as rochas trouxe uma informação antecipada ou era apenas um amontoado de coincidências, fruto do nosso pensamento rápido. Serão as profecias antecipações anunciadas exatamente para que as contornemos? De qualquer modo, como ortodoxo não observante, fiquei intrigado com o lema "adesão e devoção". Nessa ordem. Afinal, até na ciência a fé não pode falhar.