Crônica, política e derivações

O xamanismo involuntário da paternidade


Por Paulo Rosenbaum

O xamanismo involuntário da paternidade

Numa época de tantos equívocos sobre definição de papéis e gênero, para desespero dos sectários e doutrinadores, ainda persistem algumas atribuições específicas, constitutivas e fundamentais, que são atributos distintos para o pai.

Eis que me encontro num avião para visitar a família que emigrou, o detalhe é que justo hoje o avião desliza em direção a uma região conflagrada, a qual, ainda que torçamos pela paz justa, caminha neste exato momento para o risco de uma grande e imprevisível ampliação do conflito.

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Depois de dois voos cancelados, uma companhia aérea aceitou voar para a região. Após uma jornada de escalas e trânsito de 28 horas o piloto francês finalmente deixa claro que depois de determinado momento os cintos deveriam estar afivelados: o momento era quando entrássemos no espaço aéreo de Israel.

Apesar de anunciar com uma hora de antecedência, procedimento padrão, pensei. Até que o locutor acrescentou, enigmático: "vocês sabem porquê".

Pois bem, mesmo em circunstâncias habituais ser pai não é uma tarefa fácil. A pletora emocional pode ser realizadora, mas foi somente naquele momento que me dei conta que se trata de uma missão de entrega. Tive a premonição, mas foi somente quando aterrissei que soube que fiz a única escolha correta.

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Sem dúvida, a experiencia de ter filhos eleva a percepção da alteridade. É preciso minimizar o culto do ego e descobrir que você agora compartilha com o mundo pessoas que durante muito tempo dependerão de seus cuidados.

Até que deixarão de precisar de proteção e serão, eles mesmos, protetores e protetoras para com os seus.

Pergunte para qualquer pai. Tudo isso é uma realidade experimental, muito verdadeira e nada fácil.

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Com exceção do trabalho das mães, a vastidão de variáveis com as quais um pai depara dificilmente pode ser equiparada a outra função. Ainda que elas sejam inigualáveis na maioria dos quesitos (com menção honrosa para as mães italianas e judias) o Pai tem sido, historicamente, menos exigido. Isso tem mudado e os pais atuais são não apenas bem mais presentes.* Estão mais conscientes do que necessitam fazer para adensar suas experiências como pais. Isso inclui conhecer as próprias fraquezas e inabilidades quando precisam dar suporte aos filhos.

Mas o pai tem pelo menos uma incumbência que pode ser relativamente exclusiva, e, antecipando, não, não é o papel de provedor.

O pai pode não ter aptidão, vontade ou talento, mas o que ele precisa mesmo é se comportar como um radar.

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O radar flutuante que mapeia o terreno num mundo instável. Não se trata apenas de tomar as decisões (as mães costumam se incumbir disso também). Trata-se de uma função para a qual, sem medo de mistificação, aproximar-se-ia de xamânica.

Em quais aspectos?

Ainda que o amor incondicional e instantâneo aos filhos seja este mistério comum ao pai e a mãe há, na perspectiva da paternidade uma outra novidade, seu papel transformador: afinal ele é o que permite com sua presença intrometida e disruptiva que a relação simbiótica passageira entre mãe e filho seja, enfim, interrompida.

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No momento das inevitáveis emancipações é ele também quem costuma dar ao emancipado a sensação de confiança e apontar diretrizes para o futuro.

Como metaforicamente a psicologia considera, se a boa mãe é a mãe que, aos poucos, deixa de ser necessária, o bom pai é o pai imprescindível.

Especialmente durante essa delicada transição.

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O pai flui, naturalmente, para apontar uma espécie de direção da vida, uma intuição menos sutil, predominantemente ligada às diretrizes de talento pessoal e transmissão das experiências empíricas, que não se limita apenas ao mundo prático.

O pai segue através da vida como conselheiro do percurso -- arriscaria afirmar que com menos ênfase no campo das escolhas matrimoniais.

E, muitas vezes referente à busca de sentido, ajudando os filhos a encontrar um quando todos parecem raros ou esgotados.

Apesar de ser tomado como tal, o pai não é âncora. Uma metáfora mais adequada talvez seja a da boia. Se a mãe acolhe e cuida, o pai é quem faz tentar fazê-los flutuar. Se a mãe possui o olho clínico do diagnóstico é o pai que deve ser capaz de estabelecer a terapêutica.

O pai pode ser análogo às referências bibliográficas, aquelas que estabelecem o código de estudo, ou, se preferirem, o sistema de notação familiar.

A demanda é que ele seja um herói, e até na linguagem jurídica é mandatório que o pai seja responsável, tutor, muralha e rocha, mas também é inevitável que, às vezes, mostre-se frágil e melancólico.

Meu pai foi tudo isso, e, reafirmo por vivência pessoal, quando eles nos deixam, e somos finalmente coagidos a segurar a tocha, há uma dor que, a despeito de não queimar, machuca.

E é neste momento, para além do mero protocolo olímpico, que, como pai, você sabe que chegou a hora de levá-la, ela, a chama, adiante, até a geração seguinte.

Um ciclo autorreplicante. o qual temos a honra de fazê-lo perpétuo.

 

  • Rosenbaum, Silvia Fernanda R. "Permanência a Transformação, Paternidade na Revista Pais e Filhos" Dissertação de Mestrado, PUC-SP 1998.

 

 

 

 

 

 

 

 

O xamanismo involuntário da paternidade

Numa época de tantos equívocos sobre definição de papéis e gênero, para desespero dos sectários e doutrinadores, ainda persistem algumas atribuições específicas, constitutivas e fundamentais, que são atributos distintos para o pai.

Eis que me encontro num avião para visitar a família que emigrou, o detalhe é que justo hoje o avião desliza em direção a uma região conflagrada, a qual, ainda que torçamos pela paz justa, caminha neste exato momento para o risco de uma grande e imprevisível ampliação do conflito.

Depois de dois voos cancelados, uma companhia aérea aceitou voar para a região. Após uma jornada de escalas e trânsito de 28 horas o piloto francês finalmente deixa claro que depois de determinado momento os cintos deveriam estar afivelados: o momento era quando entrássemos no espaço aéreo de Israel.

Apesar de anunciar com uma hora de antecedência, procedimento padrão, pensei. Até que o locutor acrescentou, enigmático: "vocês sabem porquê".

Pois bem, mesmo em circunstâncias habituais ser pai não é uma tarefa fácil. A pletora emocional pode ser realizadora, mas foi somente naquele momento que me dei conta que se trata de uma missão de entrega. Tive a premonição, mas foi somente quando aterrissei que soube que fiz a única escolha correta.

Sem dúvida, a experiencia de ter filhos eleva a percepção da alteridade. É preciso minimizar o culto do ego e descobrir que você agora compartilha com o mundo pessoas que durante muito tempo dependerão de seus cuidados.

Até que deixarão de precisar de proteção e serão, eles mesmos, protetores e protetoras para com os seus.

Pergunte para qualquer pai. Tudo isso é uma realidade experimental, muito verdadeira e nada fácil.

Com exceção do trabalho das mães, a vastidão de variáveis com as quais um pai depara dificilmente pode ser equiparada a outra função. Ainda que elas sejam inigualáveis na maioria dos quesitos (com menção honrosa para as mães italianas e judias) o Pai tem sido, historicamente, menos exigido. Isso tem mudado e os pais atuais são não apenas bem mais presentes.* Estão mais conscientes do que necessitam fazer para adensar suas experiências como pais. Isso inclui conhecer as próprias fraquezas e inabilidades quando precisam dar suporte aos filhos.

Mas o pai tem pelo menos uma incumbência que pode ser relativamente exclusiva, e, antecipando, não, não é o papel de provedor.

O pai pode não ter aptidão, vontade ou talento, mas o que ele precisa mesmo é se comportar como um radar.

O radar flutuante que mapeia o terreno num mundo instável. Não se trata apenas de tomar as decisões (as mães costumam se incumbir disso também). Trata-se de uma função para a qual, sem medo de mistificação, aproximar-se-ia de xamânica.

Em quais aspectos?

Ainda que o amor incondicional e instantâneo aos filhos seja este mistério comum ao pai e a mãe há, na perspectiva da paternidade uma outra novidade, seu papel transformador: afinal ele é o que permite com sua presença intrometida e disruptiva que a relação simbiótica passageira entre mãe e filho seja, enfim, interrompida.

No momento das inevitáveis emancipações é ele também quem costuma dar ao emancipado a sensação de confiança e apontar diretrizes para o futuro.

Como metaforicamente a psicologia considera, se a boa mãe é a mãe que, aos poucos, deixa de ser necessária, o bom pai é o pai imprescindível.

Especialmente durante essa delicada transição.

O pai flui, naturalmente, para apontar uma espécie de direção da vida, uma intuição menos sutil, predominantemente ligada às diretrizes de talento pessoal e transmissão das experiências empíricas, que não se limita apenas ao mundo prático.

O pai segue através da vida como conselheiro do percurso -- arriscaria afirmar que com menos ênfase no campo das escolhas matrimoniais.

E, muitas vezes referente à busca de sentido, ajudando os filhos a encontrar um quando todos parecem raros ou esgotados.

Apesar de ser tomado como tal, o pai não é âncora. Uma metáfora mais adequada talvez seja a da boia. Se a mãe acolhe e cuida, o pai é quem faz tentar fazê-los flutuar. Se a mãe possui o olho clínico do diagnóstico é o pai que deve ser capaz de estabelecer a terapêutica.

O pai pode ser análogo às referências bibliográficas, aquelas que estabelecem o código de estudo, ou, se preferirem, o sistema de notação familiar.

A demanda é que ele seja um herói, e até na linguagem jurídica é mandatório que o pai seja responsável, tutor, muralha e rocha, mas também é inevitável que, às vezes, mostre-se frágil e melancólico.

Meu pai foi tudo isso, e, reafirmo por vivência pessoal, quando eles nos deixam, e somos finalmente coagidos a segurar a tocha, há uma dor que, a despeito de não queimar, machuca.

E é neste momento, para além do mero protocolo olímpico, que, como pai, você sabe que chegou a hora de levá-la, ela, a chama, adiante, até a geração seguinte.

Um ciclo autorreplicante. o qual temos a honra de fazê-lo perpétuo.

 

  • Rosenbaum, Silvia Fernanda R. "Permanência a Transformação, Paternidade na Revista Pais e Filhos" Dissertação de Mestrado, PUC-SP 1998.

 

 

 

 

 

 

 

 

O xamanismo involuntário da paternidade

Numa época de tantos equívocos sobre definição de papéis e gênero, para desespero dos sectários e doutrinadores, ainda persistem algumas atribuições específicas, constitutivas e fundamentais, que são atributos distintos para o pai.

Eis que me encontro num avião para visitar a família que emigrou, o detalhe é que justo hoje o avião desliza em direção a uma região conflagrada, a qual, ainda que torçamos pela paz justa, caminha neste exato momento para o risco de uma grande e imprevisível ampliação do conflito.

Depois de dois voos cancelados, uma companhia aérea aceitou voar para a região. Após uma jornada de escalas e trânsito de 28 horas o piloto francês finalmente deixa claro que depois de determinado momento os cintos deveriam estar afivelados: o momento era quando entrássemos no espaço aéreo de Israel.

Apesar de anunciar com uma hora de antecedência, procedimento padrão, pensei. Até que o locutor acrescentou, enigmático: "vocês sabem porquê".

Pois bem, mesmo em circunstâncias habituais ser pai não é uma tarefa fácil. A pletora emocional pode ser realizadora, mas foi somente naquele momento que me dei conta que se trata de uma missão de entrega. Tive a premonição, mas foi somente quando aterrissei que soube que fiz a única escolha correta.

Sem dúvida, a experiencia de ter filhos eleva a percepção da alteridade. É preciso minimizar o culto do ego e descobrir que você agora compartilha com o mundo pessoas que durante muito tempo dependerão de seus cuidados.

Até que deixarão de precisar de proteção e serão, eles mesmos, protetores e protetoras para com os seus.

Pergunte para qualquer pai. Tudo isso é uma realidade experimental, muito verdadeira e nada fácil.

Com exceção do trabalho das mães, a vastidão de variáveis com as quais um pai depara dificilmente pode ser equiparada a outra função. Ainda que elas sejam inigualáveis na maioria dos quesitos (com menção honrosa para as mães italianas e judias) o Pai tem sido, historicamente, menos exigido. Isso tem mudado e os pais atuais são não apenas bem mais presentes.* Estão mais conscientes do que necessitam fazer para adensar suas experiências como pais. Isso inclui conhecer as próprias fraquezas e inabilidades quando precisam dar suporte aos filhos.

Mas o pai tem pelo menos uma incumbência que pode ser relativamente exclusiva, e, antecipando, não, não é o papel de provedor.

O pai pode não ter aptidão, vontade ou talento, mas o que ele precisa mesmo é se comportar como um radar.

O radar flutuante que mapeia o terreno num mundo instável. Não se trata apenas de tomar as decisões (as mães costumam se incumbir disso também). Trata-se de uma função para a qual, sem medo de mistificação, aproximar-se-ia de xamânica.

Em quais aspectos?

Ainda que o amor incondicional e instantâneo aos filhos seja este mistério comum ao pai e a mãe há, na perspectiva da paternidade uma outra novidade, seu papel transformador: afinal ele é o que permite com sua presença intrometida e disruptiva que a relação simbiótica passageira entre mãe e filho seja, enfim, interrompida.

No momento das inevitáveis emancipações é ele também quem costuma dar ao emancipado a sensação de confiança e apontar diretrizes para o futuro.

Como metaforicamente a psicologia considera, se a boa mãe é a mãe que, aos poucos, deixa de ser necessária, o bom pai é o pai imprescindível.

Especialmente durante essa delicada transição.

O pai flui, naturalmente, para apontar uma espécie de direção da vida, uma intuição menos sutil, predominantemente ligada às diretrizes de talento pessoal e transmissão das experiências empíricas, que não se limita apenas ao mundo prático.

O pai segue através da vida como conselheiro do percurso -- arriscaria afirmar que com menos ênfase no campo das escolhas matrimoniais.

E, muitas vezes referente à busca de sentido, ajudando os filhos a encontrar um quando todos parecem raros ou esgotados.

Apesar de ser tomado como tal, o pai não é âncora. Uma metáfora mais adequada talvez seja a da boia. Se a mãe acolhe e cuida, o pai é quem faz tentar fazê-los flutuar. Se a mãe possui o olho clínico do diagnóstico é o pai que deve ser capaz de estabelecer a terapêutica.

O pai pode ser análogo às referências bibliográficas, aquelas que estabelecem o código de estudo, ou, se preferirem, o sistema de notação familiar.

A demanda é que ele seja um herói, e até na linguagem jurídica é mandatório que o pai seja responsável, tutor, muralha e rocha, mas também é inevitável que, às vezes, mostre-se frágil e melancólico.

Meu pai foi tudo isso, e, reafirmo por vivência pessoal, quando eles nos deixam, e somos finalmente coagidos a segurar a tocha, há uma dor que, a despeito de não queimar, machuca.

E é neste momento, para além do mero protocolo olímpico, que, como pai, você sabe que chegou a hora de levá-la, ela, a chama, adiante, até a geração seguinte.

Um ciclo autorreplicante. o qual temos a honra de fazê-lo perpétuo.

 

  • Rosenbaum, Silvia Fernanda R. "Permanência a Transformação, Paternidade na Revista Pais e Filhos" Dissertação de Mestrado, PUC-SP 1998.

 

 

 

 

 

 

 

 

O xamanismo involuntário da paternidade

Numa época de tantos equívocos sobre definição de papéis e gênero, para desespero dos sectários e doutrinadores, ainda persistem algumas atribuições específicas, constitutivas e fundamentais, que são atributos distintos para o pai.

Eis que me encontro num avião para visitar a família que emigrou, o detalhe é que justo hoje o avião desliza em direção a uma região conflagrada, a qual, ainda que torçamos pela paz justa, caminha neste exato momento para o risco de uma grande e imprevisível ampliação do conflito.

Depois de dois voos cancelados, uma companhia aérea aceitou voar para a região. Após uma jornada de escalas e trânsito de 28 horas o piloto francês finalmente deixa claro que depois de determinado momento os cintos deveriam estar afivelados: o momento era quando entrássemos no espaço aéreo de Israel.

Apesar de anunciar com uma hora de antecedência, procedimento padrão, pensei. Até que o locutor acrescentou, enigmático: "vocês sabem porquê".

Pois bem, mesmo em circunstâncias habituais ser pai não é uma tarefa fácil. A pletora emocional pode ser realizadora, mas foi somente naquele momento que me dei conta que se trata de uma missão de entrega. Tive a premonição, mas foi somente quando aterrissei que soube que fiz a única escolha correta.

Sem dúvida, a experiencia de ter filhos eleva a percepção da alteridade. É preciso minimizar o culto do ego e descobrir que você agora compartilha com o mundo pessoas que durante muito tempo dependerão de seus cuidados.

Até que deixarão de precisar de proteção e serão, eles mesmos, protetores e protetoras para com os seus.

Pergunte para qualquer pai. Tudo isso é uma realidade experimental, muito verdadeira e nada fácil.

Com exceção do trabalho das mães, a vastidão de variáveis com as quais um pai depara dificilmente pode ser equiparada a outra função. Ainda que elas sejam inigualáveis na maioria dos quesitos (com menção honrosa para as mães italianas e judias) o Pai tem sido, historicamente, menos exigido. Isso tem mudado e os pais atuais são não apenas bem mais presentes.* Estão mais conscientes do que necessitam fazer para adensar suas experiências como pais. Isso inclui conhecer as próprias fraquezas e inabilidades quando precisam dar suporte aos filhos.

Mas o pai tem pelo menos uma incumbência que pode ser relativamente exclusiva, e, antecipando, não, não é o papel de provedor.

O pai pode não ter aptidão, vontade ou talento, mas o que ele precisa mesmo é se comportar como um radar.

O radar flutuante que mapeia o terreno num mundo instável. Não se trata apenas de tomar as decisões (as mães costumam se incumbir disso também). Trata-se de uma função para a qual, sem medo de mistificação, aproximar-se-ia de xamânica.

Em quais aspectos?

Ainda que o amor incondicional e instantâneo aos filhos seja este mistério comum ao pai e a mãe há, na perspectiva da paternidade uma outra novidade, seu papel transformador: afinal ele é o que permite com sua presença intrometida e disruptiva que a relação simbiótica passageira entre mãe e filho seja, enfim, interrompida.

No momento das inevitáveis emancipações é ele também quem costuma dar ao emancipado a sensação de confiança e apontar diretrizes para o futuro.

Como metaforicamente a psicologia considera, se a boa mãe é a mãe que, aos poucos, deixa de ser necessária, o bom pai é o pai imprescindível.

Especialmente durante essa delicada transição.

O pai flui, naturalmente, para apontar uma espécie de direção da vida, uma intuição menos sutil, predominantemente ligada às diretrizes de talento pessoal e transmissão das experiências empíricas, que não se limita apenas ao mundo prático.

O pai segue através da vida como conselheiro do percurso -- arriscaria afirmar que com menos ênfase no campo das escolhas matrimoniais.

E, muitas vezes referente à busca de sentido, ajudando os filhos a encontrar um quando todos parecem raros ou esgotados.

Apesar de ser tomado como tal, o pai não é âncora. Uma metáfora mais adequada talvez seja a da boia. Se a mãe acolhe e cuida, o pai é quem faz tentar fazê-los flutuar. Se a mãe possui o olho clínico do diagnóstico é o pai que deve ser capaz de estabelecer a terapêutica.

O pai pode ser análogo às referências bibliográficas, aquelas que estabelecem o código de estudo, ou, se preferirem, o sistema de notação familiar.

A demanda é que ele seja um herói, e até na linguagem jurídica é mandatório que o pai seja responsável, tutor, muralha e rocha, mas também é inevitável que, às vezes, mostre-se frágil e melancólico.

Meu pai foi tudo isso, e, reafirmo por vivência pessoal, quando eles nos deixam, e somos finalmente coagidos a segurar a tocha, há uma dor que, a despeito de não queimar, machuca.

E é neste momento, para além do mero protocolo olímpico, que, como pai, você sabe que chegou a hora de levá-la, ela, a chama, adiante, até a geração seguinte.

Um ciclo autorreplicante. o qual temos a honra de fazê-lo perpétuo.

 

  • Rosenbaum, Silvia Fernanda R. "Permanência a Transformação, Paternidade na Revista Pais e Filhos" Dissertação de Mestrado, PUC-SP 1998.

 

 

 

 

 

 

 

 

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