Yuval Vagdani
Por Bruno Feigelson, Samuel Max Gabbay e Pedro Solomon Mota
Recentemente, ganhou destaque a notícia-crime acusando o soldado israelense Yuval Vagdani de supostos crimes de guerra. No entanto, essa notícia-crime deveria ter sido imediatamente rejeitada, e isso nos leva a refletir sobre o alcance da Justiça brasileira, o Estatuto de Roma e a competência do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Ao tentar usar a jurisdição brasileira para processar crimes de guerra imputados a um estrangeiro, por fatos a serem investigados e que foram ocorridos fora do Brasil, os autores da notícia-crime tentam usurpar a competência do TPI. Isso resulta em uma politização do sistema judicial brasileiro, ao tentar envolvê-lo em questões que fogem à sua competência. Especialmente em casos internacionais, envolvendo estrangeiros, em que o judiciário brasileiro - além de não possuir jurisdição - mostra-se de todo incapaz de apreciar propriamente os fatos alegados, que supostamente ocorreram no exterior.
Essa prática enfraquece as instituições internacionais e coloca o Judiciário brasileiro a serviço de interesses políticos, no intuito de julgar fatos e pessoas absolutamente estranhas à República Federativa do Brasil. A competência do TPI não pode ser subvertida por interesses políticos, e o sistema judiciário brasileiro não deve ser usado para questões que extrapolam a sua jurisdição.
O grande equívoco dos proponentes da notícia crime está na tentativa de aplicar o Estatuto de Roma diretamente no ordenamento jurídico brasileiro. O Estatuto de Roma foi criado para regular a atuação do TPI e não prevê a aplicação direta de seus crimes no sistema jurídico de Estados signatários.
Acerca disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já proferiu claro entendimento nos autos do Recurso Especial nº 1798903/RJ, no sentido de que "não se mostra possível internalizar a tipificação do crime contra a humanidade trazida pelo Estatuto de Roma, mesmo se cuidando de Tratado internalizado por meio do Decreto n. 4.388/2002, porquanto não há lei em sentido formal tipificando referida conduta." Logo, não havendo lei em sentido formal tipificando as condutas previstas no Estatuto de Roma, não há como julgar criminalmente um indivíduo no Brasil com base em suas disposições.
Aplicar diretamente os tipos penais previstos no Estatuto de Roma, sem que esses crimes tenham sido formalmente incorporados à legislação brasileira, constitui violação ao princípio da legalidade, que rege o direito penal e é um direito fundamental previsto na Constituição.
A notícia-crime proposta trata-se, portanto, de um intento de que o Judiciário brasileiro seja utilizado para fins políticos e para balizar o desrespeito ao sistema jurídico nacional e à separação de competências entre tribunais nacionais e internacionais.
Reforça-se que usurpar a competência do TPI para que o Brasil venha a apreciar fatos ocorridos em solo estrangeiro, sem possibilidade real de apreciar a veracidade das alegações narradas, constitui tentativa grave de uso político dos tribunais brasileiros para violação a direitos e garantias fundamentais do investigado.
Em síntese, a tentativa de processar criminalmente Yuval Vagdani no Brasil é um intento de uma ONG com interesses políticos na demanda e mostra-se, em absoluto, juridicamente insustentável. O Brasil não tem jurisdição para processar um soldado israelense por fatos ocorridos em Israel. A aplicação direta do Estatuto de Roma sem lei interna que tipifique a conduta no direito brasileiro fere o princípio da legalidade, como preveem os precedentes judiciais do STJ e STF e as previsões do Estatuto de Roma só podem ser condenadas pelo próprio TPI.
O caso evidencia a necessidade de respeitar os tratados internacionais e as normas que regulam a atuação de tribunais internacionais, como o TPI; além de repudiar o uso político e atécnico do sistema judicial brasileiro. O Judiciário brasileiro não deve ser utilizado politicamente para apreciar fatos sobre os quais não possui jurisdição e para aplicar tipos penais sequer previstos na legislação brasileira, evitando a politização do sistema judiciário e do direito penal.