A terça-feira foi feriado em Santa Maria Madalena - 22 de julho é o dia da padroeira do pequeno município do interior do Estado do Rio. Não só por isso: Madalena parou para dar adeus a Dercy Gonçalves, que fugiu aos 14 anos em busca do sonho da vida artística, mas sempre teve carinho pela cidade, na qual queria ser enterrada. A despedida foi do jeito que ela desejava: irreverente, musical e animada. Veja também: Fãs se despedem de Dercy, que vai ser enterrada em pé Samba da Viradouro acompanhará enterro de Dercy GonçalvesDercy é velada na Assembléia Legislativa do Rio 'Dercy era um exemplo de força', diz Adelaide Chiozzo Galeria de imagens da humorista Dercy por Dercy A atriz, que morreu aos 101 anos no sábado, em decorrência de uma pneumonia, pedira à família para que seu caixão fosse sepultado na vertical, de modo que ela ficasse de frente para quem visitasse seu mausoléu. Assim foi feito. Com dois metros de altura, a escultura de pirâmide em vidro, que ela mesma mandou fazer há 17 anos, depois de um câncer grave no estômago, foi cercada por amigos e familiares. Do lado de fora do cemitério, cerca de 5 mil pessoas (metade da população local), de acordo com a contagem da Defesa Civil Municipal, acompanhavam. Os fãs, idosos, jovens e crianças, cantaram "A perereca da vizinha", gravada por Dercy, e o samba da Unidos da Viradouro, que a homenageou com um enredo em 1991 (aos 83 anos, ela desfilou de seios de fora). A toda hora, a aplaudiam. Mais cedo, haviam lotado o Clube Montanhês, onde ocorreu o segundo velório - o palco do clube foi batizado com seu nome em março, durante a festa de sua reinauguração. O primeiro velório foi na Assembléia Legislativa do Rio, e atraiu artistas que admiravam a atriz. Dessa vez, foram os madalenses, que passaram a vida a festejar a conterrânea célebre, os convidados. "Mesmo que não fosse feriado, viraria" dizia Nestor Lopes, presidente do Museu Dercy Gonçalves, inaugurado em1996. Ele, como muitos presentes, lembravam que, apesar da idade avançada da humorista, sua morte pegou a todos de surpresa. "Ela falava da morte com tanta naturalidade que assustava a gente. Hoje estamos enterrando a Dolores cidadã, mas a personagem Dercy vamos manter viva." A única filha de Dercy, Dercimar, contou que a mãe não queria saber de tristeza nessa hora. "Foi tudo como ela quis: sem baixo-astral, com alegria. Ela queria tudo: carro dos bombeiros, helicóptero, batedor...", brincou. Não chegou a tanto, mas Dercy foi intensamente homenageada. No velório, músicas e demonstrações de carinho; em seguida, o caixão percorreu ruas da cidade (inclusive a Gywer de Azevedo, em que fica a casa onde ela nasceu), em direção à igreja matriz. No templo em que anualmente seu aniversário era celebrado, foi rezada uma missa de corpo presente. Toda a cidade estava enfeitada com faixas de louvor à atriz. "Vim de Friburgo, três horas de ônibus. Até ontem ela estava fazendo palhaçada, e agora...", lamentava dona Nilza Rodrigues, de 73 anos O amigo Julinho do Carmo, cabeleireiro que há 20 anos se aproximou do ídolo (a admiração é tamanha que ele tem uma tatuagem com o rosto de Dercy no corpo), não parava de chorar. Julinho revelou que era tão íntimo da atriz que eles se entendiam por códigos secretos. "Quando ela queria ir embora de algum lugar, dizia para mim: ‘vou desmaiar e você me tira daqui’. Então, quando me ligaram, eu achei que ela estivesse só ‘desmaiada’". Foi ele o responsável pela derradeira maquiagem - Dercy foi velada e enterrada de olhos e boca pintados, cílios com brilhos, colares, peruca e roupa brilhante. Segundo Julinho, Dercy era contratada do SBT, por R$ 10 mil por mês, mas estava fora do ar há anos, embora tivesse boa saúde e muita disposição. No dia 14, ela se apresentara num talk-show em São Paulo; na véspera da morte, passara horas no seu passatempo favorito: o bingo (ela freqüentava bingos clandestinos no Rio, contou). No último aniversário, 23 de junho, disse o cabeleireiro, a amiga lhe pedira que gravasse um vídeo, destinado a Silvio Santos, pedindo ao dono do SBT que, finalmente, lhe desse um programa na TV. "Com 101 anos, ela dizia que uma pessoa sem trabalhar não era nada." Texto ampliado às 19h45
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