Gordofobia: Mais de 1.400 processos tramitam no Tribunal Superior do Trabalho


Embora ainda não exista estatística padronizada, o número de ações na Justiça com alegação de gordofobia vem crescendo nos tribunais brasileiros

Por José Maria Tomazela

Embora ainda não exista estatística padronizada, o número de ações na Justiça com alegação de gordofobia vem crescendo nos tribunais brasileiros. Só no Estado de São Paulo foram quatro sentenças este ano em pedidos de indenização por dano moral, segundo levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No ano passado, foram três decisões e, em 2020, duas. Dessas nove ações, sete foram julgadas procedentes.

De acordo com juristas, a busca de reparação por danos morais por gordofobia é um fenômeno recente, tanto que ainda não há jurisprudência com esse termo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até agora são mais comuns os casos de assédio moral no ambiente de trabalho, tratados como questões trabalhistas. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) registrou aumento do número de ações de pessoas contra empresas por causa da gordofobia. Até quarta-feira, 17, havia 1.414 processos tramitando na Corte, dos quais 328 deram entrada nos últimos dois anos.

O ex-vereador e jornalista JoséCorrêa Neves Júnior, que entrou com açãode indenizaçãocontra um engenheiro alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de "gordo" em rede social Foto: Denny Cesare/Estadão
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A advogada Mariana Vieira de Oliveira, da Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo e ativista contra a gordofobia, afirma que advogados e juízes vêm tratando a questão como “preconceito” ou “discriminação”. A gordofobia é definida como “repúdio ou aversão preconceituosa a pessoas gordas, que ocorre nas esferas afetiva, social e profissional”, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua.

Foi o que aconteceu com a bacharel em Direito e ativista Rhayane Souza. Ela foi vítima de bullying na escola – foi criado até um grupo de WhatsApp para comentários sobre seu aspecto físico. Rhayane foi colega da advogada Mariana na faculdade de Direito e as duas se juntaram para combater a gordofobia, criando o movimento Gorda na Lei para compartilhar informações sobre os direitos da pessoa gorda. 

Rhayane teve contato com o body positive, movimento pela aceitação do próprio corpo, e surgiu o interesse de descobrir por que a mulher com corpo gordo era tão estigmatizada. “Quando entendi o que era gordofobia, entendi grande parte do que tinha acontecido na minha vida e me questionei sobre a ideia de ter uma espécie de proteção, que a gente não poderia ser desrespeitada por conta do peso. Aí surgiu a ideia do Gorda na Lei, convidei a Mariana, que já era advogada feminista e da luta por direitos sociais, e começamos a falar de gordofobia, a mostrar os direitos dessas pessoas.”

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Condenação 

Em um dos casos de São Paulo, julgado no dia 20 de maio na 2.ª Vara do Fórum Regional de Santo Amaro, a técnica de enfermagem D. procurou a Justiça depois de ser ofendida moralmente por uma médica na unidade de saúde em que ambas trabalhavam. A vítima relatou que, por várias vezes, a médica impediu que ela usasse uma cadeira da área de atendimento, pois poderia “quebrá-la”. “Você é muito gorda, vai quebrar a cadeira de minha amiga. Já não disse para você pegar outra cadeira mais forte?”

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Na defesa, a médica alegou que teve apenas cuidado e não intenção de ofender, mas a juíza Andrea Ayres Trigo entendeu que houve gordofobia e ela foi condenada a pagar R$ 10 mil à vítima. “E nem se fale que a ré apenas exerceu o seu direito de liberdade de expressão, visto que a liberdade de expressão se limita ao atingir a honra e a imagem da pessoa, devendo, assim, ser reconhecido o ato culposo da requerida, bem como o abalo moral sofrido pela requerente”, escreveu.

Redes

Apesar de o Brasil não ter uma lei específica para punir quem pratica a gordofobia, a Constituição prevê que ninguém pode sofrer discriminação por nenhuma característica ou atributo pessoal. Com a universalização das redes sociais, segundo Mariana, a gordofobia ganhou uma nova dimensão. Em outubro de 2021, a bailarina e influenciadora Thais Carla venceu um processo judicial que moveu contra um humorista após sofrer gordofobia, abrindo caminho para outras ações semelhantes. As ofensas aconteceram e viralizaram em redes sociais. 

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O caso foi julgado pela 8.ª Vara Cível do Juizado Especial de Salvador e o humorista foi condenado a pagar R$ 5 mil por danos morais. “Entrei com a ação para inspirar muitas outras pessoas. Ninguém pode nos ofender livremente e achar que está tudo bem. Fiz isso não só por mim, mas por todas as pessoas gordas que sofrem ataques”, diz ela.

Em Franca, interior de São Paulo, o ex-vereador e jornalista José Corrêa Neves Júnior entrou com ação contra um engenheiro, alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de “gordo” e “gordão” em publicação em rede social que teve dezenas de visualizações e compartilhamentos. O juiz Humberto Rocha condenou o engenheiro a pagar indenização de R$ 20 mil a título de danos morais. 

Na decisão, o juiz lembrou que o preconceito contra a obesidade compromete a saúde, dificulta o acesso de pessoas acima do peso ao mercado de trabalho e a tratamentos adequados, afeta suas relações sociais e a saúde mental. “Os dados são de um periódico científico publicado em 2020 pela Nature Medicine, e assinado por mais de 100 instituições de todo o mundo, incluindo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica”, disse o juiz. 

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Para Neves Júnior, não há compreensão da sociedade com as pessoas gordas. “No mundo em que o padrão é de uma pessoa que mede 1,70 m e pesa de 60 a 70 quilos, quem está fora desse padrão sofre.”

Autora do livro Lute Como Uma Gorda: Gordofobia, Resistências e Ativismos, resultado de sua tese de doutorado na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a pesquisadora Malu Jimenez considera a gordofobia um estigma estrutural e cultural que é transmitido em diversos espaços e contextos da sociedade contemporânea.

“O prejulgamento acontece com a desvalorização, a humilhação, a inferiorização, ofensas e até restrições aos corpos gordos e a pessoas gordas de modo geral”, explicou. Ela lembra que 57% da população no Brasil está acima do peso, segundo dados de 2021 do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas. “É um grande erro acreditar que um corpo gordo não pode ser um corpo saudável”, afirma.

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Crime

Para o advogado criminalista Matheus Herren Falivene, em algumas situações chamar uma pessoa de gorda pode configurar crime. “Eventuais condutas gordofóbicas podem configurar o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal”, explicou. Para a configuração do crime, afirma, é necessário demonstrar o dolo, a intenção de ofender a vítima. 

O advogado e professor de Direito Penal Yuri Carneiro Coelho também observa um movimento para tipificar como crime a gordofobia. Para ele, porém, deve ser o último recurso a ser utilizado. “Em um primeiro plano, podem ser criadas imposições ao poder público, para que faça campanhas contra esse tipo de ação e atue efetivamente conscientizando as pessoas de que não devem ser discriminadas por sua condição de estar acima do peso.”

Embora ainda não exista estatística padronizada, o número de ações na Justiça com alegação de gordofobia vem crescendo nos tribunais brasileiros. Só no Estado de São Paulo foram quatro sentenças este ano em pedidos de indenização por dano moral, segundo levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No ano passado, foram três decisões e, em 2020, duas. Dessas nove ações, sete foram julgadas procedentes.

De acordo com juristas, a busca de reparação por danos morais por gordofobia é um fenômeno recente, tanto que ainda não há jurisprudência com esse termo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até agora são mais comuns os casos de assédio moral no ambiente de trabalho, tratados como questões trabalhistas. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) registrou aumento do número de ações de pessoas contra empresas por causa da gordofobia. Até quarta-feira, 17, havia 1.414 processos tramitando na Corte, dos quais 328 deram entrada nos últimos dois anos.

O ex-vereador e jornalista JoséCorrêa Neves Júnior, que entrou com açãode indenizaçãocontra um engenheiro alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de "gordo" em rede social Foto: Denny Cesare/Estadão

A advogada Mariana Vieira de Oliveira, da Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo e ativista contra a gordofobia, afirma que advogados e juízes vêm tratando a questão como “preconceito” ou “discriminação”. A gordofobia é definida como “repúdio ou aversão preconceituosa a pessoas gordas, que ocorre nas esferas afetiva, social e profissional”, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua.

Foi o que aconteceu com a bacharel em Direito e ativista Rhayane Souza. Ela foi vítima de bullying na escola – foi criado até um grupo de WhatsApp para comentários sobre seu aspecto físico. Rhayane foi colega da advogada Mariana na faculdade de Direito e as duas se juntaram para combater a gordofobia, criando o movimento Gorda na Lei para compartilhar informações sobre os direitos da pessoa gorda. 

Rhayane teve contato com o body positive, movimento pela aceitação do próprio corpo, e surgiu o interesse de descobrir por que a mulher com corpo gordo era tão estigmatizada. “Quando entendi o que era gordofobia, entendi grande parte do que tinha acontecido na minha vida e me questionei sobre a ideia de ter uma espécie de proteção, que a gente não poderia ser desrespeitada por conta do peso. Aí surgiu a ideia do Gorda na Lei, convidei a Mariana, que já era advogada feminista e da luta por direitos sociais, e começamos a falar de gordofobia, a mostrar os direitos dessas pessoas.”

Condenação 

Em um dos casos de São Paulo, julgado no dia 20 de maio na 2.ª Vara do Fórum Regional de Santo Amaro, a técnica de enfermagem D. procurou a Justiça depois de ser ofendida moralmente por uma médica na unidade de saúde em que ambas trabalhavam. A vítima relatou que, por várias vezes, a médica impediu que ela usasse uma cadeira da área de atendimento, pois poderia “quebrá-la”. “Você é muito gorda, vai quebrar a cadeira de minha amiga. Já não disse para você pegar outra cadeira mais forte?”

Na defesa, a médica alegou que teve apenas cuidado e não intenção de ofender, mas a juíza Andrea Ayres Trigo entendeu que houve gordofobia e ela foi condenada a pagar R$ 10 mil à vítima. “E nem se fale que a ré apenas exerceu o seu direito de liberdade de expressão, visto que a liberdade de expressão se limita ao atingir a honra e a imagem da pessoa, devendo, assim, ser reconhecido o ato culposo da requerida, bem como o abalo moral sofrido pela requerente”, escreveu.

Redes

Apesar de o Brasil não ter uma lei específica para punir quem pratica a gordofobia, a Constituição prevê que ninguém pode sofrer discriminação por nenhuma característica ou atributo pessoal. Com a universalização das redes sociais, segundo Mariana, a gordofobia ganhou uma nova dimensão. Em outubro de 2021, a bailarina e influenciadora Thais Carla venceu um processo judicial que moveu contra um humorista após sofrer gordofobia, abrindo caminho para outras ações semelhantes. As ofensas aconteceram e viralizaram em redes sociais. 

O caso foi julgado pela 8.ª Vara Cível do Juizado Especial de Salvador e o humorista foi condenado a pagar R$ 5 mil por danos morais. “Entrei com a ação para inspirar muitas outras pessoas. Ninguém pode nos ofender livremente e achar que está tudo bem. Fiz isso não só por mim, mas por todas as pessoas gordas que sofrem ataques”, diz ela.

Em Franca, interior de São Paulo, o ex-vereador e jornalista José Corrêa Neves Júnior entrou com ação contra um engenheiro, alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de “gordo” e “gordão” em publicação em rede social que teve dezenas de visualizações e compartilhamentos. O juiz Humberto Rocha condenou o engenheiro a pagar indenização de R$ 20 mil a título de danos morais. 

Na decisão, o juiz lembrou que o preconceito contra a obesidade compromete a saúde, dificulta o acesso de pessoas acima do peso ao mercado de trabalho e a tratamentos adequados, afeta suas relações sociais e a saúde mental. “Os dados são de um periódico científico publicado em 2020 pela Nature Medicine, e assinado por mais de 100 instituições de todo o mundo, incluindo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica”, disse o juiz. 

Para Neves Júnior, não há compreensão da sociedade com as pessoas gordas. “No mundo em que o padrão é de uma pessoa que mede 1,70 m e pesa de 60 a 70 quilos, quem está fora desse padrão sofre.”

Autora do livro Lute Como Uma Gorda: Gordofobia, Resistências e Ativismos, resultado de sua tese de doutorado na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a pesquisadora Malu Jimenez considera a gordofobia um estigma estrutural e cultural que é transmitido em diversos espaços e contextos da sociedade contemporânea.

“O prejulgamento acontece com a desvalorização, a humilhação, a inferiorização, ofensas e até restrições aos corpos gordos e a pessoas gordas de modo geral”, explicou. Ela lembra que 57% da população no Brasil está acima do peso, segundo dados de 2021 do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas. “É um grande erro acreditar que um corpo gordo não pode ser um corpo saudável”, afirma.

Crime

Para o advogado criminalista Matheus Herren Falivene, em algumas situações chamar uma pessoa de gorda pode configurar crime. “Eventuais condutas gordofóbicas podem configurar o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal”, explicou. Para a configuração do crime, afirma, é necessário demonstrar o dolo, a intenção de ofender a vítima. 

O advogado e professor de Direito Penal Yuri Carneiro Coelho também observa um movimento para tipificar como crime a gordofobia. Para ele, porém, deve ser o último recurso a ser utilizado. “Em um primeiro plano, podem ser criadas imposições ao poder público, para que faça campanhas contra esse tipo de ação e atue efetivamente conscientizando as pessoas de que não devem ser discriminadas por sua condição de estar acima do peso.”

Embora ainda não exista estatística padronizada, o número de ações na Justiça com alegação de gordofobia vem crescendo nos tribunais brasileiros. Só no Estado de São Paulo foram quatro sentenças este ano em pedidos de indenização por dano moral, segundo levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No ano passado, foram três decisões e, em 2020, duas. Dessas nove ações, sete foram julgadas procedentes.

De acordo com juristas, a busca de reparação por danos morais por gordofobia é um fenômeno recente, tanto que ainda não há jurisprudência com esse termo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até agora são mais comuns os casos de assédio moral no ambiente de trabalho, tratados como questões trabalhistas. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) registrou aumento do número de ações de pessoas contra empresas por causa da gordofobia. Até quarta-feira, 17, havia 1.414 processos tramitando na Corte, dos quais 328 deram entrada nos últimos dois anos.

O ex-vereador e jornalista JoséCorrêa Neves Júnior, que entrou com açãode indenizaçãocontra um engenheiro alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de "gordo" em rede social Foto: Denny Cesare/Estadão

A advogada Mariana Vieira de Oliveira, da Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo e ativista contra a gordofobia, afirma que advogados e juízes vêm tratando a questão como “preconceito” ou “discriminação”. A gordofobia é definida como “repúdio ou aversão preconceituosa a pessoas gordas, que ocorre nas esferas afetiva, social e profissional”, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua.

Foi o que aconteceu com a bacharel em Direito e ativista Rhayane Souza. Ela foi vítima de bullying na escola – foi criado até um grupo de WhatsApp para comentários sobre seu aspecto físico. Rhayane foi colega da advogada Mariana na faculdade de Direito e as duas se juntaram para combater a gordofobia, criando o movimento Gorda na Lei para compartilhar informações sobre os direitos da pessoa gorda. 

Rhayane teve contato com o body positive, movimento pela aceitação do próprio corpo, e surgiu o interesse de descobrir por que a mulher com corpo gordo era tão estigmatizada. “Quando entendi o que era gordofobia, entendi grande parte do que tinha acontecido na minha vida e me questionei sobre a ideia de ter uma espécie de proteção, que a gente não poderia ser desrespeitada por conta do peso. Aí surgiu a ideia do Gorda na Lei, convidei a Mariana, que já era advogada feminista e da luta por direitos sociais, e começamos a falar de gordofobia, a mostrar os direitos dessas pessoas.”

Condenação 

Em um dos casos de São Paulo, julgado no dia 20 de maio na 2.ª Vara do Fórum Regional de Santo Amaro, a técnica de enfermagem D. procurou a Justiça depois de ser ofendida moralmente por uma médica na unidade de saúde em que ambas trabalhavam. A vítima relatou que, por várias vezes, a médica impediu que ela usasse uma cadeira da área de atendimento, pois poderia “quebrá-la”. “Você é muito gorda, vai quebrar a cadeira de minha amiga. Já não disse para você pegar outra cadeira mais forte?”

Na defesa, a médica alegou que teve apenas cuidado e não intenção de ofender, mas a juíza Andrea Ayres Trigo entendeu que houve gordofobia e ela foi condenada a pagar R$ 10 mil à vítima. “E nem se fale que a ré apenas exerceu o seu direito de liberdade de expressão, visto que a liberdade de expressão se limita ao atingir a honra e a imagem da pessoa, devendo, assim, ser reconhecido o ato culposo da requerida, bem como o abalo moral sofrido pela requerente”, escreveu.

Redes

Apesar de o Brasil não ter uma lei específica para punir quem pratica a gordofobia, a Constituição prevê que ninguém pode sofrer discriminação por nenhuma característica ou atributo pessoal. Com a universalização das redes sociais, segundo Mariana, a gordofobia ganhou uma nova dimensão. Em outubro de 2021, a bailarina e influenciadora Thais Carla venceu um processo judicial que moveu contra um humorista após sofrer gordofobia, abrindo caminho para outras ações semelhantes. As ofensas aconteceram e viralizaram em redes sociais. 

O caso foi julgado pela 8.ª Vara Cível do Juizado Especial de Salvador e o humorista foi condenado a pagar R$ 5 mil por danos morais. “Entrei com a ação para inspirar muitas outras pessoas. Ninguém pode nos ofender livremente e achar que está tudo bem. Fiz isso não só por mim, mas por todas as pessoas gordas que sofrem ataques”, diz ela.

Em Franca, interior de São Paulo, o ex-vereador e jornalista José Corrêa Neves Júnior entrou com ação contra um engenheiro, alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de “gordo” e “gordão” em publicação em rede social que teve dezenas de visualizações e compartilhamentos. O juiz Humberto Rocha condenou o engenheiro a pagar indenização de R$ 20 mil a título de danos morais. 

Na decisão, o juiz lembrou que o preconceito contra a obesidade compromete a saúde, dificulta o acesso de pessoas acima do peso ao mercado de trabalho e a tratamentos adequados, afeta suas relações sociais e a saúde mental. “Os dados são de um periódico científico publicado em 2020 pela Nature Medicine, e assinado por mais de 100 instituições de todo o mundo, incluindo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica”, disse o juiz. 

Para Neves Júnior, não há compreensão da sociedade com as pessoas gordas. “No mundo em que o padrão é de uma pessoa que mede 1,70 m e pesa de 60 a 70 quilos, quem está fora desse padrão sofre.”

Autora do livro Lute Como Uma Gorda: Gordofobia, Resistências e Ativismos, resultado de sua tese de doutorado na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a pesquisadora Malu Jimenez considera a gordofobia um estigma estrutural e cultural que é transmitido em diversos espaços e contextos da sociedade contemporânea.

“O prejulgamento acontece com a desvalorização, a humilhação, a inferiorização, ofensas e até restrições aos corpos gordos e a pessoas gordas de modo geral”, explicou. Ela lembra que 57% da população no Brasil está acima do peso, segundo dados de 2021 do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas. “É um grande erro acreditar que um corpo gordo não pode ser um corpo saudável”, afirma.

Crime

Para o advogado criminalista Matheus Herren Falivene, em algumas situações chamar uma pessoa de gorda pode configurar crime. “Eventuais condutas gordofóbicas podem configurar o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal”, explicou. Para a configuração do crime, afirma, é necessário demonstrar o dolo, a intenção de ofender a vítima. 

O advogado e professor de Direito Penal Yuri Carneiro Coelho também observa um movimento para tipificar como crime a gordofobia. Para ele, porém, deve ser o último recurso a ser utilizado. “Em um primeiro plano, podem ser criadas imposições ao poder público, para que faça campanhas contra esse tipo de ação e atue efetivamente conscientizando as pessoas de que não devem ser discriminadas por sua condição de estar acima do peso.”

Embora ainda não exista estatística padronizada, o número de ações na Justiça com alegação de gordofobia vem crescendo nos tribunais brasileiros. Só no Estado de São Paulo foram quatro sentenças este ano em pedidos de indenização por dano moral, segundo levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No ano passado, foram três decisões e, em 2020, duas. Dessas nove ações, sete foram julgadas procedentes.

De acordo com juristas, a busca de reparação por danos morais por gordofobia é um fenômeno recente, tanto que ainda não há jurisprudência com esse termo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até agora são mais comuns os casos de assédio moral no ambiente de trabalho, tratados como questões trabalhistas. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) registrou aumento do número de ações de pessoas contra empresas por causa da gordofobia. Até quarta-feira, 17, havia 1.414 processos tramitando na Corte, dos quais 328 deram entrada nos últimos dois anos.

O ex-vereador e jornalista JoséCorrêa Neves Júnior, que entrou com açãode indenizaçãocontra um engenheiro alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de "gordo" em rede social Foto: Denny Cesare/Estadão

A advogada Mariana Vieira de Oliveira, da Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo e ativista contra a gordofobia, afirma que advogados e juízes vêm tratando a questão como “preconceito” ou “discriminação”. A gordofobia é definida como “repúdio ou aversão preconceituosa a pessoas gordas, que ocorre nas esferas afetiva, social e profissional”, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua.

Foi o que aconteceu com a bacharel em Direito e ativista Rhayane Souza. Ela foi vítima de bullying na escola – foi criado até um grupo de WhatsApp para comentários sobre seu aspecto físico. Rhayane foi colega da advogada Mariana na faculdade de Direito e as duas se juntaram para combater a gordofobia, criando o movimento Gorda na Lei para compartilhar informações sobre os direitos da pessoa gorda. 

Rhayane teve contato com o body positive, movimento pela aceitação do próprio corpo, e surgiu o interesse de descobrir por que a mulher com corpo gordo era tão estigmatizada. “Quando entendi o que era gordofobia, entendi grande parte do que tinha acontecido na minha vida e me questionei sobre a ideia de ter uma espécie de proteção, que a gente não poderia ser desrespeitada por conta do peso. Aí surgiu a ideia do Gorda na Lei, convidei a Mariana, que já era advogada feminista e da luta por direitos sociais, e começamos a falar de gordofobia, a mostrar os direitos dessas pessoas.”

Condenação 

Em um dos casos de São Paulo, julgado no dia 20 de maio na 2.ª Vara do Fórum Regional de Santo Amaro, a técnica de enfermagem D. procurou a Justiça depois de ser ofendida moralmente por uma médica na unidade de saúde em que ambas trabalhavam. A vítima relatou que, por várias vezes, a médica impediu que ela usasse uma cadeira da área de atendimento, pois poderia “quebrá-la”. “Você é muito gorda, vai quebrar a cadeira de minha amiga. Já não disse para você pegar outra cadeira mais forte?”

Na defesa, a médica alegou que teve apenas cuidado e não intenção de ofender, mas a juíza Andrea Ayres Trigo entendeu que houve gordofobia e ela foi condenada a pagar R$ 10 mil à vítima. “E nem se fale que a ré apenas exerceu o seu direito de liberdade de expressão, visto que a liberdade de expressão se limita ao atingir a honra e a imagem da pessoa, devendo, assim, ser reconhecido o ato culposo da requerida, bem como o abalo moral sofrido pela requerente”, escreveu.

Redes

Apesar de o Brasil não ter uma lei específica para punir quem pratica a gordofobia, a Constituição prevê que ninguém pode sofrer discriminação por nenhuma característica ou atributo pessoal. Com a universalização das redes sociais, segundo Mariana, a gordofobia ganhou uma nova dimensão. Em outubro de 2021, a bailarina e influenciadora Thais Carla venceu um processo judicial que moveu contra um humorista após sofrer gordofobia, abrindo caminho para outras ações semelhantes. As ofensas aconteceram e viralizaram em redes sociais. 

O caso foi julgado pela 8.ª Vara Cível do Juizado Especial de Salvador e o humorista foi condenado a pagar R$ 5 mil por danos morais. “Entrei com a ação para inspirar muitas outras pessoas. Ninguém pode nos ofender livremente e achar que está tudo bem. Fiz isso não só por mim, mas por todas as pessoas gordas que sofrem ataques”, diz ela.

Em Franca, interior de São Paulo, o ex-vereador e jornalista José Corrêa Neves Júnior entrou com ação contra um engenheiro, alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de “gordo” e “gordão” em publicação em rede social que teve dezenas de visualizações e compartilhamentos. O juiz Humberto Rocha condenou o engenheiro a pagar indenização de R$ 20 mil a título de danos morais. 

Na decisão, o juiz lembrou que o preconceito contra a obesidade compromete a saúde, dificulta o acesso de pessoas acima do peso ao mercado de trabalho e a tratamentos adequados, afeta suas relações sociais e a saúde mental. “Os dados são de um periódico científico publicado em 2020 pela Nature Medicine, e assinado por mais de 100 instituições de todo o mundo, incluindo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica”, disse o juiz. 

Para Neves Júnior, não há compreensão da sociedade com as pessoas gordas. “No mundo em que o padrão é de uma pessoa que mede 1,70 m e pesa de 60 a 70 quilos, quem está fora desse padrão sofre.”

Autora do livro Lute Como Uma Gorda: Gordofobia, Resistências e Ativismos, resultado de sua tese de doutorado na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a pesquisadora Malu Jimenez considera a gordofobia um estigma estrutural e cultural que é transmitido em diversos espaços e contextos da sociedade contemporânea.

“O prejulgamento acontece com a desvalorização, a humilhação, a inferiorização, ofensas e até restrições aos corpos gordos e a pessoas gordas de modo geral”, explicou. Ela lembra que 57% da população no Brasil está acima do peso, segundo dados de 2021 do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas. “É um grande erro acreditar que um corpo gordo não pode ser um corpo saudável”, afirma.

Crime

Para o advogado criminalista Matheus Herren Falivene, em algumas situações chamar uma pessoa de gorda pode configurar crime. “Eventuais condutas gordofóbicas podem configurar o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal”, explicou. Para a configuração do crime, afirma, é necessário demonstrar o dolo, a intenção de ofender a vítima. 

O advogado e professor de Direito Penal Yuri Carneiro Coelho também observa um movimento para tipificar como crime a gordofobia. Para ele, porém, deve ser o último recurso a ser utilizado. “Em um primeiro plano, podem ser criadas imposições ao poder público, para que faça campanhas contra esse tipo de ação e atue efetivamente conscientizando as pessoas de que não devem ser discriminadas por sua condição de estar acima do peso.”

Embora ainda não exista estatística padronizada, o número de ações na Justiça com alegação de gordofobia vem crescendo nos tribunais brasileiros. Só no Estado de São Paulo foram quatro sentenças este ano em pedidos de indenização por dano moral, segundo levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No ano passado, foram três decisões e, em 2020, duas. Dessas nove ações, sete foram julgadas procedentes.

De acordo com juristas, a busca de reparação por danos morais por gordofobia é um fenômeno recente, tanto que ainda não há jurisprudência com esse termo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até agora são mais comuns os casos de assédio moral no ambiente de trabalho, tratados como questões trabalhistas. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) registrou aumento do número de ações de pessoas contra empresas por causa da gordofobia. Até quarta-feira, 17, havia 1.414 processos tramitando na Corte, dos quais 328 deram entrada nos últimos dois anos.

O ex-vereador e jornalista JoséCorrêa Neves Júnior, que entrou com açãode indenizaçãocontra um engenheiro alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de "gordo" em rede social Foto: Denny Cesare/Estadão

A advogada Mariana Vieira de Oliveira, da Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo e ativista contra a gordofobia, afirma que advogados e juízes vêm tratando a questão como “preconceito” ou “discriminação”. A gordofobia é definida como “repúdio ou aversão preconceituosa a pessoas gordas, que ocorre nas esferas afetiva, social e profissional”, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua.

Foi o que aconteceu com a bacharel em Direito e ativista Rhayane Souza. Ela foi vítima de bullying na escola – foi criado até um grupo de WhatsApp para comentários sobre seu aspecto físico. Rhayane foi colega da advogada Mariana na faculdade de Direito e as duas se juntaram para combater a gordofobia, criando o movimento Gorda na Lei para compartilhar informações sobre os direitos da pessoa gorda. 

Rhayane teve contato com o body positive, movimento pela aceitação do próprio corpo, e surgiu o interesse de descobrir por que a mulher com corpo gordo era tão estigmatizada. “Quando entendi o que era gordofobia, entendi grande parte do que tinha acontecido na minha vida e me questionei sobre a ideia de ter uma espécie de proteção, que a gente não poderia ser desrespeitada por conta do peso. Aí surgiu a ideia do Gorda na Lei, convidei a Mariana, que já era advogada feminista e da luta por direitos sociais, e começamos a falar de gordofobia, a mostrar os direitos dessas pessoas.”

Condenação 

Em um dos casos de São Paulo, julgado no dia 20 de maio na 2.ª Vara do Fórum Regional de Santo Amaro, a técnica de enfermagem D. procurou a Justiça depois de ser ofendida moralmente por uma médica na unidade de saúde em que ambas trabalhavam. A vítima relatou que, por várias vezes, a médica impediu que ela usasse uma cadeira da área de atendimento, pois poderia “quebrá-la”. “Você é muito gorda, vai quebrar a cadeira de minha amiga. Já não disse para você pegar outra cadeira mais forte?”

Na defesa, a médica alegou que teve apenas cuidado e não intenção de ofender, mas a juíza Andrea Ayres Trigo entendeu que houve gordofobia e ela foi condenada a pagar R$ 10 mil à vítima. “E nem se fale que a ré apenas exerceu o seu direito de liberdade de expressão, visto que a liberdade de expressão se limita ao atingir a honra e a imagem da pessoa, devendo, assim, ser reconhecido o ato culposo da requerida, bem como o abalo moral sofrido pela requerente”, escreveu.

Redes

Apesar de o Brasil não ter uma lei específica para punir quem pratica a gordofobia, a Constituição prevê que ninguém pode sofrer discriminação por nenhuma característica ou atributo pessoal. Com a universalização das redes sociais, segundo Mariana, a gordofobia ganhou uma nova dimensão. Em outubro de 2021, a bailarina e influenciadora Thais Carla venceu um processo judicial que moveu contra um humorista após sofrer gordofobia, abrindo caminho para outras ações semelhantes. As ofensas aconteceram e viralizaram em redes sociais. 

O caso foi julgado pela 8.ª Vara Cível do Juizado Especial de Salvador e o humorista foi condenado a pagar R$ 5 mil por danos morais. “Entrei com a ação para inspirar muitas outras pessoas. Ninguém pode nos ofender livremente e achar que está tudo bem. Fiz isso não só por mim, mas por todas as pessoas gordas que sofrem ataques”, diz ela.

Em Franca, interior de São Paulo, o ex-vereador e jornalista José Corrêa Neves Júnior entrou com ação contra um engenheiro, alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de “gordo” e “gordão” em publicação em rede social que teve dezenas de visualizações e compartilhamentos. O juiz Humberto Rocha condenou o engenheiro a pagar indenização de R$ 20 mil a título de danos morais. 

Na decisão, o juiz lembrou que o preconceito contra a obesidade compromete a saúde, dificulta o acesso de pessoas acima do peso ao mercado de trabalho e a tratamentos adequados, afeta suas relações sociais e a saúde mental. “Os dados são de um periódico científico publicado em 2020 pela Nature Medicine, e assinado por mais de 100 instituições de todo o mundo, incluindo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica”, disse o juiz. 

Para Neves Júnior, não há compreensão da sociedade com as pessoas gordas. “No mundo em que o padrão é de uma pessoa que mede 1,70 m e pesa de 60 a 70 quilos, quem está fora desse padrão sofre.”

Autora do livro Lute Como Uma Gorda: Gordofobia, Resistências e Ativismos, resultado de sua tese de doutorado na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a pesquisadora Malu Jimenez considera a gordofobia um estigma estrutural e cultural que é transmitido em diversos espaços e contextos da sociedade contemporânea.

“O prejulgamento acontece com a desvalorização, a humilhação, a inferiorização, ofensas e até restrições aos corpos gordos e a pessoas gordas de modo geral”, explicou. Ela lembra que 57% da população no Brasil está acima do peso, segundo dados de 2021 do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas. “É um grande erro acreditar que um corpo gordo não pode ser um corpo saudável”, afirma.

Crime

Para o advogado criminalista Matheus Herren Falivene, em algumas situações chamar uma pessoa de gorda pode configurar crime. “Eventuais condutas gordofóbicas podem configurar o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal”, explicou. Para a configuração do crime, afirma, é necessário demonstrar o dolo, a intenção de ofender a vítima. 

O advogado e professor de Direito Penal Yuri Carneiro Coelho também observa um movimento para tipificar como crime a gordofobia. Para ele, porém, deve ser o último recurso a ser utilizado. “Em um primeiro plano, podem ser criadas imposições ao poder público, para que faça campanhas contra esse tipo de ação e atue efetivamente conscientizando as pessoas de que não devem ser discriminadas por sua condição de estar acima do peso.”

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