A pergunta mais freqüente sobre a China é sobre a liberdade de expressão. Leitores querem saber como estamos conseguindo trabalhar, escrever blog, etc. Até agora não houve grande obstáculo, nem acho que haverá. De vez em quando alguns sites são bloqueados no idioma local por meio das palavras-chave: não consigo entrar na página em mandarim do Repórteres sem Fronteiras, por exemplo. Aqui e ali certamente houve e haverá problemas entre repórteres e policiais, pois a China tem um governo autoritário e tomou decisões para evitar protestos - e ontem prendeu os estrangeiros que subiram numa torre para mostrar cartaz em favor da independência do Tibete. Mas por enquanto tudo tem corrido como em qualquer grande evento esportivo; escrevemos, falamos e pronto.
O que não dá para negar é o que existe autoritarismo. Além dos bloqueios virtuais, passaportes internos e barreiras policiais, há a censura de filmes, por exemplo. Lust of Caution, do diretor chinês Ang Lee, foi exibido com várias cenas eróticas a menos; palavrões como "fuck" em filmes americanos são apagados no áudio. É verdade que os chineses, que gostam tanto de comunicação hi-tech quanto os japoneses ou os coreanos, conseguem ver na íntegra o que quiserem em DVD, contando com a vasta indústria da pirataria. O mesmo ocorre na internet: eles conseguem conversar livremente por msn, inclusive criticando o governo. Este sabe que não tem como fazer um controle completo. Mas faz o que considera estratégico, como os detectores de metal nos acessos à praça Tiananmen.
Na mídia também se opta por maneiras mais suaves de contra-informação. O jornal China Daily, todo em inglês, se esforça todo dia em exaltar o desenvolvimento "verde" do país, para se contrapor à saraivada de críticas da imprensa estrangeira à poluição. Noticia, por exemplo, a tendência de volta ao uso de bicicletas em Pequim, esquecendo que o motivo é o rodízio de carros (um dia sim, um dia não), em vez de um comprometimento com a redução do aquecimento global. Quanto à TV, disponho de diversos canais estrangeiros, como a CNN. Mas não posso deixar de notar que a CCTV, rede pública chinesa, tem 15 canais. Do mesmo modo, as bancas de jornais aqui em Pequim têm jornais estrangeiros à venda pela primeira vez na história, mas, segundo consta, só durante a Olimpíada.
A questão toda é quanto as autoridades chinesas conseguirão conter. Sua abertura gradualista pode até ser justificada como prudente; e é verdade que muitos chineses não parecem se incomodar diante das limitações oficiais, possivelmente por sua cultura ancestral de uma valorização da "harmonia" - usual na mitologia dos tempos imperiais e constantemente manipulada por Mao no período socialista - que para nós tantas vezes soa como passividade. Mas será que com a globalização da economia e dos costumes via tecnologia os valores continuarão exatamente os mesmos? Como o cavaleiro diante da montanha que não sabe a que distância está, paro por aqui e deixo o cavalo descansar. Ainda há muito chão a percorrer.
("Vista Chinesa")