‘Decisão sobre aborto é para que se adotem políticas públicas’, diz Barroso


Para ele, o colegiado não defendeu o aborto nem sua disseminação, mas vê caminhos melhores que a criminalização

Por Rafael Moraes Moura
Convicção. 'Nessa matéria estávamos em falta de sintonia com o mundo', afirma Barroso Foto: Rosinei Coutinho/STF

Um dia depois de a 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entender que não é crime a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação, o ministro Luís Roberto Barroso disse em entrevista ao Estado que o colegiado não defendeu o aborto nem sua disseminação. “É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto”, comentou. O entendimento valeu apenas para um caso específico - de funcionários e médicos de uma clínica de aborto em Duque de Caxias (RJ) -, mas pode servir como base para outras instâncias. “O Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença”, disse o ministro.

Na sua avaliação, a 1.ª Turma tomou uma decisão histórica?

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É uma decisão importante para deflagrar um debate que já não deveria mais ser adiado. Em uma democracia, nenhum tema é tabu. A decisão não defende o aborto nem propõe a disseminação do aborto. É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto. O que a decisão pretende fazer é contribuir para o fim dos abortos clandestinos, que mutilam e levam à morte muitas mulheres.

Mutilam mulheres pobres, como o senhor destacou no voto...

Há duas questões importantes: uma, a questão da mulher em si, da condição feminina e da sua liberdade de viver as escolhas existenciais. Além disso, a criminalização produz um impacto desastrosamente desproporcional sobre as mulheres pobres, porque elas não têm acesso à medicação adequada nem à informação. Portanto, a criminalização funciona no Brasil como mais um mecanismo de discriminação social.

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Como o senhor vê a criação de uma comissão especial na Câmara para analisar o aborto, que foi anunciada depois da decisão da 1ª Turma?

Eu acho perfeitamente legítima (a criação). Não acho que qualquer pessoa seja a dona da verdade. Vejo sem nenhuma reserva o debate público a ser feito no Congresso Nacional, lá é o lugar para o debate público das questões nacionais por excelência.

Com a decisão da 1.ª Turma, o STF se coloca mais aberto e sensível a temas delicados, mesmo diante de uma suposta onda conservadora no País?

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Os direitos fundamentais devem ser protegidos nos ambientes conservadores, liberais, progressistas. Obrigar pela via do direito penal uma mulher a manter uma gestação que não deseja, eu acho que isso viola claramente a Constituição. A decisão procura fazer com que cada pessoa possa viver a própria crença e convicção. Quem é contrário não apenas não precisa fazer (o aborto), como tem todo o direito de pregar a posição contrária. A única coisa que acho que não é razoável é criminalizar a posição divergente. Portanto, o Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença.

O senhor também mencionou no seu voto o contexto internacional, observando que em muitos países democráticos e desenvolvidos o aborto até o terceiro mês é permitido. Esse novo entendimento da 1.ª Turma insere o Brasil em uma legislação mais atualizada?

Acho que sim. Nessa matéria estávamos em falta de sintonia com o mundo. Ter janelas para o mundo é sempre bom. A gente na vida deve ser janela, e não espelho. Olhando para o mundo, nós vamos ver experiências bem-sucedidas que não são as da criminalização. 

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E como o senhor lida com as críticas à decisão?

Quando você participa de um debate no espaço público, você não pode utilizar argumentos que excluam o outro do debate. Portanto, se você utiliza um argumento religioso, você exclui do debate quem não compartilha do mesmo sentimento religioso. Portanto, no espaço público, os argumentos de razão pública são argumentos laicos e tratam a todos com respeito e consideração. Esse é quase um apelo às pessoas: ninguém precisa mudar de convicção, é só uma questão de ter respeito e tolerância pela convicção e pelas circunstâncias do outro.

Veja 20 personalidades no Brasil e no mundo que fizeram aborto

1 | 20

Astrid Fontenelle

Foto: Divulgação
2 | 20

Soninha Francine

Foto: Estadão
3 | 20

Luiza Brunet

Foto: Filipe Araújo/Estadão
4 | 20

Whoopi Goldberg

Foto: Danny Moloshok/Reuters
5 | 20

Débora Bloch

Foto: Marcos de Paula/Estadão
6 | 20

Cissa Guimarães

Foto: Divulgação/Globo
7 | 20

Hebe Camargo

Foto: Clayton de Souza/AE
8 | 20

Marília Gabriela

Foto: Leonardo Soares/AE
9 | 20

Sharon Osbourne

Foto: VALERIE MACON/AFP/Getty Images
10 | 20

Dercy Gonçalves

Foto: Acervo Câmara Municipal de São Paulo
11 | 20

Sônia Braga

Foto: Divulgação
12 | 20

Zezé Polessa

Foto: Divulgação/TV Globo
13 | 20

Cássia Kiss

Foto: Divulgação/TV Globo
14 | 20

Penélope Nova

Foto: MTV/Divulgação
15 | 20

Sinead O'Connor

Foto: FRED TANNEAU/AFP/Getty Images
16 | 20

Maitê Proença

Foto: Divulgação
17 | 20

Nicki Minaj

Foto: REUTERS/Carlo Allegri
18 | 20

Elba Ramalho

Foto: Alex Rieiro/Estadão
19 | 20

Arlete Salles

Foto: Divulgação/TV Globo
20 | 20

Elke Maravilha

Foto: Divulgação
Convicção. 'Nessa matéria estávamos em falta de sintonia com o mundo', afirma Barroso Foto: Rosinei Coutinho/STF

Um dia depois de a 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entender que não é crime a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação, o ministro Luís Roberto Barroso disse em entrevista ao Estado que o colegiado não defendeu o aborto nem sua disseminação. “É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto”, comentou. O entendimento valeu apenas para um caso específico - de funcionários e médicos de uma clínica de aborto em Duque de Caxias (RJ) -, mas pode servir como base para outras instâncias. “O Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença”, disse o ministro.

Na sua avaliação, a 1.ª Turma tomou uma decisão histórica?

É uma decisão importante para deflagrar um debate que já não deveria mais ser adiado. Em uma democracia, nenhum tema é tabu. A decisão não defende o aborto nem propõe a disseminação do aborto. É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto. O que a decisão pretende fazer é contribuir para o fim dos abortos clandestinos, que mutilam e levam à morte muitas mulheres.

Mutilam mulheres pobres, como o senhor destacou no voto...

Há duas questões importantes: uma, a questão da mulher em si, da condição feminina e da sua liberdade de viver as escolhas existenciais. Além disso, a criminalização produz um impacto desastrosamente desproporcional sobre as mulheres pobres, porque elas não têm acesso à medicação adequada nem à informação. Portanto, a criminalização funciona no Brasil como mais um mecanismo de discriminação social.

Como o senhor vê a criação de uma comissão especial na Câmara para analisar o aborto, que foi anunciada depois da decisão da 1ª Turma?

Eu acho perfeitamente legítima (a criação). Não acho que qualquer pessoa seja a dona da verdade. Vejo sem nenhuma reserva o debate público a ser feito no Congresso Nacional, lá é o lugar para o debate público das questões nacionais por excelência.

Com a decisão da 1.ª Turma, o STF se coloca mais aberto e sensível a temas delicados, mesmo diante de uma suposta onda conservadora no País?

Os direitos fundamentais devem ser protegidos nos ambientes conservadores, liberais, progressistas. Obrigar pela via do direito penal uma mulher a manter uma gestação que não deseja, eu acho que isso viola claramente a Constituição. A decisão procura fazer com que cada pessoa possa viver a própria crença e convicção. Quem é contrário não apenas não precisa fazer (o aborto), como tem todo o direito de pregar a posição contrária. A única coisa que acho que não é razoável é criminalizar a posição divergente. Portanto, o Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença.

O senhor também mencionou no seu voto o contexto internacional, observando que em muitos países democráticos e desenvolvidos o aborto até o terceiro mês é permitido. Esse novo entendimento da 1.ª Turma insere o Brasil em uma legislação mais atualizada?

Acho que sim. Nessa matéria estávamos em falta de sintonia com o mundo. Ter janelas para o mundo é sempre bom. A gente na vida deve ser janela, e não espelho. Olhando para o mundo, nós vamos ver experiências bem-sucedidas que não são as da criminalização. 

E como o senhor lida com as críticas à decisão?

Quando você participa de um debate no espaço público, você não pode utilizar argumentos que excluam o outro do debate. Portanto, se você utiliza um argumento religioso, você exclui do debate quem não compartilha do mesmo sentimento religioso. Portanto, no espaço público, os argumentos de razão pública são argumentos laicos e tratam a todos com respeito e consideração. Esse é quase um apelo às pessoas: ninguém precisa mudar de convicção, é só uma questão de ter respeito e tolerância pela convicção e pelas circunstâncias do outro.

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Foto: Divulgação
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Foto: Filipe Araújo/Estadão
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6 | 20

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8 | 20

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Foto: VALERIE MACON/AFP/Getty Images
10 | 20

Dercy Gonçalves

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Sônia Braga

Foto: Divulgação
12 | 20

Zezé Polessa

Foto: Divulgação/TV Globo
13 | 20

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Foto: Divulgação/TV Globo
14 | 20

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Foto: MTV/Divulgação
15 | 20

Sinead O'Connor

Foto: FRED TANNEAU/AFP/Getty Images
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Foto: Divulgação
17 | 20

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Foto: REUTERS/Carlo Allegri
18 | 20

Elba Ramalho

Foto: Alex Rieiro/Estadão
19 | 20

Arlete Salles

Foto: Divulgação/TV Globo
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Elke Maravilha

Foto: Divulgação
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Um dia depois de a 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entender que não é crime a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação, o ministro Luís Roberto Barroso disse em entrevista ao Estado que o colegiado não defendeu o aborto nem sua disseminação. “É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto”, comentou. O entendimento valeu apenas para um caso específico - de funcionários e médicos de uma clínica de aborto em Duque de Caxias (RJ) -, mas pode servir como base para outras instâncias. “O Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença”, disse o ministro.

Na sua avaliação, a 1.ª Turma tomou uma decisão histórica?

É uma decisão importante para deflagrar um debate que já não deveria mais ser adiado. Em uma democracia, nenhum tema é tabu. A decisão não defende o aborto nem propõe a disseminação do aborto. É uma decisão para que se adotem políticas públicas melhores do que a criminalização para evitar o aborto. O que a decisão pretende fazer é contribuir para o fim dos abortos clandestinos, que mutilam e levam à morte muitas mulheres.

Mutilam mulheres pobres, como o senhor destacou no voto...

Há duas questões importantes: uma, a questão da mulher em si, da condição feminina e da sua liberdade de viver as escolhas existenciais. Além disso, a criminalização produz um impacto desastrosamente desproporcional sobre as mulheres pobres, porque elas não têm acesso à medicação adequada nem à informação. Portanto, a criminalização funciona no Brasil como mais um mecanismo de discriminação social.

Como o senhor vê a criação de uma comissão especial na Câmara para analisar o aborto, que foi anunciada depois da decisão da 1ª Turma?

Eu acho perfeitamente legítima (a criação). Não acho que qualquer pessoa seja a dona da verdade. Vejo sem nenhuma reserva o debate público a ser feito no Congresso Nacional, lá é o lugar para o debate público das questões nacionais por excelência.

Com a decisão da 1.ª Turma, o STF se coloca mais aberto e sensível a temas delicados, mesmo diante de uma suposta onda conservadora no País?

Os direitos fundamentais devem ser protegidos nos ambientes conservadores, liberais, progressistas. Obrigar pela via do direito penal uma mulher a manter uma gestação que não deseja, eu acho que isso viola claramente a Constituição. A decisão procura fazer com que cada pessoa possa viver a própria crença e convicção. Quem é contrário não apenas não precisa fazer (o aborto), como tem todo o direito de pregar a posição contrária. A única coisa que acho que não é razoável é criminalizar a posição divergente. Portanto, o Estado não deve tomar partido nessa briga. Ele deve permitir que cada um viva a própria crença.

O senhor também mencionou no seu voto o contexto internacional, observando que em muitos países democráticos e desenvolvidos o aborto até o terceiro mês é permitido. Esse novo entendimento da 1.ª Turma insere o Brasil em uma legislação mais atualizada?

Acho que sim. Nessa matéria estávamos em falta de sintonia com o mundo. Ter janelas para o mundo é sempre bom. A gente na vida deve ser janela, e não espelho. Olhando para o mundo, nós vamos ver experiências bem-sucedidas que não são as da criminalização. 

E como o senhor lida com as críticas à decisão?

Quando você participa de um debate no espaço público, você não pode utilizar argumentos que excluam o outro do debate. Portanto, se você utiliza um argumento religioso, você exclui do debate quem não compartilha do mesmo sentimento religioso. Portanto, no espaço público, os argumentos de razão pública são argumentos laicos e tratam a todos com respeito e consideração. Esse é quase um apelo às pessoas: ninguém precisa mudar de convicção, é só uma questão de ter respeito e tolerância pela convicção e pelas circunstâncias do outro.

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Foto: VALERIE MACON/AFP/Getty Images
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Foto: Acervo Câmara Municipal de São Paulo
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Foto: Divulgação
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Foto: Divulgação/TV Globo
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Foto: MTV/Divulgação
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