Rememorando o 31 de março de 1964


Golpe ou revolução? Qual é, afinal, a diferença entre esses termos que tanto mobilizam a direita e a esquerda brasileiras, quando se referem ao movimento militar de 31 de março de 1964?

Por Geraldo Miniuci

Conforme anotei neste espaço, há cinco anos, golpe de Estado designa o movimento político capitaneado por agentes do próprio Estado para depor suas lideranças e substituí-las por outras já pertencentes à estrutura estatal. Revolução, por sua vez, significa ruptura na ordem do Estado, o início de uma nova era em sua história e, às vezes, até mesmo na história do mundo. Isso significa que golpistas podem, sim, fazer revoluções, caso, ao tomarem o poder, introduzam mudanças profundas nas ordens política, econômica e social. Foi o que aconteceu, por exemplo, na revolução de outubro de 1917, na Rússia, que se iniciou com o golpe dado por Lênin e os bolcheviques contra o governo provisório que chegara ao poder na revolução de fevereiro daquele mesmo ano. Assim, golpe de Estado pode ser um instrumento do qual se lança mão para atingir determinados objetivos, como, por exemplo, o de fazer uma revolução.

Como, no Brasil, em março de 1964, os comandantes das forças armadas depuseram o Presidente da República, não deveria haver dúvidas de que esse movimento político representou um clássico golpe de Estado, na sua mais completa tradução. Embora tenha havido uma ruptura da ordem jurídica, afinal, a constituição de 1946 foi mutilada, isso não é suficiente para caracterizar o movimento como revolução, pois, como seus próprios líderes e apoiadores afirmam, ele veio para salvar o país do comunismo, ou seja, para manter a ordem e os valores vigentes e depor quem supostamente queria subvertê-los.

Por que, então, essa insistência em chamar de revolução um episódio que nada mais era do que reação contra João Goulart e o grupo que o apoiava? Subverteu-se a lei, sim, houve ruptura da ordem, sim, mas tudo isso foi feito com o apoio de lideranças tradicionais, provenientes de partidos conservadores, que se aliaram aos militares para manter o sistema econômico e social. Não há nada de revolucionário nisso. Por que, então, pergunto mais uma vez, insistir nessa rotulação?

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Talvez porque revolução e golpe de Estado tenham, na retórica, sentido distinto daquele existente na ciência política. No plano retórico, o significado dos termos será dado por um discurso que se legitima em valores, concepções ou presunções sedimentadas no auditório em que ele é proferido. Pouco importa se o sentido corresponde ou não à realidade que designa. Interessa, sim, como os membros do auditório entendem-no.

Ora, revoluções são exaltadas, glorificadas e comemoradas, à esquerda ou à direita. Não se celebram golpes de Estado, sem que eles sejam previamente rotulados como revolução ou, no máximo, sem que se lance mão de termo neutro e aceitável, como, por exemplo, "movimento político". Eventualmente podem, ainda, receber adjetivos, como em "movimento militar" ou, para apresentar-se com mais legitimidade, como "movimento cívico-militar". Mas festejar um golpe como tal, isso dificilmente alguém fará.

Ao determinar que os quartéis em todo Brasil comemorassem ou rememorassem a "revolução de 1964", Bolsonaro valeu-se de retórica que encontra eco em determinados segmentos da sociedade, em auditórios formados por pessoas simpáticas ao movimento. Trata-se, porém, de ato percebido como reles provocação em outros ambientes, tanto naqueles em que se considera o movimento mero golpe de Estado, jamais como revolução, mas também e sobretudo naqueles formados por vítimas ou parentes de vítimas da ditadura. Como justificar para essas pessoas a celebração de um evento que marcou a instauração de regime de exceção que roubaria a vida ou a integridade física de seus entes queridos? Como justificar perante o filho, cujo pai foi morto pela repressão, que o Presidente da República capitaneia semelhante iniciativa? Já não bastasse a lei de anistia que impediu a punição de torturadores, festeja-se agora a gênese da ditadura que deu vida a essas criaturas.

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Semelhante iniciativa em nada contribui para a paz social, pelo contrário, ela só faz acirrar os ânimos. Golpe de Estado ou revolução, os cadáveres são os mesmos. Não há o que comemorar. E caso pretenda rememorar algo, em vez de uma celebração como a pretendida para hoje, em vez de instrumentalizar as forças armadas para espezinhar seus opositores, Bolsonaro deveria estimular a pesquisa acadêmica independente sobre o período, bem como toda e qualquer iniciativa em busca da memória e da verdade a respeito daquele tempo. Sem isso, e com os eventos programados nos quartéis, não haverá rememoração de espécie alguma, mas mera apologia da ditadura.

Conforme anotei neste espaço, há cinco anos, golpe de Estado designa o movimento político capitaneado por agentes do próprio Estado para depor suas lideranças e substituí-las por outras já pertencentes à estrutura estatal. Revolução, por sua vez, significa ruptura na ordem do Estado, o início de uma nova era em sua história e, às vezes, até mesmo na história do mundo. Isso significa que golpistas podem, sim, fazer revoluções, caso, ao tomarem o poder, introduzam mudanças profundas nas ordens política, econômica e social. Foi o que aconteceu, por exemplo, na revolução de outubro de 1917, na Rússia, que se iniciou com o golpe dado por Lênin e os bolcheviques contra o governo provisório que chegara ao poder na revolução de fevereiro daquele mesmo ano. Assim, golpe de Estado pode ser um instrumento do qual se lança mão para atingir determinados objetivos, como, por exemplo, o de fazer uma revolução.

Como, no Brasil, em março de 1964, os comandantes das forças armadas depuseram o Presidente da República, não deveria haver dúvidas de que esse movimento político representou um clássico golpe de Estado, na sua mais completa tradução. Embora tenha havido uma ruptura da ordem jurídica, afinal, a constituição de 1946 foi mutilada, isso não é suficiente para caracterizar o movimento como revolução, pois, como seus próprios líderes e apoiadores afirmam, ele veio para salvar o país do comunismo, ou seja, para manter a ordem e os valores vigentes e depor quem supostamente queria subvertê-los.

Por que, então, essa insistência em chamar de revolução um episódio que nada mais era do que reação contra João Goulart e o grupo que o apoiava? Subverteu-se a lei, sim, houve ruptura da ordem, sim, mas tudo isso foi feito com o apoio de lideranças tradicionais, provenientes de partidos conservadores, que se aliaram aos militares para manter o sistema econômico e social. Não há nada de revolucionário nisso. Por que, então, pergunto mais uma vez, insistir nessa rotulação?

Talvez porque revolução e golpe de Estado tenham, na retórica, sentido distinto daquele existente na ciência política. No plano retórico, o significado dos termos será dado por um discurso que se legitima em valores, concepções ou presunções sedimentadas no auditório em que ele é proferido. Pouco importa se o sentido corresponde ou não à realidade que designa. Interessa, sim, como os membros do auditório entendem-no.

Ora, revoluções são exaltadas, glorificadas e comemoradas, à esquerda ou à direita. Não se celebram golpes de Estado, sem que eles sejam previamente rotulados como revolução ou, no máximo, sem que se lance mão de termo neutro e aceitável, como, por exemplo, "movimento político". Eventualmente podem, ainda, receber adjetivos, como em "movimento militar" ou, para apresentar-se com mais legitimidade, como "movimento cívico-militar". Mas festejar um golpe como tal, isso dificilmente alguém fará.

Ao determinar que os quartéis em todo Brasil comemorassem ou rememorassem a "revolução de 1964", Bolsonaro valeu-se de retórica que encontra eco em determinados segmentos da sociedade, em auditórios formados por pessoas simpáticas ao movimento. Trata-se, porém, de ato percebido como reles provocação em outros ambientes, tanto naqueles em que se considera o movimento mero golpe de Estado, jamais como revolução, mas também e sobretudo naqueles formados por vítimas ou parentes de vítimas da ditadura. Como justificar para essas pessoas a celebração de um evento que marcou a instauração de regime de exceção que roubaria a vida ou a integridade física de seus entes queridos? Como justificar perante o filho, cujo pai foi morto pela repressão, que o Presidente da República capitaneia semelhante iniciativa? Já não bastasse a lei de anistia que impediu a punição de torturadores, festeja-se agora a gênese da ditadura que deu vida a essas criaturas.

Semelhante iniciativa em nada contribui para a paz social, pelo contrário, ela só faz acirrar os ânimos. Golpe de Estado ou revolução, os cadáveres são os mesmos. Não há o que comemorar. E caso pretenda rememorar algo, em vez de uma celebração como a pretendida para hoje, em vez de instrumentalizar as forças armadas para espezinhar seus opositores, Bolsonaro deveria estimular a pesquisa acadêmica independente sobre o período, bem como toda e qualquer iniciativa em busca da memória e da verdade a respeito daquele tempo. Sem isso, e com os eventos programados nos quartéis, não haverá rememoração de espécie alguma, mas mera apologia da ditadura.

Conforme anotei neste espaço, há cinco anos, golpe de Estado designa o movimento político capitaneado por agentes do próprio Estado para depor suas lideranças e substituí-las por outras já pertencentes à estrutura estatal. Revolução, por sua vez, significa ruptura na ordem do Estado, o início de uma nova era em sua história e, às vezes, até mesmo na história do mundo. Isso significa que golpistas podem, sim, fazer revoluções, caso, ao tomarem o poder, introduzam mudanças profundas nas ordens política, econômica e social. Foi o que aconteceu, por exemplo, na revolução de outubro de 1917, na Rússia, que se iniciou com o golpe dado por Lênin e os bolcheviques contra o governo provisório que chegara ao poder na revolução de fevereiro daquele mesmo ano. Assim, golpe de Estado pode ser um instrumento do qual se lança mão para atingir determinados objetivos, como, por exemplo, o de fazer uma revolução.

Como, no Brasil, em março de 1964, os comandantes das forças armadas depuseram o Presidente da República, não deveria haver dúvidas de que esse movimento político representou um clássico golpe de Estado, na sua mais completa tradução. Embora tenha havido uma ruptura da ordem jurídica, afinal, a constituição de 1946 foi mutilada, isso não é suficiente para caracterizar o movimento como revolução, pois, como seus próprios líderes e apoiadores afirmam, ele veio para salvar o país do comunismo, ou seja, para manter a ordem e os valores vigentes e depor quem supostamente queria subvertê-los.

Por que, então, essa insistência em chamar de revolução um episódio que nada mais era do que reação contra João Goulart e o grupo que o apoiava? Subverteu-se a lei, sim, houve ruptura da ordem, sim, mas tudo isso foi feito com o apoio de lideranças tradicionais, provenientes de partidos conservadores, que se aliaram aos militares para manter o sistema econômico e social. Não há nada de revolucionário nisso. Por que, então, pergunto mais uma vez, insistir nessa rotulação?

Talvez porque revolução e golpe de Estado tenham, na retórica, sentido distinto daquele existente na ciência política. No plano retórico, o significado dos termos será dado por um discurso que se legitima em valores, concepções ou presunções sedimentadas no auditório em que ele é proferido. Pouco importa se o sentido corresponde ou não à realidade que designa. Interessa, sim, como os membros do auditório entendem-no.

Ora, revoluções são exaltadas, glorificadas e comemoradas, à esquerda ou à direita. Não se celebram golpes de Estado, sem que eles sejam previamente rotulados como revolução ou, no máximo, sem que se lance mão de termo neutro e aceitável, como, por exemplo, "movimento político". Eventualmente podem, ainda, receber adjetivos, como em "movimento militar" ou, para apresentar-se com mais legitimidade, como "movimento cívico-militar". Mas festejar um golpe como tal, isso dificilmente alguém fará.

Ao determinar que os quartéis em todo Brasil comemorassem ou rememorassem a "revolução de 1964", Bolsonaro valeu-se de retórica que encontra eco em determinados segmentos da sociedade, em auditórios formados por pessoas simpáticas ao movimento. Trata-se, porém, de ato percebido como reles provocação em outros ambientes, tanto naqueles em que se considera o movimento mero golpe de Estado, jamais como revolução, mas também e sobretudo naqueles formados por vítimas ou parentes de vítimas da ditadura. Como justificar para essas pessoas a celebração de um evento que marcou a instauração de regime de exceção que roubaria a vida ou a integridade física de seus entes queridos? Como justificar perante o filho, cujo pai foi morto pela repressão, que o Presidente da República capitaneia semelhante iniciativa? Já não bastasse a lei de anistia que impediu a punição de torturadores, festeja-se agora a gênese da ditadura que deu vida a essas criaturas.

Semelhante iniciativa em nada contribui para a paz social, pelo contrário, ela só faz acirrar os ânimos. Golpe de Estado ou revolução, os cadáveres são os mesmos. Não há o que comemorar. E caso pretenda rememorar algo, em vez de uma celebração como a pretendida para hoje, em vez de instrumentalizar as forças armadas para espezinhar seus opositores, Bolsonaro deveria estimular a pesquisa acadêmica independente sobre o período, bem como toda e qualquer iniciativa em busca da memória e da verdade a respeito daquele tempo. Sem isso, e com os eventos programados nos quartéis, não haverá rememoração de espécie alguma, mas mera apologia da ditadura.

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