‘É incrível: a ficha dessa gente não cai’, diz Giannetti sobre governistas


Para economista e professor do Insper, nova crise institucional coloca em risco a recuperação da economia e o quadro, que já era frágil, fica ainda pior

Por Alexa Salomão
Economista e professor do Insper, Eduardo Giannetti Fonseca. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Para o economista Eduardo Giannetti, o balanço da semana que passou é desastroso. O PMDB mostrou que não entende as mudanças em curso no Brasil. “Depois de tudo que se investigou e se apurou no Mensalão e na Lava Jato, a cúpula do PMDB insiste nas mesmas práticas patrimonialistas, de confusão entre público e privado, como se sentisse eternamente imune à igualdade perante a lei”, disse.

O mais grave, na sua avaliação, é que a nova crise institucional coloca em risco a recuperação da economia. “O quadro, que já era frágil, piora”. E tudo isso com um agravante: pode acirrar a indignação popular e levar as pessoas às ruas. “Manifestações são os fenômenos sociais mais caprichosos e difíceis de serem previstos.” Para Giannetti, até os avanços na negociação entre União e Estados para resolver a crise fiscal precisam ser vistos com parcimônia: “Era fundamental que a União garantisse contrapartidas dos Estados, mas a negociação não resolve um problema de fundo: o federalismo truncado”. 

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A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao Estado.

Um ministro, que pediu exoneração, faz denúncias sérias que levam à queda de outro ministro e levantam dúvidas de que o próprio presidente de República participou de tráfico de influência. Qual o impacto sobre a economia dessa reviravolta na cena política? 

Algum efeito sobre a economia terá. O quadro, que já era frágil, piora. Antecipa a materialização de um risco político que, pelo histórico da cúpula do PMDB, todos já conheciam e previam. Mas o que não dá para entender é como essa cúpula do PMDB, depois de tudo que se investigou e se apurou no Mensalão e na Lava Jato, insiste nas mesmas práticas patrimonialistas, de confusão entre público e privado, como se sentisse eternamente imune à igualdade perante a lei, como se o poder existisse para favorecê-los e angariar privilégios nas decisões de política pública. Como é que um ministro de Estado, no meio dessa situação tão frágil, tenta interferir numa questão pública em defesa de seu interesse pessoal? E talvez tenha feito isso até como beneplácito do presidente? Continuam agindo como se nada estivesse acontecendo. É incrível: a ficha dessa gente não cai. É especialmente preocupante que tudo isso prejudique e eventualmente possa comprometer o trabalho de uma equipe econômica da maior qualidade técnica e disposta a consertar os equívocos.

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Como ficam as medidas na área econômica que o próprio governo precisa implementar? Dá para aprovar a Previdência num ambiente de baixa popularidade que se aprofunda? É cedo para dizer se vai comprometer a estratégia da equipe econômica. Também se sabe que a reforma da Previdência é complexa em qualquer ambiente. Mas é certo que, quanto mais fragilizado estiver o governo, quanto mais depreciado estiver o seu capital político, mais difícil fica. Por isso, é preciso senso de urgência para dar início à reforma o quanto antes. A fragilização do governo Temer é questão de tempo. 

Alguns têm defendido que, como a crise política interfere na recuperação econômica, o País não deveria levar a faxina ética às últimas consequências. Para o senhor, existe um limite? As duas questões são imperativas. Não podemos esquecer que Brasil bateu num paredão: 12 milhões de pessoas hoje procuram emprego, mas não encontram, e outros 6 milhões de brasileiros estão desalentados – sequer procuram emprego. São 18 milhões sem trabalho. Temos também 60 milhões de inadimplentes. O investimento está em queda há dez semestres. Muitas empresas estão numa situação periclitante. E ainda temos mais de 3 mil obras paralisadas só no âmbito federal. E a recuperação da economia brasileira em 2017 ainda é muito nebulosa. O agravamento desse quadro vai nos levar para uma crise social de proporções imprevisíveis. Há urgência em estancar a crise. Mas tão preponderante quanto sair da recessão é manter a investigação da Lava Lato. Precisamos descobrir uma maneira de separar essas duas coisas. As duas coisas precisam ser feitas. Não podemos admitir o uso do imperativo econômico para aprovar medidas que atenuem a punição dos que cometeram delitos com recursos públicos e com o financiamento de campanha. 

Houve também manobras para anistiar políticos envolvidos nas denúncias de caixa 2 de campanha... Sou radicalmente contrário à anistia para o caixa 2. Se insistirem nisso, vão provocar a reação popular. Salta aos olhos a questão da Justiça. Na Lava Jato, a gente vê os empreiteiros presos, os operadores presos, os diretores da Petrobrás presos e os políticos soltos. O fórum privilegiado dá à casta governamental brasileira a vantagem de não serem punidos e condenados. Não dá para aceitar que não se tenha nenhuma condenação de político em exercício do cargo. Já ficou claro que a Lava Jato não é perseguição ao PT. Prenderam Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e Anthony Garotinho – mas só depois de perderem o mandato. Está faltando pegar quem está no exercício do mandato. Mas o estresse institucional é geral. A coisa está fluida. A gente precisa fazer um reordenamento das relações intragovernamentais e entre os poderes. Nas duas dimensões: vertical e horizontal. Não dá para ter um sistema em que Judiciário e Legislativo atuam em causa própria e se autoconferem salários descolados da realidade do resto dos trabalhadores. O benefício médio – veja bem, médio – dos inativos e pensionistas da União, Estados e municípios no Brasil é cinco vezes maior do que a média do brasileiro. É um sistema de castas. 

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O sr. mencionou que pode haver uma reação popular. Qual seria o efeito a essa altura das manifestações de rua? Manifestações de ruas são imponderáveis. São os fenômenos sociais mais caprichosos e difíceis de serem previstos na história das nações. Eu uso a metáfora do grão de areia. Vem do estudo de alguns físicos. Você solta um grão sobre uma torre de areia. Um grãozinho. Três coisas podem ocorrer. O grãozinho para no topo e fica lá: nada acontece. O grãozinho escorrega lentamente até a base e a torre continua de pé. Mas também pode acontecer que o grão caia naquele ponto em que faz a torre desabar. Os grãozinhos estão caindo todo dia na torre da política brasileira. Tendo a crer que ainda vai cair um grão que vai fazer essa torre desabar. Aprovar uma medida para livrar os políticos das punições pelo caixa 2 vai causar tal descontentamento que pode fazer a torre vir abaixo. 

A virada à direita na eleição municipal já não é o indício disso? Os grupos de extrema direita se beneficiam da atmosfera de medo de que as coisas possam caminhar para o caos. O arranjo de poder que o Brasil tinha desde a redemocratização acabou. O momento é propício para manifestações surpreendentes – como a invasão da Câmara por um grupo que pedia a volta da ditadura. 

A semana também foi de negociação entre União e Estados. Ao menos nesse terreno o sr. viu avanços? Era fundamental que a União garantisse contrapartidas dos Estados. Mas a PEC de gasto dos Estados, o congelamento de salários e a contribuição maior para a Previdência, apesar de medidas fundamentais, não resolvem o problema de fundo. 

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Que problema de fundo? O que eu chamo de federalismo truncado. Em 1988, a Constituição optou pelo Estado Federativo. Ou seja, fomos do Estado centralizado na União, modelo dos militares, para o Estado descentralizado, onde atribuições foram transferidas para Estados e municípios. Mas houve um erro grave no desenho: obrigações foram descentralizadas – educação, saúde, saneamento. Mas a autoridade para tributar continuou concentrada no governo central. É preciso rever esse modelo para deter a crise fiscal. 

Economista e professor do Insper, Eduardo Giannetti Fonseca. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Para o economista Eduardo Giannetti, o balanço da semana que passou é desastroso. O PMDB mostrou que não entende as mudanças em curso no Brasil. “Depois de tudo que se investigou e se apurou no Mensalão e na Lava Jato, a cúpula do PMDB insiste nas mesmas práticas patrimonialistas, de confusão entre público e privado, como se sentisse eternamente imune à igualdade perante a lei”, disse.

O mais grave, na sua avaliação, é que a nova crise institucional coloca em risco a recuperação da economia. “O quadro, que já era frágil, piora”. E tudo isso com um agravante: pode acirrar a indignação popular e levar as pessoas às ruas. “Manifestações são os fenômenos sociais mais caprichosos e difíceis de serem previstos.” Para Giannetti, até os avanços na negociação entre União e Estados para resolver a crise fiscal precisam ser vistos com parcimônia: “Era fundamental que a União garantisse contrapartidas dos Estados, mas a negociação não resolve um problema de fundo: o federalismo truncado”. 

A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao Estado.

Um ministro, que pediu exoneração, faz denúncias sérias que levam à queda de outro ministro e levantam dúvidas de que o próprio presidente de República participou de tráfico de influência. Qual o impacto sobre a economia dessa reviravolta na cena política? 

Algum efeito sobre a economia terá. O quadro, que já era frágil, piora. Antecipa a materialização de um risco político que, pelo histórico da cúpula do PMDB, todos já conheciam e previam. Mas o que não dá para entender é como essa cúpula do PMDB, depois de tudo que se investigou e se apurou no Mensalão e na Lava Jato, insiste nas mesmas práticas patrimonialistas, de confusão entre público e privado, como se sentisse eternamente imune à igualdade perante a lei, como se o poder existisse para favorecê-los e angariar privilégios nas decisões de política pública. Como é que um ministro de Estado, no meio dessa situação tão frágil, tenta interferir numa questão pública em defesa de seu interesse pessoal? E talvez tenha feito isso até como beneplácito do presidente? Continuam agindo como se nada estivesse acontecendo. É incrível: a ficha dessa gente não cai. É especialmente preocupante que tudo isso prejudique e eventualmente possa comprometer o trabalho de uma equipe econômica da maior qualidade técnica e disposta a consertar os equívocos.

Como ficam as medidas na área econômica que o próprio governo precisa implementar? Dá para aprovar a Previdência num ambiente de baixa popularidade que se aprofunda? É cedo para dizer se vai comprometer a estratégia da equipe econômica. Também se sabe que a reforma da Previdência é complexa em qualquer ambiente. Mas é certo que, quanto mais fragilizado estiver o governo, quanto mais depreciado estiver o seu capital político, mais difícil fica. Por isso, é preciso senso de urgência para dar início à reforma o quanto antes. A fragilização do governo Temer é questão de tempo. 

Alguns têm defendido que, como a crise política interfere na recuperação econômica, o País não deveria levar a faxina ética às últimas consequências. Para o senhor, existe um limite? As duas questões são imperativas. Não podemos esquecer que Brasil bateu num paredão: 12 milhões de pessoas hoje procuram emprego, mas não encontram, e outros 6 milhões de brasileiros estão desalentados – sequer procuram emprego. São 18 milhões sem trabalho. Temos também 60 milhões de inadimplentes. O investimento está em queda há dez semestres. Muitas empresas estão numa situação periclitante. E ainda temos mais de 3 mil obras paralisadas só no âmbito federal. E a recuperação da economia brasileira em 2017 ainda é muito nebulosa. O agravamento desse quadro vai nos levar para uma crise social de proporções imprevisíveis. Há urgência em estancar a crise. Mas tão preponderante quanto sair da recessão é manter a investigação da Lava Lato. Precisamos descobrir uma maneira de separar essas duas coisas. As duas coisas precisam ser feitas. Não podemos admitir o uso do imperativo econômico para aprovar medidas que atenuem a punição dos que cometeram delitos com recursos públicos e com o financiamento de campanha. 

Houve também manobras para anistiar políticos envolvidos nas denúncias de caixa 2 de campanha... Sou radicalmente contrário à anistia para o caixa 2. Se insistirem nisso, vão provocar a reação popular. Salta aos olhos a questão da Justiça. Na Lava Jato, a gente vê os empreiteiros presos, os operadores presos, os diretores da Petrobrás presos e os políticos soltos. O fórum privilegiado dá à casta governamental brasileira a vantagem de não serem punidos e condenados. Não dá para aceitar que não se tenha nenhuma condenação de político em exercício do cargo. Já ficou claro que a Lava Jato não é perseguição ao PT. Prenderam Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e Anthony Garotinho – mas só depois de perderem o mandato. Está faltando pegar quem está no exercício do mandato. Mas o estresse institucional é geral. A coisa está fluida. A gente precisa fazer um reordenamento das relações intragovernamentais e entre os poderes. Nas duas dimensões: vertical e horizontal. Não dá para ter um sistema em que Judiciário e Legislativo atuam em causa própria e se autoconferem salários descolados da realidade do resto dos trabalhadores. O benefício médio – veja bem, médio – dos inativos e pensionistas da União, Estados e municípios no Brasil é cinco vezes maior do que a média do brasileiro. É um sistema de castas. 

O sr. mencionou que pode haver uma reação popular. Qual seria o efeito a essa altura das manifestações de rua? Manifestações de ruas são imponderáveis. São os fenômenos sociais mais caprichosos e difíceis de serem previstos na história das nações. Eu uso a metáfora do grão de areia. Vem do estudo de alguns físicos. Você solta um grão sobre uma torre de areia. Um grãozinho. Três coisas podem ocorrer. O grãozinho para no topo e fica lá: nada acontece. O grãozinho escorrega lentamente até a base e a torre continua de pé. Mas também pode acontecer que o grão caia naquele ponto em que faz a torre desabar. Os grãozinhos estão caindo todo dia na torre da política brasileira. Tendo a crer que ainda vai cair um grão que vai fazer essa torre desabar. Aprovar uma medida para livrar os políticos das punições pelo caixa 2 vai causar tal descontentamento que pode fazer a torre vir abaixo. 

A virada à direita na eleição municipal já não é o indício disso? Os grupos de extrema direita se beneficiam da atmosfera de medo de que as coisas possam caminhar para o caos. O arranjo de poder que o Brasil tinha desde a redemocratização acabou. O momento é propício para manifestações surpreendentes – como a invasão da Câmara por um grupo que pedia a volta da ditadura. 

A semana também foi de negociação entre União e Estados. Ao menos nesse terreno o sr. viu avanços? Era fundamental que a União garantisse contrapartidas dos Estados. Mas a PEC de gasto dos Estados, o congelamento de salários e a contribuição maior para a Previdência, apesar de medidas fundamentais, não resolvem o problema de fundo. 

Que problema de fundo? O que eu chamo de federalismo truncado. Em 1988, a Constituição optou pelo Estado Federativo. Ou seja, fomos do Estado centralizado na União, modelo dos militares, para o Estado descentralizado, onde atribuições foram transferidas para Estados e municípios. Mas houve um erro grave no desenho: obrigações foram descentralizadas – educação, saúde, saneamento. Mas a autoridade para tributar continuou concentrada no governo central. É preciso rever esse modelo para deter a crise fiscal. 

Economista e professor do Insper, Eduardo Giannetti Fonseca. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Para o economista Eduardo Giannetti, o balanço da semana que passou é desastroso. O PMDB mostrou que não entende as mudanças em curso no Brasil. “Depois de tudo que se investigou e se apurou no Mensalão e na Lava Jato, a cúpula do PMDB insiste nas mesmas práticas patrimonialistas, de confusão entre público e privado, como se sentisse eternamente imune à igualdade perante a lei”, disse.

O mais grave, na sua avaliação, é que a nova crise institucional coloca em risco a recuperação da economia. “O quadro, que já era frágil, piora”. E tudo isso com um agravante: pode acirrar a indignação popular e levar as pessoas às ruas. “Manifestações são os fenômenos sociais mais caprichosos e difíceis de serem previstos.” Para Giannetti, até os avanços na negociação entre União e Estados para resolver a crise fiscal precisam ser vistos com parcimônia: “Era fundamental que a União garantisse contrapartidas dos Estados, mas a negociação não resolve um problema de fundo: o federalismo truncado”. 

A seguir, os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao Estado.

Um ministro, que pediu exoneração, faz denúncias sérias que levam à queda de outro ministro e levantam dúvidas de que o próprio presidente de República participou de tráfico de influência. Qual o impacto sobre a economia dessa reviravolta na cena política? 

Algum efeito sobre a economia terá. O quadro, que já era frágil, piora. Antecipa a materialização de um risco político que, pelo histórico da cúpula do PMDB, todos já conheciam e previam. Mas o que não dá para entender é como essa cúpula do PMDB, depois de tudo que se investigou e se apurou no Mensalão e na Lava Jato, insiste nas mesmas práticas patrimonialistas, de confusão entre público e privado, como se sentisse eternamente imune à igualdade perante a lei, como se o poder existisse para favorecê-los e angariar privilégios nas decisões de política pública. Como é que um ministro de Estado, no meio dessa situação tão frágil, tenta interferir numa questão pública em defesa de seu interesse pessoal? E talvez tenha feito isso até como beneplácito do presidente? Continuam agindo como se nada estivesse acontecendo. É incrível: a ficha dessa gente não cai. É especialmente preocupante que tudo isso prejudique e eventualmente possa comprometer o trabalho de uma equipe econômica da maior qualidade técnica e disposta a consertar os equívocos.

Como ficam as medidas na área econômica que o próprio governo precisa implementar? Dá para aprovar a Previdência num ambiente de baixa popularidade que se aprofunda? É cedo para dizer se vai comprometer a estratégia da equipe econômica. Também se sabe que a reforma da Previdência é complexa em qualquer ambiente. Mas é certo que, quanto mais fragilizado estiver o governo, quanto mais depreciado estiver o seu capital político, mais difícil fica. Por isso, é preciso senso de urgência para dar início à reforma o quanto antes. A fragilização do governo Temer é questão de tempo. 

Alguns têm defendido que, como a crise política interfere na recuperação econômica, o País não deveria levar a faxina ética às últimas consequências. Para o senhor, existe um limite? As duas questões são imperativas. Não podemos esquecer que Brasil bateu num paredão: 12 milhões de pessoas hoje procuram emprego, mas não encontram, e outros 6 milhões de brasileiros estão desalentados – sequer procuram emprego. São 18 milhões sem trabalho. Temos também 60 milhões de inadimplentes. O investimento está em queda há dez semestres. Muitas empresas estão numa situação periclitante. E ainda temos mais de 3 mil obras paralisadas só no âmbito federal. E a recuperação da economia brasileira em 2017 ainda é muito nebulosa. O agravamento desse quadro vai nos levar para uma crise social de proporções imprevisíveis. Há urgência em estancar a crise. Mas tão preponderante quanto sair da recessão é manter a investigação da Lava Lato. Precisamos descobrir uma maneira de separar essas duas coisas. As duas coisas precisam ser feitas. Não podemos admitir o uso do imperativo econômico para aprovar medidas que atenuem a punição dos que cometeram delitos com recursos públicos e com o financiamento de campanha. 

Houve também manobras para anistiar políticos envolvidos nas denúncias de caixa 2 de campanha... Sou radicalmente contrário à anistia para o caixa 2. Se insistirem nisso, vão provocar a reação popular. Salta aos olhos a questão da Justiça. Na Lava Jato, a gente vê os empreiteiros presos, os operadores presos, os diretores da Petrobrás presos e os políticos soltos. O fórum privilegiado dá à casta governamental brasileira a vantagem de não serem punidos e condenados. Não dá para aceitar que não se tenha nenhuma condenação de político em exercício do cargo. Já ficou claro que a Lava Jato não é perseguição ao PT. Prenderam Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e Anthony Garotinho – mas só depois de perderem o mandato. Está faltando pegar quem está no exercício do mandato. Mas o estresse institucional é geral. A coisa está fluida. A gente precisa fazer um reordenamento das relações intragovernamentais e entre os poderes. Nas duas dimensões: vertical e horizontal. Não dá para ter um sistema em que Judiciário e Legislativo atuam em causa própria e se autoconferem salários descolados da realidade do resto dos trabalhadores. O benefício médio – veja bem, médio – dos inativos e pensionistas da União, Estados e municípios no Brasil é cinco vezes maior do que a média do brasileiro. É um sistema de castas. 

O sr. mencionou que pode haver uma reação popular. Qual seria o efeito a essa altura das manifestações de rua? Manifestações de ruas são imponderáveis. São os fenômenos sociais mais caprichosos e difíceis de serem previstos na história das nações. Eu uso a metáfora do grão de areia. Vem do estudo de alguns físicos. Você solta um grão sobre uma torre de areia. Um grãozinho. Três coisas podem ocorrer. O grãozinho para no topo e fica lá: nada acontece. O grãozinho escorrega lentamente até a base e a torre continua de pé. Mas também pode acontecer que o grão caia naquele ponto em que faz a torre desabar. Os grãozinhos estão caindo todo dia na torre da política brasileira. Tendo a crer que ainda vai cair um grão que vai fazer essa torre desabar. Aprovar uma medida para livrar os políticos das punições pelo caixa 2 vai causar tal descontentamento que pode fazer a torre vir abaixo. 

A virada à direita na eleição municipal já não é o indício disso? Os grupos de extrema direita se beneficiam da atmosfera de medo de que as coisas possam caminhar para o caos. O arranjo de poder que o Brasil tinha desde a redemocratização acabou. O momento é propício para manifestações surpreendentes – como a invasão da Câmara por um grupo que pedia a volta da ditadura. 

A semana também foi de negociação entre União e Estados. Ao menos nesse terreno o sr. viu avanços? Era fundamental que a União garantisse contrapartidas dos Estados. Mas a PEC de gasto dos Estados, o congelamento de salários e a contribuição maior para a Previdência, apesar de medidas fundamentais, não resolvem o problema de fundo. 

Que problema de fundo? O que eu chamo de federalismo truncado. Em 1988, a Constituição optou pelo Estado Federativo. Ou seja, fomos do Estado centralizado na União, modelo dos militares, para o Estado descentralizado, onde atribuições foram transferidas para Estados e municípios. Mas houve um erro grave no desenho: obrigações foram descentralizadas – educação, saúde, saneamento. Mas a autoridade para tributar continuou concentrada no governo central. É preciso rever esse modelo para deter a crise fiscal. 

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