RIO - A ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza disse neste sábado, 12, em interrogatório no Tribunal do Júri que o pastor Anderson do Carmo, assassinado em junho de 2019, a agrediu por um período de seu relacionamento, mas, depois parou e se limitou a um comportamento agressivo na “área sexual”. Em linha com a estratégia da defesa, de atribuir a Anderson um comportamento abusivo com filhas e netas, Flordelis disse que desconfiava dos casos de assédio após o assassinato, mas não podia acreditar e só depois soube do que, segundo os advogados, ocorria.
“Ele (Anderson) me batia. Depois, ele parou com essa prática de me bater e se tornou uma coisa, assim, muito doída, sofrida. Ele voltou a ficar agressivo na área sexual. Meu marido só sentia prazer se me machucasse. Ele só chegava às vias de fato (orgasmo) se me machucasse”, disse Flordelis, chorando, durante o julgamento realizado no Fórum de Niterói, na região metropolitana do Rio.
Na primeira vez em que falou na presença dos sete jurados, Flordelis chorou continuamente e negou ter sido a mandante do assassinato ou de tentativas de envenenar o marido. Ela disse que o amava e que era dependente dele, inclusive para o sucesso do mandato como deputada federal. O filho dela, André Luiz de Oliveira, e a neta Rayane dos Santos, também negaram envolvimento no crime. As acusadas Simone dos Santos e Marzy Teixeira, também filhas da ex-deputada, ainda não tinham sido ouvidas até o início da tarde deste sábado, 12.
A ex-deputada detalhou que Anderson o enforcava durante o ato sexual. Segundo ela, em uma das relações, chegou a desmaiar. A ré disse ainda estranhar o fato do marido voltar rapidamente a um estado de carinho após a violência sexual.
”Depois que ele fazia essas coisas, simplesmente me chamava para deitar no peito dele e voltava ser carinhoso, como se nada tivesse acontecido”, detalhou. Flordelis disse que não entendia o comportamento sexual de Anderson. Atribuía-o aos problemas de infância e à “falta de apego familiar” de Carmo.
Estratégia
Aos jurados, a abordagem da defesa tem sido sugerir que o crime se restringiu a um grupo pequeno de filhos. Incluiria a suposta mandante, Simone dos Santos, o executor e réu confesso, Flávio dos Santos, e Lucas dos Santos, que ajudou na compra da pistola usada no assassinato. Segundo a defesa, o crime veio em reação aos abusos sexuais de Carmo.
O Ministério Público e o assistente de acusação questionam essa narrativa. Afirmam que houve envolvimento de Flordelis e um grupo maior de filhos, que inclui os interrogados neste sábado. Flordelis e os filhos foram orientados a não responder perguntas da acusação, somente indagações da defesa e dos jurados, vocalizadas pelo juízo.
Questionada pela advogada de defesa, Janira Rocha, por que não denunciou as agressões de Carmo nem pediu ajuda, Flordelis disse que se sujeitava ao comportamento violento de Anderson porque aprendeu assim na igreja e com a mãe. Esta sempre teria sido uma esposa submissa e a aconselhava nesse sentido, para “conversar com calma depois”.
A ex-deputada endossou ao menos dois supostos episódios de abuso, com uma filha, Kelly, e com a neta Rayane dos Santos, também interrogada neste sábado. Ao fim do depoimento, que durou uma hora, Flordelis disse ter ficado chocada quando constatou, após o crime, que suas roupas íntimas eram idênticas às da filha Simone dos Santos, que também teria sido abusada por Carmo. Simone é atendida por outro grupo de advogados e tem disposição de confessar o mando do crime. Ela tem câncer.
Em seu depoimento, Rayane dos Santos, neta de Flordelis e sua assessora parlamentar na Câmara dos Deputados, disse que eram “hábitos de seu avô”, o pastor Anderson do Carmo, “passar a mão, dar tapas na bunda e apertar o bico do peito”.
Rayane disse que, em uma manhã de 2019, no apartamento funcional de Flordelis, em Brasília, ela acordou com Carmo deitado em cima de seu corpo, a alisando. Quando a mão do pastor chegava perto de sua vagina, detalhou, ela teria pedido que parasse.
Ele, então, disse que iria trabalhar e deixou o cômodo. A jovem também disse não ter contado a ninguém por medo de perder a posição no gabinete de Flordelis, em suas palavras, uma oportunidade dada por Carmo.
Choro
Para Flordelis, os jurados perguntaram se o choro era verdadeiro, ao que ela disse que sim, e se ela via com normalidade o fato de filhos afetivos se relacionarem. A ex-parlamentar disse que não via com bons olhos, mas que não podia impedir relações entre seus filhos, o que a investigação da Polícia Civil apontou como fato corriqueiro.
Após cinco dias de depoimentos de testemunhas, o interrogatório de Flordelis, três de seus filhos e uma neta começou na manhã deste sábado às 10h30 e deve avançar pelo dia, inclusive com início da etapa de debates entre Promotoria e defesa.
Foi a primeira vez em que Flordelis falou na presença dos sete jurados que julgam o caso no Tribunal do Júri. Ela e os filhos são acusados de homicídio triplamente qualificado cometido, homicídio duplamente qualificado tentado - por suposta tentativa de envenenamento de Carmo - falsificação de documento e associação criminosa armada.