Em um muro de um posto de gasolina, o escritor Hugo Barros viu uma plataforma para publicar o livro O Menino Invisível, sobre o poder de invisibilidade de uma criança que vive nas ruas. A ação deu origem ao projeto Livro de Rua, que já ocupou três muros de Brasília e foi finalista do Prêmio PublishNews 2023 na categoria Inovação do Ano.
Com a negativa de editoras para avaliar seus originais em 2017, e sem dinheiro nem conhecimentos de distribuição para optar pela autopublicação, Barros teve de pensar em novas formas de publicar livros. A resposta, conta ele, estava no próprio trabalho literário, que abordava temas de vulnerabilidade social e situações de risco. “Pensei que talvez a história ganhasse ainda mais força se estivesse impressa em um muro onde realmente alguém já dormiu. A mensagem fica mais forte com a plataforma ajudando a contar a história.”
O projeto Livro de Rua conseguiu financiamento por editais de cultura do Distrito Federal. Assim, publicou o primeiro livro na SQS 413, na Asa Sul, com a artista Camilla Siren. As telas seguintes foram os muros da Biblioteca Nacional de Brasília e da Biblioteca Central da Universidade de Brasília (UnB), que receberam Cata Tesouro e (Des)iguais, respectivamente, ilustrados por Mikael Omik – muros com a função também de convidar as pessoas a entrarem para descobrir mais livros.
Todas as histórias grafitadas têm ISBN, código internacional de identificação de livros, mas não foi simples consegui-lo. Em um primeiro momento, a Agência Brasileira do ISBN não considerou ser livro “pinturas em parede” e negou o pedido. O escritor conseguiu o registro após fundamentar o recurso com bibliografia sobre a materialidade do livro, o que depois se tornou seu objeto de pesquisa no mestrado em Literatura Infanto-Juvenil da UnB.
Visitar o livro
A professora do ensino fundamental Ana Carolina Freitas ficou impressionada com o projeto e o divulgou no trabalho, uma escola particular na Asa Sul. Em 2017, várias turmas propuseram uma atividade extraclasse em que os responsáveis levassem as crianças para visitar o livro O Menino Invisível, com o registro de fotos e um depoimento. As famílias ficaram encantadas, conta Ana Carolina.
O livro no muro atendia a vários requisitos do processo de alfabetização e letramento pelo qual passavam as crianças e, desde então, é apresentado às novas turmas.
“A gente trabalha de forma interdisciplinar. A literatura foi o primeiro ponto, mas toda a parte de produção artística fazia sentido. Tem a questão social também. E vem o estímulo à leitura e à escrita”, diz a professora, que ainda convidou o autor para falar sobre a produção em um encontro literário na escola.
Os benefícios para as crianças, no entanto, não excluem os adultos. “Os relatos mais emocionantes que eu recebo geralmente são de adultos falando deles mesmos, e não dos filhos”, diz Barros.
Embora “livro infantil” seja um conceito mais fácil no mercado editorial, o escritor prefere a definição “livro que é também para criança” para obras ilustradas que não sejam impróprias para menores, porque há muitas complexas ou só para adultos.
“No conceito de livro ilustrado, o texto sozinho diz uma coisa, a ilustração sozinha diz outra. E a mensagem que interessa é a produzida pela intersecção dessas coisas e de outras, como a plataforma em que o livro foi impresso.”
Depois de apresentar o projeto na Bienal Internacional do Livro de São Paulo em 2018, Barros conseguiu publicar O Menino Invisível no formato tradicional, em papel. Mas os planos para transformar a cidade em uma biblioteca continuam, diz ele, e para além do Distrito Federal.