Expulsão judicial de condôminos expõe os limites para os vizinhos antissociais


Edifício de alto padrão, no bairro de Perdizes, obrigou casal de médicos a pôr imóvel para alugar, em um caso que se arrastou por seis anos; sentença anterior, em Moema, ocorreu após se esgotarem todas as possibilidades de negociação e multa

Por Gilberto Amendola

O vizinho que toca bateria pela manhã. O chato que não dá “bom dia” para ninguém. A criança que, “acidentalmente”, quebrou o retrovisor do seu carro. O dono do cachorro que costuma uivar durante a madrugada. Sim, provavelmente, você convive (e vai continuar convivendo) com alguns desses personagens. Ao menos aos olhos de especialistas e da própria Justiça, eles não se enquadram no chamado “comportamento antissocial”. Mas comportamentos reincidentes e mais graves, que não podem ser coibidos nem com multas, começam a ser passíveis de expulsão de condomínio

'Chegamos a aplicar o máximo possível de penalidades e multas. Mas, acredito, ele era rico ou não se importava', diz a síndica Natachy Petrini Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

O tema voltou aos holofotes nas últimas semanas porque um edifício de alto padrão, no bairro de Perdizes, zona oeste de São Paulo, obteve decisão judicial para a expulsão de um casal de médicos – em um caso que se arrastou por seis anos. “A Justiça entendeu que, se não houvesse uma expulsão, a situação poderia terminar em tragédia. Uma decisão assim só acontece quando a percepção é de uma tragédia iminente”, contou o advogado do condomínio, Fauaz Najjar. “Eu mesmo precisei ir a uma reunião de condomínio para ouvir dos moradores e entender a gravidade da situação. A convivência no prédio já estava perigosa.”

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“Não deve ser um recurso banalizado. Mas o que está acontecendo agora é o início de uma jurisprudência”, afirmou o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky. Segundo relatos de moradores, o casal chegou a agredir fisicamente alguns vizinhos – e o convívio atribulado rendeu boletins de ocorrência e visitas ao Instituto Médico-Legal (IML). 

“As crianças tinham medo de entrar no elevador e dar de cara com o casal. O prédio inteiro estava em pânico. A gente chegava em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, e em vez de relaxar ficava tenso, esperando algo muito ruim acontecer”, disse Rodrigo Vianello, ex-síndico do prédio, que teve a ideia de procurar um advogado para tratar da expulsão do casal.

Para a gerente de relacionamento e comunicação da Lello Condomínio, Angélica Arbex, o fato do condomínio procurar um advogado para tratar de uma questão entre vizinhos já demonstra que a situação chegou ao limite. “O recomendável sempre é o diálogo. Se não der certo, tem ainda a hipótese de advertências e multas. Ao chegar à Justiça, encontramos um caminho quase que sem volta para a boa convivência”, disse. “Os edifícios precisam criar espaços de convivência para que as pessoas se conheçam melhor, para que elas possam conversar de forma construtiva e encontrar consensos que atendam às necessidades de todos”, completou.

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A expulsão do condomínio não está prevista em lei. No artigo 1.337 do Código Civil, a punição para comportamentos considerados antissociais é a multa – que pode atingir até dez vezes o valor do condomínio. No caso dos médicos, todas as outras hipóteses já haviam sido tentadas. “Eles já haviam sido advertidos e multados várias vezes, mas nunca mudaram o comportamento”, comenta o advogado. A sentença de expulsão foi dada pela 16.ª Vara Cível de São Paulo. E, embora tenha sido uma decisão de primeiro grau, o casal não entrou com nenhum recurso e, imediatamente, colocou o apartamento para locação. O advogado de defesa do casal foi procurado pela reportagem, mas informou que nem ele nem seus clientes iriam se manifestar. “É importante salientar que, nesses casos, o morador não perde o direito à propriedade. Ele é proibido de conviver naquele condomínio – devendo vender ou alugar o imóvel”, explica Bushatsky.

Em 2017, um morador foi expulso de um edifício no bairro de Moema por comportamento antissocial. O morador em questão ficou conhecido por ficar nu na academia do prédio, promover orgias na piscina e comparecer em reuniões de condomínio vestido de Batman. “Chegamos a aplicar o máximo possível de penalidades e multas. Mas, acredito, ele era rico ou não se importava. A situação chegou a um ponto em que a única saída era a expulsão”, contou Natachy Petrini, síndica profissional que administrava o edifício na época.

O advogado Anderson Martins da Silva, que atuou no caso, lembra que, entre outras coisas, o morador considerado antissocial foi responsável por provocar incêndio em um dos prédios vizinhos com a utilização de fogos de artifício e chegou a ameaçar um advogado do condomínio que morava no mesmo prédio (fato esse que deu origem a um inquérito policial por coação no curso do processo). "Todas as medidas extrajudiciais possíveis foram adotadas pelo condomínio: moção de repúdio, multas, majoração das multas até dez vezes o valor do condomínio, ajuizamento de ações criminais, mas nada impedia o condômino de continuar a descumprir a lei e as regras de convivência do condomínio.”

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Em sua sentença, a juíza Inah de Lemos e Silva Machado, responsável pelo julgamento do caso de Moema, escreveu: “Ainda que inexistente previsão legal quanto à possibilidade de exclusão de condômino, pelo fato de o Código Civil limitar-se à aplicação de multa, em seu artigo 1.337, a jurisprudência e a doutrina entendem pelo seu cabimento, como medida excepcional e extrema.”

Caso a caso

- Expulsão Só existe em situações que não se resolvam com conversa ou aplicação de multa. Há poucos registros no Judiciário.

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- Exageros Crianças barulhentas ou hiperativas e música alta não podem ser consideradas atitudes extremas. “Viver em condomínio exige uma predisposição para conviver com outras pessoas”, diz o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky. 

- Repetição A reiteração de um comportamento considerado ruim é que é problemático. Isso pode configurar a intenção de prejudicar os demais moradores.

- Inadimplência O atraso no condomínio não é, a priori, considerado comportamento antissocial. “Momentos difíceis todos passam. Mas se o condômino não paga os seus compromissos e demonstra sinais de riqueza ou troca o carro toda semana, ele pode estar agindo deliberadamente para prejudicar os demais. Nesse caso, pode ser considerado alguém com comportamento antissocial e, portanto, passível de punição”, afirma Bushatsky. 

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O que fazer para contornar atritos

1. Conversar

“Um bom síndico precisa entender de contabilidade e ter um temperamento bom, ser alguém que tenha paciência”, diz Bushatsky.

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2. Mediar

“Tambem é possível tentar participar de uma câmara de mediação. Existem profissionais que podem ajudar a resolver litígios de uma forma menos traumática.

3. Alertar

Envie uma notificação. Se o problema persistir, aplica-se multa. Se ainda assim o problema continuar, multa aumentada.

4. Judicializar 

Se nada funcionar, o condomínio pode ir à Justiça.

Com eles, é na reunião e muito na conversa

Cuidar do equilíbrio de um condomínio não é uma tarefa simples. Personalidades diferentes, horários que não combinam, crianças hiperativas, animais de estimação e outras questões são um desafio à boa convivência. A síndica Marisa Miranda de Oliveira Maciel sabia disso tudo quando assumiu um condomínio de 5 blocos e 960 apartamentos em Taboão da Serra, na Grande São Paulo. “Nos tínhamos muitos problemas (brigas, xingamentos), mas eu sabia que era possível resolvê-los”, afirma.

'Com reuniões menores, consegui explicar as questões', afirma Marisa Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

Para minimizar atritos, ataques, brigas e ofensas, Marisa implementou um programa de “reuniões de blocos” para aproximar, integrar e tirar dúvidas dos moradores. “Com reuniões menores, eu consegui explicar melhor as questões do prédio, consegui fazer com que as pessoas se conhecessem e a relação ficou muito mais civilizada.”

Marisa passou por um teste de fogo. Ela conseguiu aprovar, em assembleia, um aumento na taxa condominial. “Isso só foi possível porque o condomínio está vivendo um período de harmonia. Assim, conseguimos provar que o valor do nosso condomínio estava defasado e um reajuste reverteria em coisas boas para todo mundo.”

Além das reuniões por bloco, a síndica tem promovido aula de pilates e eventos para crianças nas áreas comuns do edifício. “Tudo isso tem feito com que as pessoas se conheçam melhor. O clima aqui melhorou muito - e continua melhorando”, afirma.

Outro síndico adepto do diálogo é Affonso Celso Prazer de Oliveira, que aos 80 anos está a frente de um dos edifícios mais emblemáticos da capital paulista0, o Copan (que conta com aproximadamente 5 mil moradores). “Quando tem algum problema, a gente primeiro conversa. Se é reincidente, aplica 1 salário mínimo de multa. Mas tem de ter diálogo, conversa e não criar barreiras”, disse. “Claro, tenho casos crônicos, problemáticos, mas vamos tentando resolver. Por exemplo, se a pessoa quiser pode ter até um elefante no apartamento, mas nas áreas comuns vai ter de carregar no colo.” 

O vizinho que toca bateria pela manhã. O chato que não dá “bom dia” para ninguém. A criança que, “acidentalmente”, quebrou o retrovisor do seu carro. O dono do cachorro que costuma uivar durante a madrugada. Sim, provavelmente, você convive (e vai continuar convivendo) com alguns desses personagens. Ao menos aos olhos de especialistas e da própria Justiça, eles não se enquadram no chamado “comportamento antissocial”. Mas comportamentos reincidentes e mais graves, que não podem ser coibidos nem com multas, começam a ser passíveis de expulsão de condomínio

'Chegamos a aplicar o máximo possível de penalidades e multas. Mas, acredito, ele era rico ou não se importava', diz a síndica Natachy Petrini Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

O tema voltou aos holofotes nas últimas semanas porque um edifício de alto padrão, no bairro de Perdizes, zona oeste de São Paulo, obteve decisão judicial para a expulsão de um casal de médicos – em um caso que se arrastou por seis anos. “A Justiça entendeu que, se não houvesse uma expulsão, a situação poderia terminar em tragédia. Uma decisão assim só acontece quando a percepção é de uma tragédia iminente”, contou o advogado do condomínio, Fauaz Najjar. “Eu mesmo precisei ir a uma reunião de condomínio para ouvir dos moradores e entender a gravidade da situação. A convivência no prédio já estava perigosa.”

“Não deve ser um recurso banalizado. Mas o que está acontecendo agora é o início de uma jurisprudência”, afirmou o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky. Segundo relatos de moradores, o casal chegou a agredir fisicamente alguns vizinhos – e o convívio atribulado rendeu boletins de ocorrência e visitas ao Instituto Médico-Legal (IML). 

“As crianças tinham medo de entrar no elevador e dar de cara com o casal. O prédio inteiro estava em pânico. A gente chegava em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, e em vez de relaxar ficava tenso, esperando algo muito ruim acontecer”, disse Rodrigo Vianello, ex-síndico do prédio, que teve a ideia de procurar um advogado para tratar da expulsão do casal.

Para a gerente de relacionamento e comunicação da Lello Condomínio, Angélica Arbex, o fato do condomínio procurar um advogado para tratar de uma questão entre vizinhos já demonstra que a situação chegou ao limite. “O recomendável sempre é o diálogo. Se não der certo, tem ainda a hipótese de advertências e multas. Ao chegar à Justiça, encontramos um caminho quase que sem volta para a boa convivência”, disse. “Os edifícios precisam criar espaços de convivência para que as pessoas se conheçam melhor, para que elas possam conversar de forma construtiva e encontrar consensos que atendam às necessidades de todos”, completou.

A expulsão do condomínio não está prevista em lei. No artigo 1.337 do Código Civil, a punição para comportamentos considerados antissociais é a multa – que pode atingir até dez vezes o valor do condomínio. No caso dos médicos, todas as outras hipóteses já haviam sido tentadas. “Eles já haviam sido advertidos e multados várias vezes, mas nunca mudaram o comportamento”, comenta o advogado. A sentença de expulsão foi dada pela 16.ª Vara Cível de São Paulo. E, embora tenha sido uma decisão de primeiro grau, o casal não entrou com nenhum recurso e, imediatamente, colocou o apartamento para locação. O advogado de defesa do casal foi procurado pela reportagem, mas informou que nem ele nem seus clientes iriam se manifestar. “É importante salientar que, nesses casos, o morador não perde o direito à propriedade. Ele é proibido de conviver naquele condomínio – devendo vender ou alugar o imóvel”, explica Bushatsky.

Em 2017, um morador foi expulso de um edifício no bairro de Moema por comportamento antissocial. O morador em questão ficou conhecido por ficar nu na academia do prédio, promover orgias na piscina e comparecer em reuniões de condomínio vestido de Batman. “Chegamos a aplicar o máximo possível de penalidades e multas. Mas, acredito, ele era rico ou não se importava. A situação chegou a um ponto em que a única saída era a expulsão”, contou Natachy Petrini, síndica profissional que administrava o edifício na época.

O advogado Anderson Martins da Silva, que atuou no caso, lembra que, entre outras coisas, o morador considerado antissocial foi responsável por provocar incêndio em um dos prédios vizinhos com a utilização de fogos de artifício e chegou a ameaçar um advogado do condomínio que morava no mesmo prédio (fato esse que deu origem a um inquérito policial por coação no curso do processo). "Todas as medidas extrajudiciais possíveis foram adotadas pelo condomínio: moção de repúdio, multas, majoração das multas até dez vezes o valor do condomínio, ajuizamento de ações criminais, mas nada impedia o condômino de continuar a descumprir a lei e as regras de convivência do condomínio.”

Em sua sentença, a juíza Inah de Lemos e Silva Machado, responsável pelo julgamento do caso de Moema, escreveu: “Ainda que inexistente previsão legal quanto à possibilidade de exclusão de condômino, pelo fato de o Código Civil limitar-se à aplicação de multa, em seu artigo 1.337, a jurisprudência e a doutrina entendem pelo seu cabimento, como medida excepcional e extrema.”

Caso a caso

- Expulsão Só existe em situações que não se resolvam com conversa ou aplicação de multa. Há poucos registros no Judiciário.

- Exageros Crianças barulhentas ou hiperativas e música alta não podem ser consideradas atitudes extremas. “Viver em condomínio exige uma predisposição para conviver com outras pessoas”, diz o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky. 

- Repetição A reiteração de um comportamento considerado ruim é que é problemático. Isso pode configurar a intenção de prejudicar os demais moradores.

- Inadimplência O atraso no condomínio não é, a priori, considerado comportamento antissocial. “Momentos difíceis todos passam. Mas se o condômino não paga os seus compromissos e demonstra sinais de riqueza ou troca o carro toda semana, ele pode estar agindo deliberadamente para prejudicar os demais. Nesse caso, pode ser considerado alguém com comportamento antissocial e, portanto, passível de punição”, afirma Bushatsky. 

O que fazer para contornar atritos

1. Conversar

“Um bom síndico precisa entender de contabilidade e ter um temperamento bom, ser alguém que tenha paciência”, diz Bushatsky.

2. Mediar

“Tambem é possível tentar participar de uma câmara de mediação. Existem profissionais que podem ajudar a resolver litígios de uma forma menos traumática.

3. Alertar

Envie uma notificação. Se o problema persistir, aplica-se multa. Se ainda assim o problema continuar, multa aumentada.

4. Judicializar 

Se nada funcionar, o condomínio pode ir à Justiça.

Com eles, é na reunião e muito na conversa

Cuidar do equilíbrio de um condomínio não é uma tarefa simples. Personalidades diferentes, horários que não combinam, crianças hiperativas, animais de estimação e outras questões são um desafio à boa convivência. A síndica Marisa Miranda de Oliveira Maciel sabia disso tudo quando assumiu um condomínio de 5 blocos e 960 apartamentos em Taboão da Serra, na Grande São Paulo. “Nos tínhamos muitos problemas (brigas, xingamentos), mas eu sabia que era possível resolvê-los”, afirma.

'Com reuniões menores, consegui explicar as questões', afirma Marisa Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

Para minimizar atritos, ataques, brigas e ofensas, Marisa implementou um programa de “reuniões de blocos” para aproximar, integrar e tirar dúvidas dos moradores. “Com reuniões menores, eu consegui explicar melhor as questões do prédio, consegui fazer com que as pessoas se conhecessem e a relação ficou muito mais civilizada.”

Marisa passou por um teste de fogo. Ela conseguiu aprovar, em assembleia, um aumento na taxa condominial. “Isso só foi possível porque o condomínio está vivendo um período de harmonia. Assim, conseguimos provar que o valor do nosso condomínio estava defasado e um reajuste reverteria em coisas boas para todo mundo.”

Além das reuniões por bloco, a síndica tem promovido aula de pilates e eventos para crianças nas áreas comuns do edifício. “Tudo isso tem feito com que as pessoas se conheçam melhor. O clima aqui melhorou muito - e continua melhorando”, afirma.

Outro síndico adepto do diálogo é Affonso Celso Prazer de Oliveira, que aos 80 anos está a frente de um dos edifícios mais emblemáticos da capital paulista0, o Copan (que conta com aproximadamente 5 mil moradores). “Quando tem algum problema, a gente primeiro conversa. Se é reincidente, aplica 1 salário mínimo de multa. Mas tem de ter diálogo, conversa e não criar barreiras”, disse. “Claro, tenho casos crônicos, problemáticos, mas vamos tentando resolver. Por exemplo, se a pessoa quiser pode ter até um elefante no apartamento, mas nas áreas comuns vai ter de carregar no colo.” 

O vizinho que toca bateria pela manhã. O chato que não dá “bom dia” para ninguém. A criança que, “acidentalmente”, quebrou o retrovisor do seu carro. O dono do cachorro que costuma uivar durante a madrugada. Sim, provavelmente, você convive (e vai continuar convivendo) com alguns desses personagens. Ao menos aos olhos de especialistas e da própria Justiça, eles não se enquadram no chamado “comportamento antissocial”. Mas comportamentos reincidentes e mais graves, que não podem ser coibidos nem com multas, começam a ser passíveis de expulsão de condomínio

'Chegamos a aplicar o máximo possível de penalidades e multas. Mas, acredito, ele era rico ou não se importava', diz a síndica Natachy Petrini Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

O tema voltou aos holofotes nas últimas semanas porque um edifício de alto padrão, no bairro de Perdizes, zona oeste de São Paulo, obteve decisão judicial para a expulsão de um casal de médicos – em um caso que se arrastou por seis anos. “A Justiça entendeu que, se não houvesse uma expulsão, a situação poderia terminar em tragédia. Uma decisão assim só acontece quando a percepção é de uma tragédia iminente”, contou o advogado do condomínio, Fauaz Najjar. “Eu mesmo precisei ir a uma reunião de condomínio para ouvir dos moradores e entender a gravidade da situação. A convivência no prédio já estava perigosa.”

“Não deve ser um recurso banalizado. Mas o que está acontecendo agora é o início de uma jurisprudência”, afirmou o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky. Segundo relatos de moradores, o casal chegou a agredir fisicamente alguns vizinhos – e o convívio atribulado rendeu boletins de ocorrência e visitas ao Instituto Médico-Legal (IML). 

“As crianças tinham medo de entrar no elevador e dar de cara com o casal. O prédio inteiro estava em pânico. A gente chegava em casa, depois de um dia inteiro de trabalho, e em vez de relaxar ficava tenso, esperando algo muito ruim acontecer”, disse Rodrigo Vianello, ex-síndico do prédio, que teve a ideia de procurar um advogado para tratar da expulsão do casal.

Para a gerente de relacionamento e comunicação da Lello Condomínio, Angélica Arbex, o fato do condomínio procurar um advogado para tratar de uma questão entre vizinhos já demonstra que a situação chegou ao limite. “O recomendável sempre é o diálogo. Se não der certo, tem ainda a hipótese de advertências e multas. Ao chegar à Justiça, encontramos um caminho quase que sem volta para a boa convivência”, disse. “Os edifícios precisam criar espaços de convivência para que as pessoas se conheçam melhor, para que elas possam conversar de forma construtiva e encontrar consensos que atendam às necessidades de todos”, completou.

A expulsão do condomínio não está prevista em lei. No artigo 1.337 do Código Civil, a punição para comportamentos considerados antissociais é a multa – que pode atingir até dez vezes o valor do condomínio. No caso dos médicos, todas as outras hipóteses já haviam sido tentadas. “Eles já haviam sido advertidos e multados várias vezes, mas nunca mudaram o comportamento”, comenta o advogado. A sentença de expulsão foi dada pela 16.ª Vara Cível de São Paulo. E, embora tenha sido uma decisão de primeiro grau, o casal não entrou com nenhum recurso e, imediatamente, colocou o apartamento para locação. O advogado de defesa do casal foi procurado pela reportagem, mas informou que nem ele nem seus clientes iriam se manifestar. “É importante salientar que, nesses casos, o morador não perde o direito à propriedade. Ele é proibido de conviver naquele condomínio – devendo vender ou alugar o imóvel”, explica Bushatsky.

Em 2017, um morador foi expulso de um edifício no bairro de Moema por comportamento antissocial. O morador em questão ficou conhecido por ficar nu na academia do prédio, promover orgias na piscina e comparecer em reuniões de condomínio vestido de Batman. “Chegamos a aplicar o máximo possível de penalidades e multas. Mas, acredito, ele era rico ou não se importava. A situação chegou a um ponto em que a única saída era a expulsão”, contou Natachy Petrini, síndica profissional que administrava o edifício na época.

O advogado Anderson Martins da Silva, que atuou no caso, lembra que, entre outras coisas, o morador considerado antissocial foi responsável por provocar incêndio em um dos prédios vizinhos com a utilização de fogos de artifício e chegou a ameaçar um advogado do condomínio que morava no mesmo prédio (fato esse que deu origem a um inquérito policial por coação no curso do processo). "Todas as medidas extrajudiciais possíveis foram adotadas pelo condomínio: moção de repúdio, multas, majoração das multas até dez vezes o valor do condomínio, ajuizamento de ações criminais, mas nada impedia o condômino de continuar a descumprir a lei e as regras de convivência do condomínio.”

Em sua sentença, a juíza Inah de Lemos e Silva Machado, responsável pelo julgamento do caso de Moema, escreveu: “Ainda que inexistente previsão legal quanto à possibilidade de exclusão de condômino, pelo fato de o Código Civil limitar-se à aplicação de multa, em seu artigo 1.337, a jurisprudência e a doutrina entendem pelo seu cabimento, como medida excepcional e extrema.”

Caso a caso

- Expulsão Só existe em situações que não se resolvam com conversa ou aplicação de multa. Há poucos registros no Judiciário.

- Exageros Crianças barulhentas ou hiperativas e música alta não podem ser consideradas atitudes extremas. “Viver em condomínio exige uma predisposição para conviver com outras pessoas”, diz o advogado especialista em direito de condomínio Jaques Bushatsky. 

- Repetição A reiteração de um comportamento considerado ruim é que é problemático. Isso pode configurar a intenção de prejudicar os demais moradores.

- Inadimplência O atraso no condomínio não é, a priori, considerado comportamento antissocial. “Momentos difíceis todos passam. Mas se o condômino não paga os seus compromissos e demonstra sinais de riqueza ou troca o carro toda semana, ele pode estar agindo deliberadamente para prejudicar os demais. Nesse caso, pode ser considerado alguém com comportamento antissocial e, portanto, passível de punição”, afirma Bushatsky. 

O que fazer para contornar atritos

1. Conversar

“Um bom síndico precisa entender de contabilidade e ter um temperamento bom, ser alguém que tenha paciência”, diz Bushatsky.

2. Mediar

“Tambem é possível tentar participar de uma câmara de mediação. Existem profissionais que podem ajudar a resolver litígios de uma forma menos traumática.

3. Alertar

Envie uma notificação. Se o problema persistir, aplica-se multa. Se ainda assim o problema continuar, multa aumentada.

4. Judicializar 

Se nada funcionar, o condomínio pode ir à Justiça.

Com eles, é na reunião e muito na conversa

Cuidar do equilíbrio de um condomínio não é uma tarefa simples. Personalidades diferentes, horários que não combinam, crianças hiperativas, animais de estimação e outras questões são um desafio à boa convivência. A síndica Marisa Miranda de Oliveira Maciel sabia disso tudo quando assumiu um condomínio de 5 blocos e 960 apartamentos em Taboão da Serra, na Grande São Paulo. “Nos tínhamos muitos problemas (brigas, xingamentos), mas eu sabia que era possível resolvê-los”, afirma.

'Com reuniões menores, consegui explicar as questões', afirma Marisa Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

Para minimizar atritos, ataques, brigas e ofensas, Marisa implementou um programa de “reuniões de blocos” para aproximar, integrar e tirar dúvidas dos moradores. “Com reuniões menores, eu consegui explicar melhor as questões do prédio, consegui fazer com que as pessoas se conhecessem e a relação ficou muito mais civilizada.”

Marisa passou por um teste de fogo. Ela conseguiu aprovar, em assembleia, um aumento na taxa condominial. “Isso só foi possível porque o condomínio está vivendo um período de harmonia. Assim, conseguimos provar que o valor do nosso condomínio estava defasado e um reajuste reverteria em coisas boas para todo mundo.”

Além das reuniões por bloco, a síndica tem promovido aula de pilates e eventos para crianças nas áreas comuns do edifício. “Tudo isso tem feito com que as pessoas se conheçam melhor. O clima aqui melhorou muito - e continua melhorando”, afirma.

Outro síndico adepto do diálogo é Affonso Celso Prazer de Oliveira, que aos 80 anos está a frente de um dos edifícios mais emblemáticos da capital paulista0, o Copan (que conta com aproximadamente 5 mil moradores). “Quando tem algum problema, a gente primeiro conversa. Se é reincidente, aplica 1 salário mínimo de multa. Mas tem de ter diálogo, conversa e não criar barreiras”, disse. “Claro, tenho casos crônicos, problemáticos, mas vamos tentando resolver. Por exemplo, se a pessoa quiser pode ter até um elefante no apartamento, mas nas áreas comuns vai ter de carregar no colo.” 

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