BRASÍLIA — O avanço do crime organizado se aprofundou no Norte do País, e hoje 260 dos 772 municípios da Amazônia Legal (um terço) registram a presença de facções criminosas, ante 178 (aproximadamente um quarto) no ano passado. O aumento é de 46%.
Os dados são da terceira edição do Cartografias da Violência na Amazônia, estudo elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto Mãe Crioula e lançado nesta quarta-feira, 11. Os pesquisadores chamam de “surpreendente” a velocidade com que a expansão das facções criminosas do Sudeste, como o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho (CV), ocorre na região amazônica.
Ao mesmo tempo em que facções chegam a cidades ermas da floresta, cresce o monopólio do crime nos nove Estados que compõem a Amazônia Legal. Desde o ano passado, a quantidade desses grupos caiu de 22 para 19, com destaque para o aumento da influência do CV. Em 176 municípios, há uma única facção dominante, e em 84 a população tem visto a disputa entre dois ou mais grupos.
O CV, oriundo do Rio de Janeiro, aparece à frente dos demais, com monopólio em ao menos 130 municípios, muitos deles em regiões de fronteira com a Bolívia, o Peru e a Colômbia. Tratam-se de territórios que passaram a ser vistos como estratégicos para o tráfico transnacional com a circulação de diferentes ilícitos.
Os números levantados pelo Fórum apontam para estabilização em alguns dos conflitos entre facções. Mas os pesquisadores ressalvam que a dinâmica criminosa “muda rapidamente”, permitindo que de um ano para o outro certos grupos que atuam no narcotráfico possam ser extintos, absorvidos e outros, criados.
“Embora a presença das facções criminosas seja questão grave atualmente, os problemas relacionados à violência na região amazônica são anteriores à chegada dessas organizações. A expansão da fronteira agrícola, os grandes projetos minerais e redes de infraestrutura implementadas pelo Estado e pelo capital privado foram a base para um modelo desenvolvimentista, tecnocrata e autoritário que deu início à ocupação da região na segunda metade do século XX”, diz o estudo.
“Hoje, um modelo de desenvolvimento é imposto sem a participação das comunidades locais, de forma hegemônica, provocando expropriações e processos de acumulação que desrespeitam os territórios das populações tradicionais e a relação destes com a biodiversidade”, acrescenta a pesquisa.
Uma vez que atividades ilegais já faziam parte da dinâmica de violência na região, a diferença nos últimos anos, segundo os pesquisadores, recai sobre o narcotráfico, cada vez mais fortalecido. O tráfico de drogas se emaranha com outras relações criminais, entre elas o comércio e varejo nas áreas de garimpo e até mesmo o investimento em novas áreas de exploração do ouro, o investimento no agronegócio como forma de lavagem de dinheiro, a grilagem ou compra de terras e o contrabando de madeiras e minérios.
A atuação das maiores facções do País, o CV e o PCC, nascido em São Paulo, se dá de maneira não uniforme na região.
- O CV domina quase toda a região em Estados como Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso e Pará;
- O PCC é hegemônico em Rondônia e Roraima.
- No Tocantins, por sua vez, cinco entre os nove municípios com presença de facções são palco de uma guerra entre as duas organizações.
São raros os casos em que facções locais têm o domínio da cidade.
- Em Alto Paraguai, Nova Maringá e Nova Santa Helena, todas em Mato Grosso, a gangue Tropa do Castelar não tem concorrência.
- No Maranhão, o Bonde dos 40 (B40) é ainda mais presente que o PCC, e domina cidades como Paço do Lumiar, Rosário e Turilândia.
- No Amazonas pertence aos Piratas dos Solimões o monopólio do narcotráfico em Tefé, Coari e Barcelos.
A atuação de facções e a concorrência com que disputam determinadas regiões interferem diretamente nos índices de homicídios. O estudo mostra queda na taxa de mortes violentas na Amazônia Legal de 6,2% entre 2021 e 2023, e os pesquisadores afirmam que os indicadores podem decorrer do estabelecimento de monopólios de atividades criminosas.
O índice de violência letal na Amazônia Legal, no entanto, se manteve em patamares considerados muito elevados: 32,3 mortes a cada 100 mil habitantes — 41,5% acima da média nacional considerando os dados de 2023.
“Embora a região tenha observado redução nas mortes violentas intencionais entre 2021 e 2023, a interiorização da violência para zonas rurais e de floresta tornou municípios pequenos e tidos como pacatos alguns dos mais violentos do País. Considerando o período do último triênio e apenas os municípios cuja taxa de violência letal está acima da média nacional, temos uma relação de 445 cidades que concentram 66,8% da população amazônida e 83,7% de todos os assassinatos da região”, diz o estudo.
O Pará se destaca negativamente entre as cidades com maiores taxas trienais (2021-2023) de mortes violentas intencionais. Os quatro municípios mais perigosos da Amazônia Legal ficam no Estado: Cumaru do Norte (141,3 mortes a cada 100 mil habitantes), Abel Figueiredo (115,3), Mocajuba (110,4) e Novo Progresso (102,7).
Em seguida vêm Nova Santa Helena (MT — 102,3), Iranduba (AM — 102,3), Calçoene (AP — 100,8), São José do Rio Claro (MT — 100,1), Nova Maringá (MT — 96,5) e Floresta do Araguaia (PA — 93,2).
Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum, atribui o predomínio do CV na Amazônia Legal ao foco dado pelo seu principal rival, o PCC, na rota entre o Paraguai e o Porto de Santos, ao dominar a cidade de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul. Com isso, a facção fluminense viu caminho aberto para se consolidar nos Estados mais ao norte, passando pelo Nordeste.
“O PCC hoje já controla a rota do Centro-Oeste, Sudeste e do Sul, com Ponta Porã, e com isso o CV a partir de 2017 foi para a região Norte, em parceria com a Família do Norte, que já explorava rotas na região e que depois foi incorporada ao CV. Ocorreu então um processo de consolidação de rotas que antes pertenciam a outras facções”, afirma o pesquisador.