Flordelis é condenada a 50 anos pela morte do pastor Anderson do Carmo


Assassinato do marido aconteceu em 16 de junho de 2019 na garagem da casa em que a família morava; ex-deputada federal foi julgada pelo Tribunal do Júri, composto por sete jurados

Por Fabio Grellet, Rayanderson Guerra e Gabriel Vasconcelos
Atualização:

RIO - A cantora, pastora evangélica e ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, de 61 anos, foi condenada a 50 anos e 28 dias de prisão pelo assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, ocorrido em 16 de junho de 2019 na garagem da casa em que a família morava, em Niterói (Região Metropolitana do Rio). O julgamento, iniciado às 9h da última segunda-feira, 7, acabou às 7h20 deste domingo, 13. A sessão do último dia começou às 10h de sábado, 12, e se estendeu por pouco mais de 21 horas. Flordelis foi julgada pelo Tribunal do Júri, composto por sete jurados (três mulheres e quatro homens). O julgamento foi presidido pela juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói.

Segundo o Ministério Público, Flordelis e familiares próximos dela estavam descontentes com a conduta do pastor, que gerenciava a carreira da pastora e cantora e administrava o seu dinheiro. Por isso, decidiram matá-lo: primeiro, por envenenamento, e por fim matando-o a tiros. A pastora, que sempre negou o crime, foi condenada pelos quatro crimes que lhe eram imputados: homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, emprego de meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima), tentativa de homicídio duplamente qualificado (pelas tentativas de envenenar a vítima), uso de documento falso (duas vezes) e associação criminosa armada. Somadas as penas chegam aos 50 anos e 28 dias.

Além de Flordelis, também foram julgados quatro familiares dela, dos quais três foram absolvidos. Só Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, acusada de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio qualificado privilegiado e associação criminosa armada, foi condenada a 31 anos, quatro meses e 20 dias de prisão. Marzy Teixeira da Silva, filha adotiva de Flordelis que era acusada pelos mesmos crimes de Simone; Rayane dos Santos Oliveira, filha de Simone e neta de Flordelis acusada de homicídio triplamente qualificado e associação criminosa armada; e André Luiz de Oliveira, filho adotivo de Flordelis acusado de uso de documento falso e associação criminosa armada, foram absolvidos pelos jurados.

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O MP-RJ informou que vai recorrer das três absolvições. O advogado Rodrigo Faucz, um dos responsáveis pela defesa de Flordelis e dos três réus absolvidos, afirmou que vai recorrer da condenação da pastora. O defensor explicou que vai alegar duas nulidades no processo. Uma foi o uso, pela acusação, de um documento que segundo ele não constava do processo. Outro foi a afirmação, feita durante os debates pelo advogado Ângelo Máximo, assistente de acusação e ajuda ao MP-RJ, de que o silêncio das rés poderia ser prejudicial a elas. Máximo afirmou não ter completado essa frase e portanto não ter dado margem à alegação. O MP disse que não considera que tenha havido nenhuma das nulidades alegadas. A advogada Daniela Gregio, que defende Simone, não se manifestou após o anúncio da condenação de sua cliente.

Durante a leitura da sentença pela juíza, Flordelis e Simone ficaram num canto, distantes dos demais réus e fora das cadeiras que ocuparam durante o julgamento. A defesa de Flordelis afirmou que foi uma decisão normal da pastora – não significaria, portanto, nenhum atrito com os demais réus. Presa preventivamente desde 13 de agosto de 2021, Flordelis está encarcerada no presídio feminino Talavera Bruce, no complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu (zona oeste do Rio). Ela foi presa em sua casa, em Pendotiba, bairro de Niterói, dois dias após ter o mandato parlamentar cassado com os votos de 437 dos 512 deputados.

Por volta das 3h30 de 16 de junho de 2019, o casal chegou de um passeio no Rio e Flordelis entrou em casa. Anderson estava na garagem quando foi abordado e levou mais de 30 tiros. Ele chegou a ser socorrido para o Hospital Niterói D’Or, no bairro de Icaraí, mas morreu. O pastor tinha 42 anos.

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Ao longo dos cinco primeiros dias do julgamento, prestaram depoimento 24 testemunhas – primeiro 13 de acusação, de segunda a quinta-feira, e depois 11 de defesa, na quinta e na sexta-feira. A partir das 10h de sábado, 12, começaram os interrogatórios dos cinco réus. Nenhum deles respondeu perguntas da acusação, composta pelo MP e pelo advogado Ângelo Máximo, contratado pela irmã do pastor para representá-la junto aos promotores de Justiça. Os réus só responderam as perguntas formuladas pelos próprios advogados e pelos jurados.

Cada réu falou durante aproximadamente uma hora. Depois ocorreram os debates. Foram duas horas e meia para a acusação expor os motivos pelos quais os réus deveriam ser condenados e o mesmo período para a defesa justificar a absolvição. Depois vieram mais duas horas a cada parte para réplica e tréplica.

Durante essa fase, a acusação usou conversas por mensagens entre os familiares e depoimentos para culpar Flordelis e os demais réus pelo crime. A defesa sustentou a tese de que o pastor abusava sexualmente de várias familiares. Defendeu ainda que Flávio Rodrigues, filho biológico da pastora, já condenado em outro júri do caso, teria decidido por conta própria matar o pastor após saber de abusos narrados por Simone.

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A própria Simone, que em depoimentos anteriores admitiu ter planejado o crime, neste sábado, 12, disse que apenas contou os abusos ao irmão, sem planejar crime algum. A defesa cometeu uma gafe em um vídeo produzido sobre o crime e exibido durante os debates. Durante o filme, que acusa a imprensa de sensacionalismo na cobertura do caso, o narrador afirma que Simone planejou o crime. Essa era a versão anterior dela e possivelmente o vídeo tenha sido preparado na época em que ela a sustentava. Os debates terminaram às 4h45, quando então os jurados se reuniram para votar. O resultado só foi anunciado às 7h20.

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Investigações

Responsável inicial pelas investigações do assassinato , a delegada da Polícia Civil Bárbara Lomba afirmou em depoimento que provas do crime teriam sido queimadas no quintal da casa onde a família morava, em Pendotiba, Niterói. A policial também contou que os celulares da vítima, da ex-parlamentar e de Flávio dos Santos, filho biológico da ex-parlamentar, autor dos disparos contra Anderson, desapareceram.A promotoria perguntou à ex-titular da especializada se Flordelis, ao depor na delegacia, teria relatado ter sido agredida pelo pastor. Segundo Bárbara, a ex-deputada disse que a relação com o marido era excelente e teria dito que nunca sofreu nenhum tipo de intimidação.

A delegada Bárbara Lomba disse que provas foram queimadas Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Outro delegado, Allan Duarte, que em 24 de janeiro de 2020 assumiu a investigação do caso, sucedendo a delegada Bárbara Lomba, afirmou em depoimento estar certo de que a pastora foi responsável pelo crime. Ele apontou o que considerou contradições nas afirmações de Flordelis e afirmou que a ex-deputada tentou envenenar o marido pelo menos seis vezes. O delegado elencou mensagens trocadas por ela com filhos, supostamente tratando do planejamento da morte do pastor.

O policial civil Tiago Vaz de Souza afirmou em depoimento que a família de Flordelis era “rachada em facções”. O agente diz ainda que Flordelis nunca relatou ter sido alvo de agressão ou abuso sexual durante os depoimentos do caso.

“Era uma família rachada, que tinha privilégios para um grupo. Uma família rachada em facções. Uma facção ajudou no planejamento da morte e outra facção denunciou a existência desse conluio”, afirmou o policial no segundo dia do julgamento.

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Defesa apontou supostos abusos sexuais

A advogada Janira Rocha, que defendeu Flordelis, afirmou que os depoimentos das testemunhas confirmam a versão de que a pastora e suas filhas foram vítimas de abuso sexual e físico por parte de Anderson.

“Mulheres famosas, poderosas e ricas que sofreram abusos sexuais só muito tempo depois vieram a público dizer isso. A Flordelis não é uma exceção, as mulheres abusadas têm dificuldades, que são comprovadas, de poder expressar esse abuso”, disse.

A defesa da ex-deputada afirmou ainda que Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, foi a única responsável pela morte do pastor.

Flordelis disse que marido a agredia Foto: Flordelis/Instagram

Para Flordelis, morte de Anderson resolveria problemas, disse nora

Luana Vedovi, nora de Flordelis, afirmou ainda no julgamento que Marzy estava convicta de que a morte de Anderson “resolveria todos os problemas da família”.

“Ela falou: ‘matar o Niel (apelido de Anderson) vai resolver o problema de todo mundo’. Marzy estava com a mente feita de que matar o Niel iria resolver os problemas da casa dela”, disse.

Logo após a morte do pastor Anderson, Luana e o marido, Wagner, teriam desconfiado da participação de Flordelis. Eles se lembraram da existência de uma mensagem com um plano para matá-lo, que teriam visto em um iPad, decidiram fotografar a prova.

Ela contou que ela e o marido decidiram procurar a delegacia após fotografarem o texto com o plano do assassinato.

Neta de Flordelis, Rebeca Vitória Rangel Silva contou em depoimento que Paula Neves Magalhães de Barros, amiga e braço direito da avó, simulou a coleta de depoimentos de testemunhas do processo para instruí-las a não acusar a ex-parlamentar. De acordo com Rebeca, Paula do Vôlei, como é conhecida, procurou os filhos e netos de Flordelis para submetê-los a perguntas.

“Ela sentava com a gente e simulava que ela era a delegada. Se a gente falasse algo sobre a Flordelis, ela dizia que não. Ela fazia a nossa cabeça para chegar na DH (Delegacia de Homicídios) e não acusar a Flordelis. Se eu falasse que a Flordelis era a mandante do crime, ela cortava”, afirmou.

A reportagem não conseguiu o contato de Paula do Vôlei para que comentasse as acusações.

Roberta dos Santos, filha adotiva da ex-parlamentar e de Anderson do Carmo, negou que a mãe ou uma das irmãs tenham sido alvo de abuso sexual por parte de Anderson do Carmo.

“Não existe abuso sexual. O Niel não era um abusador”, disse. “Quando me perguntam isso, me dá um embrulho no estômago. A forma como eles estão levando isso é um deboche com mulheres que realmente sofrem abuso sexual. Isso é uma afronta. O Niel respeitava. Ele não permitia que a gente andasse de biquíni, de short curto, porque tinha muito homem naquela casa. Abuso sexual eu nunca ouvi naquela casa. É uma casa grande, tem fofoca. Se tivesse, saberíamos.”

Netas defendem Flordelis e citam assédio

No quinto dia do julgamento, as sete últimas testemunhas de defesa da ré acusaram Anderson de assédio e abuso sexual contra filhas e netas afetivas, além de outras condutas reprováveis. Duas netas de Flordelis, filhas biológicas de Simone dos Santos Oliveira e André Luiz de Oliveira, que também são réus nesse mesmo processo - Lorrayne dos Santos Oliveira e Rafaela dos Santos Oliveira – fizeram as acusações mais duras contra a vítima.

Rafaela contou que, em uma noite durante um período de férias em 2018 ou 2019, estava deitada no quarto que dividia com a mãe e outros quatro familiares. Foi quando alguém entrou, sentou-se em seu colchão, aos seus pés, e começou a passar as mãos pelo seu corpo. As outras pessoas estavam no quarto. Aparentemente dormiam.

No julgamento, Flordelis chorou e alegou inocência Foto: Pedro Kirilos

“Senti uma mão subindo pela coxa e não conseguia reagir. Quando abri o olho vi o Niel (apelido do pastor Anderson) de blusa regata branca sentado”, narrou a testemunha. “Ele subiu a mão pelas minhas coxas e introduziu o dedo, eu fechei a perna e virei para a parede.”

A irmã dela, Lorrayne, afirmou não ter sido vítima de abuso semelhante. Mas acusou o pastor de tentar leva-la a um motel, com o pretexto de almoçarem, em uma tarde em que estavam a caminho da igreja. Ela se recusou e não houve desdobramentos, segundo contou aos jurados.

Embates

Os embates entre os advogados de defesa da ex-deputada e a juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói, responsável pela condução do Tribunal do Júri, escalaram durante a primeira semana de julgamento do assassinato do pastor Anderson do Carmo. Advogados chegaram a ameaçar abandonar o julgamento se uma jornalista citada pelo Ministério Público não fosse ouvida.

A profissional escreveu um livro em que diz que a advogada Janira Rocha convenceu mulheres da família de Flordelis a contar os supostos abusos de Anderson. Para os promotores, a defensora teria orientado testemunhas, o que é proibido por lei. A juíza negou o pedido de oitiva da jornalista e ameaçou multar em 15 salários mínimos cada advogado de defesa, pelo abandono. Após uma reunião em sala fechada à imprensa, houve acordo e o julgamento continuou.

Responsável por representar Flordelis, a advogada Janira Rocha afirmou que foi “amordaçada” e “censurada” pela magistrada por constantes interrupções e indeferimentos de questionamentos durante a oitava de testemunhas de defesa.

Os advogados de Flordelis defenderam por mais de um ano que a magistrada foi parcial. Pediram o afastamento da juíza do processo. Mas os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio rejeitaram a exceção de suspeição contra a magistrada.

“A alegada rispidez (...) não deve ser considerada para fazer surgir uma exceção de suspeição onde ela inexiste. Firmeza não deve ser confundida com falta de urbanidade, assim como instrução escorreita, respeitando-se prazos, procedimentos e horários, não se transmuda em constrangimento ilegal”, escreveu o desembargador relator Celso Ferreira Filho.

Flordelis, Anderson e a família, antes do crime: aparente tranquilidade Foto: Flordelis/Facebook

Em sua decisão, ele destacou que o magistrado não é parte do processo.

“As decisões do juízo não estão sujeitas a constante avaliação sob a perspectiva da imparcialidade. Isso, além de retardar e prejudicar a prestação jurisdicional, mostra-se censurável sobre todos os aspectos. Não houve, no decorrer da longa e cuidadosa instrução, qualquer insurgência processual grave (...). Opiniões divergentes e o debate de ideias opostas, deduzidas processualmente após a deflagração da ação penal, são inerentes à própria dialética do direito e do processo. São fatos aceitáveis”, afirmou.

Terceiro julgamento

O júri recém encerrado foi o terceiro a abordar a morte de Anderson do Carmo.

Em novembro de 2021, Flavio Rodrigues, filho biológico da ex-parlamentar, foi condenado como autor dos disparos , a 33 anos, dois meses e vinte dias de prisão por homicídio triplamente qualificado, porte ilegal de arma de fogo, uso de documento ideologicamente falso e associação criminosa armada. Já Lucas Cezar Santos Souza, filho adotivo acusado de comprar a arma do crime, foi sentenciado por homicídio triplamente qualificado, mas teve sua pena foi reduzida, porque colaborou com as investigações.

Já em abril de 2022, foram condenados quatro réus. Adriano dos Santos Rodrigues, filho biológico de Flordelis, foi sentenciado a quatro anos em regime semiaberto por uso de documento falso e associação criminosa armada. Marcos Siqueira Costa, ex-policial militar, e sua mulher Andrea Santos Maia, foram condenados respectivamente a cinco anos em regime fechado e quatro anos em regime semiaberto.O filho adotivo Carlos Ubiraci Francisco da Silva foi condenado por associação criminosa armada a dois anos, em regime inicialmente semiaberto.

O pastor Anderson do Carmo foi casado com Flordelis por 25 anos. Foi assassiado a tiros no dia 16 de junho de 2019, na garagem da casa onde morava com a família em Pendotiba, em Niterói, Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo os laudos dos peritos, foram identificadas 30 perfurações de de arma de fogo no corpo.

Anderson chegou à casa de Flordelis ainda criança, recolhido por ela j com mais de 20 outras crianças abandonadas ou dispensadas pelas famílias. Conheceu Simone, filha biológica da mãe adotiva, e, já adolescente, começou um namoro com ela. Depois se separaram, e ele se casou com Flordelis – de quem foi filho afetivo, quase genro e marido, portanto. Anderson recebeu pelo menos 30 tiros na garagem da casa onde morava com a família, em Pendotiba, bairro de Niteroi.

O Ministério Público denunciou a ex-parlamentar e mais dez pessoas pelo assassinato. Na época, a pastora não teve sua prisão pedida por conta da imunidade parlamentar, que perdeu em agosto de 2021, quando foi cassada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Depois que perdeu o mandato, Flordelis foi presa preventivamente.

RIO - A cantora, pastora evangélica e ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, de 61 anos, foi condenada a 50 anos e 28 dias de prisão pelo assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, ocorrido em 16 de junho de 2019 na garagem da casa em que a família morava, em Niterói (Região Metropolitana do Rio). O julgamento, iniciado às 9h da última segunda-feira, 7, acabou às 7h20 deste domingo, 13. A sessão do último dia começou às 10h de sábado, 12, e se estendeu por pouco mais de 21 horas. Flordelis foi julgada pelo Tribunal do Júri, composto por sete jurados (três mulheres e quatro homens). O julgamento foi presidido pela juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói.

Segundo o Ministério Público, Flordelis e familiares próximos dela estavam descontentes com a conduta do pastor, que gerenciava a carreira da pastora e cantora e administrava o seu dinheiro. Por isso, decidiram matá-lo: primeiro, por envenenamento, e por fim matando-o a tiros. A pastora, que sempre negou o crime, foi condenada pelos quatro crimes que lhe eram imputados: homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, emprego de meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima), tentativa de homicídio duplamente qualificado (pelas tentativas de envenenar a vítima), uso de documento falso (duas vezes) e associação criminosa armada. Somadas as penas chegam aos 50 anos e 28 dias.

Além de Flordelis, também foram julgados quatro familiares dela, dos quais três foram absolvidos. Só Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, acusada de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio qualificado privilegiado e associação criminosa armada, foi condenada a 31 anos, quatro meses e 20 dias de prisão. Marzy Teixeira da Silva, filha adotiva de Flordelis que era acusada pelos mesmos crimes de Simone; Rayane dos Santos Oliveira, filha de Simone e neta de Flordelis acusada de homicídio triplamente qualificado e associação criminosa armada; e André Luiz de Oliveira, filho adotivo de Flordelis acusado de uso de documento falso e associação criminosa armada, foram absolvidos pelos jurados.

O MP-RJ informou que vai recorrer das três absolvições. O advogado Rodrigo Faucz, um dos responsáveis pela defesa de Flordelis e dos três réus absolvidos, afirmou que vai recorrer da condenação da pastora. O defensor explicou que vai alegar duas nulidades no processo. Uma foi o uso, pela acusação, de um documento que segundo ele não constava do processo. Outro foi a afirmação, feita durante os debates pelo advogado Ângelo Máximo, assistente de acusação e ajuda ao MP-RJ, de que o silêncio das rés poderia ser prejudicial a elas. Máximo afirmou não ter completado essa frase e portanto não ter dado margem à alegação. O MP disse que não considera que tenha havido nenhuma das nulidades alegadas. A advogada Daniela Gregio, que defende Simone, não se manifestou após o anúncio da condenação de sua cliente.

Durante a leitura da sentença pela juíza, Flordelis e Simone ficaram num canto, distantes dos demais réus e fora das cadeiras que ocuparam durante o julgamento. A defesa de Flordelis afirmou que foi uma decisão normal da pastora – não significaria, portanto, nenhum atrito com os demais réus. Presa preventivamente desde 13 de agosto de 2021, Flordelis está encarcerada no presídio feminino Talavera Bruce, no complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu (zona oeste do Rio). Ela foi presa em sua casa, em Pendotiba, bairro de Niterói, dois dias após ter o mandato parlamentar cassado com os votos de 437 dos 512 deputados.

Por volta das 3h30 de 16 de junho de 2019, o casal chegou de um passeio no Rio e Flordelis entrou em casa. Anderson estava na garagem quando foi abordado e levou mais de 30 tiros. Ele chegou a ser socorrido para o Hospital Niterói D’Or, no bairro de Icaraí, mas morreu. O pastor tinha 42 anos.

Ao longo dos cinco primeiros dias do julgamento, prestaram depoimento 24 testemunhas – primeiro 13 de acusação, de segunda a quinta-feira, e depois 11 de defesa, na quinta e na sexta-feira. A partir das 10h de sábado, 12, começaram os interrogatórios dos cinco réus. Nenhum deles respondeu perguntas da acusação, composta pelo MP e pelo advogado Ângelo Máximo, contratado pela irmã do pastor para representá-la junto aos promotores de Justiça. Os réus só responderam as perguntas formuladas pelos próprios advogados e pelos jurados.

Cada réu falou durante aproximadamente uma hora. Depois ocorreram os debates. Foram duas horas e meia para a acusação expor os motivos pelos quais os réus deveriam ser condenados e o mesmo período para a defesa justificar a absolvição. Depois vieram mais duas horas a cada parte para réplica e tréplica.

Durante essa fase, a acusação usou conversas por mensagens entre os familiares e depoimentos para culpar Flordelis e os demais réus pelo crime. A defesa sustentou a tese de que o pastor abusava sexualmente de várias familiares. Defendeu ainda que Flávio Rodrigues, filho biológico da pastora, já condenado em outro júri do caso, teria decidido por conta própria matar o pastor após saber de abusos narrados por Simone.

A própria Simone, que em depoimentos anteriores admitiu ter planejado o crime, neste sábado, 12, disse que apenas contou os abusos ao irmão, sem planejar crime algum. A defesa cometeu uma gafe em um vídeo produzido sobre o crime e exibido durante os debates. Durante o filme, que acusa a imprensa de sensacionalismo na cobertura do caso, o narrador afirma que Simone planejou o crime. Essa era a versão anterior dela e possivelmente o vídeo tenha sido preparado na época em que ela a sustentava. Os debates terminaram às 4h45, quando então os jurados se reuniram para votar. O resultado só foi anunciado às 7h20.

Investigações

Responsável inicial pelas investigações do assassinato , a delegada da Polícia Civil Bárbara Lomba afirmou em depoimento que provas do crime teriam sido queimadas no quintal da casa onde a família morava, em Pendotiba, Niterói. A policial também contou que os celulares da vítima, da ex-parlamentar e de Flávio dos Santos, filho biológico da ex-parlamentar, autor dos disparos contra Anderson, desapareceram.A promotoria perguntou à ex-titular da especializada se Flordelis, ao depor na delegacia, teria relatado ter sido agredida pelo pastor. Segundo Bárbara, a ex-deputada disse que a relação com o marido era excelente e teria dito que nunca sofreu nenhum tipo de intimidação.

A delegada Bárbara Lomba disse que provas foram queimadas Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Outro delegado, Allan Duarte, que em 24 de janeiro de 2020 assumiu a investigação do caso, sucedendo a delegada Bárbara Lomba, afirmou em depoimento estar certo de que a pastora foi responsável pelo crime. Ele apontou o que considerou contradições nas afirmações de Flordelis e afirmou que a ex-deputada tentou envenenar o marido pelo menos seis vezes. O delegado elencou mensagens trocadas por ela com filhos, supostamente tratando do planejamento da morte do pastor.

O policial civil Tiago Vaz de Souza afirmou em depoimento que a família de Flordelis era “rachada em facções”. O agente diz ainda que Flordelis nunca relatou ter sido alvo de agressão ou abuso sexual durante os depoimentos do caso.

“Era uma família rachada, que tinha privilégios para um grupo. Uma família rachada em facções. Uma facção ajudou no planejamento da morte e outra facção denunciou a existência desse conluio”, afirmou o policial no segundo dia do julgamento.

Defesa apontou supostos abusos sexuais

A advogada Janira Rocha, que defendeu Flordelis, afirmou que os depoimentos das testemunhas confirmam a versão de que a pastora e suas filhas foram vítimas de abuso sexual e físico por parte de Anderson.

“Mulheres famosas, poderosas e ricas que sofreram abusos sexuais só muito tempo depois vieram a público dizer isso. A Flordelis não é uma exceção, as mulheres abusadas têm dificuldades, que são comprovadas, de poder expressar esse abuso”, disse.

A defesa da ex-deputada afirmou ainda que Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, foi a única responsável pela morte do pastor.

Flordelis disse que marido a agredia Foto: Flordelis/Instagram

Para Flordelis, morte de Anderson resolveria problemas, disse nora

Luana Vedovi, nora de Flordelis, afirmou ainda no julgamento que Marzy estava convicta de que a morte de Anderson “resolveria todos os problemas da família”.

“Ela falou: ‘matar o Niel (apelido de Anderson) vai resolver o problema de todo mundo’. Marzy estava com a mente feita de que matar o Niel iria resolver os problemas da casa dela”, disse.

Logo após a morte do pastor Anderson, Luana e o marido, Wagner, teriam desconfiado da participação de Flordelis. Eles se lembraram da existência de uma mensagem com um plano para matá-lo, que teriam visto em um iPad, decidiram fotografar a prova.

Ela contou que ela e o marido decidiram procurar a delegacia após fotografarem o texto com o plano do assassinato.

Neta de Flordelis, Rebeca Vitória Rangel Silva contou em depoimento que Paula Neves Magalhães de Barros, amiga e braço direito da avó, simulou a coleta de depoimentos de testemunhas do processo para instruí-las a não acusar a ex-parlamentar. De acordo com Rebeca, Paula do Vôlei, como é conhecida, procurou os filhos e netos de Flordelis para submetê-los a perguntas.

“Ela sentava com a gente e simulava que ela era a delegada. Se a gente falasse algo sobre a Flordelis, ela dizia que não. Ela fazia a nossa cabeça para chegar na DH (Delegacia de Homicídios) e não acusar a Flordelis. Se eu falasse que a Flordelis era a mandante do crime, ela cortava”, afirmou.

A reportagem não conseguiu o contato de Paula do Vôlei para que comentasse as acusações.

Roberta dos Santos, filha adotiva da ex-parlamentar e de Anderson do Carmo, negou que a mãe ou uma das irmãs tenham sido alvo de abuso sexual por parte de Anderson do Carmo.

“Não existe abuso sexual. O Niel não era um abusador”, disse. “Quando me perguntam isso, me dá um embrulho no estômago. A forma como eles estão levando isso é um deboche com mulheres que realmente sofrem abuso sexual. Isso é uma afronta. O Niel respeitava. Ele não permitia que a gente andasse de biquíni, de short curto, porque tinha muito homem naquela casa. Abuso sexual eu nunca ouvi naquela casa. É uma casa grande, tem fofoca. Se tivesse, saberíamos.”

Netas defendem Flordelis e citam assédio

No quinto dia do julgamento, as sete últimas testemunhas de defesa da ré acusaram Anderson de assédio e abuso sexual contra filhas e netas afetivas, além de outras condutas reprováveis. Duas netas de Flordelis, filhas biológicas de Simone dos Santos Oliveira e André Luiz de Oliveira, que também são réus nesse mesmo processo - Lorrayne dos Santos Oliveira e Rafaela dos Santos Oliveira – fizeram as acusações mais duras contra a vítima.

Rafaela contou que, em uma noite durante um período de férias em 2018 ou 2019, estava deitada no quarto que dividia com a mãe e outros quatro familiares. Foi quando alguém entrou, sentou-se em seu colchão, aos seus pés, e começou a passar as mãos pelo seu corpo. As outras pessoas estavam no quarto. Aparentemente dormiam.

No julgamento, Flordelis chorou e alegou inocência Foto: Pedro Kirilos

“Senti uma mão subindo pela coxa e não conseguia reagir. Quando abri o olho vi o Niel (apelido do pastor Anderson) de blusa regata branca sentado”, narrou a testemunha. “Ele subiu a mão pelas minhas coxas e introduziu o dedo, eu fechei a perna e virei para a parede.”

A irmã dela, Lorrayne, afirmou não ter sido vítima de abuso semelhante. Mas acusou o pastor de tentar leva-la a um motel, com o pretexto de almoçarem, em uma tarde em que estavam a caminho da igreja. Ela se recusou e não houve desdobramentos, segundo contou aos jurados.

Embates

Os embates entre os advogados de defesa da ex-deputada e a juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói, responsável pela condução do Tribunal do Júri, escalaram durante a primeira semana de julgamento do assassinato do pastor Anderson do Carmo. Advogados chegaram a ameaçar abandonar o julgamento se uma jornalista citada pelo Ministério Público não fosse ouvida.

A profissional escreveu um livro em que diz que a advogada Janira Rocha convenceu mulheres da família de Flordelis a contar os supostos abusos de Anderson. Para os promotores, a defensora teria orientado testemunhas, o que é proibido por lei. A juíza negou o pedido de oitiva da jornalista e ameaçou multar em 15 salários mínimos cada advogado de defesa, pelo abandono. Após uma reunião em sala fechada à imprensa, houve acordo e o julgamento continuou.

Responsável por representar Flordelis, a advogada Janira Rocha afirmou que foi “amordaçada” e “censurada” pela magistrada por constantes interrupções e indeferimentos de questionamentos durante a oitava de testemunhas de defesa.

Os advogados de Flordelis defenderam por mais de um ano que a magistrada foi parcial. Pediram o afastamento da juíza do processo. Mas os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio rejeitaram a exceção de suspeição contra a magistrada.

“A alegada rispidez (...) não deve ser considerada para fazer surgir uma exceção de suspeição onde ela inexiste. Firmeza não deve ser confundida com falta de urbanidade, assim como instrução escorreita, respeitando-se prazos, procedimentos e horários, não se transmuda em constrangimento ilegal”, escreveu o desembargador relator Celso Ferreira Filho.

Flordelis, Anderson e a família, antes do crime: aparente tranquilidade Foto: Flordelis/Facebook

Em sua decisão, ele destacou que o magistrado não é parte do processo.

“As decisões do juízo não estão sujeitas a constante avaliação sob a perspectiva da imparcialidade. Isso, além de retardar e prejudicar a prestação jurisdicional, mostra-se censurável sobre todos os aspectos. Não houve, no decorrer da longa e cuidadosa instrução, qualquer insurgência processual grave (...). Opiniões divergentes e o debate de ideias opostas, deduzidas processualmente após a deflagração da ação penal, são inerentes à própria dialética do direito e do processo. São fatos aceitáveis”, afirmou.

Terceiro julgamento

O júri recém encerrado foi o terceiro a abordar a morte de Anderson do Carmo.

Em novembro de 2021, Flavio Rodrigues, filho biológico da ex-parlamentar, foi condenado como autor dos disparos , a 33 anos, dois meses e vinte dias de prisão por homicídio triplamente qualificado, porte ilegal de arma de fogo, uso de documento ideologicamente falso e associação criminosa armada. Já Lucas Cezar Santos Souza, filho adotivo acusado de comprar a arma do crime, foi sentenciado por homicídio triplamente qualificado, mas teve sua pena foi reduzida, porque colaborou com as investigações.

Já em abril de 2022, foram condenados quatro réus. Adriano dos Santos Rodrigues, filho biológico de Flordelis, foi sentenciado a quatro anos em regime semiaberto por uso de documento falso e associação criminosa armada. Marcos Siqueira Costa, ex-policial militar, e sua mulher Andrea Santos Maia, foram condenados respectivamente a cinco anos em regime fechado e quatro anos em regime semiaberto.O filho adotivo Carlos Ubiraci Francisco da Silva foi condenado por associação criminosa armada a dois anos, em regime inicialmente semiaberto.

O pastor Anderson do Carmo foi casado com Flordelis por 25 anos. Foi assassiado a tiros no dia 16 de junho de 2019, na garagem da casa onde morava com a família em Pendotiba, em Niterói, Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo os laudos dos peritos, foram identificadas 30 perfurações de de arma de fogo no corpo.

Anderson chegou à casa de Flordelis ainda criança, recolhido por ela j com mais de 20 outras crianças abandonadas ou dispensadas pelas famílias. Conheceu Simone, filha biológica da mãe adotiva, e, já adolescente, começou um namoro com ela. Depois se separaram, e ele se casou com Flordelis – de quem foi filho afetivo, quase genro e marido, portanto. Anderson recebeu pelo menos 30 tiros na garagem da casa onde morava com a família, em Pendotiba, bairro de Niteroi.

O Ministério Público denunciou a ex-parlamentar e mais dez pessoas pelo assassinato. Na época, a pastora não teve sua prisão pedida por conta da imunidade parlamentar, que perdeu em agosto de 2021, quando foi cassada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Depois que perdeu o mandato, Flordelis foi presa preventivamente.

RIO - A cantora, pastora evangélica e ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, de 61 anos, foi condenada a 50 anos e 28 dias de prisão pelo assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, ocorrido em 16 de junho de 2019 na garagem da casa em que a família morava, em Niterói (Região Metropolitana do Rio). O julgamento, iniciado às 9h da última segunda-feira, 7, acabou às 7h20 deste domingo, 13. A sessão do último dia começou às 10h de sábado, 12, e se estendeu por pouco mais de 21 horas. Flordelis foi julgada pelo Tribunal do Júri, composto por sete jurados (três mulheres e quatro homens). O julgamento foi presidido pela juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói.

Segundo o Ministério Público, Flordelis e familiares próximos dela estavam descontentes com a conduta do pastor, que gerenciava a carreira da pastora e cantora e administrava o seu dinheiro. Por isso, decidiram matá-lo: primeiro, por envenenamento, e por fim matando-o a tiros. A pastora, que sempre negou o crime, foi condenada pelos quatro crimes que lhe eram imputados: homicídio triplamente qualificado (por motivo torpe, emprego de meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima), tentativa de homicídio duplamente qualificado (pelas tentativas de envenenar a vítima), uso de documento falso (duas vezes) e associação criminosa armada. Somadas as penas chegam aos 50 anos e 28 dias.

Além de Flordelis, também foram julgados quatro familiares dela, dos quais três foram absolvidos. Só Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, acusada de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio qualificado privilegiado e associação criminosa armada, foi condenada a 31 anos, quatro meses e 20 dias de prisão. Marzy Teixeira da Silva, filha adotiva de Flordelis que era acusada pelos mesmos crimes de Simone; Rayane dos Santos Oliveira, filha de Simone e neta de Flordelis acusada de homicídio triplamente qualificado e associação criminosa armada; e André Luiz de Oliveira, filho adotivo de Flordelis acusado de uso de documento falso e associação criminosa armada, foram absolvidos pelos jurados.

O MP-RJ informou que vai recorrer das três absolvições. O advogado Rodrigo Faucz, um dos responsáveis pela defesa de Flordelis e dos três réus absolvidos, afirmou que vai recorrer da condenação da pastora. O defensor explicou que vai alegar duas nulidades no processo. Uma foi o uso, pela acusação, de um documento que segundo ele não constava do processo. Outro foi a afirmação, feita durante os debates pelo advogado Ângelo Máximo, assistente de acusação e ajuda ao MP-RJ, de que o silêncio das rés poderia ser prejudicial a elas. Máximo afirmou não ter completado essa frase e portanto não ter dado margem à alegação. O MP disse que não considera que tenha havido nenhuma das nulidades alegadas. A advogada Daniela Gregio, que defende Simone, não se manifestou após o anúncio da condenação de sua cliente.

Durante a leitura da sentença pela juíza, Flordelis e Simone ficaram num canto, distantes dos demais réus e fora das cadeiras que ocuparam durante o julgamento. A defesa de Flordelis afirmou que foi uma decisão normal da pastora – não significaria, portanto, nenhum atrito com os demais réus. Presa preventivamente desde 13 de agosto de 2021, Flordelis está encarcerada no presídio feminino Talavera Bruce, no complexo penitenciário de Gericinó, em Bangu (zona oeste do Rio). Ela foi presa em sua casa, em Pendotiba, bairro de Niterói, dois dias após ter o mandato parlamentar cassado com os votos de 437 dos 512 deputados.

Por volta das 3h30 de 16 de junho de 2019, o casal chegou de um passeio no Rio e Flordelis entrou em casa. Anderson estava na garagem quando foi abordado e levou mais de 30 tiros. Ele chegou a ser socorrido para o Hospital Niterói D’Or, no bairro de Icaraí, mas morreu. O pastor tinha 42 anos.

Ao longo dos cinco primeiros dias do julgamento, prestaram depoimento 24 testemunhas – primeiro 13 de acusação, de segunda a quinta-feira, e depois 11 de defesa, na quinta e na sexta-feira. A partir das 10h de sábado, 12, começaram os interrogatórios dos cinco réus. Nenhum deles respondeu perguntas da acusação, composta pelo MP e pelo advogado Ângelo Máximo, contratado pela irmã do pastor para representá-la junto aos promotores de Justiça. Os réus só responderam as perguntas formuladas pelos próprios advogados e pelos jurados.

Cada réu falou durante aproximadamente uma hora. Depois ocorreram os debates. Foram duas horas e meia para a acusação expor os motivos pelos quais os réus deveriam ser condenados e o mesmo período para a defesa justificar a absolvição. Depois vieram mais duas horas a cada parte para réplica e tréplica.

Durante essa fase, a acusação usou conversas por mensagens entre os familiares e depoimentos para culpar Flordelis e os demais réus pelo crime. A defesa sustentou a tese de que o pastor abusava sexualmente de várias familiares. Defendeu ainda que Flávio Rodrigues, filho biológico da pastora, já condenado em outro júri do caso, teria decidido por conta própria matar o pastor após saber de abusos narrados por Simone.

A própria Simone, que em depoimentos anteriores admitiu ter planejado o crime, neste sábado, 12, disse que apenas contou os abusos ao irmão, sem planejar crime algum. A defesa cometeu uma gafe em um vídeo produzido sobre o crime e exibido durante os debates. Durante o filme, que acusa a imprensa de sensacionalismo na cobertura do caso, o narrador afirma que Simone planejou o crime. Essa era a versão anterior dela e possivelmente o vídeo tenha sido preparado na época em que ela a sustentava. Os debates terminaram às 4h45, quando então os jurados se reuniram para votar. O resultado só foi anunciado às 7h20.

Investigações

Responsável inicial pelas investigações do assassinato , a delegada da Polícia Civil Bárbara Lomba afirmou em depoimento que provas do crime teriam sido queimadas no quintal da casa onde a família morava, em Pendotiba, Niterói. A policial também contou que os celulares da vítima, da ex-parlamentar e de Flávio dos Santos, filho biológico da ex-parlamentar, autor dos disparos contra Anderson, desapareceram.A promotoria perguntou à ex-titular da especializada se Flordelis, ao depor na delegacia, teria relatado ter sido agredida pelo pastor. Segundo Bárbara, a ex-deputada disse que a relação com o marido era excelente e teria dito que nunca sofreu nenhum tipo de intimidação.

A delegada Bárbara Lomba disse que provas foram queimadas Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Outro delegado, Allan Duarte, que em 24 de janeiro de 2020 assumiu a investigação do caso, sucedendo a delegada Bárbara Lomba, afirmou em depoimento estar certo de que a pastora foi responsável pelo crime. Ele apontou o que considerou contradições nas afirmações de Flordelis e afirmou que a ex-deputada tentou envenenar o marido pelo menos seis vezes. O delegado elencou mensagens trocadas por ela com filhos, supostamente tratando do planejamento da morte do pastor.

O policial civil Tiago Vaz de Souza afirmou em depoimento que a família de Flordelis era “rachada em facções”. O agente diz ainda que Flordelis nunca relatou ter sido alvo de agressão ou abuso sexual durante os depoimentos do caso.

“Era uma família rachada, que tinha privilégios para um grupo. Uma família rachada em facções. Uma facção ajudou no planejamento da morte e outra facção denunciou a existência desse conluio”, afirmou o policial no segundo dia do julgamento.

Defesa apontou supostos abusos sexuais

A advogada Janira Rocha, que defendeu Flordelis, afirmou que os depoimentos das testemunhas confirmam a versão de que a pastora e suas filhas foram vítimas de abuso sexual e físico por parte de Anderson.

“Mulheres famosas, poderosas e ricas que sofreram abusos sexuais só muito tempo depois vieram a público dizer isso. A Flordelis não é uma exceção, as mulheres abusadas têm dificuldades, que são comprovadas, de poder expressar esse abuso”, disse.

A defesa da ex-deputada afirmou ainda que Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, foi a única responsável pela morte do pastor.

Flordelis disse que marido a agredia Foto: Flordelis/Instagram

Para Flordelis, morte de Anderson resolveria problemas, disse nora

Luana Vedovi, nora de Flordelis, afirmou ainda no julgamento que Marzy estava convicta de que a morte de Anderson “resolveria todos os problemas da família”.

“Ela falou: ‘matar o Niel (apelido de Anderson) vai resolver o problema de todo mundo’. Marzy estava com a mente feita de que matar o Niel iria resolver os problemas da casa dela”, disse.

Logo após a morte do pastor Anderson, Luana e o marido, Wagner, teriam desconfiado da participação de Flordelis. Eles se lembraram da existência de uma mensagem com um plano para matá-lo, que teriam visto em um iPad, decidiram fotografar a prova.

Ela contou que ela e o marido decidiram procurar a delegacia após fotografarem o texto com o plano do assassinato.

Neta de Flordelis, Rebeca Vitória Rangel Silva contou em depoimento que Paula Neves Magalhães de Barros, amiga e braço direito da avó, simulou a coleta de depoimentos de testemunhas do processo para instruí-las a não acusar a ex-parlamentar. De acordo com Rebeca, Paula do Vôlei, como é conhecida, procurou os filhos e netos de Flordelis para submetê-los a perguntas.

“Ela sentava com a gente e simulava que ela era a delegada. Se a gente falasse algo sobre a Flordelis, ela dizia que não. Ela fazia a nossa cabeça para chegar na DH (Delegacia de Homicídios) e não acusar a Flordelis. Se eu falasse que a Flordelis era a mandante do crime, ela cortava”, afirmou.

A reportagem não conseguiu o contato de Paula do Vôlei para que comentasse as acusações.

Roberta dos Santos, filha adotiva da ex-parlamentar e de Anderson do Carmo, negou que a mãe ou uma das irmãs tenham sido alvo de abuso sexual por parte de Anderson do Carmo.

“Não existe abuso sexual. O Niel não era um abusador”, disse. “Quando me perguntam isso, me dá um embrulho no estômago. A forma como eles estão levando isso é um deboche com mulheres que realmente sofrem abuso sexual. Isso é uma afronta. O Niel respeitava. Ele não permitia que a gente andasse de biquíni, de short curto, porque tinha muito homem naquela casa. Abuso sexual eu nunca ouvi naquela casa. É uma casa grande, tem fofoca. Se tivesse, saberíamos.”

Netas defendem Flordelis e citam assédio

No quinto dia do julgamento, as sete últimas testemunhas de defesa da ré acusaram Anderson de assédio e abuso sexual contra filhas e netas afetivas, além de outras condutas reprováveis. Duas netas de Flordelis, filhas biológicas de Simone dos Santos Oliveira e André Luiz de Oliveira, que também são réus nesse mesmo processo - Lorrayne dos Santos Oliveira e Rafaela dos Santos Oliveira – fizeram as acusações mais duras contra a vítima.

Rafaela contou que, em uma noite durante um período de férias em 2018 ou 2019, estava deitada no quarto que dividia com a mãe e outros quatro familiares. Foi quando alguém entrou, sentou-se em seu colchão, aos seus pés, e começou a passar as mãos pelo seu corpo. As outras pessoas estavam no quarto. Aparentemente dormiam.

No julgamento, Flordelis chorou e alegou inocência Foto: Pedro Kirilos

“Senti uma mão subindo pela coxa e não conseguia reagir. Quando abri o olho vi o Niel (apelido do pastor Anderson) de blusa regata branca sentado”, narrou a testemunha. “Ele subiu a mão pelas minhas coxas e introduziu o dedo, eu fechei a perna e virei para a parede.”

A irmã dela, Lorrayne, afirmou não ter sido vítima de abuso semelhante. Mas acusou o pastor de tentar leva-la a um motel, com o pretexto de almoçarem, em uma tarde em que estavam a caminho da igreja. Ela se recusou e não houve desdobramentos, segundo contou aos jurados.

Embates

Os embates entre os advogados de defesa da ex-deputada e a juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói, responsável pela condução do Tribunal do Júri, escalaram durante a primeira semana de julgamento do assassinato do pastor Anderson do Carmo. Advogados chegaram a ameaçar abandonar o julgamento se uma jornalista citada pelo Ministério Público não fosse ouvida.

A profissional escreveu um livro em que diz que a advogada Janira Rocha convenceu mulheres da família de Flordelis a contar os supostos abusos de Anderson. Para os promotores, a defensora teria orientado testemunhas, o que é proibido por lei. A juíza negou o pedido de oitiva da jornalista e ameaçou multar em 15 salários mínimos cada advogado de defesa, pelo abandono. Após uma reunião em sala fechada à imprensa, houve acordo e o julgamento continuou.

Responsável por representar Flordelis, a advogada Janira Rocha afirmou que foi “amordaçada” e “censurada” pela magistrada por constantes interrupções e indeferimentos de questionamentos durante a oitava de testemunhas de defesa.

Os advogados de Flordelis defenderam por mais de um ano que a magistrada foi parcial. Pediram o afastamento da juíza do processo. Mas os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio rejeitaram a exceção de suspeição contra a magistrada.

“A alegada rispidez (...) não deve ser considerada para fazer surgir uma exceção de suspeição onde ela inexiste. Firmeza não deve ser confundida com falta de urbanidade, assim como instrução escorreita, respeitando-se prazos, procedimentos e horários, não se transmuda em constrangimento ilegal”, escreveu o desembargador relator Celso Ferreira Filho.

Flordelis, Anderson e a família, antes do crime: aparente tranquilidade Foto: Flordelis/Facebook

Em sua decisão, ele destacou que o magistrado não é parte do processo.

“As decisões do juízo não estão sujeitas a constante avaliação sob a perspectiva da imparcialidade. Isso, além de retardar e prejudicar a prestação jurisdicional, mostra-se censurável sobre todos os aspectos. Não houve, no decorrer da longa e cuidadosa instrução, qualquer insurgência processual grave (...). Opiniões divergentes e o debate de ideias opostas, deduzidas processualmente após a deflagração da ação penal, são inerentes à própria dialética do direito e do processo. São fatos aceitáveis”, afirmou.

Terceiro julgamento

O júri recém encerrado foi o terceiro a abordar a morte de Anderson do Carmo.

Em novembro de 2021, Flavio Rodrigues, filho biológico da ex-parlamentar, foi condenado como autor dos disparos , a 33 anos, dois meses e vinte dias de prisão por homicídio triplamente qualificado, porte ilegal de arma de fogo, uso de documento ideologicamente falso e associação criminosa armada. Já Lucas Cezar Santos Souza, filho adotivo acusado de comprar a arma do crime, foi sentenciado por homicídio triplamente qualificado, mas teve sua pena foi reduzida, porque colaborou com as investigações.

Já em abril de 2022, foram condenados quatro réus. Adriano dos Santos Rodrigues, filho biológico de Flordelis, foi sentenciado a quatro anos em regime semiaberto por uso de documento falso e associação criminosa armada. Marcos Siqueira Costa, ex-policial militar, e sua mulher Andrea Santos Maia, foram condenados respectivamente a cinco anos em regime fechado e quatro anos em regime semiaberto.O filho adotivo Carlos Ubiraci Francisco da Silva foi condenado por associação criminosa armada a dois anos, em regime inicialmente semiaberto.

O pastor Anderson do Carmo foi casado com Flordelis por 25 anos. Foi assassiado a tiros no dia 16 de junho de 2019, na garagem da casa onde morava com a família em Pendotiba, em Niterói, Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Segundo os laudos dos peritos, foram identificadas 30 perfurações de de arma de fogo no corpo.

Anderson chegou à casa de Flordelis ainda criança, recolhido por ela j com mais de 20 outras crianças abandonadas ou dispensadas pelas famílias. Conheceu Simone, filha biológica da mãe adotiva, e, já adolescente, começou um namoro com ela. Depois se separaram, e ele se casou com Flordelis – de quem foi filho afetivo, quase genro e marido, portanto. Anderson recebeu pelo menos 30 tiros na garagem da casa onde morava com a família, em Pendotiba, bairro de Niteroi.

O Ministério Público denunciou a ex-parlamentar e mais dez pessoas pelo assassinato. Na época, a pastora não teve sua prisão pedida por conta da imunidade parlamentar, que perdeu em agosto de 2021, quando foi cassada pelo plenário da Câmara dos Deputados. Depois que perdeu o mandato, Flordelis foi presa preventivamente.

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