Rio - A pastora, cantora e ex-deputada federal Flordelis dos Santos de Souza, de 61 anos, que está sendo julgada no fórum de Niterói, na Região Metropolitana do Rio, pela morte do marido, o pastor Anderson do Carmo, teve uma crise de choro e precisou ser retirada do auditório durante o depoimento da terceira testemunha de defesa, o desembargador Siro Darlan, pouco antes das 17h desta quinta-feira, 10. Até as 18h30 ela não havia retornado ao auditório.
Aos prantos, enquanto era amparada por advogados de defesa, ela pronunciou algumas palavras: “Me perdoa, doutor Siro, obrigada por tudo. Sou inocente, estou envergonhada”, disse a pastora. O desembargador, que estava a poucos metros dela, não se manifestou.
Darlan foi juiz da 1ª Vara da Infância e Adolescência do Rio de Janeiro de 1990 até 2004, quando foi alçado a desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, cargo que ocupa até hoje. Durante os 14 anos em que foi responsável pelas causas cíveis ligadas a crianças e adolescentes em todo o município do Rio, teve bastante contato com Flordelis, com quem continuou convivendo socialmente depois. Em seu depoimento, ele teceu elogios à conduta dela até 2004.
“Quando assumiu a 1ª Vara, encontrei mandado de busca e apreensão do juiz anterior contra uma mulher negra e favelada que então tinha sob sua guarda cerca de 25 crianças, todas elas (morando) num pequeno barraco da favela do Jacarezinho (zona norte do Rio)”, afirmou o desembargador. “Mandei cumprir essa ordem de busca e apreensão, porque até então ninguém sabia quem eram essas crianças e em que circunstâncias elas estavam. Mas os oficiais de justiça não conseguiam cumprir, porque a favela já era tomada pelo tráfico. Nesse ínterim fui procurado por dois empresários que me indagaram como podiam ajudar Flordelis para que ela deixasse de ser perseguida”, narrou.
“Respondi: ‘Primeiro ela tem que dizer ao Judiciário onde recolheu crianças, regularizar a documentação delas. Depois ela tem que abrigar crianças num espaço adequado’. Eles perguntaram: “Quanto tempo o senhor nos dá pra tomar essas providências?” Eu: ‘30 dias’. Trinta dias depois, os empresários me convidaram para visitar uma casa na avenida Paulo de Frontin, no Rio Comprido (região central do Rio), e foi uma boa surpresa ver que em parte nossas exigências havia sido cumpridas”, relembrou Darlan.
“O essencial, que era acolhimento, tratamento digno, as crianças tinham. Nem todas as exigências foram cumpridas, mas elas estavam muito bem cuidadas, bem tratadas, e essa senhora estava fazendo o que o Estado, o município nunca havia conseguido: uma família substituta. Até 2004, a família estava pelo menos tratando as crianças com dignidade e respeito. Depois mudei de cargo”, afirmou. Darlan relatou que a regularização documental das crianças não foi cumprida, durante sua gestão como juiz, mas que nenhuma outra família reclamou a ausência delas, então a princípio se tratava de crianças abandonadas.
O desembargador não foi questionado sobre o crime em si, até porque não o testemunhou. Disse que, dois dias antes, o pastor Anderson havia ligado para ele e convidado para uma reunião, para debater projetos de lei relacionados aos direitos de crianças e adolescentes que Flordelis pretendia apresentar na Câmara dos Deputados.
“Mas eu estava iniciando uma viagem pela França e combinamos de conversar dali a 30 dias. Dois dias depois eu soube do desastre”, afirmou, referindo-se à morte do pastor. “Quando eu o conheci ele era um acolhido, uma das crianças abrigadas pela Flor. Depois eles se casaram e ele virou o CEO, o gerentaço do projeto ‘família Flordelis’. A Flor era a grande protagonista, mas o Anderson era quem comandava, era muito inteligente. Ela era tímida, sequer falava comigo, falava de cabeça baixa”, narrou.
O julgamento continua na noite desta quinta-feira, com a oitiva de outras testemunhas de defesa.