Florianópolis é a ‘Flórida brasileira’? Quem são os novos moradores por trás da alta na população


Nº de moradores subiu 27,5%; aposentados, profissionais que trabalham remotamente e interessados em qualidade de vida fazem parte do público que migrou para capital catarinense

Por Marcio Dolzan
Atualização:

Se pelo Brasil afora muitas das capitais veem sua população encolher, Florianópolis vive o movimento contrário - o número de moradores por lá subiu 27,5% de 2010 a 2022, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado na semana passada. O misto de belas praias, segurança e opções de entretenimento são atrativos para faixas etárias diversas, o que inclui aposentados e profissionais atraídos por empregos locais ou pela flexibilidade do trabalho remoto.

A capital catarinense chegou a 537,2 mil habitantes - quase 116 mil a mais do que há 12 anos. Na contramão, diminuíram de tamanho Salvador (- 9,6%), Porto Alegre (- 5,4%), Recife (- 3,2%) e mais cinco capitais.

“Foram feitas políticas de atração com foco na questão de qualidade de vida e do meio ambiente preservado. Isso acaba atraindo população já estabelecida financeiramente e muitos aposentados”, diz Elson Manoel Pereira, que coordena o Laboratório Cidade e Sociedade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo ele, há processo de aumento de população nas áreas litorâneas do Estado, fenômeno que se repete em outas regiões do País.

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O casal gaúcho Vanderlan e Maria Jussara de Souza, de 74 e 73 anos, respectivamente, está na lista dos que resolveram se fixar na ilha. Os servidores públicos aposentados já tinham o hábito de passar o verão em Florianópolis, mas há quatro anos trocaram o CEP de vez.

Segundo ele, três fatores pesaram: o clima melhor no inverno, a segurança e a qualidade de vida. Souza afirma que o custo de vida é alto, mas já sabe estratégias para poupar, como ir a mercados mais baratos. “As distâncias são menores. Se precisar ir a um desses atacados, em 10 minutos eu chego.”

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Maria Jussara descarta interesse de voltar ao Rio Grande do Sul, onde ainda vão para visitar as filhas, que moram em Porto Alegre. “Tenho alguns problemas de saúde, como rinite e bronquite. Então, para mim, ficar lá é um horror, com esse clima e essa umidade”, diz ela.

O casal gaúcho Vanderlan e Maria Jussara de Souza se mudou para Florianópolis há quatro anos Foto: Arquivo pessoal

Também com foco na qualidade de vida que a enfermeira e professora universitária Estela Mara Nicolau, de 57 anos, decidiu migrar para Florianópolis após 34 anos na capital paulista. “São Paulo, após a pandemia, parece ter ficado mais congestionada e as pessoas, mais agressivas”, diz ela, que já conhecia Florianópolis por causa da irmã, que se mudou para lá primeiro.

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“Você pode sair para caminhar por várias praias, tem as lagoas, as possibilidades de sair, se divertir, além de se afastar do estresse e medo de São Paulo”, conta ela, que agora atua com consultorias e atendimentos de aromaterapia. “E, mesmo sendo paradisíaca, Florianópolis ainda é uma capital, com acesso a tudo, à saúde, às necessidades.”

A professora universitária e enfermeira paulistana Estela Mara Nicolau, de 57 anos, se mudou para Florianópolis por mais qualidade de vida Foto: Herminio Nunes/Estadão

‘Posso ir à praia no almoço, pedalar, vejo animais’

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Oportunidades de emprego e apoio ao empreendedorismo, especialmente o digital, também estão por trás do crescimento de mais de um quarto na população. “O turismo sazonal é bastante forte. Há muito funcionalismo público em Florianópolis (a universidade federal é uma das maiores do País), o setor digital tem crescido muito e está nos primeiros lugares na composição do PIB. Além disso, há expansão na construção civil”, lista Pereira, da UFSC.

Engenheiro de software, Cássio Antoniazzi vivia em São Paulo até a pandemia. Com a chegada da covid, ele se mudou para o Rio Grande do Sul, sua terra natal, até se instalar em Florianópolis. Ele trabalha para uma empresa paulista, mas usufrui das possibilidades do trabalho remoto.

“Antes, morando em um grande centro, eu tinha um ritmo de vida acelerado, urbano, muito asfalto. Aqui posso ir à praia no almoço, pedalar, vejo animais”, relata ele, de 35 anos.

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Entre os novos moradores, também está o empresário Kayuã Borsoi, de 32, que se mudou para Florianópolis em novembro de 2021 para empreender. Ele tem um ateliê e produz móveis de madeira - que prefere chamar de “peças”, por serem feitas a partir do desejo de cada comprador. Antes de adotar Florianópolis, Kayuã cogitou ir para São Paulo, mas a busca por tranquilidade falou mais alto.

“Eu morava no interior do Rio Grande do Sul e entregava peças para o País todo. Minha logística era complicada, então a ideia era ficar próxima de um grande centro. Vim para Florianópolis e deu super certo”, conta. “Pelos meus filtros de critério e pela qualidade de vida, pensei que não poderia sair do interior bruto e ir para uma selva de concreto. Precisava do meio termo.”

Os relatos reforçam a imagem de quem vê de fora, mas, segundo Pereira, da UFSC, há uma série de desafios. O apelido de ‘Flórida brasileira’ é uma alusão ao Estado americano que costuma receber grande volume de aposentados. ‘Ibiza brasileira’” e até de ‘Singapura brasileira’ são outras expressões usadas para falar de Floripa. “Mas são metáforas que valem só para uma parte da ilha”, diz o professor.

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Ele explica que a maior parte dos habitantes não mora nas melhores regiões da capital. “Florianópolis é em sua maior parte uma ilha; uma pequena parte é continente. Mas na ilha tem mais postos de trabalho do que residentes. Os trabalhadores são importados de cidades vizinhas”, diz. “Isso demonstra certa expulsão de trabalhadores da ilha, devido ao alto custo de se morar. Há alta segregação, grande parte da classe média mora em condomínios fechados.”

Estela Mara vê na prática a subida do custo para se morar na cidade nos últimos anos. “Houve um boom nas cidades litorâneas. Quando visitei Florianópolis em 2018, as chances de mudança eram muito mais viáveis. Agora há procura imobiliária grande e os valores aumentaram muito.”

Aumento populacional cria novas pressões

O Censo 2022 também mostrou que um quarto dos domicílios está fechado ou serve como residência ocasional. Mas, segundo o professor da UFSC, o déficit habitacional da cidade é estimado em cerca de 15 mil moradias.

“Esse aumento populacional gera pressão sobre a infraestrutura instalada”, ressalta Pereira. “Cerca de 50% da área fica em locais inviáveis para moradia do ponto de vista ambiental, em topos de morros, dunas, próximos a rios. E parte dos outros 50% estão em áreas nem sempre fáceis de urbanizar, como próximo a encostas.”

A prefeitura fez mudanças no Plano Diretor usando justamente esse argumento. “A cidade está trabalhando para organizar esse crescimento. Com a aprovação do novo Plano Diretor, será possível estabelecer para onde a cidade pode crescer de maneira sustentável”, disse a prefeitura, em nota.

“Até então, o município tinha dificuldades para saber onde as pessoas que migraram para a cidade se estabeleceriam. Isso cria uma série de dificuldades, como definição de instalação de novos serviços públicos”, acrescentou.

A gestão municipal diz ainda que o alto índice de moradias ocasionais é normal, considerando que a cidade é turística. “O problema maior tem sido o déficit habitacional para a faixa de menor renda. O novo Plano Diretor também vem para buscar novas soluções, no sentido de estimular construtoras a oferecerem moradias a preço popular em troca de benefícios. Queremos mais moradia de baixa renda, mas não afastada da cidade, como se fazia no passado”, diz a prefeitura.

Já os serviços públicos causaram boa impressão para a autônoma Aline Schmitt Andrade, de 44 anos. “Até para arrancar um dente, fui pelo SUS e fui bem atendida, num lugar bonitinho. E aqui também é seguro, porque investiram bastante nas polícias.” Ex-comissária de bordo, ela se mudou para Florianópolis em 2011 também em busca de qualidade de vida.

A prefeitura diz ter investido para se adequar ao aumento da demanda. Nos últimos seis anos, afirma, 14 mil novas vagas no ensino foram criadas, seja com a construção de unidades ou ampliação das existentes. Também diz que a cidade conta com 50 centros de saúde, que têm sido ampliados, além da construção de um novo hospital. /COLABORARAM KATARINA MORAES E EDUARDO AMARAL, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

Se pelo Brasil afora muitas das capitais veem sua população encolher, Florianópolis vive o movimento contrário - o número de moradores por lá subiu 27,5% de 2010 a 2022, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado na semana passada. O misto de belas praias, segurança e opções de entretenimento são atrativos para faixas etárias diversas, o que inclui aposentados e profissionais atraídos por empregos locais ou pela flexibilidade do trabalho remoto.

A capital catarinense chegou a 537,2 mil habitantes - quase 116 mil a mais do que há 12 anos. Na contramão, diminuíram de tamanho Salvador (- 9,6%), Porto Alegre (- 5,4%), Recife (- 3,2%) e mais cinco capitais.

“Foram feitas políticas de atração com foco na questão de qualidade de vida e do meio ambiente preservado. Isso acaba atraindo população já estabelecida financeiramente e muitos aposentados”, diz Elson Manoel Pereira, que coordena o Laboratório Cidade e Sociedade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo ele, há processo de aumento de população nas áreas litorâneas do Estado, fenômeno que se repete em outas regiões do País.

O casal gaúcho Vanderlan e Maria Jussara de Souza, de 74 e 73 anos, respectivamente, está na lista dos que resolveram se fixar na ilha. Os servidores públicos aposentados já tinham o hábito de passar o verão em Florianópolis, mas há quatro anos trocaram o CEP de vez.

Segundo ele, três fatores pesaram: o clima melhor no inverno, a segurança e a qualidade de vida. Souza afirma que o custo de vida é alto, mas já sabe estratégias para poupar, como ir a mercados mais baratos. “As distâncias são menores. Se precisar ir a um desses atacados, em 10 minutos eu chego.”

Maria Jussara descarta interesse de voltar ao Rio Grande do Sul, onde ainda vão para visitar as filhas, que moram em Porto Alegre. “Tenho alguns problemas de saúde, como rinite e bronquite. Então, para mim, ficar lá é um horror, com esse clima e essa umidade”, diz ela.

O casal gaúcho Vanderlan e Maria Jussara de Souza se mudou para Florianópolis há quatro anos Foto: Arquivo pessoal

Também com foco na qualidade de vida que a enfermeira e professora universitária Estela Mara Nicolau, de 57 anos, decidiu migrar para Florianópolis após 34 anos na capital paulista. “São Paulo, após a pandemia, parece ter ficado mais congestionada e as pessoas, mais agressivas”, diz ela, que já conhecia Florianópolis por causa da irmã, que se mudou para lá primeiro.

“Você pode sair para caminhar por várias praias, tem as lagoas, as possibilidades de sair, se divertir, além de se afastar do estresse e medo de São Paulo”, conta ela, que agora atua com consultorias e atendimentos de aromaterapia. “E, mesmo sendo paradisíaca, Florianópolis ainda é uma capital, com acesso a tudo, à saúde, às necessidades.”

A professora universitária e enfermeira paulistana Estela Mara Nicolau, de 57 anos, se mudou para Florianópolis por mais qualidade de vida Foto: Herminio Nunes/Estadão

‘Posso ir à praia no almoço, pedalar, vejo animais’

Oportunidades de emprego e apoio ao empreendedorismo, especialmente o digital, também estão por trás do crescimento de mais de um quarto na população. “O turismo sazonal é bastante forte. Há muito funcionalismo público em Florianópolis (a universidade federal é uma das maiores do País), o setor digital tem crescido muito e está nos primeiros lugares na composição do PIB. Além disso, há expansão na construção civil”, lista Pereira, da UFSC.

Engenheiro de software, Cássio Antoniazzi vivia em São Paulo até a pandemia. Com a chegada da covid, ele se mudou para o Rio Grande do Sul, sua terra natal, até se instalar em Florianópolis. Ele trabalha para uma empresa paulista, mas usufrui das possibilidades do trabalho remoto.

“Antes, morando em um grande centro, eu tinha um ritmo de vida acelerado, urbano, muito asfalto. Aqui posso ir à praia no almoço, pedalar, vejo animais”, relata ele, de 35 anos.

Entre os novos moradores, também está o empresário Kayuã Borsoi, de 32, que se mudou para Florianópolis em novembro de 2021 para empreender. Ele tem um ateliê e produz móveis de madeira - que prefere chamar de “peças”, por serem feitas a partir do desejo de cada comprador. Antes de adotar Florianópolis, Kayuã cogitou ir para São Paulo, mas a busca por tranquilidade falou mais alto.

“Eu morava no interior do Rio Grande do Sul e entregava peças para o País todo. Minha logística era complicada, então a ideia era ficar próxima de um grande centro. Vim para Florianópolis e deu super certo”, conta. “Pelos meus filtros de critério e pela qualidade de vida, pensei que não poderia sair do interior bruto e ir para uma selva de concreto. Precisava do meio termo.”

Os relatos reforçam a imagem de quem vê de fora, mas, segundo Pereira, da UFSC, há uma série de desafios. O apelido de ‘Flórida brasileira’ é uma alusão ao Estado americano que costuma receber grande volume de aposentados. ‘Ibiza brasileira’” e até de ‘Singapura brasileira’ são outras expressões usadas para falar de Floripa. “Mas são metáforas que valem só para uma parte da ilha”, diz o professor.

Ele explica que a maior parte dos habitantes não mora nas melhores regiões da capital. “Florianópolis é em sua maior parte uma ilha; uma pequena parte é continente. Mas na ilha tem mais postos de trabalho do que residentes. Os trabalhadores são importados de cidades vizinhas”, diz. “Isso demonstra certa expulsão de trabalhadores da ilha, devido ao alto custo de se morar. Há alta segregação, grande parte da classe média mora em condomínios fechados.”

Estela Mara vê na prática a subida do custo para se morar na cidade nos últimos anos. “Houve um boom nas cidades litorâneas. Quando visitei Florianópolis em 2018, as chances de mudança eram muito mais viáveis. Agora há procura imobiliária grande e os valores aumentaram muito.”

Aumento populacional cria novas pressões

O Censo 2022 também mostrou que um quarto dos domicílios está fechado ou serve como residência ocasional. Mas, segundo o professor da UFSC, o déficit habitacional da cidade é estimado em cerca de 15 mil moradias.

“Esse aumento populacional gera pressão sobre a infraestrutura instalada”, ressalta Pereira. “Cerca de 50% da área fica em locais inviáveis para moradia do ponto de vista ambiental, em topos de morros, dunas, próximos a rios. E parte dos outros 50% estão em áreas nem sempre fáceis de urbanizar, como próximo a encostas.”

A prefeitura fez mudanças no Plano Diretor usando justamente esse argumento. “A cidade está trabalhando para organizar esse crescimento. Com a aprovação do novo Plano Diretor, será possível estabelecer para onde a cidade pode crescer de maneira sustentável”, disse a prefeitura, em nota.

“Até então, o município tinha dificuldades para saber onde as pessoas que migraram para a cidade se estabeleceriam. Isso cria uma série de dificuldades, como definição de instalação de novos serviços públicos”, acrescentou.

A gestão municipal diz ainda que o alto índice de moradias ocasionais é normal, considerando que a cidade é turística. “O problema maior tem sido o déficit habitacional para a faixa de menor renda. O novo Plano Diretor também vem para buscar novas soluções, no sentido de estimular construtoras a oferecerem moradias a preço popular em troca de benefícios. Queremos mais moradia de baixa renda, mas não afastada da cidade, como se fazia no passado”, diz a prefeitura.

Já os serviços públicos causaram boa impressão para a autônoma Aline Schmitt Andrade, de 44 anos. “Até para arrancar um dente, fui pelo SUS e fui bem atendida, num lugar bonitinho. E aqui também é seguro, porque investiram bastante nas polícias.” Ex-comissária de bordo, ela se mudou para Florianópolis em 2011 também em busca de qualidade de vida.

A prefeitura diz ter investido para se adequar ao aumento da demanda. Nos últimos seis anos, afirma, 14 mil novas vagas no ensino foram criadas, seja com a construção de unidades ou ampliação das existentes. Também diz que a cidade conta com 50 centros de saúde, que têm sido ampliados, além da construção de um novo hospital. /COLABORARAM KATARINA MORAES E EDUARDO AMARAL, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

Se pelo Brasil afora muitas das capitais veem sua população encolher, Florianópolis vive o movimento contrário - o número de moradores por lá subiu 27,5% de 2010 a 2022, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado na semana passada. O misto de belas praias, segurança e opções de entretenimento são atrativos para faixas etárias diversas, o que inclui aposentados e profissionais atraídos por empregos locais ou pela flexibilidade do trabalho remoto.

A capital catarinense chegou a 537,2 mil habitantes - quase 116 mil a mais do que há 12 anos. Na contramão, diminuíram de tamanho Salvador (- 9,6%), Porto Alegre (- 5,4%), Recife (- 3,2%) e mais cinco capitais.

“Foram feitas políticas de atração com foco na questão de qualidade de vida e do meio ambiente preservado. Isso acaba atraindo população já estabelecida financeiramente e muitos aposentados”, diz Elson Manoel Pereira, que coordena o Laboratório Cidade e Sociedade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo ele, há processo de aumento de população nas áreas litorâneas do Estado, fenômeno que se repete em outas regiões do País.

O casal gaúcho Vanderlan e Maria Jussara de Souza, de 74 e 73 anos, respectivamente, está na lista dos que resolveram se fixar na ilha. Os servidores públicos aposentados já tinham o hábito de passar o verão em Florianópolis, mas há quatro anos trocaram o CEP de vez.

Segundo ele, três fatores pesaram: o clima melhor no inverno, a segurança e a qualidade de vida. Souza afirma que o custo de vida é alto, mas já sabe estratégias para poupar, como ir a mercados mais baratos. “As distâncias são menores. Se precisar ir a um desses atacados, em 10 minutos eu chego.”

Maria Jussara descarta interesse de voltar ao Rio Grande do Sul, onde ainda vão para visitar as filhas, que moram em Porto Alegre. “Tenho alguns problemas de saúde, como rinite e bronquite. Então, para mim, ficar lá é um horror, com esse clima e essa umidade”, diz ela.

O casal gaúcho Vanderlan e Maria Jussara de Souza se mudou para Florianópolis há quatro anos Foto: Arquivo pessoal

Também com foco na qualidade de vida que a enfermeira e professora universitária Estela Mara Nicolau, de 57 anos, decidiu migrar para Florianópolis após 34 anos na capital paulista. “São Paulo, após a pandemia, parece ter ficado mais congestionada e as pessoas, mais agressivas”, diz ela, que já conhecia Florianópolis por causa da irmã, que se mudou para lá primeiro.

“Você pode sair para caminhar por várias praias, tem as lagoas, as possibilidades de sair, se divertir, além de se afastar do estresse e medo de São Paulo”, conta ela, que agora atua com consultorias e atendimentos de aromaterapia. “E, mesmo sendo paradisíaca, Florianópolis ainda é uma capital, com acesso a tudo, à saúde, às necessidades.”

A professora universitária e enfermeira paulistana Estela Mara Nicolau, de 57 anos, se mudou para Florianópolis por mais qualidade de vida Foto: Herminio Nunes/Estadão

‘Posso ir à praia no almoço, pedalar, vejo animais’

Oportunidades de emprego e apoio ao empreendedorismo, especialmente o digital, também estão por trás do crescimento de mais de um quarto na população. “O turismo sazonal é bastante forte. Há muito funcionalismo público em Florianópolis (a universidade federal é uma das maiores do País), o setor digital tem crescido muito e está nos primeiros lugares na composição do PIB. Além disso, há expansão na construção civil”, lista Pereira, da UFSC.

Engenheiro de software, Cássio Antoniazzi vivia em São Paulo até a pandemia. Com a chegada da covid, ele se mudou para o Rio Grande do Sul, sua terra natal, até se instalar em Florianópolis. Ele trabalha para uma empresa paulista, mas usufrui das possibilidades do trabalho remoto.

“Antes, morando em um grande centro, eu tinha um ritmo de vida acelerado, urbano, muito asfalto. Aqui posso ir à praia no almoço, pedalar, vejo animais”, relata ele, de 35 anos.

Entre os novos moradores, também está o empresário Kayuã Borsoi, de 32, que se mudou para Florianópolis em novembro de 2021 para empreender. Ele tem um ateliê e produz móveis de madeira - que prefere chamar de “peças”, por serem feitas a partir do desejo de cada comprador. Antes de adotar Florianópolis, Kayuã cogitou ir para São Paulo, mas a busca por tranquilidade falou mais alto.

“Eu morava no interior do Rio Grande do Sul e entregava peças para o País todo. Minha logística era complicada, então a ideia era ficar próxima de um grande centro. Vim para Florianópolis e deu super certo”, conta. “Pelos meus filtros de critério e pela qualidade de vida, pensei que não poderia sair do interior bruto e ir para uma selva de concreto. Precisava do meio termo.”

Os relatos reforçam a imagem de quem vê de fora, mas, segundo Pereira, da UFSC, há uma série de desafios. O apelido de ‘Flórida brasileira’ é uma alusão ao Estado americano que costuma receber grande volume de aposentados. ‘Ibiza brasileira’” e até de ‘Singapura brasileira’ são outras expressões usadas para falar de Floripa. “Mas são metáforas que valem só para uma parte da ilha”, diz o professor.

Ele explica que a maior parte dos habitantes não mora nas melhores regiões da capital. “Florianópolis é em sua maior parte uma ilha; uma pequena parte é continente. Mas na ilha tem mais postos de trabalho do que residentes. Os trabalhadores são importados de cidades vizinhas”, diz. “Isso demonstra certa expulsão de trabalhadores da ilha, devido ao alto custo de se morar. Há alta segregação, grande parte da classe média mora em condomínios fechados.”

Estela Mara vê na prática a subida do custo para se morar na cidade nos últimos anos. “Houve um boom nas cidades litorâneas. Quando visitei Florianópolis em 2018, as chances de mudança eram muito mais viáveis. Agora há procura imobiliária grande e os valores aumentaram muito.”

Aumento populacional cria novas pressões

O Censo 2022 também mostrou que um quarto dos domicílios está fechado ou serve como residência ocasional. Mas, segundo o professor da UFSC, o déficit habitacional da cidade é estimado em cerca de 15 mil moradias.

“Esse aumento populacional gera pressão sobre a infraestrutura instalada”, ressalta Pereira. “Cerca de 50% da área fica em locais inviáveis para moradia do ponto de vista ambiental, em topos de morros, dunas, próximos a rios. E parte dos outros 50% estão em áreas nem sempre fáceis de urbanizar, como próximo a encostas.”

A prefeitura fez mudanças no Plano Diretor usando justamente esse argumento. “A cidade está trabalhando para organizar esse crescimento. Com a aprovação do novo Plano Diretor, será possível estabelecer para onde a cidade pode crescer de maneira sustentável”, disse a prefeitura, em nota.

“Até então, o município tinha dificuldades para saber onde as pessoas que migraram para a cidade se estabeleceriam. Isso cria uma série de dificuldades, como definição de instalação de novos serviços públicos”, acrescentou.

A gestão municipal diz ainda que o alto índice de moradias ocasionais é normal, considerando que a cidade é turística. “O problema maior tem sido o déficit habitacional para a faixa de menor renda. O novo Plano Diretor também vem para buscar novas soluções, no sentido de estimular construtoras a oferecerem moradias a preço popular em troca de benefícios. Queremos mais moradia de baixa renda, mas não afastada da cidade, como se fazia no passado”, diz a prefeitura.

Já os serviços públicos causaram boa impressão para a autônoma Aline Schmitt Andrade, de 44 anos. “Até para arrancar um dente, fui pelo SUS e fui bem atendida, num lugar bonitinho. E aqui também é seguro, porque investiram bastante nas polícias.” Ex-comissária de bordo, ela se mudou para Florianópolis em 2011 também em busca de qualidade de vida.

A prefeitura diz ter investido para se adequar ao aumento da demanda. Nos últimos seis anos, afirma, 14 mil novas vagas no ensino foram criadas, seja com a construção de unidades ou ampliação das existentes. Também diz que a cidade conta com 50 centros de saúde, que têm sido ampliados, além da construção de um novo hospital. /COLABORARAM KATARINA MORAES E EDUARDO AMARAL, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

Se pelo Brasil afora muitas das capitais veem sua população encolher, Florianópolis vive o movimento contrário - o número de moradores por lá subiu 27,5% de 2010 a 2022, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado na semana passada. O misto de belas praias, segurança e opções de entretenimento são atrativos para faixas etárias diversas, o que inclui aposentados e profissionais atraídos por empregos locais ou pela flexibilidade do trabalho remoto.

A capital catarinense chegou a 537,2 mil habitantes - quase 116 mil a mais do que há 12 anos. Na contramão, diminuíram de tamanho Salvador (- 9,6%), Porto Alegre (- 5,4%), Recife (- 3,2%) e mais cinco capitais.

“Foram feitas políticas de atração com foco na questão de qualidade de vida e do meio ambiente preservado. Isso acaba atraindo população já estabelecida financeiramente e muitos aposentados”, diz Elson Manoel Pereira, que coordena o Laboratório Cidade e Sociedade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo ele, há processo de aumento de população nas áreas litorâneas do Estado, fenômeno que se repete em outas regiões do País.

O casal gaúcho Vanderlan e Maria Jussara de Souza, de 74 e 73 anos, respectivamente, está na lista dos que resolveram se fixar na ilha. Os servidores públicos aposentados já tinham o hábito de passar o verão em Florianópolis, mas há quatro anos trocaram o CEP de vez.

Segundo ele, três fatores pesaram: o clima melhor no inverno, a segurança e a qualidade de vida. Souza afirma que o custo de vida é alto, mas já sabe estratégias para poupar, como ir a mercados mais baratos. “As distâncias são menores. Se precisar ir a um desses atacados, em 10 minutos eu chego.”

Maria Jussara descarta interesse de voltar ao Rio Grande do Sul, onde ainda vão para visitar as filhas, que moram em Porto Alegre. “Tenho alguns problemas de saúde, como rinite e bronquite. Então, para mim, ficar lá é um horror, com esse clima e essa umidade”, diz ela.

O casal gaúcho Vanderlan e Maria Jussara de Souza se mudou para Florianópolis há quatro anos Foto: Arquivo pessoal

Também com foco na qualidade de vida que a enfermeira e professora universitária Estela Mara Nicolau, de 57 anos, decidiu migrar para Florianópolis após 34 anos na capital paulista. “São Paulo, após a pandemia, parece ter ficado mais congestionada e as pessoas, mais agressivas”, diz ela, que já conhecia Florianópolis por causa da irmã, que se mudou para lá primeiro.

“Você pode sair para caminhar por várias praias, tem as lagoas, as possibilidades de sair, se divertir, além de se afastar do estresse e medo de São Paulo”, conta ela, que agora atua com consultorias e atendimentos de aromaterapia. “E, mesmo sendo paradisíaca, Florianópolis ainda é uma capital, com acesso a tudo, à saúde, às necessidades.”

A professora universitária e enfermeira paulistana Estela Mara Nicolau, de 57 anos, se mudou para Florianópolis por mais qualidade de vida Foto: Herminio Nunes/Estadão

‘Posso ir à praia no almoço, pedalar, vejo animais’

Oportunidades de emprego e apoio ao empreendedorismo, especialmente o digital, também estão por trás do crescimento de mais de um quarto na população. “O turismo sazonal é bastante forte. Há muito funcionalismo público em Florianópolis (a universidade federal é uma das maiores do País), o setor digital tem crescido muito e está nos primeiros lugares na composição do PIB. Além disso, há expansão na construção civil”, lista Pereira, da UFSC.

Engenheiro de software, Cássio Antoniazzi vivia em São Paulo até a pandemia. Com a chegada da covid, ele se mudou para o Rio Grande do Sul, sua terra natal, até se instalar em Florianópolis. Ele trabalha para uma empresa paulista, mas usufrui das possibilidades do trabalho remoto.

“Antes, morando em um grande centro, eu tinha um ritmo de vida acelerado, urbano, muito asfalto. Aqui posso ir à praia no almoço, pedalar, vejo animais”, relata ele, de 35 anos.

Entre os novos moradores, também está o empresário Kayuã Borsoi, de 32, que se mudou para Florianópolis em novembro de 2021 para empreender. Ele tem um ateliê e produz móveis de madeira - que prefere chamar de “peças”, por serem feitas a partir do desejo de cada comprador. Antes de adotar Florianópolis, Kayuã cogitou ir para São Paulo, mas a busca por tranquilidade falou mais alto.

“Eu morava no interior do Rio Grande do Sul e entregava peças para o País todo. Minha logística era complicada, então a ideia era ficar próxima de um grande centro. Vim para Florianópolis e deu super certo”, conta. “Pelos meus filtros de critério e pela qualidade de vida, pensei que não poderia sair do interior bruto e ir para uma selva de concreto. Precisava do meio termo.”

Os relatos reforçam a imagem de quem vê de fora, mas, segundo Pereira, da UFSC, há uma série de desafios. O apelido de ‘Flórida brasileira’ é uma alusão ao Estado americano que costuma receber grande volume de aposentados. ‘Ibiza brasileira’” e até de ‘Singapura brasileira’ são outras expressões usadas para falar de Floripa. “Mas são metáforas que valem só para uma parte da ilha”, diz o professor.

Ele explica que a maior parte dos habitantes não mora nas melhores regiões da capital. “Florianópolis é em sua maior parte uma ilha; uma pequena parte é continente. Mas na ilha tem mais postos de trabalho do que residentes. Os trabalhadores são importados de cidades vizinhas”, diz. “Isso demonstra certa expulsão de trabalhadores da ilha, devido ao alto custo de se morar. Há alta segregação, grande parte da classe média mora em condomínios fechados.”

Estela Mara vê na prática a subida do custo para se morar na cidade nos últimos anos. “Houve um boom nas cidades litorâneas. Quando visitei Florianópolis em 2018, as chances de mudança eram muito mais viáveis. Agora há procura imobiliária grande e os valores aumentaram muito.”

Aumento populacional cria novas pressões

O Censo 2022 também mostrou que um quarto dos domicílios está fechado ou serve como residência ocasional. Mas, segundo o professor da UFSC, o déficit habitacional da cidade é estimado em cerca de 15 mil moradias.

“Esse aumento populacional gera pressão sobre a infraestrutura instalada”, ressalta Pereira. “Cerca de 50% da área fica em locais inviáveis para moradia do ponto de vista ambiental, em topos de morros, dunas, próximos a rios. E parte dos outros 50% estão em áreas nem sempre fáceis de urbanizar, como próximo a encostas.”

A prefeitura fez mudanças no Plano Diretor usando justamente esse argumento. “A cidade está trabalhando para organizar esse crescimento. Com a aprovação do novo Plano Diretor, será possível estabelecer para onde a cidade pode crescer de maneira sustentável”, disse a prefeitura, em nota.

“Até então, o município tinha dificuldades para saber onde as pessoas que migraram para a cidade se estabeleceriam. Isso cria uma série de dificuldades, como definição de instalação de novos serviços públicos”, acrescentou.

A gestão municipal diz ainda que o alto índice de moradias ocasionais é normal, considerando que a cidade é turística. “O problema maior tem sido o déficit habitacional para a faixa de menor renda. O novo Plano Diretor também vem para buscar novas soluções, no sentido de estimular construtoras a oferecerem moradias a preço popular em troca de benefícios. Queremos mais moradia de baixa renda, mas não afastada da cidade, como se fazia no passado”, diz a prefeitura.

Já os serviços públicos causaram boa impressão para a autônoma Aline Schmitt Andrade, de 44 anos. “Até para arrancar um dente, fui pelo SUS e fui bem atendida, num lugar bonitinho. E aqui também é seguro, porque investiram bastante nas polícias.” Ex-comissária de bordo, ela se mudou para Florianópolis em 2011 também em busca de qualidade de vida.

A prefeitura diz ter investido para se adequar ao aumento da demanda. Nos últimos seis anos, afirma, 14 mil novas vagas no ensino foram criadas, seja com a construção de unidades ou ampliação das existentes. Também diz que a cidade conta com 50 centros de saúde, que têm sido ampliados, além da construção de um novo hospital. /COLABORARAM KATARINA MORAES E EDUARDO AMARAL, ESPECIAIS PARA O ESTADÃO

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