Reativado após quatro anos de congelamento na gestão passada, o Fundo Amazônia recebeu R$ 105 milhões em 2023, o que representa 3,18% do que foi anunciado no último ano em novas doações. No total, foram prometidos R$ 3,3 bilhões pela União Europeia e por países como Estados Unidos, Alemanha e Dinamarca individualmente. Os dados são do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela gestão dos recursos.
O Fundo Amazônia reúne dinheiro doado por governos estrangeiros para ser investido em projetos de prevenção, combate ao desmatamento, conservação e uso sustentável da floresta. As doações ao fundo gerido pelo BNDES são concretizadas apenas mediante a confirmação da redução da destruição do bioma. Além desse novo dinheiro previsto, o fundo tem R$ 4,1 bilhão de saldo para ser usado, o que considera depósitos até 2019.
A reativação do mecanismo, após quatro anos de paralisação sob a gestão Jair Bolsonaro (PL), e os eventos extremos, como a seca que atinge a Amazônia, levantam a questão sobre se as doações entram e são liberadas para os projetos na forma e na velocidade em que a devastação da floresta e a crise climática exigem.
Também pressiona o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a mostrar resultados na Cúpula do Clima da Organização das Nações Unidas (COP-28), em Dubai, a partir de quinta-feira, 30. Lá, Lula quer usar os recentes dados de queda de desmate para pedir mais verba a países ricos, mas tropeça em outras crises ambientais, como as queimadas florestais e a devastação crescente no Cerrado.
Apesar do volume significativo de recursos anunciados este ano, a transferências passam por trâmites no Brasil e nos países doadores. Os Estados Unidos, por exemplo, anunciaram U$ 500 milhões para o fundo (R$ 2,4 bilhões).
O anúncio foi feito em abril pelo presidente americano, o democrata Joe Biden. O repasse, porém, é condicionados ao aval do Congresso americano, controlado pelos Republicanos. Biden já se prepara para a disputa eleitoral em 2024 contra o ex-presidente Donald Trump, avesso à pauta climática.
Segundo a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, que acompanha as ações do fundo desde sua criação, além dos ritos internos de cada país para a efetivar a doação, é preciso lembrar que esses aportes apenas se concretizam se o Brasil fizer seu dever de casa.
“Em geral, as doações estão atreladas a resultados na queda do desmatamento. Então, os países são interessados nisso, nos dados de queda que seriam apresentados, e que efetivamente foram, a taxa do Prodes”, afirma. O Talanoa é uma entidade sem fins lucrativos que defende ações climáticas.
Desde o início do governo, o primeiro resultado de desmate medido pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência, foi divulgado no começo do mês. O desmatamento na floresta caiu 22,3% em um ano.
A perda de cobertura vegetal é mapeada por meio de satélites e a contagem da taxa sempre é feita de agosto de um ano até julho do ano seguinte. O balanço compreende o período entre agosto de 2022 e julho deste ano, o que engloba uma parte da gestão Bolsonaro e outra parte, de Lula.
No total, foram destruídos no bioma 9.001 km² nestes 12 meses, um patamar ainda alto, mas a primeira vez desde 2019 que a taxa dfica abaixo de 10 mil km². “Isso é uma garantia para esses países também quando falam com seus contribuintes”, afirma Natalie.
De acordo com a avaliação mais recente, as novas doações de recursos para o Fundo Amazônia anunciadas neste ano estão na seguinte situação:
- Verba anunciada, formalizada, e que já chegou (internalizada):
- Alemanha: R$ 105 milhões
- Já formalizada, mas ainda não chegou
- Suíça: R$ 30 milhões
- EUA: R$ 15 milhões
- Alemanha: R$ 78,7 milhões - restante do total anunciado pelo país neste ano.
- Anunciada, mas ainda em processo de negociação:
- EUA: R$ 2,450 bilhões
- Reino Unido: R$ 481,544 milhões
- União Europeia: R$ 105 milhões
- Dinamarca: R$ 110 milhões
Procurado, o BNDES não detalhou o cronograma previsto para recebimento das novas doações. O Estadão procurou as embaixadas dos países que anunciaram doações. A Embaixada dos Estados Unidos disse que ainda não há previsão de quando a verba estará à disposição. “A administração Biden continua a trabalhar com os legisladores dos EUA para solicitar e garantir esse aporte”, disse, em nota.
A Embaixada da Dinamarca informou que o parlamento dinamarquês aprovou a Lei Financeira para 2024, que inclui a atribuição de 150 milhões de coroas dinamarquesas (aproximadamente 110 milhões de reais) para o Fundo Amazônia. “Como o governo dinamarquês planeja fornecer uma contribuição substancial, o processo administrativo irá seguir uma série de passos e esperamos que a doação seja concluída até meados de 2024. Estamos em diálogo contínuo com o governo brasileiro sobre a nossa colaboração”, informou.
Os demais países não se manifestaram. “Os recursos que vêm dos orçamentos dos países são complexos de se obter”, afirmou ao Estadão embaixador André Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. “É uma operação longa”, disse ele, destacando que o governo também trabalha com outros mecanismos para captar dinheiro.
Crédito contra incêndios
Os incêndios deste ano, intensificados pelo El Niño mais forte desde 1997 e pelo aquecimento global, levaram o próprio governo a recorrer ao Fundo Amazônia para apagar o fogo que consumiu grandes partes da floresta, além de levar fumaça a cidades como Manaus. “O Ibama deve submeter no fim do ano um projeto robusto para o Fundo Amazônia”, disse há duas semanas o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, há “crédito pré-aprovado pelo Fundo Amazônia de R$ 35 milhões para prevenção e combate a incêndios pelo Corpo de Bombeiros local, dependendo apenas da apresentação de projeto”. Cerca de R$ 5 milhões, diz a pasta, haviam sido destinados até o início do mês a ações do Ibama e do ICMBio, incluindo gastos com brigadistas, aeronaves, helicópteros e resgate de fauna.
Na mesma semana, o Fundo aprovou também a ampliação dos recursos disponíveis para os nove Estados da Amazônia Legal atuarem no combate ao fogo. O valor passou para R$ 45 milhões, totalizando R$ 405 milhões em recursos não reembolsáveis disponíveis.
Para a bióloga Erika Berenguer, pesquisadora da Universidade Oxford (Reino Unido), a situação deixa claro que seria importante contar com um fundo emergencial, não com o Fundo Amazônia, para situações de eventos extremos na Amazônia. “Entendo ser um ano de reestruturação dos órgãos ambientais, que estavam extremamente sucateados e o número de servidores diminuiu. Há uma herança maldita na área, mas havia coisas que davam para fazer”, disse ao Estadão.
Após um evento no Inpe em março, um grupo de pesquisadores ligados a diferentes instituições, como Oxford, Embrapa e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), apresentou documento com sugestões para proteger florestas degradadas. Entre as medidas apontadas, está a criação de um fundo emergencial para anos de secas extremas.
Segundo a presidente do Instituto Talanoa, em seus quase 15 anos de existência, o Fundo Amazônia desenvolveu um modelo de execução das verbas doadas bem definido. Natalie diz que é um modelo “balcão”, ou seja, para as doações ocorrerem, é preciso que projetos sejam apresentados.
“São projetos estruturantes, ações mais de médio termo. Não é recurso emergencial, o fundo não é reativo. Se a intenção é atuar nesta seca, não é o Fundo Amazônia que você vai acionar”, afirma ela.
Para isso, acrescenta Natalie, há ferramentas legais mais eficientes e com finalidade definidas. “Vai ser um decreto de estado de emergência, de situação de calamidade, que libera uma verba emergencial e ajuda nessas questões mais imediatas. Esse recurso reativo está numa escala de bilhões, muito superior ao próprio Fundo Amazônia.”, afirma. “O fundo tem um modelo muito mais preventivo e proativo.”
Natalie diz sentir falta no programa de mais projetos de adaptação climática, que podem reduzir e evitar danos potenciais do aquecimento global. Mas é preciso que também os governos locais se preparem para apresentem iniciativas do tipo. “Será que os Estados hoje estão capacitados para apresentar esses projetos?”, diz.
Retomada após congelamento
Criado em 2008, no 2º governo Lula, o mecanismo de captação de doações recebia recursos da Noruega, da Alemanha e da Petrobrás. Desde então, R$ 1,5 bilhão foi desembolsado para 102 projetos de preservação e monitoramento do desmate.
“As doações feitas até o momento somam, aproximadamente, R$ 3,5 bilhões. Considerando-se os rendimentos financeiros das doações ao longo do tempo, os desembolsos já efetuados e os valores já contratados. O Fundo Amazônia conta com aproximadamente R$ 4,1 bilhões disponíveis para apoio a novos projetos”, afirma o BNDES.
Em 2019, os repasses ao fundo foram congelados pela gestão Bolsonaro, que chegou a afirmar que existiam irregularidades no uso da verba e que a Alemanha, por exemplo, iria deixar de comprar o Brasil à prestação. “O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”, disse naquele ano.
Com a eleição de Lula e a sinalização de retomada da prioridade para a agenda ambiental, novas doações foram anunciadas por outros países desde o fim do ano passado.
Fundo é acompanhado por auditorias
O Fundo Amazônia é gerido pelo BNDES, que conta com dois comitês e também se incumbe da captação de recursos, da contratação e do monitoramento dos projetos e ações apoiados.
O Comitê Orientador do Fundo (COFA) tem a atribuição de determinar suas diretrizes e acompanhar os resultados obtidos. Ele é composto por representantes do governo federal, dos Estados que compõem a Amazônia Legal e da sociedade civil.
Já o Comitê Técnico (CTFA), nomeado pelo Ministério do Meio Ambiente, tem o papel de atestar as emissões oriundas de desmatamentos na Amazônia. Ambos foram restabelecidos por meio do decreto 11.368, de 1º de janeiro de 2023.
O mecanismo passa, anualmente, por dois processos de auditoria. O primeiro refere-se à auditoria contábil, que ocorre no âmbito da auditoria externa dos demonstrativos financeiros do próprio BNDES, e o segundo, à auditoria de cumprimento, realizada por empresa de serviços especializados em auditoria externa independente. Os relatórios estão disponíveis no site do Fundo.