Foi o único momento de timidez da tarde. "Conta para eles, Samara, diz o que você quer ser quando crescer", incentivou a mãe, a cabeleireira Vanusa da Silva, de 28 anos, sentada num sofá verde-limão, em São Mateus, zona leste da capital. A menina, de 5 anos, até então falante, afundou a cabeça no travesseiro. "Vamos, Samara, não fica tímida." A garota, então, levantou os olhos da almofada, abriu a boca devagar e disse, baixinho: "Quelo ser dotôla." E voltou à macia segurança do sofá, esperando o assunto mudar.Há oito meses, Samara decidiu que quer ser médica. Disse isso pela primeira vez no dia mais importante de sua vida: foi num sábado de maio passado, quando, após dois anos e três meses de tratamento no hospital do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac), ouviu dos médicos que fora finalmente curada de uma leucemia."Os médicos e as enfermeiras foram tão atenciosos, o tratamento foi tão cuidadoso, que ela se impressionou . Os momentos foram difíceis, mas de crescimento para nós", resume o pai, James Cley da Silva, de 35 anos, segurança de condomínio na Vila Carrão, também zona leste. No início de 2007, Samara tinha 2 anos quando reclamou de dor no pescoço. Havia dois nódulos em sua garganta. Uma semana depois, ela dava entrada no Graac, com diagnóstico de leucemia linfoide - 75% da medula estava avariada e havia nódulos em seu coração. "Nos avisaram que ela tinha dois dias de vida e ficamos malucos. Eu não conseguia trabalhar e, nos dias seguintes, corria para o meio do mato, para ajoelhar e rezar", conta James.O tratamento foi duro para a menina - os medicamentos a deixaram inchada e, sete meses depois do diagnóstico, seus cabelos começaram a cair. Aos 3 anos, ela tinha vergonha de sair do quarto. "Foi o momento mais difícil. Mas, logo depois, convivendo com outras crianças assim, ela entendeu que era natural."Nas salas de quimio, Samara se mostrou criança forte. "Ela corria dali para a sala dos brinquedos. Isso sem falar nas balas (aquelas, doadas por Maria Helena), que trazia para casa. Ela tem estrela, vai longe", diz Vanusa, que chegou a São Paulo com o marido em 2002, deixando para trás a Bahia. Devoto de São Judas Tadeu, James acredita ter recebido apoio do santo nos momentos decisivos. "Sonhei que ele dizia que minha mulher estava grávida e, dois dias depois, descobrimos que a Samara estava vindo. Há sempre algo ligado ao santo."Frequentador das missas no Santuário São Judas Tadeu, no Jabaquara, zona sul, o segurança diz ter vontade de conhecer o pároco. "Nunca tive coragem, ele parece tão atarefado."Oportunidades, segundo planilha pendurada na secretaria do Santuário, não devem ser problema: o padre dá expediente todos os dias, distribui bênçãos de manhã, tarde e noite, e ainda presta atendimento aos fiéis antes e após cada missa.