Os crimes de estelionato dispararam no Brasil ao longo do último ano. Conforme dados reunidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram notificados 1.265.073 casos em 2021, alta de 36% na comparação com as 927.898 ocorrências do ano anterior. Quando é feito o recorte de golpes contabilizados especificamente por meios eletrônicos, o aumento é ainda maior: de 74,5%. O número de ocorrências do tipo passou de 34.713 para 60.519. Em 2019, último ano pré-pandemia, haviam sido 14.677 casos.
Clonagem de whatsapp e perfis falsos nas redes sociais são algumas das estratégias dos criminosos: veja aqui como esse e outros golpes funcionam. Com a popularização do Pix, ferramenta de pagamento instantâneo do Banco Central, e a maior adesão dos clientes a soluções digitais, os roubos e furtos de celular também subiram. Foram de 825.923, em 2020, para 847.313 no último ano, permitindo com que quadrilhas especializadas multipliquem o prejuízo das vítimas com o aparelho em mãos. Como mostrou o Estadão neste ano, com receio de ter dinheiro desviado após os crimes, moradores de São Paulo passaram a adotar um celular reserva só para usar aplicativos de banco.
Diretor-presidente do Fórum, o sociólogo Renato Sérgio de Lima destacou que, quando se faz o recorte de 2018 a 2021, o aumento dos crimes de estelionato foi de quase 200%. “O crescimento é muito grande e reforça a ideia de que o Brasil vive um cenário de medo e insegurança extremos”, disse. Isso porque, explicou, o aumento da sensação de insegurança não está relacionado somente a crimes que envolvem morte – os homicídios inclusive tiveram queda em 2021. “É também medo de sair de casa e perder tudo”.
“A gente só tem uma queda – importante, mas pequena – do total de mortes, mas quando se faz o retrato completo da situação, os problemas não são pequenos. Tem crescimento de estelionato, de furtos e roubos etc”, complementou o sociólogo sobre os dados divulgados pelo Fórum nesta terça.
Lima relembrou que, até o fim de 2020, o celular roubado tinha um prejuízo inerente ao aparelho, um valor estático. Com o avanço da tecnologia e a implementação do Pix, o sociólogo explicou que o celular passou a ser um lugar onde “toda a vida das pessoas está nele”. Os criminosos, então, agora se aproveitam disso e multiplicam os prejuízos das vítimas com a invasão dos aparelhos.
A alta do estelionato, nesse cenário, estaria diretamente associada à nova dinâmica do Pix. “Continua tendo o valor inerente do celular, mas tem muito a ver com os golpes cibernéticos, do WhatsApp…”, disse o diretor-presidente do Fórum. “São golpes que foram se modernizando de acordo com as novas tecnologias, até porque elas avançaram, e as pessoas começaram a ser vítimas disso. Na essência, são golpes muito antigos repaginados pelo uso da tecnologia.”
E, apesar do avanço dos golpes virtuais, essa é uma modalidade ainda especialmente subnotificada, uma vez que não há padronização para registro das ocorrências. Ele citou que mesmo os roubos e furtos que são precedidos de desvios de dinheiro feitos por Pix, por exemplo, por vezes são tipificados como estelionato, o que cria imprecisão. "Vários Estados reconheceram a dificuldade de notificar."
Outro ponto levantado pelo especialista é que as estruturas policiais dos Estados ainda não estão capacitadas para investigar o volume – e da variedade – de golpes. Ao mesmo tempo, ele reforçou que o sistema financeiro também não forneceu respostas suficientes para tornar as soluções suficientemente seguras para os usuários. “Deveria haver um algoritmo mais aguçado para detectar movimentações estranhas e mais camadas de confirmação de movimentações”, defendeu o sociólogo, que também cobrou maior fiscalização de contas-laranja.
Enquanto essas frentes não avançam, Lima destacou que os golpes de estelionato têm se mostrado uma área fértil inclusive para o crime organizado, que tem feito movimentos de aproximação de quadrilhas especializadas em aplicar golpes ou mesmo desenvolvido braços para isso. Como mostrou o Estadão em abril deste ano, os altos lucros obtidos por quadrilhas que fazem roubos por meio do Pix atraíram a atenção do Primeiro Comando da Capital (PCC), conforme investigação da Polícia Civil de São Paulo.