O que era para ser mais uma ação guerrilheira para financiar o Exército do Povo Paraguaio (EPP), grupo marxista radical que atua em Concepción, no norte do Paraguai, está se transformando em uma complicada operação política e militar no país. Com Arlan Fick, de 16 anos, filho do produtor rural brasileiro Alcido Fick, em cativeiro há 172 dias, a guerrilha recebeu o resgate pelo sequestro, mas se negou a libertar o rapaz. Os guerrilheiros dizem agora que só negociam a libertação com a troca do refém por líderes do EPP que estão presos em Assunção, enfrentam o Exército à bala e assustam a comunidade brasileira local.
Na sexta-feira, um combate entre forças oficiais do Paraguai e o EPP levou mais insegurança às vilas à beira da Rota 3, que liga a capital federal à capital do Estado de Concepción. O confronto terminou com pelo menos três mortos e dois helicópteros atingidos por tiros de guerrilheiros, em Arroyito, vizinha de São Pedro de Yacuamandyu, a 320 km de Assunção. O confronto começou com uma operação de buscas por Arlan em um acampamento guerrilheiro. Uma Força-Tarefa Conjunta (FTC), criada pelo governo do presidente Horácio Cartes para prender os sequestradores, cercou o local com auxílio de quatro helicópteros.
Arlan foi sequestrado pela guerrilha no dia 2 de abril, durante outro tiroteio na Vila de Azotey. A família diz que pagou no dia 12 de abril o resgate de US$ 500 mil exigido. O EPP queria ainda a distribuição de US$ 50 mil em alimentos (açúcar, farinha, arroz, azeite e outros víveres) para as Vilas de Arroyito e Nueva Fortuna e a divulgação de um vídeo no qual a líder do EPP, Liliana Villalba Ayala, conhecida como comandante Anahy Ayala, exalta a ação guerrilheira de dois companheiros mortos no sequestro de Arlan.
Na quinta-feira, o Estado esteve na localidade de Azotey e acompanhou a preparação dos militares para a operação. “Temos 40 homens preparados na comissaria”, disse um oficial que há mais de um ano comanda o posto policial do entroncamento - que os paraguaios chamam de “cruce” - de acesso à Vila de Tacuati.
Medo. O local, protegido por trincheiras de sacos de terra, já foi atacado a tiros da guerrilha duas vezes, fica a menos de 6 km do local da batalha da manhã de anteontem. A tensão na área assusta brasileiros e seus descendentes, os brasiguaios, que vivem na região. No sequestro de Arlan, os epepistas foram surpreendidos por uma patrulha da FTC. No tiroteio, morreram dois deles: Bernardo Bernal, conhecido como tenente Coco, e Claudelino Silva - e um soldado das forças oficiais.
Com o sequestro de Arlan, são cinco os casos de extorsão pelos guerrilheiros - que dizem lutar contra o imperialismo, exaltam Solano Lopez e querem expulsar colonos estrangeiros. O primeiro sequestro do grupo para extorsão aconteceu em 2001. Maria Edith Debernardi foi capturada nos arredores de Assunção. Outros dois casos tiveram como vítimas os produtores rurais paraguaios Fidel Zavala e Luis Lindstron.
O sequestro mais dramático foi o de Cecília Cubas, de 32 anos, filha do ex-presidente Raúl Cubas Grau e da atual senadora Mirtha Gusinky. Cecília foi capturada pelo EPP em setembro de 2004. O corpo dela foi encontrado em um túnel em fevereiro de 2005. Pelo crime, a Justiça paraguaia condenou Alcides Oviedo Britez e a mulher dele, Carmen Villalba, a 35 anos de cadeia. Britez é o principal chefe do EPP e comanda a guerrilha da prisão. Depois do pagamento do resgate de Arlan, foi da cadeia que o condenado Britez anunciou que o rapaz passaria a ser moeda de troca por militantes do EPP que estão condenados.
“Com isso, o caso de Arlan passou a ter outra conotação política”, resumiu na quinta-feira uma autoridade paraguaia. “E isso complicou muito o quadro, que já era grave”, disse a fonte.
Nos últimos meses, por diversas vezes a família Fick pediu, em comunicados, que os guerrilheiros cumprissem com a promessa de soltar o rapaz. Mas a guerrilha emudeceu. Arlan é paraguaio de nascimento. Mas segue tradições brasileiras. É torcedor do Internacional de Porto Alegre, como o pai, Alcido, um colono de Santo Cristo, localidade gaúcha da fronteira com Santa Catarina, que migrou para Ponta Porã e, em 1982, foi viver de lavouras no Paraguai.
Sem informação do filho, os Fick chegaram à beira do desespero. Alcido não dá entrevistas. Teme represálias. Na escola onde Arlan estudou, na Rota 3, uma faixa branca pede “Liberen a Arlan”.