Por que 6 mil homicídios podem ter ficado ‘ocultos’ no Brasil em um ano?


Atlas da Violência faz cálculo para estimar quantas mortes por causa indeterminada podem ter sido assassinatos. Estado de SP, com nº mais alto, diz não identificar divergência nos registros

Por Ítalo Lo Re
Atualização:

O Brasil pode ter tido 5.982 homicídios que ficaram de fora das estatísticas oficiais de 2022, apontam dados do Atlas da Violência, relatório produzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

  • Os números oficiais indicam que o Brasil registrou 46.409 homicídios em 2022, segundo sistema do Ministério da Saúde;
  • Mas, nesse mesmo ano, outros 15.533 óbitos foram classificados como mortes violentas por causa indeterminada (MVCI);
  • Entre eles, os pesquisadores calculam que 5.982 casos foram homicídios – que ficam ocultos das estatísticas oficiais;
  • Com esse acréscimo, o estudo estima, portanto, 52.391 homicídios em 2022, somando os casos oficiais com esses que ficaram de fora.
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Para contabilizar os homicídios ocultos, foram usadas técnicas de machine learning (aprendizagem de máquina) para analisar todas as mortes por causas violentas de 1996 até 2022 no Brasil. Com base nos padrões observados no período, os pesquisadores revisaram os óbitos dos últimos anos que não tiveram a causa especificada nos registros.

São Paulo é o Estado que mais concentrou óbitos com esse perfil, segundo o Atlas da Violência. Os dados reunidos no documento apontam que São Paulo soma 40,29% dos 5.982 casos de “homicídios ocultos” registrados no último ano no Brasil, o que representaria 2.410 assassinatos a mais.

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Em 2022, São Paulo teve 3.212 homicídios pelos dados oficiais do Ministério da Saúde, indicador que tem apresentado queda. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado diz que não foram encontradas divergências significativas em relação ao número de homicídios.

A pasta afirma ainda que a atual gestão implantou o SPVida, plataforma que faz monitoramento e análise dos casos registrados com vítimas fatais (leia mais sobre a posição da secretaria abaixo).

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O que exatamente são homicídios ocultos?

Conforme os pesquisadores, os “homicídios ocultos” são mortes que não aparecem nas estatísticas como tal, mas que têm grande probabilidade de serem assassinatos. Isso pode se dar tanto por problemas de comunicação entre áreas da saúde e da segurança, por exemplo, quanto por diretrizes de como fazer o registro.

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  • O Atlas aponta que, entre 2012 e 2022, 131.562 pessoas foram vítimas de morte violenta sem que o Estado conseguisse identificar a causa do óbito: se decorrente de acidentes, suicídios ou homicídios;
  • Assim, os médicos legistas que atenderam às ocorrências assinalaram esses casos como mortes violentas por causa indeterminada;
  • Os pesquisadores calculam que, desse total, 51.726 mortes seriam de homicídios que acabam fora das estatísticas oficiais. Teriam ocorrido, assim, 661.423 homicídios no País na série histórica, e não 609.697.
Especialistas apontam que há necessidade de integrar melhor as gestões de registro das áreas da segurança e da saúde Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Um fator que dá a dimensão da magnitude do problema, segundo o Atlas, é que o número de homicídios ocultos entre 2012 e 2022 foi maior do que todos os homicídios ocorridos no último ano analisado. Dos homicídios ocultos, mais de 72% das mortes foram por arma de fogo

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Imprecisão de dados prejudica política pública

Tendo em vista que uma parcela das mortes violentas por causa indeterminada são, na verdade, homicídios, as análises sobre prevalência da violência letal ficam prejudicadas, o que compromete a definição de políticas públicas para combater o avanço do crime em certas regiões, apontam os pesquisadores.

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“É o tipo de coisa que não podia acontecer. Há parâmetros internacionais do que é aceito como um percentual de mortes por causa indeterminada. Se há, por exemplo, metade dos casos como causa indeterminada, há algum problema com sua perícia ou com seus médicos legistas”, diz a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, uma das coordenadoras do Atlas.

“É um número tão elevado que exigiria um nível de auditoria dessas informações, porque pode ser apenas um problema de comunicação, de treinamento dos médicos legistas – ainda que improvável – ou até algo decorrente de uma diretriz”, complementa Samira.

Mortes por causa indeterminada também crescem

Coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Neme aponta que a proporção de mortes por causa indeterminada em relação ao total de óbitos por causas externas (mortes não naturais) tem aumentado nos últimos anos.

No Brasil, esse indicador passou de 6,2%, em 2017, para 10,2%, em 2022, segundo dados Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Em São Paulo, subiu de 11,8% para 19,6% no mesmo período.

  • Foram 152.945 mortes por causas externas registradas no ano passado em todo o Brasil, segundo o sistema do Ministério da Saúde;
  • Delas, 10,2% foram classificadas como morte violenta por causa indeterminada, justamente os 15.533 casos citados no começo desta reportagem.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde diz que, entre 2012 e 2022, as mortes de causa indeterminada (também chamadas de mortes por intenção indeterminada) cresceram 54,1% no Brasil: foram de 10.051 para 15.533 óbitos. Já em São Paulo, o crescimento foi o dobro do registrado no restante do País (113%): os casos desse tipo passaram de 2.241 para 4.779.

“Quanto maior a taxa de mortes indeterminadas, maior é o problema de gestão da informação do Estado. É algo que decorre da falta de articulação entre a gestão da saúde e a da segurança pública”, aponta a pesquisadora. “Falta aos gestores da saúde e da segurança chamarem os representantes da Polícia Técnico-Científica e tentar resolver o problema do fluxo de informações.”

Por padrão, os óbitos por causas violentas devem ser encaminhados para o Instituto Médico-Legal (IML), subordinado à Polícia Técnico-Científica. Os dados da saúde são produzidos a partir da informação que vem da declaração de óbito feita por lá, em que o médico legista preenche os detalhes de cada caso. Quando há ruído nesse processo, toda a cadeia é comprometida. “A má qualidade desse dado prejudica a produção da estatística (de homicídios)”, diz Cristina.

Para ela, o SPVida, iniciativa destacada pela secretaria paulista na resposta à reportagem, não cumpre essa função. “É uma plataforma que divulga a estatística oficial da Polícia Civil baseada em boletim de ocorrência. Isso é outra coisa”, afirma a pesquisadora.

Ministério da Saúde diz aprimorar dados com Estados

O Ministério da Saúde afirma que monitora a entrada de informações de mortalidade na base de dados do sistema e que, ao longo do ano, aplica um “conjunto de críticas visando detectar inconsistências e dados que denotem queda na qualidade da definição das causas”. Os resultados, continua, são informados a Estados e municípios, com orientações sobre formas de aprimoramento.

“Uma das críticas de qualidade diz respeito exatamente ao percentual de ‘causas externas de intenção indeterminada’ em relação ao conjunto de todas as ‘causas externas’. O Ministério da Saúde envia relatórios ao longo do ano para Estados e municípios com listagens dos eventos com algum problema, inclusive estes em que as circunstâncias não estão informadas”, diz pasta.

A orientação, afirma ainda, é que os produtores dos dados, municipais ou estaduais, busquem informação em órgãos como Institutos Médicos Legais e polícias científicas para complementar e esclarecer as circunstâncias (tipo de causa externa) para revisão do registro no SIM.

Para auxiliar nesse processo, a pasta tem um protocolo de qualificação de óbitos por causas externas, publicado no início do ano. “A declaração de óbito, como documento físico, não é alterada, mas o sistema passará a contar com uma causa de óbito qualificada por um processo de levantamento dos dados, garantindo também a manutenção da informação sobre a causa básica original”, diz.

Ministério da Justiça afirma validar dados junto aos Estados

Em paralelo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirma que reúne os dados fornecidos pelas secretarias estaduais de segurança pública por meio do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública - Validador de Dados Estatísticos (Sinesp VDE). “A consolidação das estatísticas, portanto, é feita exclusivamente pelas unidades federativas. A pasta recebe e valida os dados eletronicamente”, diz.

O ministério diz promover ações junto aos Estados para aprimorar as técnicas e procedimentos para investigações, a exemplo da 3ª Reunião Técnica Nacional de Unidades Especializadas na Investigação de Homicídios, realizada no mês passado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), que reúne representantes da área, afirma atuar para colaborar com esse processo. “A Senasp faz a consolidação dos dados estatísticos criminais encaminhados pelos Estados e pelo Distrito Federal, enquanto o Consesp faz o acompanhamento, avalia os critérios e, eventualmente, propõe ajustes.”

Governo de SP afirma não ter encontrado divergências e destaca ações

Em relação aos números acima da média de São Paulo, a Secretaria da Segurança Pública do Estado afirma, em nota enviada à reportagem, que os dados de homicídio são comparados com os registros do DataSus, departamento de gestão de dados do Ministério da Saúde. Segundo a pasta, não foram encontradas divergências significativas entre as duas fontes.

“Além desta metodologia de comparação, a atual gestão implantou o SPVida, que faz monitoramento e análise minuciosa dos casos registrados com vítimas fatais, garantindo que cada ocorrência seja registrada e investigada adequadamente, diminuindo a subnotificação de homicídios. Estes dados são disponibilizados para consulta, como forma de compromisso com a transparência”, diz.

A secretaria afirmou que outra forma de combater a subnotificação desses casos é investir nas forças de segurança, incluindo a Polícia Técnico-Científica, que, segundo a pasta, conta com mais de 3,5 mil profissionais “altamente capacitados e em constante treinamento”.

“O Estado de São Paulo teve a menor taxa de homicídios por 100 mil habitantes no ano de 2022, último período analisado pelo Atlas da Violência 2024. Além disso, as ações da Pasta para a segurança pública levaram o Estado a fechar o ano de 2023 com o menor número de homicídios dolosos desde 2001, com queda de 10% no número de casos em relação ao ano anterior”, destacou ainda.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo afirmou que não iria se pronunciar, uma vez que o IML, que realiza exames necroscópicos de óbitos por causa violenta, está sob responsabilidade da Polícia Técnico-Científica, subordinada à pasta da Segurança Pública.

O Brasil pode ter tido 5.982 homicídios que ficaram de fora das estatísticas oficiais de 2022, apontam dados do Atlas da Violência, relatório produzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

  • Os números oficiais indicam que o Brasil registrou 46.409 homicídios em 2022, segundo sistema do Ministério da Saúde;
  • Mas, nesse mesmo ano, outros 15.533 óbitos foram classificados como mortes violentas por causa indeterminada (MVCI);
  • Entre eles, os pesquisadores calculam que 5.982 casos foram homicídios – que ficam ocultos das estatísticas oficiais;
  • Com esse acréscimo, o estudo estima, portanto, 52.391 homicídios em 2022, somando os casos oficiais com esses que ficaram de fora.

Para contabilizar os homicídios ocultos, foram usadas técnicas de machine learning (aprendizagem de máquina) para analisar todas as mortes por causas violentas de 1996 até 2022 no Brasil. Com base nos padrões observados no período, os pesquisadores revisaram os óbitos dos últimos anos que não tiveram a causa especificada nos registros.

São Paulo é o Estado que mais concentrou óbitos com esse perfil, segundo o Atlas da Violência. Os dados reunidos no documento apontam que São Paulo soma 40,29% dos 5.982 casos de “homicídios ocultos” registrados no último ano no Brasil, o que representaria 2.410 assassinatos a mais.

Em 2022, São Paulo teve 3.212 homicídios pelos dados oficiais do Ministério da Saúde, indicador que tem apresentado queda. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado diz que não foram encontradas divergências significativas em relação ao número de homicídios.

A pasta afirma ainda que a atual gestão implantou o SPVida, plataforma que faz monitoramento e análise dos casos registrados com vítimas fatais (leia mais sobre a posição da secretaria abaixo).

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O que exatamente são homicídios ocultos?

Conforme os pesquisadores, os “homicídios ocultos” são mortes que não aparecem nas estatísticas como tal, mas que têm grande probabilidade de serem assassinatos. Isso pode se dar tanto por problemas de comunicação entre áreas da saúde e da segurança, por exemplo, quanto por diretrizes de como fazer o registro.

  • O Atlas aponta que, entre 2012 e 2022, 131.562 pessoas foram vítimas de morte violenta sem que o Estado conseguisse identificar a causa do óbito: se decorrente de acidentes, suicídios ou homicídios;
  • Assim, os médicos legistas que atenderam às ocorrências assinalaram esses casos como mortes violentas por causa indeterminada;
  • Os pesquisadores calculam que, desse total, 51.726 mortes seriam de homicídios que acabam fora das estatísticas oficiais. Teriam ocorrido, assim, 661.423 homicídios no País na série histórica, e não 609.697.
Especialistas apontam que há necessidade de integrar melhor as gestões de registro das áreas da segurança e da saúde Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Um fator que dá a dimensão da magnitude do problema, segundo o Atlas, é que o número de homicídios ocultos entre 2012 e 2022 foi maior do que todos os homicídios ocorridos no último ano analisado. Dos homicídios ocultos, mais de 72% das mortes foram por arma de fogo

Imprecisão de dados prejudica política pública

Tendo em vista que uma parcela das mortes violentas por causa indeterminada são, na verdade, homicídios, as análises sobre prevalência da violência letal ficam prejudicadas, o que compromete a definição de políticas públicas para combater o avanço do crime em certas regiões, apontam os pesquisadores.

“É o tipo de coisa que não podia acontecer. Há parâmetros internacionais do que é aceito como um percentual de mortes por causa indeterminada. Se há, por exemplo, metade dos casos como causa indeterminada, há algum problema com sua perícia ou com seus médicos legistas”, diz a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, uma das coordenadoras do Atlas.

“É um número tão elevado que exigiria um nível de auditoria dessas informações, porque pode ser apenas um problema de comunicação, de treinamento dos médicos legistas – ainda que improvável – ou até algo decorrente de uma diretriz”, complementa Samira.

Mortes por causa indeterminada também crescem

Coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Neme aponta que a proporção de mortes por causa indeterminada em relação ao total de óbitos por causas externas (mortes não naturais) tem aumentado nos últimos anos.

No Brasil, esse indicador passou de 6,2%, em 2017, para 10,2%, em 2022, segundo dados Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Em São Paulo, subiu de 11,8% para 19,6% no mesmo período.

  • Foram 152.945 mortes por causas externas registradas no ano passado em todo o Brasil, segundo o sistema do Ministério da Saúde;
  • Delas, 10,2% foram classificadas como morte violenta por causa indeterminada, justamente os 15.533 casos citados no começo desta reportagem.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde diz que, entre 2012 e 2022, as mortes de causa indeterminada (também chamadas de mortes por intenção indeterminada) cresceram 54,1% no Brasil: foram de 10.051 para 15.533 óbitos. Já em São Paulo, o crescimento foi o dobro do registrado no restante do País (113%): os casos desse tipo passaram de 2.241 para 4.779.

“Quanto maior a taxa de mortes indeterminadas, maior é o problema de gestão da informação do Estado. É algo que decorre da falta de articulação entre a gestão da saúde e a da segurança pública”, aponta a pesquisadora. “Falta aos gestores da saúde e da segurança chamarem os representantes da Polícia Técnico-Científica e tentar resolver o problema do fluxo de informações.”

Por padrão, os óbitos por causas violentas devem ser encaminhados para o Instituto Médico-Legal (IML), subordinado à Polícia Técnico-Científica. Os dados da saúde são produzidos a partir da informação que vem da declaração de óbito feita por lá, em que o médico legista preenche os detalhes de cada caso. Quando há ruído nesse processo, toda a cadeia é comprometida. “A má qualidade desse dado prejudica a produção da estatística (de homicídios)”, diz Cristina.

Para ela, o SPVida, iniciativa destacada pela secretaria paulista na resposta à reportagem, não cumpre essa função. “É uma plataforma que divulga a estatística oficial da Polícia Civil baseada em boletim de ocorrência. Isso é outra coisa”, afirma a pesquisadora.

Ministério da Saúde diz aprimorar dados com Estados

O Ministério da Saúde afirma que monitora a entrada de informações de mortalidade na base de dados do sistema e que, ao longo do ano, aplica um “conjunto de críticas visando detectar inconsistências e dados que denotem queda na qualidade da definição das causas”. Os resultados, continua, são informados a Estados e municípios, com orientações sobre formas de aprimoramento.

“Uma das críticas de qualidade diz respeito exatamente ao percentual de ‘causas externas de intenção indeterminada’ em relação ao conjunto de todas as ‘causas externas’. O Ministério da Saúde envia relatórios ao longo do ano para Estados e municípios com listagens dos eventos com algum problema, inclusive estes em que as circunstâncias não estão informadas”, diz pasta.

A orientação, afirma ainda, é que os produtores dos dados, municipais ou estaduais, busquem informação em órgãos como Institutos Médicos Legais e polícias científicas para complementar e esclarecer as circunstâncias (tipo de causa externa) para revisão do registro no SIM.

Para auxiliar nesse processo, a pasta tem um protocolo de qualificação de óbitos por causas externas, publicado no início do ano. “A declaração de óbito, como documento físico, não é alterada, mas o sistema passará a contar com uma causa de óbito qualificada por um processo de levantamento dos dados, garantindo também a manutenção da informação sobre a causa básica original”, diz.

Ministério da Justiça afirma validar dados junto aos Estados

Em paralelo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirma que reúne os dados fornecidos pelas secretarias estaduais de segurança pública por meio do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública - Validador de Dados Estatísticos (Sinesp VDE). “A consolidação das estatísticas, portanto, é feita exclusivamente pelas unidades federativas. A pasta recebe e valida os dados eletronicamente”, diz.

O ministério diz promover ações junto aos Estados para aprimorar as técnicas e procedimentos para investigações, a exemplo da 3ª Reunião Técnica Nacional de Unidades Especializadas na Investigação de Homicídios, realizada no mês passado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), que reúne representantes da área, afirma atuar para colaborar com esse processo. “A Senasp faz a consolidação dos dados estatísticos criminais encaminhados pelos Estados e pelo Distrito Federal, enquanto o Consesp faz o acompanhamento, avalia os critérios e, eventualmente, propõe ajustes.”

Governo de SP afirma não ter encontrado divergências e destaca ações

Em relação aos números acima da média de São Paulo, a Secretaria da Segurança Pública do Estado afirma, em nota enviada à reportagem, que os dados de homicídio são comparados com os registros do DataSus, departamento de gestão de dados do Ministério da Saúde. Segundo a pasta, não foram encontradas divergências significativas entre as duas fontes.

“Além desta metodologia de comparação, a atual gestão implantou o SPVida, que faz monitoramento e análise minuciosa dos casos registrados com vítimas fatais, garantindo que cada ocorrência seja registrada e investigada adequadamente, diminuindo a subnotificação de homicídios. Estes dados são disponibilizados para consulta, como forma de compromisso com a transparência”, diz.

A secretaria afirmou que outra forma de combater a subnotificação desses casos é investir nas forças de segurança, incluindo a Polícia Técnico-Científica, que, segundo a pasta, conta com mais de 3,5 mil profissionais “altamente capacitados e em constante treinamento”.

“O Estado de São Paulo teve a menor taxa de homicídios por 100 mil habitantes no ano de 2022, último período analisado pelo Atlas da Violência 2024. Além disso, as ações da Pasta para a segurança pública levaram o Estado a fechar o ano de 2023 com o menor número de homicídios dolosos desde 2001, com queda de 10% no número de casos em relação ao ano anterior”, destacou ainda.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo afirmou que não iria se pronunciar, uma vez que o IML, que realiza exames necroscópicos de óbitos por causa violenta, está sob responsabilidade da Polícia Técnico-Científica, subordinada à pasta da Segurança Pública.

O Brasil pode ter tido 5.982 homicídios que ficaram de fora das estatísticas oficiais de 2022, apontam dados do Atlas da Violência, relatório produzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

  • Os números oficiais indicam que o Brasil registrou 46.409 homicídios em 2022, segundo sistema do Ministério da Saúde;
  • Mas, nesse mesmo ano, outros 15.533 óbitos foram classificados como mortes violentas por causa indeterminada (MVCI);
  • Entre eles, os pesquisadores calculam que 5.982 casos foram homicídios – que ficam ocultos das estatísticas oficiais;
  • Com esse acréscimo, o estudo estima, portanto, 52.391 homicídios em 2022, somando os casos oficiais com esses que ficaram de fora.

Para contabilizar os homicídios ocultos, foram usadas técnicas de machine learning (aprendizagem de máquina) para analisar todas as mortes por causas violentas de 1996 até 2022 no Brasil. Com base nos padrões observados no período, os pesquisadores revisaram os óbitos dos últimos anos que não tiveram a causa especificada nos registros.

São Paulo é o Estado que mais concentrou óbitos com esse perfil, segundo o Atlas da Violência. Os dados reunidos no documento apontam que São Paulo soma 40,29% dos 5.982 casos de “homicídios ocultos” registrados no último ano no Brasil, o que representaria 2.410 assassinatos a mais.

Em 2022, São Paulo teve 3.212 homicídios pelos dados oficiais do Ministério da Saúde, indicador que tem apresentado queda. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado diz que não foram encontradas divergências significativas em relação ao número de homicídios.

A pasta afirma ainda que a atual gestão implantou o SPVida, plataforma que faz monitoramento e análise dos casos registrados com vítimas fatais (leia mais sobre a posição da secretaria abaixo).

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O que exatamente são homicídios ocultos?

Conforme os pesquisadores, os “homicídios ocultos” são mortes que não aparecem nas estatísticas como tal, mas que têm grande probabilidade de serem assassinatos. Isso pode se dar tanto por problemas de comunicação entre áreas da saúde e da segurança, por exemplo, quanto por diretrizes de como fazer o registro.

  • O Atlas aponta que, entre 2012 e 2022, 131.562 pessoas foram vítimas de morte violenta sem que o Estado conseguisse identificar a causa do óbito: se decorrente de acidentes, suicídios ou homicídios;
  • Assim, os médicos legistas que atenderam às ocorrências assinalaram esses casos como mortes violentas por causa indeterminada;
  • Os pesquisadores calculam que, desse total, 51.726 mortes seriam de homicídios que acabam fora das estatísticas oficiais. Teriam ocorrido, assim, 661.423 homicídios no País na série histórica, e não 609.697.
Especialistas apontam que há necessidade de integrar melhor as gestões de registro das áreas da segurança e da saúde Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Um fator que dá a dimensão da magnitude do problema, segundo o Atlas, é que o número de homicídios ocultos entre 2012 e 2022 foi maior do que todos os homicídios ocorridos no último ano analisado. Dos homicídios ocultos, mais de 72% das mortes foram por arma de fogo

Imprecisão de dados prejudica política pública

Tendo em vista que uma parcela das mortes violentas por causa indeterminada são, na verdade, homicídios, as análises sobre prevalência da violência letal ficam prejudicadas, o que compromete a definição de políticas públicas para combater o avanço do crime em certas regiões, apontam os pesquisadores.

“É o tipo de coisa que não podia acontecer. Há parâmetros internacionais do que é aceito como um percentual de mortes por causa indeterminada. Se há, por exemplo, metade dos casos como causa indeterminada, há algum problema com sua perícia ou com seus médicos legistas”, diz a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, uma das coordenadoras do Atlas.

“É um número tão elevado que exigiria um nível de auditoria dessas informações, porque pode ser apenas um problema de comunicação, de treinamento dos médicos legistas – ainda que improvável – ou até algo decorrente de uma diretriz”, complementa Samira.

Mortes por causa indeterminada também crescem

Coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Neme aponta que a proporção de mortes por causa indeterminada em relação ao total de óbitos por causas externas (mortes não naturais) tem aumentado nos últimos anos.

No Brasil, esse indicador passou de 6,2%, em 2017, para 10,2%, em 2022, segundo dados Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Em São Paulo, subiu de 11,8% para 19,6% no mesmo período.

  • Foram 152.945 mortes por causas externas registradas no ano passado em todo o Brasil, segundo o sistema do Ministério da Saúde;
  • Delas, 10,2% foram classificadas como morte violenta por causa indeterminada, justamente os 15.533 casos citados no começo desta reportagem.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde diz que, entre 2012 e 2022, as mortes de causa indeterminada (também chamadas de mortes por intenção indeterminada) cresceram 54,1% no Brasil: foram de 10.051 para 15.533 óbitos. Já em São Paulo, o crescimento foi o dobro do registrado no restante do País (113%): os casos desse tipo passaram de 2.241 para 4.779.

“Quanto maior a taxa de mortes indeterminadas, maior é o problema de gestão da informação do Estado. É algo que decorre da falta de articulação entre a gestão da saúde e a da segurança pública”, aponta a pesquisadora. “Falta aos gestores da saúde e da segurança chamarem os representantes da Polícia Técnico-Científica e tentar resolver o problema do fluxo de informações.”

Por padrão, os óbitos por causas violentas devem ser encaminhados para o Instituto Médico-Legal (IML), subordinado à Polícia Técnico-Científica. Os dados da saúde são produzidos a partir da informação que vem da declaração de óbito feita por lá, em que o médico legista preenche os detalhes de cada caso. Quando há ruído nesse processo, toda a cadeia é comprometida. “A má qualidade desse dado prejudica a produção da estatística (de homicídios)”, diz Cristina.

Para ela, o SPVida, iniciativa destacada pela secretaria paulista na resposta à reportagem, não cumpre essa função. “É uma plataforma que divulga a estatística oficial da Polícia Civil baseada em boletim de ocorrência. Isso é outra coisa”, afirma a pesquisadora.

Ministério da Saúde diz aprimorar dados com Estados

O Ministério da Saúde afirma que monitora a entrada de informações de mortalidade na base de dados do sistema e que, ao longo do ano, aplica um “conjunto de críticas visando detectar inconsistências e dados que denotem queda na qualidade da definição das causas”. Os resultados, continua, são informados a Estados e municípios, com orientações sobre formas de aprimoramento.

“Uma das críticas de qualidade diz respeito exatamente ao percentual de ‘causas externas de intenção indeterminada’ em relação ao conjunto de todas as ‘causas externas’. O Ministério da Saúde envia relatórios ao longo do ano para Estados e municípios com listagens dos eventos com algum problema, inclusive estes em que as circunstâncias não estão informadas”, diz pasta.

A orientação, afirma ainda, é que os produtores dos dados, municipais ou estaduais, busquem informação em órgãos como Institutos Médicos Legais e polícias científicas para complementar e esclarecer as circunstâncias (tipo de causa externa) para revisão do registro no SIM.

Para auxiliar nesse processo, a pasta tem um protocolo de qualificação de óbitos por causas externas, publicado no início do ano. “A declaração de óbito, como documento físico, não é alterada, mas o sistema passará a contar com uma causa de óbito qualificada por um processo de levantamento dos dados, garantindo também a manutenção da informação sobre a causa básica original”, diz.

Ministério da Justiça afirma validar dados junto aos Estados

Em paralelo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirma que reúne os dados fornecidos pelas secretarias estaduais de segurança pública por meio do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública - Validador de Dados Estatísticos (Sinesp VDE). “A consolidação das estatísticas, portanto, é feita exclusivamente pelas unidades federativas. A pasta recebe e valida os dados eletronicamente”, diz.

O ministério diz promover ações junto aos Estados para aprimorar as técnicas e procedimentos para investigações, a exemplo da 3ª Reunião Técnica Nacional de Unidades Especializadas na Investigação de Homicídios, realizada no mês passado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), que reúne representantes da área, afirma atuar para colaborar com esse processo. “A Senasp faz a consolidação dos dados estatísticos criminais encaminhados pelos Estados e pelo Distrito Federal, enquanto o Consesp faz o acompanhamento, avalia os critérios e, eventualmente, propõe ajustes.”

Governo de SP afirma não ter encontrado divergências e destaca ações

Em relação aos números acima da média de São Paulo, a Secretaria da Segurança Pública do Estado afirma, em nota enviada à reportagem, que os dados de homicídio são comparados com os registros do DataSus, departamento de gestão de dados do Ministério da Saúde. Segundo a pasta, não foram encontradas divergências significativas entre as duas fontes.

“Além desta metodologia de comparação, a atual gestão implantou o SPVida, que faz monitoramento e análise minuciosa dos casos registrados com vítimas fatais, garantindo que cada ocorrência seja registrada e investigada adequadamente, diminuindo a subnotificação de homicídios. Estes dados são disponibilizados para consulta, como forma de compromisso com a transparência”, diz.

A secretaria afirmou que outra forma de combater a subnotificação desses casos é investir nas forças de segurança, incluindo a Polícia Técnico-Científica, que, segundo a pasta, conta com mais de 3,5 mil profissionais “altamente capacitados e em constante treinamento”.

“O Estado de São Paulo teve a menor taxa de homicídios por 100 mil habitantes no ano de 2022, último período analisado pelo Atlas da Violência 2024. Além disso, as ações da Pasta para a segurança pública levaram o Estado a fechar o ano de 2023 com o menor número de homicídios dolosos desde 2001, com queda de 10% no número de casos em relação ao ano anterior”, destacou ainda.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo afirmou que não iria se pronunciar, uma vez que o IML, que realiza exames necroscópicos de óbitos por causa violenta, está sob responsabilidade da Polícia Técnico-Científica, subordinada à pasta da Segurança Pública.

O Brasil pode ter tido 5.982 homicídios que ficaram de fora das estatísticas oficiais de 2022, apontam dados do Atlas da Violência, relatório produzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

  • Os números oficiais indicam que o Brasil registrou 46.409 homicídios em 2022, segundo sistema do Ministério da Saúde;
  • Mas, nesse mesmo ano, outros 15.533 óbitos foram classificados como mortes violentas por causa indeterminada (MVCI);
  • Entre eles, os pesquisadores calculam que 5.982 casos foram homicídios – que ficam ocultos das estatísticas oficiais;
  • Com esse acréscimo, o estudo estima, portanto, 52.391 homicídios em 2022, somando os casos oficiais com esses que ficaram de fora.

Para contabilizar os homicídios ocultos, foram usadas técnicas de machine learning (aprendizagem de máquina) para analisar todas as mortes por causas violentas de 1996 até 2022 no Brasil. Com base nos padrões observados no período, os pesquisadores revisaram os óbitos dos últimos anos que não tiveram a causa especificada nos registros.

São Paulo é o Estado que mais concentrou óbitos com esse perfil, segundo o Atlas da Violência. Os dados reunidos no documento apontam que São Paulo soma 40,29% dos 5.982 casos de “homicídios ocultos” registrados no último ano no Brasil, o que representaria 2.410 assassinatos a mais.

Em 2022, São Paulo teve 3.212 homicídios pelos dados oficiais do Ministério da Saúde, indicador que tem apresentado queda. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado diz que não foram encontradas divergências significativas em relação ao número de homicídios.

A pasta afirma ainda que a atual gestão implantou o SPVida, plataforma que faz monitoramento e análise dos casos registrados com vítimas fatais (leia mais sobre a posição da secretaria abaixo).

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O que exatamente são homicídios ocultos?

Conforme os pesquisadores, os “homicídios ocultos” são mortes que não aparecem nas estatísticas como tal, mas que têm grande probabilidade de serem assassinatos. Isso pode se dar tanto por problemas de comunicação entre áreas da saúde e da segurança, por exemplo, quanto por diretrizes de como fazer o registro.

  • O Atlas aponta que, entre 2012 e 2022, 131.562 pessoas foram vítimas de morte violenta sem que o Estado conseguisse identificar a causa do óbito: se decorrente de acidentes, suicídios ou homicídios;
  • Assim, os médicos legistas que atenderam às ocorrências assinalaram esses casos como mortes violentas por causa indeterminada;
  • Os pesquisadores calculam que, desse total, 51.726 mortes seriam de homicídios que acabam fora das estatísticas oficiais. Teriam ocorrido, assim, 661.423 homicídios no País na série histórica, e não 609.697.
Especialistas apontam que há necessidade de integrar melhor as gestões de registro das áreas da segurança e da saúde Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Um fator que dá a dimensão da magnitude do problema, segundo o Atlas, é que o número de homicídios ocultos entre 2012 e 2022 foi maior do que todos os homicídios ocorridos no último ano analisado. Dos homicídios ocultos, mais de 72% das mortes foram por arma de fogo

Imprecisão de dados prejudica política pública

Tendo em vista que uma parcela das mortes violentas por causa indeterminada são, na verdade, homicídios, as análises sobre prevalência da violência letal ficam prejudicadas, o que compromete a definição de políticas públicas para combater o avanço do crime em certas regiões, apontam os pesquisadores.

“É o tipo de coisa que não podia acontecer. Há parâmetros internacionais do que é aceito como um percentual de mortes por causa indeterminada. Se há, por exemplo, metade dos casos como causa indeterminada, há algum problema com sua perícia ou com seus médicos legistas”, diz a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, uma das coordenadoras do Atlas.

“É um número tão elevado que exigiria um nível de auditoria dessas informações, porque pode ser apenas um problema de comunicação, de treinamento dos médicos legistas – ainda que improvável – ou até algo decorrente de uma diretriz”, complementa Samira.

Mortes por causa indeterminada também crescem

Coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Neme aponta que a proporção de mortes por causa indeterminada em relação ao total de óbitos por causas externas (mortes não naturais) tem aumentado nos últimos anos.

No Brasil, esse indicador passou de 6,2%, em 2017, para 10,2%, em 2022, segundo dados Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde. Em São Paulo, subiu de 11,8% para 19,6% no mesmo período.

  • Foram 152.945 mortes por causas externas registradas no ano passado em todo o Brasil, segundo o sistema do Ministério da Saúde;
  • Delas, 10,2% foram classificadas como morte violenta por causa indeterminada, justamente os 15.533 casos citados no começo desta reportagem.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde diz que, entre 2012 e 2022, as mortes de causa indeterminada (também chamadas de mortes por intenção indeterminada) cresceram 54,1% no Brasil: foram de 10.051 para 15.533 óbitos. Já em São Paulo, o crescimento foi o dobro do registrado no restante do País (113%): os casos desse tipo passaram de 2.241 para 4.779.

“Quanto maior a taxa de mortes indeterminadas, maior é o problema de gestão da informação do Estado. É algo que decorre da falta de articulação entre a gestão da saúde e a da segurança pública”, aponta a pesquisadora. “Falta aos gestores da saúde e da segurança chamarem os representantes da Polícia Técnico-Científica e tentar resolver o problema do fluxo de informações.”

Por padrão, os óbitos por causas violentas devem ser encaminhados para o Instituto Médico-Legal (IML), subordinado à Polícia Técnico-Científica. Os dados da saúde são produzidos a partir da informação que vem da declaração de óbito feita por lá, em que o médico legista preenche os detalhes de cada caso. Quando há ruído nesse processo, toda a cadeia é comprometida. “A má qualidade desse dado prejudica a produção da estatística (de homicídios)”, diz Cristina.

Para ela, o SPVida, iniciativa destacada pela secretaria paulista na resposta à reportagem, não cumpre essa função. “É uma plataforma que divulga a estatística oficial da Polícia Civil baseada em boletim de ocorrência. Isso é outra coisa”, afirma a pesquisadora.

Ministério da Saúde diz aprimorar dados com Estados

O Ministério da Saúde afirma que monitora a entrada de informações de mortalidade na base de dados do sistema e que, ao longo do ano, aplica um “conjunto de críticas visando detectar inconsistências e dados que denotem queda na qualidade da definição das causas”. Os resultados, continua, são informados a Estados e municípios, com orientações sobre formas de aprimoramento.

“Uma das críticas de qualidade diz respeito exatamente ao percentual de ‘causas externas de intenção indeterminada’ em relação ao conjunto de todas as ‘causas externas’. O Ministério da Saúde envia relatórios ao longo do ano para Estados e municípios com listagens dos eventos com algum problema, inclusive estes em que as circunstâncias não estão informadas”, diz pasta.

A orientação, afirma ainda, é que os produtores dos dados, municipais ou estaduais, busquem informação em órgãos como Institutos Médicos Legais e polícias científicas para complementar e esclarecer as circunstâncias (tipo de causa externa) para revisão do registro no SIM.

Para auxiliar nesse processo, a pasta tem um protocolo de qualificação de óbitos por causas externas, publicado no início do ano. “A declaração de óbito, como documento físico, não é alterada, mas o sistema passará a contar com uma causa de óbito qualificada por um processo de levantamento dos dados, garantindo também a manutenção da informação sobre a causa básica original”, diz.

Ministério da Justiça afirma validar dados junto aos Estados

Em paralelo, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirma que reúne os dados fornecidos pelas secretarias estaduais de segurança pública por meio do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública - Validador de Dados Estatísticos (Sinesp VDE). “A consolidação das estatísticas, portanto, é feita exclusivamente pelas unidades federativas. A pasta recebe e valida os dados eletronicamente”, diz.

O ministério diz promover ações junto aos Estados para aprimorar as técnicas e procedimentos para investigações, a exemplo da 3ª Reunião Técnica Nacional de Unidades Especializadas na Investigação de Homicídios, realizada no mês passado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp), que reúne representantes da área, afirma atuar para colaborar com esse processo. “A Senasp faz a consolidação dos dados estatísticos criminais encaminhados pelos Estados e pelo Distrito Federal, enquanto o Consesp faz o acompanhamento, avalia os critérios e, eventualmente, propõe ajustes.”

Governo de SP afirma não ter encontrado divergências e destaca ações

Em relação aos números acima da média de São Paulo, a Secretaria da Segurança Pública do Estado afirma, em nota enviada à reportagem, que os dados de homicídio são comparados com os registros do DataSus, departamento de gestão de dados do Ministério da Saúde. Segundo a pasta, não foram encontradas divergências significativas entre as duas fontes.

“Além desta metodologia de comparação, a atual gestão implantou o SPVida, que faz monitoramento e análise minuciosa dos casos registrados com vítimas fatais, garantindo que cada ocorrência seja registrada e investigada adequadamente, diminuindo a subnotificação de homicídios. Estes dados são disponibilizados para consulta, como forma de compromisso com a transparência”, diz.

A secretaria afirmou que outra forma de combater a subnotificação desses casos é investir nas forças de segurança, incluindo a Polícia Técnico-Científica, que, segundo a pasta, conta com mais de 3,5 mil profissionais “altamente capacitados e em constante treinamento”.

“O Estado de São Paulo teve a menor taxa de homicídios por 100 mil habitantes no ano de 2022, último período analisado pelo Atlas da Violência 2024. Além disso, as ações da Pasta para a segurança pública levaram o Estado a fechar o ano de 2023 com o menor número de homicídios dolosos desde 2001, com queda de 10% no número de casos em relação ao ano anterior”, destacou ainda.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo afirmou que não iria se pronunciar, uma vez que o IML, que realiza exames necroscópicos de óbitos por causa violenta, está sob responsabilidade da Polícia Técnico-Científica, subordinada à pasta da Segurança Pública.

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