O que é alienação parental inversa? Casos de idosos impedidos de ver familiares vão para Justiça


Isolamento contra a vontade promovido por parte dos filhos ou curador tem se tornado mais comum. Tribunais têm aplicados princípios previstos na lei de alienação parental

Por José Maria Tomazela
Atualização:

Durante cinco anos, uma empresária de 54 anos, de Sorocaba (SP), ficou sem ver a mãe de 87, moradora da capital, porque as duas irmãs que cuidavam da idosa sempre criavam obstáculos à sua visita. Em julho, ela foi chamada para o velório da mãe, que adoeceu e morreu sem que ela soubesse. A idosa foi vítima de alienação parental em relação à filha caçula. Especialistas apontam que a alienação parental inversa, quando envolve idosos, tem se tornado cada vez mais comum no Brasil.

O termo surgiu em analogia à Lei 12.318/2010, que trata originalmente da relação das crianças ou filhos menores e incapazes com os pais. “É bem mais comum do que imaginamos que uma pessoa idosa seja isolada por um dos filhos ou curador contra a sua vontade e privada do convívio com parentes, amigos e até mesmo de um cônjuge ou filho”, diz a juíza aposentada Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam).

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No caso previsto em lei, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente promovida por um dos pais ou avós, ou pessoa que tem sua guarda, para que repudie o outro genitor ou não mantenha vínculos com ele.

O Estatuto do Idoso, de 2003, não aborda a alienação parental contra pessoas acima de 60 anos, mas a legislação é usada pelos juristas por analogia, já que a prática provoca danos à saúde emocional e psicológica dos idosos.

Conforme Maria Luiza, tanto os tribunais estaduais como os superiores têm entendido que a lei que trata da alienação parental pode ser requisitada em casos semelhantes envolvendo idosos.

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Conforme o IBGE, em 2022 a população brasileira idosa chegou a 32,1 milhões (15,6%), um aumento de 56% em relação a 2010 Foto: Nilton Fukuda/Estadão

“Em que pese esse debate, a lei tem sua importância, reconhecida pelo legislador em 2010, e tem sido aceita pelos tribunais em práticas dessa natureza praticadas contra pessoas idosas.”

População idosa no Brasil tem crescido

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Com o crescimento da população idosa, a questão ganha mais. A Organização Mundial de Saúde estima que, em 2050, cerca de 22% da população mundial terá mais de 60 anos.

Conforme o IBGE, em 2022 a população brasileira idosa chegou a 32,1 milhões, alta de 56% ante 2010, quando era de 20,5 milhões. Outro dado do instituto aponta que 2,5 milhões de mulheres brasileiras deixam de trabalhar para cuidar de parentes, sobretudo idosos.

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Conforme a presidente do Ibdfam, esse envelhecimento faz com que mais pessoas se mantenham ativas por mais tempo, o que muda significativamente as estruturas familiares.

“E cada vez mais idosos integram a renda que compõe os orçamentos familiares, sobretudo das camadas mais vulneráveis da população. Isso pode levar a práticas de isolamento do idoso por um ou mais filhos em relação aos demais”, disse.

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Segundo ela, é cada vez mais comum a situação em que filhos passam a administrar o patrimônio de pais idosos que estão com a saúde física e a higidez mental abaladas.

“Porém, essas pessoas não estão interditadas, mas ainda assim se veem nessa condição. Em muitos casos, pouco desse recurso chega à casa dos idosos e, nessa etapa da vida, as despesas com saúde e outros suportes necessários são enormes. Essa realidade, também, desencadeia conflitos familiares, que podem resultar em casos de alienação parental”, disse.

Para a advogada Amanda Helito, especialista em Direito de Família e Sucessões, as decisões judiciais com o fim de proteger idosos de condutas ou atos de alienação parental se tornam mais comuns, na medida em que o tema ganha destaque nos debates sociais e meios de comunicação.

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Segundo ela, embora ainda não se fale em jurisprudência firmada em relação idosos, o que tem se verificado é uma tendência do Judiciário de aplicar de forma análoga à Lei de Alienação Parental em casos de atos alienatórios praticados contra essas pessoas.

“Há casos em que os atos de alienação parental têm sido interpretados pelos tribunais como maus-tratos, considerando a ausência de previsão legal de alienação parental praticada contra pessoa idosa”, afirma a advogada. A Justiça tem entendido que a convivência familiar é direito básico do idoso e não pode ser obstada sem causa justa.

‘Afronta à dignidade’

Em dezembro de 2022, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu por unanimidade conceder a um homem o direito de visitar sua mãe de quase 90 anos, mantendo a sentença de 1º grau que já tinha sido favorável ao filho.

O convívio vinha sendo impedido por uma irmã, “o que lhe causava angústia, configurando afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana”, segundo a relatora, desembargadora Geórgia Lima.

Em julho de 2021, uma moradora de Marau (RS) obteve o direito de convivência com a mãe, de 90 anos, após seis meses de impedimento pelos demais familiares.

O juiz Cristiano Eduardo Meincke aplicou por analogia o instituto da alienação parental para beneficiar a idosa. De acordo com o defensor público Elizandro Todeschini, a decisão fortalece esse entendimento de aplicar a alienação parental – figura prevista na lei apenas para crianças e adolescentes – analogicamente à proteção prevista no Estatuto do Idoso.

Depois de mais de oito meses longe da mãe, um morador de Manoel Viana (RS) conseguiu na Justiça o direito de conviver com a idosa de 83 anos.

A ação, movida pela Defensoria Pública, recebeu decisão favorável em junho de 2021. O homem, analfabeto e vulnerável, contou que suas irmãs retiraram a mãe de sua casa alegando relação conflituosa.

Mas a defensora Poliana Rocha, que atuou no caso, apurou que a mãe perguntava constantemente pelo filho, que era proibido pelas irmãs de visitá-la. “Considerando que o autor, por muito anos, morou e cuidou de sua genitora, não há óbice para que o mesmo possa visitá-la de forma livre”, decidiu a juíza Vanessa Bento.

A empresária de Sorocaba, que não quis se identificar, avaliava entrar na Justiça para reivindicar o direito de visitar a mãe, quando a idosa morreu.

Segundo ela, o motivo alegado pelas irmãs mais velhas foi de que a senhora não suportava o cheiro de cigarro dela, que é fumante, o que nunca foi dito pela própria mãe. Para a irmã que sofreu a alienação, o verdadeiro motivo seriam os imóveis da idosa, que também recebia aposentadoria alta, administrados pelas irmãs.

Conforme Maria Luiza, a alienação frequentemente se dá com a privação do direito de ir e vir. Mas também por meio de manipulação, quando um filho, por exemplo, dá informações falsas sobre um irmão ou outro parente para o idoso alienado.

“Outro recurso, mais radical, é a interdição de pais e mães. E nesses casos, o pedido pode ser, muitas vezes, movido por interesse financeiro ou pessoal do alienador”, acrescenta.

Casos frequentes

Não há balanço nacional sobre ações desse tipo. A reportagem localizou casos julgados em nível de recurso, desde 2021, nos tribunais de ao menos 18 Estados, entre eles São Paulo, Rio, Minas Gerais, Bahia e Paraná, os mais populosos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que não tem um filtro específico para os casos de alienação parental de idosos, nem mesmo dos crimes previstos no Estatuto do Idoso.

Segundo Amanda Helito, a aplicação análoga da lei acontece pela correlação feita entre a proteção da pessoa idosa e a proteção dada às crianças e adolescentes, em razão de ambos os grupos serem considerados vulneráveis.

Ela lembra que o avanço da idade pode impor limitações físicas, psicológicas e, muitas vezes, cognitivas ao idoso. Em algumas situações, a exemplo da interdição civil, ao se submeter à autoridade de algum familiar, o idoso, assim como a criança, fica suscetível a atos alienatórios.

Em Goiânia, ao julgar recurso de uma mulher inconformada por a Justiça ter autorizado a irmã a visitar a mãe de ambas, uma idosa de 83 anos, o Tribunal de Justiça de Goiás afirmou que a visita ao idoso pode ser vista “como direito constitucional pétreo, de cunho personalíssimo do próprio idoso, sob pena de se violar a norma e responder a sanções de cunho civil e penal”. O recurso foi indeferido.

O TJ do Distrito Federal julgou procedente um caso em que o cuidador e o porteiro do imóvel impediam o acesso da filha à casa da mãe para visitá-la.

“Não se pode ignorar que pessoas próximas à idosa e que possuem algum tipo de influência, ainda que na qualidade de curadores ou porteiros do imóvel em que reside a idosa, possam se aproveitar de sua condição de vulnerabilidade e realizar atos de alienação parental, já que estes não se restringem àqueles que têm parentesco com a vítima”, escreveu a corte no acórdão.

Para a advogada Patrícia Razuk, especialista em Direito de Família e Sucessões e em Mediação de Conflitos, embora criado com o objetivo de proteger a pessoa que não consegue exercer plenamente sua capacidade civil, o instituto da interdição pode ser mal utilizado, podendo servir à prática de alienação parental contra idosos.

“A pessoa idosa já se encontra em situação de vulnerabilidade pelas limitações físicas e cognitivas decorrentes da idade avançada. Assim, apesar de se tratar de um instituto jurídico muitas vezes necessário, seu mau uso pode propiciar a prática de alienação parental, especialmente se cometida pelo curador, responsável pelos cuidados da pessoa idosa”, disse.

Os casos mais comuns de reconhecimento de alienação parental contra idosos, segundo ela, ocorrem quando o curador usa seu poder de curatela para afastar o interdito dos demais familiares e comprometer seus vínculos afetivos.

Muitas vezes a alienação parental vem acompanhada de outras violências, como a financeira, com a dilapidação do patrimônio do idoso. “Nesses casos, apesar da necessidade de proteção, o instituto é subvertido para a prática de violências contra a pessoa idosa, o que, infelizmente, se mostra como realidade em alguns casos”, disse.

Há, porém, debates sobre revogar a Lei de Alienação Parental, inclusive com projeto de lei no Congresso que propõe sua revogação, por entender que a norma “pode servir para reforçar violências de gênero e beneficiar genitores abusadores”, segundo Maria Luiza, do Ibdfam. “Em que pese esse debate, a lei tem sua importância, reconhecida pelo legislador em 2010.”

Entenda como denunciar

A presidente do Ibdfam acredita que, com a chegada de mais casos à Justiça, além do debate acadêmico e institucional sobre o tema, pode haver mudanças legislativas que contemplem melhor a alienação parental de idosos.

Já Amanda lembrou que há no Congresso o projeto de lei 9.446 de 2017, que propõe alterar o Estatuto do Idoso para incluir a previsão de alienação parental cometida contra o idoso. Atualmente, porém, a tramitação está parada.

  • O familiar que se julga vítima de alienação parental praticada por outro familiar para comprometer seu vínculo afetivo com criança, adolescente ou idoso, deve ingressar com ação declaratória de alienação parental juntamente com a fixação do regime de convivência.

O objetivo da ação é reconhecer a alienação parental praticada, fixar as visitas em favor do idoso e, ainda, pleitear imposição de medidas contra o parente alienador, como destituição da condição de curador, com afastamento prévio do convívio familiar.

  • O familiar pode também denunciar a prática como maus-tratos em canais como Disque 100, junto a Delegacias especializadas, Conselhos Estaduais ou Municipais ou ao Ministério Público.

A especialista recomenda, ainda, que os familiares procurem os serviços de assistência social, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social e o Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias, atuantes na proteção da pessoa idosa e que permitem, além do acompanhamento familiar para identificar os atos, o encaminhamento para medidas necessárias, inclusive legais.

Durante cinco anos, uma empresária de 54 anos, de Sorocaba (SP), ficou sem ver a mãe de 87, moradora da capital, porque as duas irmãs que cuidavam da idosa sempre criavam obstáculos à sua visita. Em julho, ela foi chamada para o velório da mãe, que adoeceu e morreu sem que ela soubesse. A idosa foi vítima de alienação parental em relação à filha caçula. Especialistas apontam que a alienação parental inversa, quando envolve idosos, tem se tornado cada vez mais comum no Brasil.

O termo surgiu em analogia à Lei 12.318/2010, que trata originalmente da relação das crianças ou filhos menores e incapazes com os pais. “É bem mais comum do que imaginamos que uma pessoa idosa seja isolada por um dos filhos ou curador contra a sua vontade e privada do convívio com parentes, amigos e até mesmo de um cônjuge ou filho”, diz a juíza aposentada Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam).

No caso previsto em lei, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente promovida por um dos pais ou avós, ou pessoa que tem sua guarda, para que repudie o outro genitor ou não mantenha vínculos com ele.

O Estatuto do Idoso, de 2003, não aborda a alienação parental contra pessoas acima de 60 anos, mas a legislação é usada pelos juristas por analogia, já que a prática provoca danos à saúde emocional e psicológica dos idosos.

Conforme Maria Luiza, tanto os tribunais estaduais como os superiores têm entendido que a lei que trata da alienação parental pode ser requisitada em casos semelhantes envolvendo idosos.

Conforme o IBGE, em 2022 a população brasileira idosa chegou a 32,1 milhões (15,6%), um aumento de 56% em relação a 2010 Foto: Nilton Fukuda/Estadão

“Em que pese esse debate, a lei tem sua importância, reconhecida pelo legislador em 2010, e tem sido aceita pelos tribunais em práticas dessa natureza praticadas contra pessoas idosas.”

População idosa no Brasil tem crescido

Com o crescimento da população idosa, a questão ganha mais. A Organização Mundial de Saúde estima que, em 2050, cerca de 22% da população mundial terá mais de 60 anos.

Conforme o IBGE, em 2022 a população brasileira idosa chegou a 32,1 milhões, alta de 56% ante 2010, quando era de 20,5 milhões. Outro dado do instituto aponta que 2,5 milhões de mulheres brasileiras deixam de trabalhar para cuidar de parentes, sobretudo idosos.

Conforme a presidente do Ibdfam, esse envelhecimento faz com que mais pessoas se mantenham ativas por mais tempo, o que muda significativamente as estruturas familiares.

“E cada vez mais idosos integram a renda que compõe os orçamentos familiares, sobretudo das camadas mais vulneráveis da população. Isso pode levar a práticas de isolamento do idoso por um ou mais filhos em relação aos demais”, disse.

Segundo ela, é cada vez mais comum a situação em que filhos passam a administrar o patrimônio de pais idosos que estão com a saúde física e a higidez mental abaladas.

“Porém, essas pessoas não estão interditadas, mas ainda assim se veem nessa condição. Em muitos casos, pouco desse recurso chega à casa dos idosos e, nessa etapa da vida, as despesas com saúde e outros suportes necessários são enormes. Essa realidade, também, desencadeia conflitos familiares, que podem resultar em casos de alienação parental”, disse.

Para a advogada Amanda Helito, especialista em Direito de Família e Sucessões, as decisões judiciais com o fim de proteger idosos de condutas ou atos de alienação parental se tornam mais comuns, na medida em que o tema ganha destaque nos debates sociais e meios de comunicação.

Segundo ela, embora ainda não se fale em jurisprudência firmada em relação idosos, o que tem se verificado é uma tendência do Judiciário de aplicar de forma análoga à Lei de Alienação Parental em casos de atos alienatórios praticados contra essas pessoas.

“Há casos em que os atos de alienação parental têm sido interpretados pelos tribunais como maus-tratos, considerando a ausência de previsão legal de alienação parental praticada contra pessoa idosa”, afirma a advogada. A Justiça tem entendido que a convivência familiar é direito básico do idoso e não pode ser obstada sem causa justa.

‘Afronta à dignidade’

Em dezembro de 2022, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu por unanimidade conceder a um homem o direito de visitar sua mãe de quase 90 anos, mantendo a sentença de 1º grau que já tinha sido favorável ao filho.

O convívio vinha sendo impedido por uma irmã, “o que lhe causava angústia, configurando afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana”, segundo a relatora, desembargadora Geórgia Lima.

Em julho de 2021, uma moradora de Marau (RS) obteve o direito de convivência com a mãe, de 90 anos, após seis meses de impedimento pelos demais familiares.

O juiz Cristiano Eduardo Meincke aplicou por analogia o instituto da alienação parental para beneficiar a idosa. De acordo com o defensor público Elizandro Todeschini, a decisão fortalece esse entendimento de aplicar a alienação parental – figura prevista na lei apenas para crianças e adolescentes – analogicamente à proteção prevista no Estatuto do Idoso.

Depois de mais de oito meses longe da mãe, um morador de Manoel Viana (RS) conseguiu na Justiça o direito de conviver com a idosa de 83 anos.

A ação, movida pela Defensoria Pública, recebeu decisão favorável em junho de 2021. O homem, analfabeto e vulnerável, contou que suas irmãs retiraram a mãe de sua casa alegando relação conflituosa.

Mas a defensora Poliana Rocha, que atuou no caso, apurou que a mãe perguntava constantemente pelo filho, que era proibido pelas irmãs de visitá-la. “Considerando que o autor, por muito anos, morou e cuidou de sua genitora, não há óbice para que o mesmo possa visitá-la de forma livre”, decidiu a juíza Vanessa Bento.

A empresária de Sorocaba, que não quis se identificar, avaliava entrar na Justiça para reivindicar o direito de visitar a mãe, quando a idosa morreu.

Segundo ela, o motivo alegado pelas irmãs mais velhas foi de que a senhora não suportava o cheiro de cigarro dela, que é fumante, o que nunca foi dito pela própria mãe. Para a irmã que sofreu a alienação, o verdadeiro motivo seriam os imóveis da idosa, que também recebia aposentadoria alta, administrados pelas irmãs.

Conforme Maria Luiza, a alienação frequentemente se dá com a privação do direito de ir e vir. Mas também por meio de manipulação, quando um filho, por exemplo, dá informações falsas sobre um irmão ou outro parente para o idoso alienado.

“Outro recurso, mais radical, é a interdição de pais e mães. E nesses casos, o pedido pode ser, muitas vezes, movido por interesse financeiro ou pessoal do alienador”, acrescenta.

Casos frequentes

Não há balanço nacional sobre ações desse tipo. A reportagem localizou casos julgados em nível de recurso, desde 2021, nos tribunais de ao menos 18 Estados, entre eles São Paulo, Rio, Minas Gerais, Bahia e Paraná, os mais populosos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que não tem um filtro específico para os casos de alienação parental de idosos, nem mesmo dos crimes previstos no Estatuto do Idoso.

Segundo Amanda Helito, a aplicação análoga da lei acontece pela correlação feita entre a proteção da pessoa idosa e a proteção dada às crianças e adolescentes, em razão de ambos os grupos serem considerados vulneráveis.

Ela lembra que o avanço da idade pode impor limitações físicas, psicológicas e, muitas vezes, cognitivas ao idoso. Em algumas situações, a exemplo da interdição civil, ao se submeter à autoridade de algum familiar, o idoso, assim como a criança, fica suscetível a atos alienatórios.

Em Goiânia, ao julgar recurso de uma mulher inconformada por a Justiça ter autorizado a irmã a visitar a mãe de ambas, uma idosa de 83 anos, o Tribunal de Justiça de Goiás afirmou que a visita ao idoso pode ser vista “como direito constitucional pétreo, de cunho personalíssimo do próprio idoso, sob pena de se violar a norma e responder a sanções de cunho civil e penal”. O recurso foi indeferido.

O TJ do Distrito Federal julgou procedente um caso em que o cuidador e o porteiro do imóvel impediam o acesso da filha à casa da mãe para visitá-la.

“Não se pode ignorar que pessoas próximas à idosa e que possuem algum tipo de influência, ainda que na qualidade de curadores ou porteiros do imóvel em que reside a idosa, possam se aproveitar de sua condição de vulnerabilidade e realizar atos de alienação parental, já que estes não se restringem àqueles que têm parentesco com a vítima”, escreveu a corte no acórdão.

Para a advogada Patrícia Razuk, especialista em Direito de Família e Sucessões e em Mediação de Conflitos, embora criado com o objetivo de proteger a pessoa que não consegue exercer plenamente sua capacidade civil, o instituto da interdição pode ser mal utilizado, podendo servir à prática de alienação parental contra idosos.

“A pessoa idosa já se encontra em situação de vulnerabilidade pelas limitações físicas e cognitivas decorrentes da idade avançada. Assim, apesar de se tratar de um instituto jurídico muitas vezes necessário, seu mau uso pode propiciar a prática de alienação parental, especialmente se cometida pelo curador, responsável pelos cuidados da pessoa idosa”, disse.

Os casos mais comuns de reconhecimento de alienação parental contra idosos, segundo ela, ocorrem quando o curador usa seu poder de curatela para afastar o interdito dos demais familiares e comprometer seus vínculos afetivos.

Muitas vezes a alienação parental vem acompanhada de outras violências, como a financeira, com a dilapidação do patrimônio do idoso. “Nesses casos, apesar da necessidade de proteção, o instituto é subvertido para a prática de violências contra a pessoa idosa, o que, infelizmente, se mostra como realidade em alguns casos”, disse.

Há, porém, debates sobre revogar a Lei de Alienação Parental, inclusive com projeto de lei no Congresso que propõe sua revogação, por entender que a norma “pode servir para reforçar violências de gênero e beneficiar genitores abusadores”, segundo Maria Luiza, do Ibdfam. “Em que pese esse debate, a lei tem sua importância, reconhecida pelo legislador em 2010.”

Entenda como denunciar

A presidente do Ibdfam acredita que, com a chegada de mais casos à Justiça, além do debate acadêmico e institucional sobre o tema, pode haver mudanças legislativas que contemplem melhor a alienação parental de idosos.

Já Amanda lembrou que há no Congresso o projeto de lei 9.446 de 2017, que propõe alterar o Estatuto do Idoso para incluir a previsão de alienação parental cometida contra o idoso. Atualmente, porém, a tramitação está parada.

  • O familiar que se julga vítima de alienação parental praticada por outro familiar para comprometer seu vínculo afetivo com criança, adolescente ou idoso, deve ingressar com ação declaratória de alienação parental juntamente com a fixação do regime de convivência.

O objetivo da ação é reconhecer a alienação parental praticada, fixar as visitas em favor do idoso e, ainda, pleitear imposição de medidas contra o parente alienador, como destituição da condição de curador, com afastamento prévio do convívio familiar.

  • O familiar pode também denunciar a prática como maus-tratos em canais como Disque 100, junto a Delegacias especializadas, Conselhos Estaduais ou Municipais ou ao Ministério Público.

A especialista recomenda, ainda, que os familiares procurem os serviços de assistência social, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social e o Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias, atuantes na proteção da pessoa idosa e que permitem, além do acompanhamento familiar para identificar os atos, o encaminhamento para medidas necessárias, inclusive legais.

Durante cinco anos, uma empresária de 54 anos, de Sorocaba (SP), ficou sem ver a mãe de 87, moradora da capital, porque as duas irmãs que cuidavam da idosa sempre criavam obstáculos à sua visita. Em julho, ela foi chamada para o velório da mãe, que adoeceu e morreu sem que ela soubesse. A idosa foi vítima de alienação parental em relação à filha caçula. Especialistas apontam que a alienação parental inversa, quando envolve idosos, tem se tornado cada vez mais comum no Brasil.

O termo surgiu em analogia à Lei 12.318/2010, que trata originalmente da relação das crianças ou filhos menores e incapazes com os pais. “É bem mais comum do que imaginamos que uma pessoa idosa seja isolada por um dos filhos ou curador contra a sua vontade e privada do convívio com parentes, amigos e até mesmo de um cônjuge ou filho”, diz a juíza aposentada Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam).

No caso previsto em lei, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente promovida por um dos pais ou avós, ou pessoa que tem sua guarda, para que repudie o outro genitor ou não mantenha vínculos com ele.

O Estatuto do Idoso, de 2003, não aborda a alienação parental contra pessoas acima de 60 anos, mas a legislação é usada pelos juristas por analogia, já que a prática provoca danos à saúde emocional e psicológica dos idosos.

Conforme Maria Luiza, tanto os tribunais estaduais como os superiores têm entendido que a lei que trata da alienação parental pode ser requisitada em casos semelhantes envolvendo idosos.

Conforme o IBGE, em 2022 a população brasileira idosa chegou a 32,1 milhões (15,6%), um aumento de 56% em relação a 2010 Foto: Nilton Fukuda/Estadão

“Em que pese esse debate, a lei tem sua importância, reconhecida pelo legislador em 2010, e tem sido aceita pelos tribunais em práticas dessa natureza praticadas contra pessoas idosas.”

População idosa no Brasil tem crescido

Com o crescimento da população idosa, a questão ganha mais. A Organização Mundial de Saúde estima que, em 2050, cerca de 22% da população mundial terá mais de 60 anos.

Conforme o IBGE, em 2022 a população brasileira idosa chegou a 32,1 milhões, alta de 56% ante 2010, quando era de 20,5 milhões. Outro dado do instituto aponta que 2,5 milhões de mulheres brasileiras deixam de trabalhar para cuidar de parentes, sobretudo idosos.

Conforme a presidente do Ibdfam, esse envelhecimento faz com que mais pessoas se mantenham ativas por mais tempo, o que muda significativamente as estruturas familiares.

“E cada vez mais idosos integram a renda que compõe os orçamentos familiares, sobretudo das camadas mais vulneráveis da população. Isso pode levar a práticas de isolamento do idoso por um ou mais filhos em relação aos demais”, disse.

Segundo ela, é cada vez mais comum a situação em que filhos passam a administrar o patrimônio de pais idosos que estão com a saúde física e a higidez mental abaladas.

“Porém, essas pessoas não estão interditadas, mas ainda assim se veem nessa condição. Em muitos casos, pouco desse recurso chega à casa dos idosos e, nessa etapa da vida, as despesas com saúde e outros suportes necessários são enormes. Essa realidade, também, desencadeia conflitos familiares, que podem resultar em casos de alienação parental”, disse.

Para a advogada Amanda Helito, especialista em Direito de Família e Sucessões, as decisões judiciais com o fim de proteger idosos de condutas ou atos de alienação parental se tornam mais comuns, na medida em que o tema ganha destaque nos debates sociais e meios de comunicação.

Segundo ela, embora ainda não se fale em jurisprudência firmada em relação idosos, o que tem se verificado é uma tendência do Judiciário de aplicar de forma análoga à Lei de Alienação Parental em casos de atos alienatórios praticados contra essas pessoas.

“Há casos em que os atos de alienação parental têm sido interpretados pelos tribunais como maus-tratos, considerando a ausência de previsão legal de alienação parental praticada contra pessoa idosa”, afirma a advogada. A Justiça tem entendido que a convivência familiar é direito básico do idoso e não pode ser obstada sem causa justa.

‘Afronta à dignidade’

Em dezembro de 2022, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu por unanimidade conceder a um homem o direito de visitar sua mãe de quase 90 anos, mantendo a sentença de 1º grau que já tinha sido favorável ao filho.

O convívio vinha sendo impedido por uma irmã, “o que lhe causava angústia, configurando afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana”, segundo a relatora, desembargadora Geórgia Lima.

Em julho de 2021, uma moradora de Marau (RS) obteve o direito de convivência com a mãe, de 90 anos, após seis meses de impedimento pelos demais familiares.

O juiz Cristiano Eduardo Meincke aplicou por analogia o instituto da alienação parental para beneficiar a idosa. De acordo com o defensor público Elizandro Todeschini, a decisão fortalece esse entendimento de aplicar a alienação parental – figura prevista na lei apenas para crianças e adolescentes – analogicamente à proteção prevista no Estatuto do Idoso.

Depois de mais de oito meses longe da mãe, um morador de Manoel Viana (RS) conseguiu na Justiça o direito de conviver com a idosa de 83 anos.

A ação, movida pela Defensoria Pública, recebeu decisão favorável em junho de 2021. O homem, analfabeto e vulnerável, contou que suas irmãs retiraram a mãe de sua casa alegando relação conflituosa.

Mas a defensora Poliana Rocha, que atuou no caso, apurou que a mãe perguntava constantemente pelo filho, que era proibido pelas irmãs de visitá-la. “Considerando que o autor, por muito anos, morou e cuidou de sua genitora, não há óbice para que o mesmo possa visitá-la de forma livre”, decidiu a juíza Vanessa Bento.

A empresária de Sorocaba, que não quis se identificar, avaliava entrar na Justiça para reivindicar o direito de visitar a mãe, quando a idosa morreu.

Segundo ela, o motivo alegado pelas irmãs mais velhas foi de que a senhora não suportava o cheiro de cigarro dela, que é fumante, o que nunca foi dito pela própria mãe. Para a irmã que sofreu a alienação, o verdadeiro motivo seriam os imóveis da idosa, que também recebia aposentadoria alta, administrados pelas irmãs.

Conforme Maria Luiza, a alienação frequentemente se dá com a privação do direito de ir e vir. Mas também por meio de manipulação, quando um filho, por exemplo, dá informações falsas sobre um irmão ou outro parente para o idoso alienado.

“Outro recurso, mais radical, é a interdição de pais e mães. E nesses casos, o pedido pode ser, muitas vezes, movido por interesse financeiro ou pessoal do alienador”, acrescenta.

Casos frequentes

Não há balanço nacional sobre ações desse tipo. A reportagem localizou casos julgados em nível de recurso, desde 2021, nos tribunais de ao menos 18 Estados, entre eles São Paulo, Rio, Minas Gerais, Bahia e Paraná, os mais populosos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que não tem um filtro específico para os casos de alienação parental de idosos, nem mesmo dos crimes previstos no Estatuto do Idoso.

Segundo Amanda Helito, a aplicação análoga da lei acontece pela correlação feita entre a proteção da pessoa idosa e a proteção dada às crianças e adolescentes, em razão de ambos os grupos serem considerados vulneráveis.

Ela lembra que o avanço da idade pode impor limitações físicas, psicológicas e, muitas vezes, cognitivas ao idoso. Em algumas situações, a exemplo da interdição civil, ao se submeter à autoridade de algum familiar, o idoso, assim como a criança, fica suscetível a atos alienatórios.

Em Goiânia, ao julgar recurso de uma mulher inconformada por a Justiça ter autorizado a irmã a visitar a mãe de ambas, uma idosa de 83 anos, o Tribunal de Justiça de Goiás afirmou que a visita ao idoso pode ser vista “como direito constitucional pétreo, de cunho personalíssimo do próprio idoso, sob pena de se violar a norma e responder a sanções de cunho civil e penal”. O recurso foi indeferido.

O TJ do Distrito Federal julgou procedente um caso em que o cuidador e o porteiro do imóvel impediam o acesso da filha à casa da mãe para visitá-la.

“Não se pode ignorar que pessoas próximas à idosa e que possuem algum tipo de influência, ainda que na qualidade de curadores ou porteiros do imóvel em que reside a idosa, possam se aproveitar de sua condição de vulnerabilidade e realizar atos de alienação parental, já que estes não se restringem àqueles que têm parentesco com a vítima”, escreveu a corte no acórdão.

Para a advogada Patrícia Razuk, especialista em Direito de Família e Sucessões e em Mediação de Conflitos, embora criado com o objetivo de proteger a pessoa que não consegue exercer plenamente sua capacidade civil, o instituto da interdição pode ser mal utilizado, podendo servir à prática de alienação parental contra idosos.

“A pessoa idosa já se encontra em situação de vulnerabilidade pelas limitações físicas e cognitivas decorrentes da idade avançada. Assim, apesar de se tratar de um instituto jurídico muitas vezes necessário, seu mau uso pode propiciar a prática de alienação parental, especialmente se cometida pelo curador, responsável pelos cuidados da pessoa idosa”, disse.

Os casos mais comuns de reconhecimento de alienação parental contra idosos, segundo ela, ocorrem quando o curador usa seu poder de curatela para afastar o interdito dos demais familiares e comprometer seus vínculos afetivos.

Muitas vezes a alienação parental vem acompanhada de outras violências, como a financeira, com a dilapidação do patrimônio do idoso. “Nesses casos, apesar da necessidade de proteção, o instituto é subvertido para a prática de violências contra a pessoa idosa, o que, infelizmente, se mostra como realidade em alguns casos”, disse.

Há, porém, debates sobre revogar a Lei de Alienação Parental, inclusive com projeto de lei no Congresso que propõe sua revogação, por entender que a norma “pode servir para reforçar violências de gênero e beneficiar genitores abusadores”, segundo Maria Luiza, do Ibdfam. “Em que pese esse debate, a lei tem sua importância, reconhecida pelo legislador em 2010.”

Entenda como denunciar

A presidente do Ibdfam acredita que, com a chegada de mais casos à Justiça, além do debate acadêmico e institucional sobre o tema, pode haver mudanças legislativas que contemplem melhor a alienação parental de idosos.

Já Amanda lembrou que há no Congresso o projeto de lei 9.446 de 2017, que propõe alterar o Estatuto do Idoso para incluir a previsão de alienação parental cometida contra o idoso. Atualmente, porém, a tramitação está parada.

  • O familiar que se julga vítima de alienação parental praticada por outro familiar para comprometer seu vínculo afetivo com criança, adolescente ou idoso, deve ingressar com ação declaratória de alienação parental juntamente com a fixação do regime de convivência.

O objetivo da ação é reconhecer a alienação parental praticada, fixar as visitas em favor do idoso e, ainda, pleitear imposição de medidas contra o parente alienador, como destituição da condição de curador, com afastamento prévio do convívio familiar.

  • O familiar pode também denunciar a prática como maus-tratos em canais como Disque 100, junto a Delegacias especializadas, Conselhos Estaduais ou Municipais ou ao Ministério Público.

A especialista recomenda, ainda, que os familiares procurem os serviços de assistência social, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social e o Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias, atuantes na proteção da pessoa idosa e que permitem, além do acompanhamento familiar para identificar os atos, o encaminhamento para medidas necessárias, inclusive legais.

Durante cinco anos, uma empresária de 54 anos, de Sorocaba (SP), ficou sem ver a mãe de 87, moradora da capital, porque as duas irmãs que cuidavam da idosa sempre criavam obstáculos à sua visita. Em julho, ela foi chamada para o velório da mãe, que adoeceu e morreu sem que ela soubesse. A idosa foi vítima de alienação parental em relação à filha caçula. Especialistas apontam que a alienação parental inversa, quando envolve idosos, tem se tornado cada vez mais comum no Brasil.

O termo surgiu em analogia à Lei 12.318/2010, que trata originalmente da relação das crianças ou filhos menores e incapazes com os pais. “É bem mais comum do que imaginamos que uma pessoa idosa seja isolada por um dos filhos ou curador contra a sua vontade e privada do convívio com parentes, amigos e até mesmo de um cônjuge ou filho”, diz a juíza aposentada Maria Luiza Póvoa Cruz, presidente da Comissão Nacional do Idoso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam).

No caso previsto em lei, considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente promovida por um dos pais ou avós, ou pessoa que tem sua guarda, para que repudie o outro genitor ou não mantenha vínculos com ele.

O Estatuto do Idoso, de 2003, não aborda a alienação parental contra pessoas acima de 60 anos, mas a legislação é usada pelos juristas por analogia, já que a prática provoca danos à saúde emocional e psicológica dos idosos.

Conforme Maria Luiza, tanto os tribunais estaduais como os superiores têm entendido que a lei que trata da alienação parental pode ser requisitada em casos semelhantes envolvendo idosos.

Conforme o IBGE, em 2022 a população brasileira idosa chegou a 32,1 milhões (15,6%), um aumento de 56% em relação a 2010 Foto: Nilton Fukuda/Estadão

“Em que pese esse debate, a lei tem sua importância, reconhecida pelo legislador em 2010, e tem sido aceita pelos tribunais em práticas dessa natureza praticadas contra pessoas idosas.”

População idosa no Brasil tem crescido

Com o crescimento da população idosa, a questão ganha mais. A Organização Mundial de Saúde estima que, em 2050, cerca de 22% da população mundial terá mais de 60 anos.

Conforme o IBGE, em 2022 a população brasileira idosa chegou a 32,1 milhões, alta de 56% ante 2010, quando era de 20,5 milhões. Outro dado do instituto aponta que 2,5 milhões de mulheres brasileiras deixam de trabalhar para cuidar de parentes, sobretudo idosos.

Conforme a presidente do Ibdfam, esse envelhecimento faz com que mais pessoas se mantenham ativas por mais tempo, o que muda significativamente as estruturas familiares.

“E cada vez mais idosos integram a renda que compõe os orçamentos familiares, sobretudo das camadas mais vulneráveis da população. Isso pode levar a práticas de isolamento do idoso por um ou mais filhos em relação aos demais”, disse.

Segundo ela, é cada vez mais comum a situação em que filhos passam a administrar o patrimônio de pais idosos que estão com a saúde física e a higidez mental abaladas.

“Porém, essas pessoas não estão interditadas, mas ainda assim se veem nessa condição. Em muitos casos, pouco desse recurso chega à casa dos idosos e, nessa etapa da vida, as despesas com saúde e outros suportes necessários são enormes. Essa realidade, também, desencadeia conflitos familiares, que podem resultar em casos de alienação parental”, disse.

Para a advogada Amanda Helito, especialista em Direito de Família e Sucessões, as decisões judiciais com o fim de proteger idosos de condutas ou atos de alienação parental se tornam mais comuns, na medida em que o tema ganha destaque nos debates sociais e meios de comunicação.

Segundo ela, embora ainda não se fale em jurisprudência firmada em relação idosos, o que tem se verificado é uma tendência do Judiciário de aplicar de forma análoga à Lei de Alienação Parental em casos de atos alienatórios praticados contra essas pessoas.

“Há casos em que os atos de alienação parental têm sido interpretados pelos tribunais como maus-tratos, considerando a ausência de previsão legal de alienação parental praticada contra pessoa idosa”, afirma a advogada. A Justiça tem entendido que a convivência familiar é direito básico do idoso e não pode ser obstada sem causa justa.

‘Afronta à dignidade’

Em dezembro de 2022, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu por unanimidade conceder a um homem o direito de visitar sua mãe de quase 90 anos, mantendo a sentença de 1º grau que já tinha sido favorável ao filho.

O convívio vinha sendo impedido por uma irmã, “o que lhe causava angústia, configurando afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana”, segundo a relatora, desembargadora Geórgia Lima.

Em julho de 2021, uma moradora de Marau (RS) obteve o direito de convivência com a mãe, de 90 anos, após seis meses de impedimento pelos demais familiares.

O juiz Cristiano Eduardo Meincke aplicou por analogia o instituto da alienação parental para beneficiar a idosa. De acordo com o defensor público Elizandro Todeschini, a decisão fortalece esse entendimento de aplicar a alienação parental – figura prevista na lei apenas para crianças e adolescentes – analogicamente à proteção prevista no Estatuto do Idoso.

Depois de mais de oito meses longe da mãe, um morador de Manoel Viana (RS) conseguiu na Justiça o direito de conviver com a idosa de 83 anos.

A ação, movida pela Defensoria Pública, recebeu decisão favorável em junho de 2021. O homem, analfabeto e vulnerável, contou que suas irmãs retiraram a mãe de sua casa alegando relação conflituosa.

Mas a defensora Poliana Rocha, que atuou no caso, apurou que a mãe perguntava constantemente pelo filho, que era proibido pelas irmãs de visitá-la. “Considerando que o autor, por muito anos, morou e cuidou de sua genitora, não há óbice para que o mesmo possa visitá-la de forma livre”, decidiu a juíza Vanessa Bento.

A empresária de Sorocaba, que não quis se identificar, avaliava entrar na Justiça para reivindicar o direito de visitar a mãe, quando a idosa morreu.

Segundo ela, o motivo alegado pelas irmãs mais velhas foi de que a senhora não suportava o cheiro de cigarro dela, que é fumante, o que nunca foi dito pela própria mãe. Para a irmã que sofreu a alienação, o verdadeiro motivo seriam os imóveis da idosa, que também recebia aposentadoria alta, administrados pelas irmãs.

Conforme Maria Luiza, a alienação frequentemente se dá com a privação do direito de ir e vir. Mas também por meio de manipulação, quando um filho, por exemplo, dá informações falsas sobre um irmão ou outro parente para o idoso alienado.

“Outro recurso, mais radical, é a interdição de pais e mães. E nesses casos, o pedido pode ser, muitas vezes, movido por interesse financeiro ou pessoal do alienador”, acrescenta.

Casos frequentes

Não há balanço nacional sobre ações desse tipo. A reportagem localizou casos julgados em nível de recurso, desde 2021, nos tribunais de ao menos 18 Estados, entre eles São Paulo, Rio, Minas Gerais, Bahia e Paraná, os mais populosos.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou que não tem um filtro específico para os casos de alienação parental de idosos, nem mesmo dos crimes previstos no Estatuto do Idoso.

Segundo Amanda Helito, a aplicação análoga da lei acontece pela correlação feita entre a proteção da pessoa idosa e a proteção dada às crianças e adolescentes, em razão de ambos os grupos serem considerados vulneráveis.

Ela lembra que o avanço da idade pode impor limitações físicas, psicológicas e, muitas vezes, cognitivas ao idoso. Em algumas situações, a exemplo da interdição civil, ao se submeter à autoridade de algum familiar, o idoso, assim como a criança, fica suscetível a atos alienatórios.

Em Goiânia, ao julgar recurso de uma mulher inconformada por a Justiça ter autorizado a irmã a visitar a mãe de ambas, uma idosa de 83 anos, o Tribunal de Justiça de Goiás afirmou que a visita ao idoso pode ser vista “como direito constitucional pétreo, de cunho personalíssimo do próprio idoso, sob pena de se violar a norma e responder a sanções de cunho civil e penal”. O recurso foi indeferido.

O TJ do Distrito Federal julgou procedente um caso em que o cuidador e o porteiro do imóvel impediam o acesso da filha à casa da mãe para visitá-la.

“Não se pode ignorar que pessoas próximas à idosa e que possuem algum tipo de influência, ainda que na qualidade de curadores ou porteiros do imóvel em que reside a idosa, possam se aproveitar de sua condição de vulnerabilidade e realizar atos de alienação parental, já que estes não se restringem àqueles que têm parentesco com a vítima”, escreveu a corte no acórdão.

Para a advogada Patrícia Razuk, especialista em Direito de Família e Sucessões e em Mediação de Conflitos, embora criado com o objetivo de proteger a pessoa que não consegue exercer plenamente sua capacidade civil, o instituto da interdição pode ser mal utilizado, podendo servir à prática de alienação parental contra idosos.

“A pessoa idosa já se encontra em situação de vulnerabilidade pelas limitações físicas e cognitivas decorrentes da idade avançada. Assim, apesar de se tratar de um instituto jurídico muitas vezes necessário, seu mau uso pode propiciar a prática de alienação parental, especialmente se cometida pelo curador, responsável pelos cuidados da pessoa idosa”, disse.

Os casos mais comuns de reconhecimento de alienação parental contra idosos, segundo ela, ocorrem quando o curador usa seu poder de curatela para afastar o interdito dos demais familiares e comprometer seus vínculos afetivos.

Muitas vezes a alienação parental vem acompanhada de outras violências, como a financeira, com a dilapidação do patrimônio do idoso. “Nesses casos, apesar da necessidade de proteção, o instituto é subvertido para a prática de violências contra a pessoa idosa, o que, infelizmente, se mostra como realidade em alguns casos”, disse.

Há, porém, debates sobre revogar a Lei de Alienação Parental, inclusive com projeto de lei no Congresso que propõe sua revogação, por entender que a norma “pode servir para reforçar violências de gênero e beneficiar genitores abusadores”, segundo Maria Luiza, do Ibdfam. “Em que pese esse debate, a lei tem sua importância, reconhecida pelo legislador em 2010.”

Entenda como denunciar

A presidente do Ibdfam acredita que, com a chegada de mais casos à Justiça, além do debate acadêmico e institucional sobre o tema, pode haver mudanças legislativas que contemplem melhor a alienação parental de idosos.

Já Amanda lembrou que há no Congresso o projeto de lei 9.446 de 2017, que propõe alterar o Estatuto do Idoso para incluir a previsão de alienação parental cometida contra o idoso. Atualmente, porém, a tramitação está parada.

  • O familiar que se julga vítima de alienação parental praticada por outro familiar para comprometer seu vínculo afetivo com criança, adolescente ou idoso, deve ingressar com ação declaratória de alienação parental juntamente com a fixação do regime de convivência.

O objetivo da ação é reconhecer a alienação parental praticada, fixar as visitas em favor do idoso e, ainda, pleitear imposição de medidas contra o parente alienador, como destituição da condição de curador, com afastamento prévio do convívio familiar.

  • O familiar pode também denunciar a prática como maus-tratos em canais como Disque 100, junto a Delegacias especializadas, Conselhos Estaduais ou Municipais ou ao Ministério Público.

A especialista recomenda, ainda, que os familiares procurem os serviços de assistência social, como o Centro de Referência Especializado de Assistência Social e o Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias, atuantes na proteção da pessoa idosa e que permitem, além do acompanhamento familiar para identificar os atos, o encaminhamento para medidas necessárias, inclusive legais.

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