Décadas de avanços nos direitos das mulheres estão retrocedendo e o mundo está a centenas de anos de alcançar a igualdade de gênero, de acordo com as Nações Unidas.
Falando à Comissão Sobre a Situação das Mulheres das Nações Unidas (United Nations Commission of Women) na segunda-feira, 6, o secretário geral da ONU, Antonio Guterres, disse que a igualdade de gênero está “desaparecendo diante de nossos olhos”.
Guterres chamou atenção especial para o Afeganistão, onde ele disse que meninas e mulheres “foram apagadas da vida pública” após o retorno do Taleban ao domínio. O regime barrou essas mulheres de algumas escolas e universidades e o Taleban invalidou divórcios, fazendo com que mulheres tivessem de se casar novamente. Muitas passaram a ser consideradas adúlteras e fugiram, conforme informou o jorna americano The Washington Post este mês. O Taleban também bloqueou muitas trabalhadoras humanitárias, colocando em risco programas de ajuda importantes, incluindo aqueles supervisionados pela ONU.
Em muitos lugares, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres “estão sendo revertidos”, disse Guterres. A mortalidade materna está aumentando, disse ele, e a pandemia de coronavírus forçou milhões de meninas a deixarem a escola, além de mães e cuidadoras que saíram da força de trabalho global.
“A igualdade de gênero está cada vez mais distante”, disse Guterres. “No caminho atual, a ONU Mulheres coloca 300 anos de distância (para a equidade de gênero)”, afirmou, sem especificar como chegaram a essa conta.
Da Ucrânia à região do Sahel, na África Ocidental, as mulheres são “as primeiras e as piores” afetadas pelo conflito, afirmou Guterres. Apenas uma semana depois que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, alegou “numerosos casos” de mulheres ucranianas sendo estupradas por soldados russos. Grupos antitráfico alertaram sobre o risco de refugiados - a maioria sendo mulheres e crianças - serem vítimas de trabalho forçado e abuso sexual.
Ele não mencionou o nome do Irã, que foi expulso em dezembro da Comissão Sobre a Situação das Mulheres das Nações Unidas, encarregada de proteger os direitos das mulheres e promover a igualdade. O Irã foi deposto por causa de sua repressão brutal aos protestos que eclodiram em meados de setembro após a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia policial depois que ela supostamente violou o código de vestimenta conservador do país para mulheres.
As mulheres desempenham papel central no movimento de protesto, que também inclui cidadãos frustrados com a má administração econômica e a corrupção, e pede pela remoção do governo teocrático do Irã.
Guterres é a nona pessoa a servir como secretário-geral da ONU, cargo que nenhuma mulher ocupou. No ano passado, um órgão de vigilância da igualdade de gênero deu ao oficial português uma nota ‘B-menos’ por seu trabalho para tornar a ONU mais equitativa em termos de gênero.
Ele disse que, embora tenha dado passos em direção à paridade de gênero nos níveis de gerenciamento sênior – mais da metade das pessoas do grupo executivo sênior que ele preside são mulheres – o progresso “estagnou na resposta ao assédio sexual, exploração e abuso no sistema da ONU. "
Guterres também chamou a atenção para a “desinformação e desinformação misógina” que ele disse estar florescendo nas mídias sociais, e a chamada “trollagem de gênero” destinada a “silenciar as mulheres e forçá-las a sair da vida pública”.
Ele observou que as mulheres representam apenas 3% dos prêmios Nobel concedidos às ciências – lacuna que ele atribuiu a “séculos de patriarcado, discriminação e estereótipos nocivos” que contribuíram para as diferenças de gênero nos campos da ciência e tecnologia. “A matemática é simples: sem os insights e a criatividade de metade do mundo, a ciência e a tecnologia atingirão apenas metade de seu potencial”, disse ele.
*Susannah George, do Washington Post, contribuiu para esta reportagem./TRADUÇÃO ANA LOURENÇO