Pensar, pode. Não pode é fazer
Assista à entrevista: https://youtu.be/jmfrN8-ANhE.
Foi a hashtag #forçacorona que nos levou de volta ao divã do psicanalista Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da USP, youtuber e autor de obras como "Estrutura e Constituição da Clínica Psicanalítica" - vencedor do Prêmio Jabuti na categoria de melhor livro em Psicologia e Psicanálise de 2012 -, e "O Palhaço e o psicanalista", com Cláudio Thebas.
Dunker identificou reações emocionais distintas e possíveis, entre os mixed feelings dos 70% e a retomada da narrativa do ídolo que mais uma vez vai superar todas as adversidades, dos 30%...
"Estamos sedentos por isso. Que morra o Bolsonaro besta no inferno, ignorante, e que nasça um Bolsonaro iluminista, esclarecido, que aprende com a experiência. Tomara que ele veja que estava falando coisas erradas, e mude de opinião".
"Gandhi proporia algo como uma vigília, com todos de máscara, com distanciamento social, com todas regras que o sujeito não cumpriu, em um silêncio obsequioso pela falência de nosso sistema e as mortes ocorridas. Ou seja, lembrando as duas coisas".
"Um bom ídolo não é exatamente perfeito. Tem um momento que ele vacila, é ameaçado, e por isso precisa de sua proteção. Para muitos, é uma ocasião de refidelização com o ideal. Isso aumenta o poder simbólico da pessoa".
"A facada e a doença dialogam - 'eu tenho inimigos que são reais, não é invenção minha a perseguição. Mas eu sobrevivo'. Você vai de um acontecimento real para uma nuvem imaginária".
"É uma alavanca sem dúvida para mostrar como eu sobrevivo aos meus inimigos, e os meus inimigos são como eu falo que são - eles são derrotáveis pela cloroquina, não são tão fortes assim".
"Isso tudo compõe com uma certa narrativa religiosa. Cristo também foi perseguido. Não é fácil você dizer assim, eu estou aqui como Cristo. Tô revivendo a coisa aqui e agora.
No caso, não é uma alegoria, não é um símbolo, uma referência para a gente interpretar isso como um Jesus espiritual, diferente do Jesus histórico. Os dois estão fundidos. A guerra do bem contra o mal não está no outro mundo, está no aqui agora. Os heróis são esses que você pode ver. Você pega a teologia e desce ela para o chão da fábrica".
"Já para outros, mixed feelings. Sentimentos nobres e não tão nobres. Desejar a morte do outro, em si, não é patológico. Pensar, pode. Não pode é fazer. Dizer que a verdadeira pessoa boa não tem esse sentimento - isso sim é patológico. Ela tem, sim. O que difere é o que ela faz com isso".
"Hélio Schwartzman retoma um problema da filosofia da ética. É um problema que se discute com toda dignidade. Você tem que agir para diminuir perdas. O que ele está dizendo é que Bolsonaro é um agente de mortes no Brasil, e ele tem argumentos para isso. Vamos torcer para que o Bolsonaro morra, para que a gente tenha menos mortes no Brasil".
"Vamos falar a língua do outro. Esta língua tolera desejo de morte, hostilidade. Isso é fundamental na retórica bolsonarista. Eu não estou violando regras que foram colocadas por esse discurso".
"Não posso deixar de pensar que o Brasil precisa de outro presidente. Esse cara precisa sair. 70% da população pensa mais ou menos assim. Sair desse jeito é como se fosse a solução mais extrema. Esse pensamento de 'deve morrer' é muito compreensível. A gente sente isso inclusive com relação a pessoas queridas, que a gente ama de paixão".
"A necropolítica aparece na microatitude das pessoas. Por exemplo, na ideia às vezes muito exagerada, de que preciso de um carro blindado. Porque é muito perigoso lá fora, porque micróbios vão entrar. Porque as pessoas vão me atacar".
"Quem se recusa a olhar para a história se condena a repeti-la. Aquilo que você não quer saber, vai voltar. Vai aparecer nos seus sonhos, nos sintomas, nos fracassos relacionais, nas repetições. Recusar a ver as notícias é uma positividade tóxica. Não faça. Se você quer viver em um condomínio, vá. Só que não vai dar certo. O jornal que você não quer ver na frente vai entrar de outra forma na sua vida".