"Re" de "revisão", de "revolta", de "reviravolta", de "reconhecimento"
"Os artistas indígenas estão falando de uma resistência, de uma permanência... É como Ailton Krenak falou uma vez: 'Os Yanomamis estão morrendo, mas nem por isso eles pararam de dançar e cantar'".
Com 8 exposições individuais, mais de 30 coletivas e 5 internacionais em seu currículo, Denilson Baniwa, nascido na aldeia Darí, rio Negro, Amazonas, é um dos mais celebrados artistas brasileiros contemporâneos.
A partir de performances, pinturas, projeções a laser, imagens digitais, sua arte cruza linguagens da tradição ocidental com as de seu povo, capturando a atenção do público e colocando no centro do debate a condição atual do indígena.
"A arte indígena era um pequeno enxerto dentro da História da arte brasileira, mas sempre colocada como um subproduto, sub-intelectualidade inclusive. Falava-se que não existia arte indígena, que 'existia artesanato, uma produção manual, uma história coletiva, que não tem autoria, que arte indígena não cabe dentro de galeria, não cabe na arte contemporânea'.
Assista à entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=bAySt92G0jQ
Eu não sabia o que fazer, mas queria protestar. Peguei uma máscara e comecei uma performance-caminhada no Monumento das Bandeiras, passando pela estátua de Pedro Álvares Cabral, pelo Ibirapuera, pelo Museu Afro Brasil, pelo MAM, juntamente com Jaider Esbell.
Entrei na Bienal, de pajé. Eu vou na livraria e compro o livro "Breve História da Arte" e então acontece a performance de tirar a máscara, de reivindicar a presença indígena, de denunciar os roubos que os povos da cultura indígena sofreram pela colonização na História do Brasil, e rasgo o livro".
"O povo Baniwa, tempos atrás, era antropófago - comiam gente. Inclusive, todo o material ritualístico, festivo e comemorativo dos Baniwa é baseado em um sistema antropofágico cosmológico. As flautas sagradas Baniwa, elas são partes do corpo do ancestral que foi queimado, devorado e transformado em objetos sagrados. E o povo Baniwa guardava como objeto mágico ossos de outros humanos devorados, para movimentar o cosmos, construindo cosmos diferentes em mundos paralelos aos nossos e que se confluem".
"Para a gente [indígenas], fazia sentido estar nesse mundo paulistano, acadêmico, com pensamento ocidental e a partir disso criar corpos diferentes ou então capturar esse corpo ocidental e com ele criar corpos diferentes. Acho que a gente é o que a gente come, mas também é o que fica do outro dentro dos nossos corpos"
"Eu pintei uma tela, que hoje está na Pinacoteca, chamada Reantropofogia. E esse "Re" é de muita coisa, ele é de "revisão", de "revolta", de "reviravolta", de "reconhecimento". Primeiro, acho que nós, artistas indígenas, precisamos nos reconhecer no modernismo, em algum lugar precisa estar a gente presente. A partir disso, ocupar e reivindicar aquele espaço.
Essa pintura é a cabeça do Mário de Andrade misturada com o Grande Otelo. Na pintura estamos "servindo" a cabeça do Mário de Andrade para que esses indígenas devorem aquele cérebro magnífico e reutilizem os pensamentos de outras maneiras, porque gostamos dele"
"A História do Brasil, e do mundo na verdade, sempre reivindica ao índio um espaço muito do passado, porque sempre tem a ideia de que os indígenas não cabem no presente porque são pensadores muito autônomos e distantes da ideia de construção do mundo.
Os indígenas querem proteger a floresta, viver nela, não querem plantar soja ou construir prédios naquele lugar e isso não cabe no mundo moderno"
"A arte ocidental e os artistas-não indígenas têm um fetiche em aprisionar os indígenas em uma derrota, em um lugar muito no passado, intacto, desprotegido, vulnerável, incapaz de resistir ao mundo.
Enquanto indígenas estão reivindicando uma presença de resistência e de alegria por estar vivo, os artistas brancos estão representando a morte e a derrota dos povos indígenas"
"Está havendo invasão de garimpeiros, mas a gente tá aqui, não vamos morrer, não queremos morrer. Não vamos mostrar o que nos faz chorar, a gente vai mostrar o que nos dá vontade de viver"
"Quando o pajé vai para o mundo das onças, o mundo dos gaviões, ele vai e precisa entender como é esse mundo das onças e dos gaviões e inclusive se vestir e fingir que é parte daquele mundo, o vocabulário, o modo como as pessoas vão e vêm, a economia e sociedade daquele mundo das onças. E quando ele volta, chega com o repertório daquele mundo e acaba transformando seu próprio mundo"
"Eu visitei alguns museus e instituições de arte em Paris e exposições de indígenas na Austrália e parece que todos falam sobre como a sociedade deve desacelerar o mundo um pouco, para conseguirmos sobreviver nele"
"A arte feita por pessoas indígenas no Brasil nada mais é do que um direito de resposta histórico. Ficamos muito tempo silenciados e hoje a gente consegue aparecer no livro de história de muitas escolas no Brasil. O trabalho de um artista indígena ao lado do Pedro Américo, contando a história oficial do Brasil. E isso é essencial para a gente criar uma nova sociedade de pessoas que saibam que as populações indígenas participaram da História e da construção do Brasil e que ainda estão presentes hoje".
"Talvez eu morra pobre, mas feliz de saber que a minha contribuição como artista tenha movimentado comunidades inteiras. E o recado que eu queria deixar é: não façam com nossos colegas norte-americanos ou europeus, que demoraram muito tempo em reconhecer essa produção indígena local e quando, finalmente, abriram os olhos viram que perderam 30 anos dessa arte.
Eu acho que em pouco tempo a arte feita por pessoas indígenas vai ser tão grande, completa, rica e intelectual poeticamente, que se a gente perder esse momento do trânsito das coisas, quando abrirmos os olhos vão perceber que ficou para trás".