Conheça a indígena que é sucesso no TikTok comendo larva de besouro e mostrando a vida na Amazônia


"Caramba! Como tanta gente pode se interessar por uma coisa que como todo dia?", se questionou Cunhaporanga Tatuyo, que mora às margens do Rio Negro em uma comunidade indígena que paga U$ 65 pela Internet

Por Terrence McCoy
Atualização:

COMUNIDADE INDÍGENA TATUYO - No meio da Floresta Amazônica, às margens do Rio Negro, uma jovem de rosto pintado estava entediada. A pandemia do coronavírus interrompeu o fluxo de visitantes, isolando ainda mais essa comunidade indígena, acessível apenas de barco. Então, Cunhaporanga Tatuyo, 22 anos, passava seus dias com o celular na mão, tentando aprender a usar o TikTok.

Ela dançou músicas, dublou vídeos, distorceu loucamente sua aparência - a experiência TikTok completa. Nada disso teve muito público. Então ela mostrou para a câmera uma larva de besouro espessa e ondulada.

"As pessoas perguntam: 'Cunhaporanga, é verdade que vocês comem larva?' Claro que comemos! Quer ver?"

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O inseto encontrou seu fim (Hmmmm, Cunhaporanga disse) e uma nova estrela viral nasceu - vindo de um dos lugares mais remotos. O lar de Cunhaporanga é um conjunto de cabanas com telhado de sapê às margens do rio, cercado apenas pela selva amazônica. As dezenas de moradores daqui são membros do povo Tatuyo. Eles pintam seus rostos de vermelho vivo, usam elaborados cocares de pena, vivem ao lado de araras barulhentas, e Cunhaporanga avisa que elas não podem ser confundidas com animais de estimação, e sobrevivem do que conseguem cultivar ou pegar.

Aos 22 anos, a jovem indígena Cunhaporanga Tatuyo se tonou uma digital com mais de 6milhões de seguidores no TikTok Foto: Washington Post / Raphael Alves

Agora, tudo isso é um cenário vívido do que se tornou uma das redes sociais mais dinâmicas e de crescimento rápido no Brasil. Em pouco mais de 18 meses, Cunhaporanga conseguiu mais de 6 milhões de seguidores no TikTok, simplesmente mostrando cenas de sua vida cotidiana. Para ela, as atividades que postou eram comuns. Mas para seu público crescente, trouxeram a intimidade repentina de um mundo que não poderia parecer mais distante.

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Cunhaporanga oferecendo uma tigela de larvas para sua família comer: 6,7 milhões de visualizações. Cunhaporanga mostrando uma ferramenta usada para fazer farinha de mandioca: 16,1 milhões de visualizações. Cunhaporanga dançando às margens intocadas do rio - afinal, é o TikTok - ao som de uma música pop viral: 4,1 milhões de visualizações.

@cunhaporangaoficial Eu tentando ficar plena, mas as formigas não deixaram kkk ##foryou ##jūgoanotiktok ##tiktokindígena ig:cunhaporanga_oficial ##indígenass ##tatuyosforever ♬ som original - Jūgoa

Conforme as redes sociais alcançam a floresta Amazônica, uma das últimas fronteiras da mídia digital, uma janela sem precedentes se abre para a vida indígena, eliminando as barreiras uma vez impostas pela geografia. Pela primeira vez, um dos povos mais isolados do planeta estão em comunicação diária com o mundo exterior sem os tradicionais filtros de jornalistas, acadêmicos ou defensores.

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"Essa é uma oportunidade importante", disse Beto Marubo, um membro do povo Marubo, comunidade que começou agora a usar a Internet e já está se tornando viral. "Os brasileiros não conhecem os povos indígenas, e por causa dessa falta de informação surgem todos os estereótipos mais terríveis como a ideia de que os índios são preguiçosos, indolentes ou infelizes."

A digitalização da vida indígena está agora colidindo com uma das correntes políticas mais poderosas do Brasil. O presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder lamentando o tamanho dos territórios indígenas e defendendo que fossem abertos a interesses comerciais. Ele descreveu seus habitantes como estrangeiros incompreensíveis. "Os índios não falam nossa língua, não têm dinheiro, não têm cultura", Bolsonaro disse em 2015 enquanto publicamente planejava concorrer à presidência. "Eles são povos nativos. Como conseguiram 13 por cento do território nacional?"

No mês passado, em uma parte dessa terra indígena, Cunhaporanga - que fala Português impecavelmente e se considera completamente brasileira - estava caminhando sob o sol, com o TikTok em mente. Ela queria continuar mostrando a cultura de seu povo, mas não sabia por quanto tempo conseguiria. Ela olhou para a antena via satélite do povoado, instalada no fim de 2018 e suspirou. A conta mensal de Internet da comunidade era US$ 65.

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"É muito caro", ela disse, ainda incerta sobre como ganhar dinheiro em uma plataforma que apresenta dificuldades de monetização. Alguns seguidores doaram quantias aqui e ali, mas não muito. Agora seu pai, o chefe do povoado, estava dizendo que a comunidade poderia ter que cancelar em breve a conexão de Internet. Isso cortaria seu acesso às redes sociais - e poderia acabar com sua carreira no TikTok.

Cunhaporanga tentou afastar esse pensamento. Ao invés disso, ficou imaginando qual seria sua próxima história no TikTok.

Agora ela sabe que as larvas são especialmente virais. Aproximadamente cada vídeo dos pequenos bichinhos se contorcendo, que são colhidos de uma palmeira amazônica e supostamente tem gosto de coco, trazem milhões de visualizações. Mas quando ela publicou o primeiro vídeo, eles eram, para ela, apenas comida rotineira - tão básica como farinha ou peixe.

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Ela ficou impressionada com a resposta: algumas horas depois da postagem, mais de um milhão de pessoas tinham assistido ao vídeo.

Ela começou a gritar com sua família, chamando todo mundo para ver. Ela levantou seu Iphone 7, comprado com o dinheiro economizado da venda de artesanato para turistas. Ela tinha usado o Iphone para abrir uma conta no Instagram, onde cuidadosamente cultivou um número de aproximadamente 1 mil seguidores. Mas essa reação era nova e desconcertante.

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"Caramba!", ela disse. "Como tanta gente pode se interessar por uma coisa que como todo dia?"

Seus pais e seu irmão olharam para o telefone, tentando descobrir o que tudo aquilo significava. Os comentários ofereciam pouca orientação:

"Comida simples", uma pessoa disse sobre a larva.

"Qual o gosto??", outra perguntava.

"Proteína pura", outra falou.

O pai de Cunhaporanga hesitou. Piño Tatuyo tinha sido um dos primeiros a defender com entusiasmo a presença da Internet no povoado. Ele sentiu que a era digital tinha chegado e não havia como voltar atrás. Seu povo tinha que abraçar a tecnologia para se conectar ao mundo - e ensinar quem eles eram. Ele mesmo tinha feito um vídeo no Youtube com seu cocar completo - "Uma pequena apresentação de quem sou!" assim o nomeou - e criou uma conta no Instagram, onde chegou a atrair 12 mil seguidores. Mas a história de Cunhaporanga no TikTok era diferente. Não eram milhares de pessoas. Eram milhões.

"Tenha cuidado", ele disse a ela. "Muitas coisas podem dar errado e nos causar problemas."

Mas eles concordaram que era uma ferramenta poderosa para proteger e registrar uma cultura que sentiam estar sob crescente ameaça. Cunhaporanga prometeu que seria cuidadosa para honrar sua cultura e sua família, voltou para o telefone e foi trabalhar - respondendo às questões que tinham começado a aparecer de todo Brasil. Sobre o porquê dos Tatuyos pintarem o rosto: "Para afastar energias negativas". Sobre seu café da manhã de açaí: "Você não imagina como é gostoso". Sobre o fato de usarem sapatos: "Só quando entramos na floresta".

@cunhaporangaoficial Vamos aprender a falar os nomes dos acessórios com o meu idioma Tatuyo? ❤️ ##tiktokindígena ##foryou ##indígenass ##jūgoanotiktok ##viral ##tatuyosforever ♬ som original - Jūgoa

Os vídeos de Cunhaporanga exploraram algo muito particular do TikTok. Algumas de suas maiores estrelas não são famosas - ao menos não no sentido tradicional - mas pessoas comuns mostrando ao público suas vidas extraordinárias. Um apicultor de Austin atraiu 9.6 milhões de seguidores. Uma mãe de seis meninos 1.7 milhões. Um cientista do Polo Sul acumulou 940 mil em menos de 5 meses.

Na Amazônia, Cunhaporanga mostrou às pessoas uma refeição comum com formigas e mandioca. Depois a língua de seu povo. E depois chibé, uma mistura de água e farinha de mandioca.

No entanto, seus seguidores não chegaram aos milhões até que ela começasse a harmonizar as discordâncias. Em um vídeo, fez par com uma arara verde que vive no povoado, dublando uma voz ao lado do indiferente animal. Em outro, seu irmão de 11 anos, com seu cocar de penas, começa a dançar twerk. Em outro, uma música do rapper Roddy Ricch toca enquanto sua família constrói uma fogueira de barro. “I ain't no player, I just got a lot of baes", o rapper americano canta enquanto a mãe descalça de Cunhaporanga pisa na lama.

Foi absurdo. Foi hilário. Foi TikTok.

Ela queria fazer mais.

O telefone de Cunhaporanga estava acendendo com mensagens e notificações. Um vídeo que ela havia postado mostrando como retira a pintura de seu rosto com água e sabão estava decolando. Mais de 2 milhões de pessoas tinham visto, e mais milhões brevemente veriam. Mas dentro da cabana de sua família, ela já estava preparando sua próxima história do TikTok.

Ela pediu para o seu pai e seus irmãos menores pegarem seus cariços, uma flauta tradicional. Seu irmão Pico, que comanda seus próprios seguidores do TikTok, 960 mil, rapidamente concordou, geralmente entusiasmado por toda a atenção. Seu pai também pegou sua flauta. Mas ele ficou inseguro sobre a rede social. Ele estava feliz por ensinar às pessoas sobre sua cultura. Mas que benefícios concretos o TikTok tinha trazido ao povoado?

Seis milhões de seguidores e ainda mal conseguiam sobreviver, preocupados em pagar contas de luz e Internet. Eram virtualmente famosos, mas de certo modo, mais pobres que nunca. Se o vírus continuasse afastando os turistas, ele temia ter que cancelar a Internet e desapontar sua filha.

"A situação é terrível", ele disse. "Realmente difícil."

Mas ele afastou momentaneamente esses pensamentos, descendo com seu filho para o salão comunitário, usando seu cocar e tocando a flauta. Cunhaporanga estava na frente deles, filmando.

"Ei, pessoal", ela disse. "Hoje eu trouxe meu pai e meus irmãos para tocarem esse instrumento que é uma parte de nossas cerimônias quando recebemos visitantes."

A música que Cunhaporanga capturou era assustadora e melancólica. Ela mostrou o vídeo a seu pai e seus irmãos. Eles sorriram e disseram que estava ótimo. Ela não achou dos seus melhores trabalhos - e preocupou-se com seu potencial para viralizar - mas não estava muito estressada.

"É suficiente", ela disse, "para o TikTok". /TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

COMUNIDADE INDÍGENA TATUYO - No meio da Floresta Amazônica, às margens do Rio Negro, uma jovem de rosto pintado estava entediada. A pandemia do coronavírus interrompeu o fluxo de visitantes, isolando ainda mais essa comunidade indígena, acessível apenas de barco. Então, Cunhaporanga Tatuyo, 22 anos, passava seus dias com o celular na mão, tentando aprender a usar o TikTok.

Ela dançou músicas, dublou vídeos, distorceu loucamente sua aparência - a experiência TikTok completa. Nada disso teve muito público. Então ela mostrou para a câmera uma larva de besouro espessa e ondulada.

"As pessoas perguntam: 'Cunhaporanga, é verdade que vocês comem larva?' Claro que comemos! Quer ver?"

O inseto encontrou seu fim (Hmmmm, Cunhaporanga disse) e uma nova estrela viral nasceu - vindo de um dos lugares mais remotos. O lar de Cunhaporanga é um conjunto de cabanas com telhado de sapê às margens do rio, cercado apenas pela selva amazônica. As dezenas de moradores daqui são membros do povo Tatuyo. Eles pintam seus rostos de vermelho vivo, usam elaborados cocares de pena, vivem ao lado de araras barulhentas, e Cunhaporanga avisa que elas não podem ser confundidas com animais de estimação, e sobrevivem do que conseguem cultivar ou pegar.

Aos 22 anos, a jovem indígena Cunhaporanga Tatuyo se tonou uma digital com mais de 6milhões de seguidores no TikTok Foto: Washington Post / Raphael Alves

Agora, tudo isso é um cenário vívido do que se tornou uma das redes sociais mais dinâmicas e de crescimento rápido no Brasil. Em pouco mais de 18 meses, Cunhaporanga conseguiu mais de 6 milhões de seguidores no TikTok, simplesmente mostrando cenas de sua vida cotidiana. Para ela, as atividades que postou eram comuns. Mas para seu público crescente, trouxeram a intimidade repentina de um mundo que não poderia parecer mais distante.

Cunhaporanga oferecendo uma tigela de larvas para sua família comer: 6,7 milhões de visualizações. Cunhaporanga mostrando uma ferramenta usada para fazer farinha de mandioca: 16,1 milhões de visualizações. Cunhaporanga dançando às margens intocadas do rio - afinal, é o TikTok - ao som de uma música pop viral: 4,1 milhões de visualizações.

@cunhaporangaoficial Eu tentando ficar plena, mas as formigas não deixaram kkk ##foryou ##jūgoanotiktok ##tiktokindígena ig:cunhaporanga_oficial ##indígenass ##tatuyosforever ♬ som original - Jūgoa

Conforme as redes sociais alcançam a floresta Amazônica, uma das últimas fronteiras da mídia digital, uma janela sem precedentes se abre para a vida indígena, eliminando as barreiras uma vez impostas pela geografia. Pela primeira vez, um dos povos mais isolados do planeta estão em comunicação diária com o mundo exterior sem os tradicionais filtros de jornalistas, acadêmicos ou defensores.

"Essa é uma oportunidade importante", disse Beto Marubo, um membro do povo Marubo, comunidade que começou agora a usar a Internet e já está se tornando viral. "Os brasileiros não conhecem os povos indígenas, e por causa dessa falta de informação surgem todos os estereótipos mais terríveis como a ideia de que os índios são preguiçosos, indolentes ou infelizes."

A digitalização da vida indígena está agora colidindo com uma das correntes políticas mais poderosas do Brasil. O presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder lamentando o tamanho dos territórios indígenas e defendendo que fossem abertos a interesses comerciais. Ele descreveu seus habitantes como estrangeiros incompreensíveis. "Os índios não falam nossa língua, não têm dinheiro, não têm cultura", Bolsonaro disse em 2015 enquanto publicamente planejava concorrer à presidência. "Eles são povos nativos. Como conseguiram 13 por cento do território nacional?"

No mês passado, em uma parte dessa terra indígena, Cunhaporanga - que fala Português impecavelmente e se considera completamente brasileira - estava caminhando sob o sol, com o TikTok em mente. Ela queria continuar mostrando a cultura de seu povo, mas não sabia por quanto tempo conseguiria. Ela olhou para a antena via satélite do povoado, instalada no fim de 2018 e suspirou. A conta mensal de Internet da comunidade era US$ 65.

"É muito caro", ela disse, ainda incerta sobre como ganhar dinheiro em uma plataforma que apresenta dificuldades de monetização. Alguns seguidores doaram quantias aqui e ali, mas não muito. Agora seu pai, o chefe do povoado, estava dizendo que a comunidade poderia ter que cancelar em breve a conexão de Internet. Isso cortaria seu acesso às redes sociais - e poderia acabar com sua carreira no TikTok.

Cunhaporanga tentou afastar esse pensamento. Ao invés disso, ficou imaginando qual seria sua próxima história no TikTok.

Agora ela sabe que as larvas são especialmente virais. Aproximadamente cada vídeo dos pequenos bichinhos se contorcendo, que são colhidos de uma palmeira amazônica e supostamente tem gosto de coco, trazem milhões de visualizações. Mas quando ela publicou o primeiro vídeo, eles eram, para ela, apenas comida rotineira - tão básica como farinha ou peixe.

Ela ficou impressionada com a resposta: algumas horas depois da postagem, mais de um milhão de pessoas tinham assistido ao vídeo.

Ela começou a gritar com sua família, chamando todo mundo para ver. Ela levantou seu Iphone 7, comprado com o dinheiro economizado da venda de artesanato para turistas. Ela tinha usado o Iphone para abrir uma conta no Instagram, onde cuidadosamente cultivou um número de aproximadamente 1 mil seguidores. Mas essa reação era nova e desconcertante.

"Caramba!", ela disse. "Como tanta gente pode se interessar por uma coisa que como todo dia?"

Seus pais e seu irmão olharam para o telefone, tentando descobrir o que tudo aquilo significava. Os comentários ofereciam pouca orientação:

"Comida simples", uma pessoa disse sobre a larva.

"Qual o gosto??", outra perguntava.

"Proteína pura", outra falou.

O pai de Cunhaporanga hesitou. Piño Tatuyo tinha sido um dos primeiros a defender com entusiasmo a presença da Internet no povoado. Ele sentiu que a era digital tinha chegado e não havia como voltar atrás. Seu povo tinha que abraçar a tecnologia para se conectar ao mundo - e ensinar quem eles eram. Ele mesmo tinha feito um vídeo no Youtube com seu cocar completo - "Uma pequena apresentação de quem sou!" assim o nomeou - e criou uma conta no Instagram, onde chegou a atrair 12 mil seguidores. Mas a história de Cunhaporanga no TikTok era diferente. Não eram milhares de pessoas. Eram milhões.

"Tenha cuidado", ele disse a ela. "Muitas coisas podem dar errado e nos causar problemas."

Mas eles concordaram que era uma ferramenta poderosa para proteger e registrar uma cultura que sentiam estar sob crescente ameaça. Cunhaporanga prometeu que seria cuidadosa para honrar sua cultura e sua família, voltou para o telefone e foi trabalhar - respondendo às questões que tinham começado a aparecer de todo Brasil. Sobre o porquê dos Tatuyos pintarem o rosto: "Para afastar energias negativas". Sobre seu café da manhã de açaí: "Você não imagina como é gostoso". Sobre o fato de usarem sapatos: "Só quando entramos na floresta".

@cunhaporangaoficial Vamos aprender a falar os nomes dos acessórios com o meu idioma Tatuyo? ❤️ ##tiktokindígena ##foryou ##indígenass ##jūgoanotiktok ##viral ##tatuyosforever ♬ som original - Jūgoa

Os vídeos de Cunhaporanga exploraram algo muito particular do TikTok. Algumas de suas maiores estrelas não são famosas - ao menos não no sentido tradicional - mas pessoas comuns mostrando ao público suas vidas extraordinárias. Um apicultor de Austin atraiu 9.6 milhões de seguidores. Uma mãe de seis meninos 1.7 milhões. Um cientista do Polo Sul acumulou 940 mil em menos de 5 meses.

Na Amazônia, Cunhaporanga mostrou às pessoas uma refeição comum com formigas e mandioca. Depois a língua de seu povo. E depois chibé, uma mistura de água e farinha de mandioca.

No entanto, seus seguidores não chegaram aos milhões até que ela começasse a harmonizar as discordâncias. Em um vídeo, fez par com uma arara verde que vive no povoado, dublando uma voz ao lado do indiferente animal. Em outro, seu irmão de 11 anos, com seu cocar de penas, começa a dançar twerk. Em outro, uma música do rapper Roddy Ricch toca enquanto sua família constrói uma fogueira de barro. “I ain't no player, I just got a lot of baes", o rapper americano canta enquanto a mãe descalça de Cunhaporanga pisa na lama.

Foi absurdo. Foi hilário. Foi TikTok.

Ela queria fazer mais.

O telefone de Cunhaporanga estava acendendo com mensagens e notificações. Um vídeo que ela havia postado mostrando como retira a pintura de seu rosto com água e sabão estava decolando. Mais de 2 milhões de pessoas tinham visto, e mais milhões brevemente veriam. Mas dentro da cabana de sua família, ela já estava preparando sua próxima história do TikTok.

Ela pediu para o seu pai e seus irmãos menores pegarem seus cariços, uma flauta tradicional. Seu irmão Pico, que comanda seus próprios seguidores do TikTok, 960 mil, rapidamente concordou, geralmente entusiasmado por toda a atenção. Seu pai também pegou sua flauta. Mas ele ficou inseguro sobre a rede social. Ele estava feliz por ensinar às pessoas sobre sua cultura. Mas que benefícios concretos o TikTok tinha trazido ao povoado?

Seis milhões de seguidores e ainda mal conseguiam sobreviver, preocupados em pagar contas de luz e Internet. Eram virtualmente famosos, mas de certo modo, mais pobres que nunca. Se o vírus continuasse afastando os turistas, ele temia ter que cancelar a Internet e desapontar sua filha.

"A situação é terrível", ele disse. "Realmente difícil."

Mas ele afastou momentaneamente esses pensamentos, descendo com seu filho para o salão comunitário, usando seu cocar e tocando a flauta. Cunhaporanga estava na frente deles, filmando.

"Ei, pessoal", ela disse. "Hoje eu trouxe meu pai e meus irmãos para tocarem esse instrumento que é uma parte de nossas cerimônias quando recebemos visitantes."

A música que Cunhaporanga capturou era assustadora e melancólica. Ela mostrou o vídeo a seu pai e seus irmãos. Eles sorriram e disseram que estava ótimo. Ela não achou dos seus melhores trabalhos - e preocupou-se com seu potencial para viralizar - mas não estava muito estressada.

"É suficiente", ela disse, "para o TikTok". /TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

COMUNIDADE INDÍGENA TATUYO - No meio da Floresta Amazônica, às margens do Rio Negro, uma jovem de rosto pintado estava entediada. A pandemia do coronavírus interrompeu o fluxo de visitantes, isolando ainda mais essa comunidade indígena, acessível apenas de barco. Então, Cunhaporanga Tatuyo, 22 anos, passava seus dias com o celular na mão, tentando aprender a usar o TikTok.

Ela dançou músicas, dublou vídeos, distorceu loucamente sua aparência - a experiência TikTok completa. Nada disso teve muito público. Então ela mostrou para a câmera uma larva de besouro espessa e ondulada.

"As pessoas perguntam: 'Cunhaporanga, é verdade que vocês comem larva?' Claro que comemos! Quer ver?"

O inseto encontrou seu fim (Hmmmm, Cunhaporanga disse) e uma nova estrela viral nasceu - vindo de um dos lugares mais remotos. O lar de Cunhaporanga é um conjunto de cabanas com telhado de sapê às margens do rio, cercado apenas pela selva amazônica. As dezenas de moradores daqui são membros do povo Tatuyo. Eles pintam seus rostos de vermelho vivo, usam elaborados cocares de pena, vivem ao lado de araras barulhentas, e Cunhaporanga avisa que elas não podem ser confundidas com animais de estimação, e sobrevivem do que conseguem cultivar ou pegar.

Aos 22 anos, a jovem indígena Cunhaporanga Tatuyo se tonou uma digital com mais de 6milhões de seguidores no TikTok Foto: Washington Post / Raphael Alves

Agora, tudo isso é um cenário vívido do que se tornou uma das redes sociais mais dinâmicas e de crescimento rápido no Brasil. Em pouco mais de 18 meses, Cunhaporanga conseguiu mais de 6 milhões de seguidores no TikTok, simplesmente mostrando cenas de sua vida cotidiana. Para ela, as atividades que postou eram comuns. Mas para seu público crescente, trouxeram a intimidade repentina de um mundo que não poderia parecer mais distante.

Cunhaporanga oferecendo uma tigela de larvas para sua família comer: 6,7 milhões de visualizações. Cunhaporanga mostrando uma ferramenta usada para fazer farinha de mandioca: 16,1 milhões de visualizações. Cunhaporanga dançando às margens intocadas do rio - afinal, é o TikTok - ao som de uma música pop viral: 4,1 milhões de visualizações.

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Conforme as redes sociais alcançam a floresta Amazônica, uma das últimas fronteiras da mídia digital, uma janela sem precedentes se abre para a vida indígena, eliminando as barreiras uma vez impostas pela geografia. Pela primeira vez, um dos povos mais isolados do planeta estão em comunicação diária com o mundo exterior sem os tradicionais filtros de jornalistas, acadêmicos ou defensores.

"Essa é uma oportunidade importante", disse Beto Marubo, um membro do povo Marubo, comunidade que começou agora a usar a Internet e já está se tornando viral. "Os brasileiros não conhecem os povos indígenas, e por causa dessa falta de informação surgem todos os estereótipos mais terríveis como a ideia de que os índios são preguiçosos, indolentes ou infelizes."

A digitalização da vida indígena está agora colidindo com uma das correntes políticas mais poderosas do Brasil. O presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder lamentando o tamanho dos territórios indígenas e defendendo que fossem abertos a interesses comerciais. Ele descreveu seus habitantes como estrangeiros incompreensíveis. "Os índios não falam nossa língua, não têm dinheiro, não têm cultura", Bolsonaro disse em 2015 enquanto publicamente planejava concorrer à presidência. "Eles são povos nativos. Como conseguiram 13 por cento do território nacional?"

No mês passado, em uma parte dessa terra indígena, Cunhaporanga - que fala Português impecavelmente e se considera completamente brasileira - estava caminhando sob o sol, com o TikTok em mente. Ela queria continuar mostrando a cultura de seu povo, mas não sabia por quanto tempo conseguiria. Ela olhou para a antena via satélite do povoado, instalada no fim de 2018 e suspirou. A conta mensal de Internet da comunidade era US$ 65.

"É muito caro", ela disse, ainda incerta sobre como ganhar dinheiro em uma plataforma que apresenta dificuldades de monetização. Alguns seguidores doaram quantias aqui e ali, mas não muito. Agora seu pai, o chefe do povoado, estava dizendo que a comunidade poderia ter que cancelar em breve a conexão de Internet. Isso cortaria seu acesso às redes sociais - e poderia acabar com sua carreira no TikTok.

Cunhaporanga tentou afastar esse pensamento. Ao invés disso, ficou imaginando qual seria sua próxima história no TikTok.

Agora ela sabe que as larvas são especialmente virais. Aproximadamente cada vídeo dos pequenos bichinhos se contorcendo, que são colhidos de uma palmeira amazônica e supostamente tem gosto de coco, trazem milhões de visualizações. Mas quando ela publicou o primeiro vídeo, eles eram, para ela, apenas comida rotineira - tão básica como farinha ou peixe.

Ela ficou impressionada com a resposta: algumas horas depois da postagem, mais de um milhão de pessoas tinham assistido ao vídeo.

Ela começou a gritar com sua família, chamando todo mundo para ver. Ela levantou seu Iphone 7, comprado com o dinheiro economizado da venda de artesanato para turistas. Ela tinha usado o Iphone para abrir uma conta no Instagram, onde cuidadosamente cultivou um número de aproximadamente 1 mil seguidores. Mas essa reação era nova e desconcertante.

"Caramba!", ela disse. "Como tanta gente pode se interessar por uma coisa que como todo dia?"

Seus pais e seu irmão olharam para o telefone, tentando descobrir o que tudo aquilo significava. Os comentários ofereciam pouca orientação:

"Comida simples", uma pessoa disse sobre a larva.

"Qual o gosto??", outra perguntava.

"Proteína pura", outra falou.

O pai de Cunhaporanga hesitou. Piño Tatuyo tinha sido um dos primeiros a defender com entusiasmo a presença da Internet no povoado. Ele sentiu que a era digital tinha chegado e não havia como voltar atrás. Seu povo tinha que abraçar a tecnologia para se conectar ao mundo - e ensinar quem eles eram. Ele mesmo tinha feito um vídeo no Youtube com seu cocar completo - "Uma pequena apresentação de quem sou!" assim o nomeou - e criou uma conta no Instagram, onde chegou a atrair 12 mil seguidores. Mas a história de Cunhaporanga no TikTok era diferente. Não eram milhares de pessoas. Eram milhões.

"Tenha cuidado", ele disse a ela. "Muitas coisas podem dar errado e nos causar problemas."

Mas eles concordaram que era uma ferramenta poderosa para proteger e registrar uma cultura que sentiam estar sob crescente ameaça. Cunhaporanga prometeu que seria cuidadosa para honrar sua cultura e sua família, voltou para o telefone e foi trabalhar - respondendo às questões que tinham começado a aparecer de todo Brasil. Sobre o porquê dos Tatuyos pintarem o rosto: "Para afastar energias negativas". Sobre seu café da manhã de açaí: "Você não imagina como é gostoso". Sobre o fato de usarem sapatos: "Só quando entramos na floresta".

@cunhaporangaoficial Vamos aprender a falar os nomes dos acessórios com o meu idioma Tatuyo? ❤️ ##tiktokindígena ##foryou ##indígenass ##jūgoanotiktok ##viral ##tatuyosforever ♬ som original - Jūgoa

Os vídeos de Cunhaporanga exploraram algo muito particular do TikTok. Algumas de suas maiores estrelas não são famosas - ao menos não no sentido tradicional - mas pessoas comuns mostrando ao público suas vidas extraordinárias. Um apicultor de Austin atraiu 9.6 milhões de seguidores. Uma mãe de seis meninos 1.7 milhões. Um cientista do Polo Sul acumulou 940 mil em menos de 5 meses.

Na Amazônia, Cunhaporanga mostrou às pessoas uma refeição comum com formigas e mandioca. Depois a língua de seu povo. E depois chibé, uma mistura de água e farinha de mandioca.

No entanto, seus seguidores não chegaram aos milhões até que ela começasse a harmonizar as discordâncias. Em um vídeo, fez par com uma arara verde que vive no povoado, dublando uma voz ao lado do indiferente animal. Em outro, seu irmão de 11 anos, com seu cocar de penas, começa a dançar twerk. Em outro, uma música do rapper Roddy Ricch toca enquanto sua família constrói uma fogueira de barro. “I ain't no player, I just got a lot of baes", o rapper americano canta enquanto a mãe descalça de Cunhaporanga pisa na lama.

Foi absurdo. Foi hilário. Foi TikTok.

Ela queria fazer mais.

O telefone de Cunhaporanga estava acendendo com mensagens e notificações. Um vídeo que ela havia postado mostrando como retira a pintura de seu rosto com água e sabão estava decolando. Mais de 2 milhões de pessoas tinham visto, e mais milhões brevemente veriam. Mas dentro da cabana de sua família, ela já estava preparando sua próxima história do TikTok.

Ela pediu para o seu pai e seus irmãos menores pegarem seus cariços, uma flauta tradicional. Seu irmão Pico, que comanda seus próprios seguidores do TikTok, 960 mil, rapidamente concordou, geralmente entusiasmado por toda a atenção. Seu pai também pegou sua flauta. Mas ele ficou inseguro sobre a rede social. Ele estava feliz por ensinar às pessoas sobre sua cultura. Mas que benefícios concretos o TikTok tinha trazido ao povoado?

Seis milhões de seguidores e ainda mal conseguiam sobreviver, preocupados em pagar contas de luz e Internet. Eram virtualmente famosos, mas de certo modo, mais pobres que nunca. Se o vírus continuasse afastando os turistas, ele temia ter que cancelar a Internet e desapontar sua filha.

"A situação é terrível", ele disse. "Realmente difícil."

Mas ele afastou momentaneamente esses pensamentos, descendo com seu filho para o salão comunitário, usando seu cocar e tocando a flauta. Cunhaporanga estava na frente deles, filmando.

"Ei, pessoal", ela disse. "Hoje eu trouxe meu pai e meus irmãos para tocarem esse instrumento que é uma parte de nossas cerimônias quando recebemos visitantes."

A música que Cunhaporanga capturou era assustadora e melancólica. Ela mostrou o vídeo a seu pai e seus irmãos. Eles sorriram e disseram que estava ótimo. Ela não achou dos seus melhores trabalhos - e preocupou-se com seu potencial para viralizar - mas não estava muito estressada.

"É suficiente", ela disse, "para o TikTok". /TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

COMUNIDADE INDÍGENA TATUYO - No meio da Floresta Amazônica, às margens do Rio Negro, uma jovem de rosto pintado estava entediada. A pandemia do coronavírus interrompeu o fluxo de visitantes, isolando ainda mais essa comunidade indígena, acessível apenas de barco. Então, Cunhaporanga Tatuyo, 22 anos, passava seus dias com o celular na mão, tentando aprender a usar o TikTok.

Ela dançou músicas, dublou vídeos, distorceu loucamente sua aparência - a experiência TikTok completa. Nada disso teve muito público. Então ela mostrou para a câmera uma larva de besouro espessa e ondulada.

"As pessoas perguntam: 'Cunhaporanga, é verdade que vocês comem larva?' Claro que comemos! Quer ver?"

O inseto encontrou seu fim (Hmmmm, Cunhaporanga disse) e uma nova estrela viral nasceu - vindo de um dos lugares mais remotos. O lar de Cunhaporanga é um conjunto de cabanas com telhado de sapê às margens do rio, cercado apenas pela selva amazônica. As dezenas de moradores daqui são membros do povo Tatuyo. Eles pintam seus rostos de vermelho vivo, usam elaborados cocares de pena, vivem ao lado de araras barulhentas, e Cunhaporanga avisa que elas não podem ser confundidas com animais de estimação, e sobrevivem do que conseguem cultivar ou pegar.

Aos 22 anos, a jovem indígena Cunhaporanga Tatuyo se tonou uma digital com mais de 6milhões de seguidores no TikTok Foto: Washington Post / Raphael Alves

Agora, tudo isso é um cenário vívido do que se tornou uma das redes sociais mais dinâmicas e de crescimento rápido no Brasil. Em pouco mais de 18 meses, Cunhaporanga conseguiu mais de 6 milhões de seguidores no TikTok, simplesmente mostrando cenas de sua vida cotidiana. Para ela, as atividades que postou eram comuns. Mas para seu público crescente, trouxeram a intimidade repentina de um mundo que não poderia parecer mais distante.

Cunhaporanga oferecendo uma tigela de larvas para sua família comer: 6,7 milhões de visualizações. Cunhaporanga mostrando uma ferramenta usada para fazer farinha de mandioca: 16,1 milhões de visualizações. Cunhaporanga dançando às margens intocadas do rio - afinal, é o TikTok - ao som de uma música pop viral: 4,1 milhões de visualizações.

@cunhaporangaoficial Eu tentando ficar plena, mas as formigas não deixaram kkk ##foryou ##jūgoanotiktok ##tiktokindígena ig:cunhaporanga_oficial ##indígenass ##tatuyosforever ♬ som original - Jūgoa

Conforme as redes sociais alcançam a floresta Amazônica, uma das últimas fronteiras da mídia digital, uma janela sem precedentes se abre para a vida indígena, eliminando as barreiras uma vez impostas pela geografia. Pela primeira vez, um dos povos mais isolados do planeta estão em comunicação diária com o mundo exterior sem os tradicionais filtros de jornalistas, acadêmicos ou defensores.

"Essa é uma oportunidade importante", disse Beto Marubo, um membro do povo Marubo, comunidade que começou agora a usar a Internet e já está se tornando viral. "Os brasileiros não conhecem os povos indígenas, e por causa dessa falta de informação surgem todos os estereótipos mais terríveis como a ideia de que os índios são preguiçosos, indolentes ou infelizes."

A digitalização da vida indígena está agora colidindo com uma das correntes políticas mais poderosas do Brasil. O presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder lamentando o tamanho dos territórios indígenas e defendendo que fossem abertos a interesses comerciais. Ele descreveu seus habitantes como estrangeiros incompreensíveis. "Os índios não falam nossa língua, não têm dinheiro, não têm cultura", Bolsonaro disse em 2015 enquanto publicamente planejava concorrer à presidência. "Eles são povos nativos. Como conseguiram 13 por cento do território nacional?"

No mês passado, em uma parte dessa terra indígena, Cunhaporanga - que fala Português impecavelmente e se considera completamente brasileira - estava caminhando sob o sol, com o TikTok em mente. Ela queria continuar mostrando a cultura de seu povo, mas não sabia por quanto tempo conseguiria. Ela olhou para a antena via satélite do povoado, instalada no fim de 2018 e suspirou. A conta mensal de Internet da comunidade era US$ 65.

"É muito caro", ela disse, ainda incerta sobre como ganhar dinheiro em uma plataforma que apresenta dificuldades de monetização. Alguns seguidores doaram quantias aqui e ali, mas não muito. Agora seu pai, o chefe do povoado, estava dizendo que a comunidade poderia ter que cancelar em breve a conexão de Internet. Isso cortaria seu acesso às redes sociais - e poderia acabar com sua carreira no TikTok.

Cunhaporanga tentou afastar esse pensamento. Ao invés disso, ficou imaginando qual seria sua próxima história no TikTok.

Agora ela sabe que as larvas são especialmente virais. Aproximadamente cada vídeo dos pequenos bichinhos se contorcendo, que são colhidos de uma palmeira amazônica e supostamente tem gosto de coco, trazem milhões de visualizações. Mas quando ela publicou o primeiro vídeo, eles eram, para ela, apenas comida rotineira - tão básica como farinha ou peixe.

Ela ficou impressionada com a resposta: algumas horas depois da postagem, mais de um milhão de pessoas tinham assistido ao vídeo.

Ela começou a gritar com sua família, chamando todo mundo para ver. Ela levantou seu Iphone 7, comprado com o dinheiro economizado da venda de artesanato para turistas. Ela tinha usado o Iphone para abrir uma conta no Instagram, onde cuidadosamente cultivou um número de aproximadamente 1 mil seguidores. Mas essa reação era nova e desconcertante.

"Caramba!", ela disse. "Como tanta gente pode se interessar por uma coisa que como todo dia?"

Seus pais e seu irmão olharam para o telefone, tentando descobrir o que tudo aquilo significava. Os comentários ofereciam pouca orientação:

"Comida simples", uma pessoa disse sobre a larva.

"Qual o gosto??", outra perguntava.

"Proteína pura", outra falou.

O pai de Cunhaporanga hesitou. Piño Tatuyo tinha sido um dos primeiros a defender com entusiasmo a presença da Internet no povoado. Ele sentiu que a era digital tinha chegado e não havia como voltar atrás. Seu povo tinha que abraçar a tecnologia para se conectar ao mundo - e ensinar quem eles eram. Ele mesmo tinha feito um vídeo no Youtube com seu cocar completo - "Uma pequena apresentação de quem sou!" assim o nomeou - e criou uma conta no Instagram, onde chegou a atrair 12 mil seguidores. Mas a história de Cunhaporanga no TikTok era diferente. Não eram milhares de pessoas. Eram milhões.

"Tenha cuidado", ele disse a ela. "Muitas coisas podem dar errado e nos causar problemas."

Mas eles concordaram que era uma ferramenta poderosa para proteger e registrar uma cultura que sentiam estar sob crescente ameaça. Cunhaporanga prometeu que seria cuidadosa para honrar sua cultura e sua família, voltou para o telefone e foi trabalhar - respondendo às questões que tinham começado a aparecer de todo Brasil. Sobre o porquê dos Tatuyos pintarem o rosto: "Para afastar energias negativas". Sobre seu café da manhã de açaí: "Você não imagina como é gostoso". Sobre o fato de usarem sapatos: "Só quando entramos na floresta".

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Os vídeos de Cunhaporanga exploraram algo muito particular do TikTok. Algumas de suas maiores estrelas não são famosas - ao menos não no sentido tradicional - mas pessoas comuns mostrando ao público suas vidas extraordinárias. Um apicultor de Austin atraiu 9.6 milhões de seguidores. Uma mãe de seis meninos 1.7 milhões. Um cientista do Polo Sul acumulou 940 mil em menos de 5 meses.

Na Amazônia, Cunhaporanga mostrou às pessoas uma refeição comum com formigas e mandioca. Depois a língua de seu povo. E depois chibé, uma mistura de água e farinha de mandioca.

No entanto, seus seguidores não chegaram aos milhões até que ela começasse a harmonizar as discordâncias. Em um vídeo, fez par com uma arara verde que vive no povoado, dublando uma voz ao lado do indiferente animal. Em outro, seu irmão de 11 anos, com seu cocar de penas, começa a dançar twerk. Em outro, uma música do rapper Roddy Ricch toca enquanto sua família constrói uma fogueira de barro. “I ain't no player, I just got a lot of baes", o rapper americano canta enquanto a mãe descalça de Cunhaporanga pisa na lama.

Foi absurdo. Foi hilário. Foi TikTok.

Ela queria fazer mais.

O telefone de Cunhaporanga estava acendendo com mensagens e notificações. Um vídeo que ela havia postado mostrando como retira a pintura de seu rosto com água e sabão estava decolando. Mais de 2 milhões de pessoas tinham visto, e mais milhões brevemente veriam. Mas dentro da cabana de sua família, ela já estava preparando sua próxima história do TikTok.

Ela pediu para o seu pai e seus irmãos menores pegarem seus cariços, uma flauta tradicional. Seu irmão Pico, que comanda seus próprios seguidores do TikTok, 960 mil, rapidamente concordou, geralmente entusiasmado por toda a atenção. Seu pai também pegou sua flauta. Mas ele ficou inseguro sobre a rede social. Ele estava feliz por ensinar às pessoas sobre sua cultura. Mas que benefícios concretos o TikTok tinha trazido ao povoado?

Seis milhões de seguidores e ainda mal conseguiam sobreviver, preocupados em pagar contas de luz e Internet. Eram virtualmente famosos, mas de certo modo, mais pobres que nunca. Se o vírus continuasse afastando os turistas, ele temia ter que cancelar a Internet e desapontar sua filha.

"A situação é terrível", ele disse. "Realmente difícil."

Mas ele afastou momentaneamente esses pensamentos, descendo com seu filho para o salão comunitário, usando seu cocar e tocando a flauta. Cunhaporanga estava na frente deles, filmando.

"Ei, pessoal", ela disse. "Hoje eu trouxe meu pai e meus irmãos para tocarem esse instrumento que é uma parte de nossas cerimônias quando recebemos visitantes."

A música que Cunhaporanga capturou era assustadora e melancólica. Ela mostrou o vídeo a seu pai e seus irmãos. Eles sorriram e disseram que estava ótimo. Ela não achou dos seus melhores trabalhos - e preocupou-se com seu potencial para viralizar - mas não estava muito estressada.

"É suficiente", ela disse, "para o TikTok". /TRADUÇÃO DE LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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