Desde criança Arnaldo de Almeida Prado Neto viajava de férias para os Estados Unidos. E achou que não seria diferente este ano, quando veio passar a Páscoa na exclusiva Fisher Island, no apartamento de sua mãe, Maura Barbosa Lopes. Veio do Brasil com Giulia, sua mulher, e esperavam Maura, que também estaria chegando de uma viagem à noite. Mas o último voo já havia aterrissado e nada da mãe chegar em casa.
Arnaldo resolveu descer para dar uma volta no condomínio, quando foi surpreendido por agentes do FBI, a policia federal americana, como num filme de ação.
"Estava com um amigo, e chegaram dois caras gigantescos. 'Pode me acompanhar' disseram", conta Arnaldo, na primeira vez em que dá detalhes de sua experiência traumatizante: passou seis meses preso numa cadeia em Miami. "Sua mãe está presa, e você também está preso", falaram.
O brasileiro foi levado para uma cela, algemado, com corrente na cintura e nos pés, e assim chegou na manhã seguinte ao fórum, perante o juiz. Lá encontrou sua mãe e Raul Enrique Quintana, ex-marido de Maura, que não via há oito anos, todos acusados pelo promotor de conspiração e fraude no financiamento para crédito imobiliário, junto com mais três réus no caso: Juan Gonzalez, que trabalhava num banco, Luis Sosa, funcionário de companhia de celular, e Evelyn Lara, notária, pessoa que reconhece firma nos Estados.
"Estava junto com assassino, estuprador, sequestrador", disse Arnaldo, de 34 anos, que ficou preso injustamente.Ele perdeu 15 quilos. "Parecia um campo de concentração. Você passa frio, fome. Não tem noção do trauma psicológico, a cada três horas iluminam nossa cara com lanterna, você não vê o sol, fica fechado, 18 horas na cela."
Sua assinatura havia sido forjada num golpe orquestrado pela mãe e seu ex-marido. Mas apesar de todas as provas apresentadas de que Arnaldo não tinha conhecimento do caso, que estava no Brasil na maior parte das datas das assinaturas nos documentos e que essas assinaturas não pareciam com a sua, o procurador insistiu em mantê-lo preso até o julgamento, alegando que, se solto, poderia deixar o país.
No fim de agosto, o advogado David Garvin, que sempre manteve que seu cliente era inocente, conseguiu que Arnaldo fosse julgado separadamente do resto do grupo.
"Disse para todo mundo que Arnaldo era inocente, mas ninguém quis escutar", diz Garvin. "O pior não foi o terem prendido, mas quando viram que tinham a pessoa errada, o torturaram sem razão."
Garvin disse que só em setembro, depois de meses, Maura mudou seu depoimento, se declarou culpada e confirmou que Arnaldo não tinha nenhum envolvimento no caso. A sentença de Maura está marcada para dia 17 de dezembro, e a de Raul, para 8 de janeiro do ano que vem.Quintana foi o último do grupo a confessar culpa, no dia 28 de outubro. Com isso, não haverá mais julgamento. Com exceção de Arnaldo, cada um dos réus receberá uma sentença a ser determinada pelo juiz. A pena máxima é de 30 anos.
Arnaldo tinha seu julgamento marcado originalmente para o dia 30 de novembro. Mas em 5 de outubro, sem explicação, o juiz autorizou sua liberdade.
"O procurador tirou as acusações e me colocaram na rua", conta Arnaldo. Ele foi solto no dia seguinte.
"Se não libertassem Arnaldo, injustamente mantido preso e maltratado, [os promotores] teriam que explicar por que levar a julgamento uma pessoa inocente", diz o advogado, chocado ainda mais com o tratamento que seu cliente recebeu até o ultimo minuto, mesmo depois de ter sido inocentado. "Ele foi mantido numa sala com temperatura muito baixa, por cerca de quatro horas, de pé, até que finalmente retiraram as correntes e algemas. Queriam fazer maldade com ele - a última chance de bulir e afetar sua mente, numa solitária."
Arnaldo diz ainda que nem ele nem seu advogado tinham recebido informação da hora em que ele seria solto. "Me tiraram a corrente, abriram as portas e falaram 'pode ir'". Assim que saiu, ele diz que foi numa igreja no centro de Miami. "Rezei, agradeci e fui procurar o advogado", conta. "No mesmo dia, comprei a passagem para vir embora."
Pai. Voltou correndo para Ribeirão Preto, para estar ao lado do pai, o agropecuarista Arnaldo de Almeida Prado Filho, de 65 anos, que está com câncer.
"Se perder um mês da vida do meu pai é muito", diz o filho.
Seus pais se separaram quando Arnaldo tinha 9 anos. Ele e o irmão, André, hoje com 29, ficaram morando com o pai. A mãe se mudou para os Estados Unidos, onde conheceu Raul Quintana, ex-Navy Seal, das forças especiais americanas, acusado previamente de outros crimes, inclusive violência doméstica. Eles se divorciaram em 2008, mas só depois de ganharem muito dinheiro juntos.
Aproveitando o "boom" do mercado imobiliário, Maura tirou licença de corretora de imóveis e Raul de corretor financeiro. Como eles, muita gente nessa época comprava e vendia imóveis com muita facilidade e ganhou fortunas. Eles começaram a comprar várias propriedades, com empréstimos bancários. Mas chegou uma hora que os bancos pararam de emprestar, já desconfiados de fraude e possíveis calotes.
"Sem contar para ele [Arnaldo], colocaram seu nome nas hipotecas, forjaram sua assinatura e criaram falsos extratos bancários para provar que tinha condições financeiras", diz Garvin. Evelyn reconhecia as assinaturas, Sosa dizia que Arnaldo trabalhava na sua empresa de celular e Gonzalez confirmava que ele tinha uma gorda conta bancária. Dezenas de casas foram financiadas pelo grupo entre 2004 e 2007. Mas o mercado despencou, e muita gente não conseguiu manter os pagamentos e, eles também ficaram inadimplentes. Assim, os bancos, que perderam milhões de dólares, denunciaram a suspeita para o FBI.
"Treze financiamentos estavam no meu nome", diz Arnaldo, que cinco anos atrás ficou sabendo que havia um problema. Numa visita ao Brasil, Maura, já separada de Raul, contou para o filho que tinha usado seu nome em algumas transações, mas que estaria tudo resolvido. "Uma coisa que percebi, cada vez que ia para o Estados Unidos, ela [a mãe] estava melhor de vida. Ganhavam muito dinheiro", diz Arnaldo. "Mas nunca passou pela minha cabeça que o que ela fez pudesse ser crime."
Mas foi e Arnaldo sofreu as consequências. Ele diz, no entanto, que não guarda raiva e nem pretende processar ninguém pela injustiça sofrida e seis meses de vida perdidos. "O procurador poderia ter feito um trabalho melhor, mas não culpo ele. Culpo meu ex-padrasto e minha mãe. Mas quero colocar tudo isso para trás", diz. "Quero que ela [mãe] tenha uma vida boa, só não quero contato - perdoar não é esquecer, seja feliz e cumpra a pena."
"Agora é curtir meu pai, esse tempo que perdemos, e estar com minha esposa", diz Arnaldo, que trabalha nos negócios da família.
Ele não tem planos imediatos de voltar aos Estados Unidos, mas espera entrar no país sem problemas no futuro. Arnaldo devolveu seu Green Card, permissão para trabalhar e morar no país como residente.
"Sempre tive vontade de morar nos Estados Unidos, mas nunca consegui abandonar meu pai que me criou desde pequeno, e agora com a doença dele, achei melhor devolver, pois iria ficar talvez muito tempo sem ir."
Hoje ele tem visto de turista, válido, e passaria pela imigração, sem problemas. "Ele não fez nada errado", diz Garvin.
Twitter: chrisdelboni