Opinião|‘Intelectuais negras podem proporcionar outra visão de mundo para os brancos’


Escritora afirma que produção literária vai além da representatividade negra e pode estimular a adoção de uma postura antirracista em toda a sociedade

Por Mirian Santos

“A nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonos injustos” (EVARISTO, 2017). De fato, a intelectual Conceição Evaristo foi cirúrgica ao reivindicar para a escrita e leitura de mulheres negras uma outra condição de escuta, diferente daquela usurpada pela população branca para acalanto próprio. Se antes, o canto das mulheres negras escravizadas era usado para os filhos da casa grande adormecerem, hoje as vozes dessas mulheres afloram gritos presos nas gargantas de muitas outras gerações.

Convidar para a reflexão sobre a contribuição das intelectuais negras para o combate ao racismo estrutural implica destacar a necessidade de decolonizar, desandrogenizar e “desnortear” a concepção eurocêntrica de intelectual, visto que não é concebível que, ainda hoje, nosso entendimento de intelectualidade permaneça congelado na figura de homens, brancos, cis, do centro do mundo.

Dessa forma, mulheres negras ocupando o espaço de produção de conhecimento questionam uma lógica colonialista em que esses corpos estão cristalizados no lugar de servir. Afinal, o que significa para os diversos leitores do último país das Américas a abolir a escravidão as fotos de corpos negros nas orelhas de livros, discursando em púlpitos e/ou sendo destaques de prêmios literários?

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A professora Mirian Cristina dos Santos esteve na Universidade de Brasília em dezembro participando de uma banca examinadora. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Nessa discussão, torna-se importante pontuar de maneira explícita que o racismo estrutural, como o próprio nome já diz, se perpetua realçando a diferença, tendo como base uma lógica que privilegia a raça branca em detrimento das outras, de forma que as estruturas da sociedade trabalham nesse mesmo pilar: o branco é a norma, o branco é a régua, o branco é o padrão, o branco é o centro.

Sendo assim, quando as intelectuais negras circulam em lugares fora da borda, confrontam o pré-estabelecido. Contudo, os corpos negros enquanto eus-enunciadores não podem ser interpretados como algo substancial somente no campo da representatividade para as pessoas negras, uma vez que esses movimentos também proporcionam aos brancos uma outra visão e escuta de mundo, que tem feito com que alguns desses, de fato, assumam uma postura antirracista.

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Em Intelectuais Negras: prosa negro-brasileira contemporânea (2018), reivindiquei para as literatas negras o lugar de intelectuais, a partir de suas escritas literárias, haja vista que, no encalço da fruição e da literariedade, em suas produções elas “abordam as principais demandas da mulher negra na contemporaneidade, dão visibilidade às culturas africanas e afro-brasileiras, denunciam a condição marginalizada e subalternizada do negro e fazem dessa literatura escrita por mulheres local de força, resistência, afirmação e denúncia” (SANTOS, 2018, p. 15).

Logo, considerar o caráter transgressor e pedagógico, para além das paredes acadêmicas, da produção literária das intelectuais negras para o combate ao racismo estrutural faz-se pertinente. No entanto, há que se ficar atento às armadilhas, para que, na ânsia de colher e de replicar os conteúdos das intelectuais negras, não os encarceremos em um lugar único do testemunho, do diário e/ou da autobiografia, de maneira a retirar as intelectuais negras dos seus lugares de direito, enquanto literatas, pensadoras e produtoras de conhecimento.

* Profa. Dra. Mirian Santos é professora do Magistério Superior da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e diretora Adjunta do Campus do Instituto de Estudos do Xingu (IEX/Unifesspa)

“A nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonos injustos” (EVARISTO, 2017). De fato, a intelectual Conceição Evaristo foi cirúrgica ao reivindicar para a escrita e leitura de mulheres negras uma outra condição de escuta, diferente daquela usurpada pela população branca para acalanto próprio. Se antes, o canto das mulheres negras escravizadas era usado para os filhos da casa grande adormecerem, hoje as vozes dessas mulheres afloram gritos presos nas gargantas de muitas outras gerações.

Convidar para a reflexão sobre a contribuição das intelectuais negras para o combate ao racismo estrutural implica destacar a necessidade de decolonizar, desandrogenizar e “desnortear” a concepção eurocêntrica de intelectual, visto que não é concebível que, ainda hoje, nosso entendimento de intelectualidade permaneça congelado na figura de homens, brancos, cis, do centro do mundo.

Dessa forma, mulheres negras ocupando o espaço de produção de conhecimento questionam uma lógica colonialista em que esses corpos estão cristalizados no lugar de servir. Afinal, o que significa para os diversos leitores do último país das Américas a abolir a escravidão as fotos de corpos negros nas orelhas de livros, discursando em púlpitos e/ou sendo destaques de prêmios literários?

A professora Mirian Cristina dos Santos esteve na Universidade de Brasília em dezembro participando de uma banca examinadora. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Nessa discussão, torna-se importante pontuar de maneira explícita que o racismo estrutural, como o próprio nome já diz, se perpetua realçando a diferença, tendo como base uma lógica que privilegia a raça branca em detrimento das outras, de forma que as estruturas da sociedade trabalham nesse mesmo pilar: o branco é a norma, o branco é a régua, o branco é o padrão, o branco é o centro.

Sendo assim, quando as intelectuais negras circulam em lugares fora da borda, confrontam o pré-estabelecido. Contudo, os corpos negros enquanto eus-enunciadores não podem ser interpretados como algo substancial somente no campo da representatividade para as pessoas negras, uma vez que esses movimentos também proporcionam aos brancos uma outra visão e escuta de mundo, que tem feito com que alguns desses, de fato, assumam uma postura antirracista.

Em Intelectuais Negras: prosa negro-brasileira contemporânea (2018), reivindiquei para as literatas negras o lugar de intelectuais, a partir de suas escritas literárias, haja vista que, no encalço da fruição e da literariedade, em suas produções elas “abordam as principais demandas da mulher negra na contemporaneidade, dão visibilidade às culturas africanas e afro-brasileiras, denunciam a condição marginalizada e subalternizada do negro e fazem dessa literatura escrita por mulheres local de força, resistência, afirmação e denúncia” (SANTOS, 2018, p. 15).

Logo, considerar o caráter transgressor e pedagógico, para além das paredes acadêmicas, da produção literária das intelectuais negras para o combate ao racismo estrutural faz-se pertinente. No entanto, há que se ficar atento às armadilhas, para que, na ânsia de colher e de replicar os conteúdos das intelectuais negras, não os encarceremos em um lugar único do testemunho, do diário e/ou da autobiografia, de maneira a retirar as intelectuais negras dos seus lugares de direito, enquanto literatas, pensadoras e produtoras de conhecimento.

* Profa. Dra. Mirian Santos é professora do Magistério Superior da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e diretora Adjunta do Campus do Instituto de Estudos do Xingu (IEX/Unifesspa)

“A nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonos injustos” (EVARISTO, 2017). De fato, a intelectual Conceição Evaristo foi cirúrgica ao reivindicar para a escrita e leitura de mulheres negras uma outra condição de escuta, diferente daquela usurpada pela população branca para acalanto próprio. Se antes, o canto das mulheres negras escravizadas era usado para os filhos da casa grande adormecerem, hoje as vozes dessas mulheres afloram gritos presos nas gargantas de muitas outras gerações.

Convidar para a reflexão sobre a contribuição das intelectuais negras para o combate ao racismo estrutural implica destacar a necessidade de decolonizar, desandrogenizar e “desnortear” a concepção eurocêntrica de intelectual, visto que não é concebível que, ainda hoje, nosso entendimento de intelectualidade permaneça congelado na figura de homens, brancos, cis, do centro do mundo.

Dessa forma, mulheres negras ocupando o espaço de produção de conhecimento questionam uma lógica colonialista em que esses corpos estão cristalizados no lugar de servir. Afinal, o que significa para os diversos leitores do último país das Américas a abolir a escravidão as fotos de corpos negros nas orelhas de livros, discursando em púlpitos e/ou sendo destaques de prêmios literários?

A professora Mirian Cristina dos Santos esteve na Universidade de Brasília em dezembro participando de uma banca examinadora. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Nessa discussão, torna-se importante pontuar de maneira explícita que o racismo estrutural, como o próprio nome já diz, se perpetua realçando a diferença, tendo como base uma lógica que privilegia a raça branca em detrimento das outras, de forma que as estruturas da sociedade trabalham nesse mesmo pilar: o branco é a norma, o branco é a régua, o branco é o padrão, o branco é o centro.

Sendo assim, quando as intelectuais negras circulam em lugares fora da borda, confrontam o pré-estabelecido. Contudo, os corpos negros enquanto eus-enunciadores não podem ser interpretados como algo substancial somente no campo da representatividade para as pessoas negras, uma vez que esses movimentos também proporcionam aos brancos uma outra visão e escuta de mundo, que tem feito com que alguns desses, de fato, assumam uma postura antirracista.

Em Intelectuais Negras: prosa negro-brasileira contemporânea (2018), reivindiquei para as literatas negras o lugar de intelectuais, a partir de suas escritas literárias, haja vista que, no encalço da fruição e da literariedade, em suas produções elas “abordam as principais demandas da mulher negra na contemporaneidade, dão visibilidade às culturas africanas e afro-brasileiras, denunciam a condição marginalizada e subalternizada do negro e fazem dessa literatura escrita por mulheres local de força, resistência, afirmação e denúncia” (SANTOS, 2018, p. 15).

Logo, considerar o caráter transgressor e pedagógico, para além das paredes acadêmicas, da produção literária das intelectuais negras para o combate ao racismo estrutural faz-se pertinente. No entanto, há que se ficar atento às armadilhas, para que, na ânsia de colher e de replicar os conteúdos das intelectuais negras, não os encarceremos em um lugar único do testemunho, do diário e/ou da autobiografia, de maneira a retirar as intelectuais negras dos seus lugares de direito, enquanto literatas, pensadoras e produtoras de conhecimento.

* Profa. Dra. Mirian Santos é professora do Magistério Superior da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e diretora Adjunta do Campus do Instituto de Estudos do Xingu (IEX/Unifesspa)

Opinião por Mirian Santos

Professora da Unifesspa e diretora Adjunta do IEX

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