Recessão. A vida está dura na Grã-Bretanha. Greves e passeatas. O setor público indignado com seus salários e pensões. Aumenta o número de gente dormindo debaixo das pontes. Os bancos faturam alto e pagam baixo por investimentos. A crise está solta. Algo democraticamente, fala-se que isso aqui vai virar uma Grécia (não a de Péricles, a da Idade do Ouro, mas essa que está aí, aos frangalhos, o pau comendo solto todo santo dia). Puro alarmismo. Vivo e saudável que sou, não acredito em uma única palavra que leio nos jornais ou notícia que ouço no rádio ou vejo na televisão. Eta, vida boa! A coisa vai muito bem por estas bandas. Engenhocas eletrônicas vendem às pamparras, bandas e intérpretes de (risos) "música popular" idem, quer dizer, vendem às pamparras, onde der, o pouco que têm a oferecer, e a jovem plebe rude compra. Definitivamente, a coisa vai muito bem por essas bandas, que há uma nova formada por dia, por estas bandas, no sentido mais amplo. A champanhe rola, as revistas com futricos sobre as mais desconhecidas pessoas do mundo, a que chamam de "celebridades", continuam vendendo aos "borbotões", para usar de um exemplo típico do estilo em que esse tipo de publicação se especializa. Todo mundo quer saber o que a recém-enobrecida noiva usava. Sim, o ensino decresce. Sim, o vocabulário diminui. Sim, a leviandade atinge píncaros de vulgaridade. Puro alarmismo, disse eu. Puro alarmismo, repito. E que não acredito em uma única palavra do que a imprensa, eletrônica ou manquitola, noticia. A não ser quando me convém. A época é de conveniências. Menos mais bancos nas ruas e mais banheiros públicos. Foi pouco difundido, mas o dado, com foto a cores para provar e filmezinho nos telejornais para reafirmar, berra que vai tudo da melhor maneira possível no melhor dos mundos, e que ninguém, dentro ou fora da zona do euro, consegue chegar perto das ilhas britânicas, que, e eles não gostam de tocar muito no assunto, não consegue emplacar um campeão de tênis em Wimbledon desde 1936. Eu disse euro? Pois disse-o mal. Errei num dígito. Eu queria me referir a ouro, o precioso, inda que vil (por que vil, afinal?), metal. A Grã-Bretanha está entregando ouro, a quantias que juram módicas, via buracos na parede. Acabou-se o tempo de ir a Hatton Garden, ou endereços chiques, para comprar ouro, recorrer aos serviços de corretores e até mesmo dedicar-se ao nobre esporte do garimpo. Nada, sô. Tem uma máquina que, mediante o uso de dinheiro vivo, ou cartão de crédito, dispensa pequenas e médias barras - ocá, vá lá que seja - do nobre (vil? Vil é a mãe!) metal. Está aqui no jornal e eu vi na TV. Portanto só pode ser verdade. Trata-se de uma caixa automática, ou caixa eletrônico, se preferirem uma terminologia mais de acordo com os tempos. Seguinte: há, que eu saiba, através de minhas intensas pesquisas, diante de um jornal e um canal de televisão, uma dessas caixas no shopping centre do bairro de Westfield, no oeste de Londres. A bem da verdade, três máquinas de vendas. Uma de refrigerantes, outra dessas comuníssimas que vomitam dinheiro desvalorizado e uma terceira, toda catita, amarela como a camisa da seleção canarinho, que dispensa (esse o verbo mais apropriado) barras de ouro de 24 quilates. Barrinhas de ouro. Camarada vai lá, taca o cartão de crédito, digita a senha (atenção, você esta sendo captado pelas câmaras de um circuito fechado de televisão!) e faz sua escolha. Uma novidade: o preço do ouro, que varia como o humor das namoradas loucas, é atualizado de 10 em 10 minutos, com base no spot market (estou por fora, mas só pode ser coisa boa). É a tecnologia para os Eikes Batistas em marcha. A oferta é rica, embora ainda não chegado a bilionária. Barrinhas de 1 grama, 2,5 g, 5g e um quarto de onça, uns 7 g. É escolher e pegar. Feito barra de chocolate. Mas vamos devagar. Para o freguês exibido, ou precavido e por dentro das coisas, há uma barra de 250 g, que sai pela razoável quantia de uns us$ 16 mil (o real ainda não se encaixou no esquema). Mais modesta é a barra de 2,5 g: apenas us$ 160. E tem mais: mesmo as mais modestas vêm em graciosas caixinhas e trazem estampadas paisagens de artístico conteúdo estético. A iniciativa auri-barrífera pertence à companhia alemã Go to Gold, que já possui ricos buracos na parede (ou ATM, Automated Teller Machine ou ainda cash point, apodam-nas aqui) nos Estados Unidos, Emirados Árabes e outros países europeus que preferem a discrição a essa lorota que inventaram e batizaram de "recessão". Dia virá em que em cada quarteirão de nosso cada vez mais glorioso e próspero país contará com uma dessas dispensadoras de barras de ouro. Cada barra com paisagens só nossas: Cristo Redentor, Pão de Açúcar, Chico Buarque, jogadores de futebol com nomes feito Cleysson. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.