Alice Cooper no Brasil em 1974


Show do roqueiro americano no Anhembi foi apresentado aos leitores do Jornal da Tarde pelo crítico Ezequiel Neves

Por Edmundo Leite
Atualização:

Para apresentar aos leitores do Jornal da Tarde os shows de Alice Cooper no Anhembi em 1974, o lendário crítico musical Ezequiel Neves primeiro fez um tratado sobre os grandes “performers/transformers” do rock até chegar no rock teatral de Alice. Numa charmosa diagramação adornada por desenho de cobras, animais que faziam parte da apresentação do artista, Alice Cooper aparece em destaque na seção “Divirta-se” em 30 de março de 1974 segurando um chicote, em meio a retratos de Little Richard, Elvis Presley, Frank Zappa, David Bowie, Leo Sayer e Lou Reed.

Página do Jornal da Tarde 30 de março de 1974 sobre o show de Alice Cooper em São Paulo. Foto: Acervo Estadão

Na segunda parte do texto, sob o título “E dizer que a moda era detestar Alice Cooper”, Ezequiel Neves mostra e analisa o pensamento de Alice Cooper naqueles dias:

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Nossos espetáulos, diz Alice, são peças infantis feitas de encomenda para os garotos dessa década. O que eles veem na TV, acontece também no palco. Apresentamos uma sucessão tão rápida de acontecimentos que ninguém é capaz de digerir a coisa toda. Mostramos mil problemas e não damos nenhuma resposta. Os garotos acreditam na gente porque somos os primeiros a não acreditar em nada.

Novamente Alice tem razão. Todos os outros “performers” do rock que acrediram demasiadamente no que faziam acabaram se destruindo...”

Leia a íntegra:

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Jornal da Tarde - 30 de março de 1974

Divirta-se

Por Ezequiel Neves

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Há 19 anos, quando o rock ainda era chamado “rock’n roll”, Little Richard, um negro dé 22 anos, nascido em Macon, Georgia, já assaltava as platéias com sua “perfomance” frenética, na melhor tradição dos mestres do “vaudeville” norte-americano. Richard usava maquilagem forte, roupas de cores berrantes e sua voz era estridente e agressiva. Consciente da teatralidade do rock, ele foi o primeiro cantor popular a fazer de seus concertos verdadeiros espetáculos visuais.

Um ano mais tarde, Elvis Presley usaria recursos quase idênticos para conquistar as platéias brancas dos EUA. Enquanto os jovens o recebiam como um novo ídolo, os gerações mais velhas se escandalizavam com seus malabarismos corporais. Ele se atrevia a rebolar no palco recebendo por causa disso, o apelido de “Elvis, the Pelvis”. Houve depois um intervalo de dez anos em que o gênero rock se diluiu. Só resurgiu, via-Beatles, na era da explosão tecnológica.

Apareceram então Frank Zappa, Iggy Stooge e o MC5. E estava inaugurado o “rock teatral”, cujo representante máximo é hoje Alice Cooper. Trazendo o “grand-guignol” (teatro macabro) para o rock, Alice abriu as portas para uma infinidade de “performers” norte-americanos e ingleses. É bem verdade que Jimi Hendrix, The Who e Mick Jagger já usavam recursos teatrais em suas apresentações. Mas foi graças a Alice que surgiram Lou Reed, David Bowie, Marc Bolan, Roxy Music, Genesis, Leo Sayer e Jobriath.

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E DIZER QUE A MODA ERA DETESTAR ALICE COOPER!

No maior auditório da cidade, às 21h de hoje, o show mais falado do ano.

Sobre todos esses “performers/transformers” Alice Cooper leva vantagem: ele nunca se levou a sério. Sendo o primeiro a se desmistificar. Se em 1969 a imprensa do rock contava apenas com urna centena de jornais e revistas espalhados pelos EUA, Inglaterra e França, dois anos mais tarde, nos quatro cantos do planeta, esse número se elevaria a quase duas mil publicações.

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O ″rock business” transformou-se numa indústria de entretenimento mais lucrativa que o cinema, e os meios de divulgação se encarregam de alicerçar ainda mais o fascínio de sua constelação de estrelas. Jornalistas e repórteres enfatizavam o lado glamoroso e “artistico” de qualquer candidato a superstar e o grotesco devia ser evitado a qualquer custo.

Mas com Alice Cooper esse tipo de estratagema não funcionava Ele nunca aceitou a simples glorificação, jamais dispensou o bom humor e as contradições e sempre gozou a ridícula empáfia dos homens de imprensa do rock. Preferia se envolver com o lado mais grotesco e bizarro que todas as coisas sempre podem revelar. A piada, o cinismo e a lucidez foram peças importantes que ele soube manipular para fazer sucesso.

Numa longa entrevista ao jornalista Chris Holdenfleld, publicada no final de 71, na revista “Rolling Stone”, ele confessou:

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— Sabe como começamos? A violência tese início dois anos atrás, em Detroit, quando não conseguíamos cem dólares por apresentação. Eu e o grupo estávarnos desesperados e chegando à loucura. Pouco a pouco estávamos enlouquecendo no palco e começamos a perceber que isso poderia ser explorado visualmente. Nosso desespero era teatral e de repente descobrimos que as pessoas gostavam de nossas agressões. Foi nosso desespero que indicou a brecha que nos salvaria. As pessoas se levantavam no meio do show e iam embora revoltadas Mas voltavam no dia seguinte com amigos, para que eles lambem pudessem se levantar e ir embora. Era a última moda detestar Alice Cooper. E com isso estávamos feitos

E ele tinha toda razão. As milhares de publicações começaram a estampar fotos do grupo e ninguém ficava indiferente a nenhuma delas. Mostravam Alice travestido em bruxa, com uma cobra enrolada no corpo, rasgando a bandeira dos EUA, abrindo a cabeça de bonecas a golpes de machadinha, espremendo enormes tubos de dentifrício e jogando-os para a platéia. O quadro se completava com outras fotos de Alice sendo sucessivamente enforcado, eletrocutado e guilhotinado. O anti-herói era punido, mas ressuscitava quantas vezes fosse preciso. E essas imagens estavam diretamente ligadas ao som de seus discos. Cada ouvinte podia compor sua própria história de terror tendo sempre Alice como vilão/bufão.

Aliás, a cada novo disco lançado seguia-se um novo “show” onde as musicas eram encenadas. Elas falavam de violència, mentira, vulgaridade e dinheiro. Exploravam também todo o tipo de paranóias infantis: repressão nas escolas, dor de dentes, corte de cabelos e incompreensão familiar.

— Nossos espetáulos, diz Alice, são peças infantis feitas de encomenda para os garotos dessa década. O que eles veem na TV, acontece também no palco. Apresentamos uma sucessão tão rápida de acontecimentos que ninguém é capaz de digerir a coisa toda. Mostramos mil problemas e não damos nenhuma resposta. Os garotos acreditam na gente porque somos os primeiros a não acreditar em nada.

Novamente Alice tem razão. Todos os outros “performers” do rock que acrediram demasiadamente no que faziam acabaram se destruindo.

Iggy Stooge, de tanto auto-flagelar-se no palco, acabou hóspede permanente de hospitais. O MC5, que defendia causas de esquerda, dissolveu-se. O The Who, esse ano, resolveu parar com o “teatro” e se dedicar apenas à musica. Os Mothers of Invention se desentenderam com Frank Zappa e sumiram no mundo. Marc Bolan ficou desacreditado por ser narcista demais. Jobriath desistiu de tudo antes mesmo de se apresentar em público. Restaram apenas David Bowie, Leu Reed e mais recentemente, Leo Sayer.

— Mas esses são diferentes, esclarece Alice. Exploram o lado teatral em suas apresentações, gostam de uma imagem requintada, mas seus discos são intelectuais demais para o meu gosto.

Talvez Vincent Fournier, mais conhecido como Alice Cooper, não dissesse uma coisa dessas de seus colegas se não estivesse caracterizado de Alice Cooper. Fora do palco, Vincent é um rapaz tímido e simpático, que gosta da família, de sua mulher Cindy e de seus companheiros de conjunto.

Mas depois de consumirmos todos os discos de Alice Cooper, do espanto e /ou riso de suas fotos em revistas e “tapes” da TV, Vincent Fournier é uma peça secundária na industria do rock. O importante é o personagem assumido por ele — o imprevisível e carismático Alice Cooper. É ele que não podemos deixar de ver hoje a noite no Anbernbi.

>> Leia mais sobre Alice Cooper

Para apresentar aos leitores do Jornal da Tarde os shows de Alice Cooper no Anhembi em 1974, o lendário crítico musical Ezequiel Neves primeiro fez um tratado sobre os grandes “performers/transformers” do rock até chegar no rock teatral de Alice. Numa charmosa diagramação adornada por desenho de cobras, animais que faziam parte da apresentação do artista, Alice Cooper aparece em destaque na seção “Divirta-se” em 30 de março de 1974 segurando um chicote, em meio a retratos de Little Richard, Elvis Presley, Frank Zappa, David Bowie, Leo Sayer e Lou Reed.

Página do Jornal da Tarde 30 de março de 1974 sobre o show de Alice Cooper em São Paulo. Foto: Acervo Estadão

Na segunda parte do texto, sob o título “E dizer que a moda era detestar Alice Cooper”, Ezequiel Neves mostra e analisa o pensamento de Alice Cooper naqueles dias:

Nossos espetáulos, diz Alice, são peças infantis feitas de encomenda para os garotos dessa década. O que eles veem na TV, acontece também no palco. Apresentamos uma sucessão tão rápida de acontecimentos que ninguém é capaz de digerir a coisa toda. Mostramos mil problemas e não damos nenhuma resposta. Os garotos acreditam na gente porque somos os primeiros a não acreditar em nada.

Novamente Alice tem razão. Todos os outros “performers” do rock que acrediram demasiadamente no que faziam acabaram se destruindo...”

Leia a íntegra:

Jornal da Tarde - 30 de março de 1974

Divirta-se

Por Ezequiel Neves

Há 19 anos, quando o rock ainda era chamado “rock’n roll”, Little Richard, um negro dé 22 anos, nascido em Macon, Georgia, já assaltava as platéias com sua “perfomance” frenética, na melhor tradição dos mestres do “vaudeville” norte-americano. Richard usava maquilagem forte, roupas de cores berrantes e sua voz era estridente e agressiva. Consciente da teatralidade do rock, ele foi o primeiro cantor popular a fazer de seus concertos verdadeiros espetáculos visuais.

Um ano mais tarde, Elvis Presley usaria recursos quase idênticos para conquistar as platéias brancas dos EUA. Enquanto os jovens o recebiam como um novo ídolo, os gerações mais velhas se escandalizavam com seus malabarismos corporais. Ele se atrevia a rebolar no palco recebendo por causa disso, o apelido de “Elvis, the Pelvis”. Houve depois um intervalo de dez anos em que o gênero rock se diluiu. Só resurgiu, via-Beatles, na era da explosão tecnológica.

Apareceram então Frank Zappa, Iggy Stooge e o MC5. E estava inaugurado o “rock teatral”, cujo representante máximo é hoje Alice Cooper. Trazendo o “grand-guignol” (teatro macabro) para o rock, Alice abriu as portas para uma infinidade de “performers” norte-americanos e ingleses. É bem verdade que Jimi Hendrix, The Who e Mick Jagger já usavam recursos teatrais em suas apresentações. Mas foi graças a Alice que surgiram Lou Reed, David Bowie, Marc Bolan, Roxy Music, Genesis, Leo Sayer e Jobriath.

E DIZER QUE A MODA ERA DETESTAR ALICE COOPER!

No maior auditório da cidade, às 21h de hoje, o show mais falado do ano.

Sobre todos esses “performers/transformers” Alice Cooper leva vantagem: ele nunca se levou a sério. Sendo o primeiro a se desmistificar. Se em 1969 a imprensa do rock contava apenas com urna centena de jornais e revistas espalhados pelos EUA, Inglaterra e França, dois anos mais tarde, nos quatro cantos do planeta, esse número se elevaria a quase duas mil publicações.

O ″rock business” transformou-se numa indústria de entretenimento mais lucrativa que o cinema, e os meios de divulgação se encarregam de alicerçar ainda mais o fascínio de sua constelação de estrelas. Jornalistas e repórteres enfatizavam o lado glamoroso e “artistico” de qualquer candidato a superstar e o grotesco devia ser evitado a qualquer custo.

Mas com Alice Cooper esse tipo de estratagema não funcionava Ele nunca aceitou a simples glorificação, jamais dispensou o bom humor e as contradições e sempre gozou a ridícula empáfia dos homens de imprensa do rock. Preferia se envolver com o lado mais grotesco e bizarro que todas as coisas sempre podem revelar. A piada, o cinismo e a lucidez foram peças importantes que ele soube manipular para fazer sucesso.

Numa longa entrevista ao jornalista Chris Holdenfleld, publicada no final de 71, na revista “Rolling Stone”, ele confessou:

— Sabe como começamos? A violência tese início dois anos atrás, em Detroit, quando não conseguíamos cem dólares por apresentação. Eu e o grupo estávarnos desesperados e chegando à loucura. Pouco a pouco estávamos enlouquecendo no palco e começamos a perceber que isso poderia ser explorado visualmente. Nosso desespero era teatral e de repente descobrimos que as pessoas gostavam de nossas agressões. Foi nosso desespero que indicou a brecha que nos salvaria. As pessoas se levantavam no meio do show e iam embora revoltadas Mas voltavam no dia seguinte com amigos, para que eles lambem pudessem se levantar e ir embora. Era a última moda detestar Alice Cooper. E com isso estávamos feitos

E ele tinha toda razão. As milhares de publicações começaram a estampar fotos do grupo e ninguém ficava indiferente a nenhuma delas. Mostravam Alice travestido em bruxa, com uma cobra enrolada no corpo, rasgando a bandeira dos EUA, abrindo a cabeça de bonecas a golpes de machadinha, espremendo enormes tubos de dentifrício e jogando-os para a platéia. O quadro se completava com outras fotos de Alice sendo sucessivamente enforcado, eletrocutado e guilhotinado. O anti-herói era punido, mas ressuscitava quantas vezes fosse preciso. E essas imagens estavam diretamente ligadas ao som de seus discos. Cada ouvinte podia compor sua própria história de terror tendo sempre Alice como vilão/bufão.

Aliás, a cada novo disco lançado seguia-se um novo “show” onde as musicas eram encenadas. Elas falavam de violència, mentira, vulgaridade e dinheiro. Exploravam também todo o tipo de paranóias infantis: repressão nas escolas, dor de dentes, corte de cabelos e incompreensão familiar.

— Nossos espetáulos, diz Alice, são peças infantis feitas de encomenda para os garotos dessa década. O que eles veem na TV, acontece também no palco. Apresentamos uma sucessão tão rápida de acontecimentos que ninguém é capaz de digerir a coisa toda. Mostramos mil problemas e não damos nenhuma resposta. Os garotos acreditam na gente porque somos os primeiros a não acreditar em nada.

Novamente Alice tem razão. Todos os outros “performers” do rock que acrediram demasiadamente no que faziam acabaram se destruindo.

Iggy Stooge, de tanto auto-flagelar-se no palco, acabou hóspede permanente de hospitais. O MC5, que defendia causas de esquerda, dissolveu-se. O The Who, esse ano, resolveu parar com o “teatro” e se dedicar apenas à musica. Os Mothers of Invention se desentenderam com Frank Zappa e sumiram no mundo. Marc Bolan ficou desacreditado por ser narcista demais. Jobriath desistiu de tudo antes mesmo de se apresentar em público. Restaram apenas David Bowie, Leu Reed e mais recentemente, Leo Sayer.

— Mas esses são diferentes, esclarece Alice. Exploram o lado teatral em suas apresentações, gostam de uma imagem requintada, mas seus discos são intelectuais demais para o meu gosto.

Talvez Vincent Fournier, mais conhecido como Alice Cooper, não dissesse uma coisa dessas de seus colegas se não estivesse caracterizado de Alice Cooper. Fora do palco, Vincent é um rapaz tímido e simpático, que gosta da família, de sua mulher Cindy e de seus companheiros de conjunto.

Mas depois de consumirmos todos os discos de Alice Cooper, do espanto e /ou riso de suas fotos em revistas e “tapes” da TV, Vincent Fournier é uma peça secundária na industria do rock. O importante é o personagem assumido por ele — o imprevisível e carismático Alice Cooper. É ele que não podemos deixar de ver hoje a noite no Anbernbi.

>> Leia mais sobre Alice Cooper

Para apresentar aos leitores do Jornal da Tarde os shows de Alice Cooper no Anhembi em 1974, o lendário crítico musical Ezequiel Neves primeiro fez um tratado sobre os grandes “performers/transformers” do rock até chegar no rock teatral de Alice. Numa charmosa diagramação adornada por desenho de cobras, animais que faziam parte da apresentação do artista, Alice Cooper aparece em destaque na seção “Divirta-se” em 30 de março de 1974 segurando um chicote, em meio a retratos de Little Richard, Elvis Presley, Frank Zappa, David Bowie, Leo Sayer e Lou Reed.

Página do Jornal da Tarde 30 de março de 1974 sobre o show de Alice Cooper em São Paulo. Foto: Acervo Estadão

Na segunda parte do texto, sob o título “E dizer que a moda era detestar Alice Cooper”, Ezequiel Neves mostra e analisa o pensamento de Alice Cooper naqueles dias:

Nossos espetáulos, diz Alice, são peças infantis feitas de encomenda para os garotos dessa década. O que eles veem na TV, acontece também no palco. Apresentamos uma sucessão tão rápida de acontecimentos que ninguém é capaz de digerir a coisa toda. Mostramos mil problemas e não damos nenhuma resposta. Os garotos acreditam na gente porque somos os primeiros a não acreditar em nada.

Novamente Alice tem razão. Todos os outros “performers” do rock que acrediram demasiadamente no que faziam acabaram se destruindo...”

Leia a íntegra:

Jornal da Tarde - 30 de março de 1974

Divirta-se

Por Ezequiel Neves

Há 19 anos, quando o rock ainda era chamado “rock’n roll”, Little Richard, um negro dé 22 anos, nascido em Macon, Georgia, já assaltava as platéias com sua “perfomance” frenética, na melhor tradição dos mestres do “vaudeville” norte-americano. Richard usava maquilagem forte, roupas de cores berrantes e sua voz era estridente e agressiva. Consciente da teatralidade do rock, ele foi o primeiro cantor popular a fazer de seus concertos verdadeiros espetáculos visuais.

Um ano mais tarde, Elvis Presley usaria recursos quase idênticos para conquistar as platéias brancas dos EUA. Enquanto os jovens o recebiam como um novo ídolo, os gerações mais velhas se escandalizavam com seus malabarismos corporais. Ele se atrevia a rebolar no palco recebendo por causa disso, o apelido de “Elvis, the Pelvis”. Houve depois um intervalo de dez anos em que o gênero rock se diluiu. Só resurgiu, via-Beatles, na era da explosão tecnológica.

Apareceram então Frank Zappa, Iggy Stooge e o MC5. E estava inaugurado o “rock teatral”, cujo representante máximo é hoje Alice Cooper. Trazendo o “grand-guignol” (teatro macabro) para o rock, Alice abriu as portas para uma infinidade de “performers” norte-americanos e ingleses. É bem verdade que Jimi Hendrix, The Who e Mick Jagger já usavam recursos teatrais em suas apresentações. Mas foi graças a Alice que surgiram Lou Reed, David Bowie, Marc Bolan, Roxy Music, Genesis, Leo Sayer e Jobriath.

E DIZER QUE A MODA ERA DETESTAR ALICE COOPER!

No maior auditório da cidade, às 21h de hoje, o show mais falado do ano.

Sobre todos esses “performers/transformers” Alice Cooper leva vantagem: ele nunca se levou a sério. Sendo o primeiro a se desmistificar. Se em 1969 a imprensa do rock contava apenas com urna centena de jornais e revistas espalhados pelos EUA, Inglaterra e França, dois anos mais tarde, nos quatro cantos do planeta, esse número se elevaria a quase duas mil publicações.

O ″rock business” transformou-se numa indústria de entretenimento mais lucrativa que o cinema, e os meios de divulgação se encarregam de alicerçar ainda mais o fascínio de sua constelação de estrelas. Jornalistas e repórteres enfatizavam o lado glamoroso e “artistico” de qualquer candidato a superstar e o grotesco devia ser evitado a qualquer custo.

Mas com Alice Cooper esse tipo de estratagema não funcionava Ele nunca aceitou a simples glorificação, jamais dispensou o bom humor e as contradições e sempre gozou a ridícula empáfia dos homens de imprensa do rock. Preferia se envolver com o lado mais grotesco e bizarro que todas as coisas sempre podem revelar. A piada, o cinismo e a lucidez foram peças importantes que ele soube manipular para fazer sucesso.

Numa longa entrevista ao jornalista Chris Holdenfleld, publicada no final de 71, na revista “Rolling Stone”, ele confessou:

— Sabe como começamos? A violência tese início dois anos atrás, em Detroit, quando não conseguíamos cem dólares por apresentação. Eu e o grupo estávarnos desesperados e chegando à loucura. Pouco a pouco estávamos enlouquecendo no palco e começamos a perceber que isso poderia ser explorado visualmente. Nosso desespero era teatral e de repente descobrimos que as pessoas gostavam de nossas agressões. Foi nosso desespero que indicou a brecha que nos salvaria. As pessoas se levantavam no meio do show e iam embora revoltadas Mas voltavam no dia seguinte com amigos, para que eles lambem pudessem se levantar e ir embora. Era a última moda detestar Alice Cooper. E com isso estávamos feitos

E ele tinha toda razão. As milhares de publicações começaram a estampar fotos do grupo e ninguém ficava indiferente a nenhuma delas. Mostravam Alice travestido em bruxa, com uma cobra enrolada no corpo, rasgando a bandeira dos EUA, abrindo a cabeça de bonecas a golpes de machadinha, espremendo enormes tubos de dentifrício e jogando-os para a platéia. O quadro se completava com outras fotos de Alice sendo sucessivamente enforcado, eletrocutado e guilhotinado. O anti-herói era punido, mas ressuscitava quantas vezes fosse preciso. E essas imagens estavam diretamente ligadas ao som de seus discos. Cada ouvinte podia compor sua própria história de terror tendo sempre Alice como vilão/bufão.

Aliás, a cada novo disco lançado seguia-se um novo “show” onde as musicas eram encenadas. Elas falavam de violència, mentira, vulgaridade e dinheiro. Exploravam também todo o tipo de paranóias infantis: repressão nas escolas, dor de dentes, corte de cabelos e incompreensão familiar.

— Nossos espetáulos, diz Alice, são peças infantis feitas de encomenda para os garotos dessa década. O que eles veem na TV, acontece também no palco. Apresentamos uma sucessão tão rápida de acontecimentos que ninguém é capaz de digerir a coisa toda. Mostramos mil problemas e não damos nenhuma resposta. Os garotos acreditam na gente porque somos os primeiros a não acreditar em nada.

Novamente Alice tem razão. Todos os outros “performers” do rock que acrediram demasiadamente no que faziam acabaram se destruindo.

Iggy Stooge, de tanto auto-flagelar-se no palco, acabou hóspede permanente de hospitais. O MC5, que defendia causas de esquerda, dissolveu-se. O The Who, esse ano, resolveu parar com o “teatro” e se dedicar apenas à musica. Os Mothers of Invention se desentenderam com Frank Zappa e sumiram no mundo. Marc Bolan ficou desacreditado por ser narcista demais. Jobriath desistiu de tudo antes mesmo de se apresentar em público. Restaram apenas David Bowie, Leu Reed e mais recentemente, Leo Sayer.

— Mas esses são diferentes, esclarece Alice. Exploram o lado teatral em suas apresentações, gostam de uma imagem requintada, mas seus discos são intelectuais demais para o meu gosto.

Talvez Vincent Fournier, mais conhecido como Alice Cooper, não dissesse uma coisa dessas de seus colegas se não estivesse caracterizado de Alice Cooper. Fora do palco, Vincent é um rapaz tímido e simpático, que gosta da família, de sua mulher Cindy e de seus companheiros de conjunto.

Mas depois de consumirmos todos os discos de Alice Cooper, do espanto e /ou riso de suas fotos em revistas e “tapes” da TV, Vincent Fournier é uma peça secundária na industria do rock. O importante é o personagem assumido por ele — o imprevisível e carismático Alice Cooper. É ele que não podemos deixar de ver hoje a noite no Anbernbi.

>> Leia mais sobre Alice Cooper

Para apresentar aos leitores do Jornal da Tarde os shows de Alice Cooper no Anhembi em 1974, o lendário crítico musical Ezequiel Neves primeiro fez um tratado sobre os grandes “performers/transformers” do rock até chegar no rock teatral de Alice. Numa charmosa diagramação adornada por desenho de cobras, animais que faziam parte da apresentação do artista, Alice Cooper aparece em destaque na seção “Divirta-se” em 30 de março de 1974 segurando um chicote, em meio a retratos de Little Richard, Elvis Presley, Frank Zappa, David Bowie, Leo Sayer e Lou Reed.

Página do Jornal da Tarde 30 de março de 1974 sobre o show de Alice Cooper em São Paulo. Foto: Acervo Estadão

Na segunda parte do texto, sob o título “E dizer que a moda era detestar Alice Cooper”, Ezequiel Neves mostra e analisa o pensamento de Alice Cooper naqueles dias:

Nossos espetáulos, diz Alice, são peças infantis feitas de encomenda para os garotos dessa década. O que eles veem na TV, acontece também no palco. Apresentamos uma sucessão tão rápida de acontecimentos que ninguém é capaz de digerir a coisa toda. Mostramos mil problemas e não damos nenhuma resposta. Os garotos acreditam na gente porque somos os primeiros a não acreditar em nada.

Novamente Alice tem razão. Todos os outros “performers” do rock que acrediram demasiadamente no que faziam acabaram se destruindo...”

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Jornal da Tarde - 30 de março de 1974

Divirta-se

Por Ezequiel Neves

Há 19 anos, quando o rock ainda era chamado “rock’n roll”, Little Richard, um negro dé 22 anos, nascido em Macon, Georgia, já assaltava as platéias com sua “perfomance” frenética, na melhor tradição dos mestres do “vaudeville” norte-americano. Richard usava maquilagem forte, roupas de cores berrantes e sua voz era estridente e agressiva. Consciente da teatralidade do rock, ele foi o primeiro cantor popular a fazer de seus concertos verdadeiros espetáculos visuais.

Um ano mais tarde, Elvis Presley usaria recursos quase idênticos para conquistar as platéias brancas dos EUA. Enquanto os jovens o recebiam como um novo ídolo, os gerações mais velhas se escandalizavam com seus malabarismos corporais. Ele se atrevia a rebolar no palco recebendo por causa disso, o apelido de “Elvis, the Pelvis”. Houve depois um intervalo de dez anos em que o gênero rock se diluiu. Só resurgiu, via-Beatles, na era da explosão tecnológica.

Apareceram então Frank Zappa, Iggy Stooge e o MC5. E estava inaugurado o “rock teatral”, cujo representante máximo é hoje Alice Cooper. Trazendo o “grand-guignol” (teatro macabro) para o rock, Alice abriu as portas para uma infinidade de “performers” norte-americanos e ingleses. É bem verdade que Jimi Hendrix, The Who e Mick Jagger já usavam recursos teatrais em suas apresentações. Mas foi graças a Alice que surgiram Lou Reed, David Bowie, Marc Bolan, Roxy Music, Genesis, Leo Sayer e Jobriath.

E DIZER QUE A MODA ERA DETESTAR ALICE COOPER!

No maior auditório da cidade, às 21h de hoje, o show mais falado do ano.

Sobre todos esses “performers/transformers” Alice Cooper leva vantagem: ele nunca se levou a sério. Sendo o primeiro a se desmistificar. Se em 1969 a imprensa do rock contava apenas com urna centena de jornais e revistas espalhados pelos EUA, Inglaterra e França, dois anos mais tarde, nos quatro cantos do planeta, esse número se elevaria a quase duas mil publicações.

O ″rock business” transformou-se numa indústria de entretenimento mais lucrativa que o cinema, e os meios de divulgação se encarregam de alicerçar ainda mais o fascínio de sua constelação de estrelas. Jornalistas e repórteres enfatizavam o lado glamoroso e “artistico” de qualquer candidato a superstar e o grotesco devia ser evitado a qualquer custo.

Mas com Alice Cooper esse tipo de estratagema não funcionava Ele nunca aceitou a simples glorificação, jamais dispensou o bom humor e as contradições e sempre gozou a ridícula empáfia dos homens de imprensa do rock. Preferia se envolver com o lado mais grotesco e bizarro que todas as coisas sempre podem revelar. A piada, o cinismo e a lucidez foram peças importantes que ele soube manipular para fazer sucesso.

Numa longa entrevista ao jornalista Chris Holdenfleld, publicada no final de 71, na revista “Rolling Stone”, ele confessou:

— Sabe como começamos? A violência tese início dois anos atrás, em Detroit, quando não conseguíamos cem dólares por apresentação. Eu e o grupo estávarnos desesperados e chegando à loucura. Pouco a pouco estávamos enlouquecendo no palco e começamos a perceber que isso poderia ser explorado visualmente. Nosso desespero era teatral e de repente descobrimos que as pessoas gostavam de nossas agressões. Foi nosso desespero que indicou a brecha que nos salvaria. As pessoas se levantavam no meio do show e iam embora revoltadas Mas voltavam no dia seguinte com amigos, para que eles lambem pudessem se levantar e ir embora. Era a última moda detestar Alice Cooper. E com isso estávamos feitos

E ele tinha toda razão. As milhares de publicações começaram a estampar fotos do grupo e ninguém ficava indiferente a nenhuma delas. Mostravam Alice travestido em bruxa, com uma cobra enrolada no corpo, rasgando a bandeira dos EUA, abrindo a cabeça de bonecas a golpes de machadinha, espremendo enormes tubos de dentifrício e jogando-os para a platéia. O quadro se completava com outras fotos de Alice sendo sucessivamente enforcado, eletrocutado e guilhotinado. O anti-herói era punido, mas ressuscitava quantas vezes fosse preciso. E essas imagens estavam diretamente ligadas ao som de seus discos. Cada ouvinte podia compor sua própria história de terror tendo sempre Alice como vilão/bufão.

Aliás, a cada novo disco lançado seguia-se um novo “show” onde as musicas eram encenadas. Elas falavam de violència, mentira, vulgaridade e dinheiro. Exploravam também todo o tipo de paranóias infantis: repressão nas escolas, dor de dentes, corte de cabelos e incompreensão familiar.

— Nossos espetáulos, diz Alice, são peças infantis feitas de encomenda para os garotos dessa década. O que eles veem na TV, acontece também no palco. Apresentamos uma sucessão tão rápida de acontecimentos que ninguém é capaz de digerir a coisa toda. Mostramos mil problemas e não damos nenhuma resposta. Os garotos acreditam na gente porque somos os primeiros a não acreditar em nada.

Novamente Alice tem razão. Todos os outros “performers” do rock que acrediram demasiadamente no que faziam acabaram se destruindo.

Iggy Stooge, de tanto auto-flagelar-se no palco, acabou hóspede permanente de hospitais. O MC5, que defendia causas de esquerda, dissolveu-se. O The Who, esse ano, resolveu parar com o “teatro” e se dedicar apenas à musica. Os Mothers of Invention se desentenderam com Frank Zappa e sumiram no mundo. Marc Bolan ficou desacreditado por ser narcista demais. Jobriath desistiu de tudo antes mesmo de se apresentar em público. Restaram apenas David Bowie, Leu Reed e mais recentemente, Leo Sayer.

— Mas esses são diferentes, esclarece Alice. Exploram o lado teatral em suas apresentações, gostam de uma imagem requintada, mas seus discos são intelectuais demais para o meu gosto.

Talvez Vincent Fournier, mais conhecido como Alice Cooper, não dissesse uma coisa dessas de seus colegas se não estivesse caracterizado de Alice Cooper. Fora do palco, Vincent é um rapaz tímido e simpático, que gosta da família, de sua mulher Cindy e de seus companheiros de conjunto.

Mas depois de consumirmos todos os discos de Alice Cooper, do espanto e /ou riso de suas fotos em revistas e “tapes” da TV, Vincent Fournier é uma peça secundária na industria do rock. O importante é o personagem assumido por ele — o imprevisível e carismático Alice Cooper. É ele que não podemos deixar de ver hoje a noite no Anbernbi.

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